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Conhecimento de professores do ensino fundamental sobre dislexia

RESUMO

Objetivo:

descrever o conhecimento de professores do ensino fundamental sobre a dislexia em crianças.

Métodos:

participaram do estudo 10 professores do 1º ao 5° ano do ensino fundamental de escolas públicas do município de Abreu e Lima, Pernambuco. Foi realizada uma entrevista semiestruturada com cada professor, individualmente, na própria escola, usando como base algumas perguntas norteadoras.

Resultados:

a análise de conteúdo possibilitou a identificação de três categorias temáticas: 1. A formação dos professores não aborda a temática da dislexia; 2. Sentimentos e dificuldades do professor alfabetizador diante do desafio da alfabetização; 3. Convivendo com o desconhecimento sobre a dislexia: manejo escolar das possíveis crianças disléxicas.

Conclusão:

a pesquisa revelou o desconhecimento dos professores alfabetizadores acerca do tema dislexia, apesar de terem formação superior e pós-graduação bem como participarem de formações oferecidas pela rede municipal de ensino.

Descritores:
Dislexia; Aprendizagem; Alfabetização

ABSTRACT

Objective:

to describe the knowledge of elementary school teachers on child dyslexia.

Methods:

10 teachers from the 1st to the 5th year of elementary education in public schools in the municipality of Abreu e Lima, Pernambuco, Brazil, participated in the study. A semi-structured interview was conducted with each teacher, individually, in the school itself and was based on some guiding questions.

Results:

content analysis allowed the identification of three thematic categories: 1. Teacher training does not address dyslexia; 2. Feelings and difficulties of the literacy teacher facing the challenges of literacy; 3. Lack of knowledge about dyslexia: school management of possibly dyslexic children.

Conclusion:

the research revealed the lack of knowledge of literacy teachers on dyslexia, despite having undergraduate and postgraduate education, as well as that of teachers who participated in training offered by the municipal education network.

Keywords:
Dyslexia; Learning; Literacy

Introdução

A dislexia é caracterizada como um distúrbio específico de aprendizagem de origem neurológica em que o escolar encontra dificuldade na fluência da leitura, dificuldade nas habilidades de decodificação e soletração, resultantes de um déficit no componente fonológico da linguagem, apesar da instrução recebida adequadamente e da normalidade do nível intelectual11. Lonigan CJ, Purpura DJ, Wilson SB, Walker PM, Clancy-Menchetti J. Evaluating the components of an emergent literacy intervention for preschool children at risk for reading difficulties. J Exp Child Psychol. 2013;114(1):11-30.,22. Snowling MJ. Early identification and interventions for dyslexia: a contemporary view. J Res Spec Educ Needs. 2013;13(1):7-14..

Quase sempre, os quadros de dislexia são acompanhados de uma série de comportamentos que torna o disléxico uma criança diferente. Autores destacam sinais e sintomas característicos da dislexia nos diferentes ciclos de vida, revelando que a alteração acompanhará o sujeito durante o seu desenvolvimento11. Lonigan CJ, Purpura DJ, Wilson SB, Walker PM, Clancy-Menchetti J. Evaluating the components of an emergent literacy intervention for preschool children at risk for reading difficulties. J Exp Child Psychol. 2013;114(1):11-30.,33. Silva C, Capellini SA. Efficacy of phonological intervention program in students at risk for dyslexia. Rev. CEFAC. 2015;17(6):1827-37..

A criança disléxica apresenta, como consequência, um rendimento escolar inferior ao esperado em relação à idade cronológica, ao seu potencial intelectual e à sua escolaridade, sendo comuns indícios de fracasso escolar 44. Teixeira AG. Manual dos transtornos escolares: entendendo os problemas de crianças e adolescentes na escola. 2ed. Rio de Janeiro: Best Seller, 2013.. Desse modo, a criança pode apresentar uma autoestima abalada por se achar incapaz ou até mesmo inferior aos seus colegas. Por não conseguir ter a mesma facilidade ao ler um texto, fica desmotivada e perde o interesse pela leitura. Muitas vezes, pode ser considerada preguiçosa, desatenta, sem nenhum empenho em aprender, não obtendo acompanhamento necessário55. Oliveira IFL, Castela GS. Alfabetização e/ou letramento: implicações para o ensino. Rev Travessias [periódico na internet] 2013 [acesso em 16 de janeiro de 2017]; 7(1):281-97. Disponível em: http://e-revista.unioeste.br/index.php/travessias/article/download/8141/6294.
http://e-revista.unioeste.br/index.php/t...
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Quanto mais cedo for identificada a dislexia, a família e a escola terão mais oportunidades em amenizar as dificuldades. Para que isso aconteça é preciso o olhar atento do professor. Neste contexto, o professor desempenha um papel importante no aprendizado da leitura e escrita, pois atua como observador do comportamento da criança em sala de aula, compreendendo, registrando suas dificuldades e potencialidades.

Vale ressaltar, que a alfabetização é o período que exige maior competência do professor, devendo ser capaz de refletir sobre as dificuldades práticas. A literatura66. Baus FS. Aproximación al estudio de la neuroeducación: el encuentro de las ciencias con la escuela. Revista PUCE. 2016;3(102):155-68.,77. Cancela AL. As implicações da dislexia no processo de aprendizagem na perspectiva dos professores do 1º ciclo do Ensino Básico [dissertação]. Porto (Portugal): Universidade Fernando Pessoa; 2014. ressalta que o professor precisa estar preparado para entender os transtornos de aprendizagem, assim como o desenvolvimento da criança e como estes podem se relacionar com a aprendizagem.

Para alguns autores88. Costa JPF, Tavares Júnior AB, Santos HMP, Albuquerque YML, Silva BBTN, Maciel GES et al. Nível de conhecimento dos professores de escolas públicas e particulares sobre dislexia. XII Jornada de Ensino, Pesquisa e Extensão - JEPEX 2013 - UFRPE: Recife, 9 a 13 de Dezembro 2013. o conhecimento do professor sobre a dislexia assume grande importância no pré-diagnóstico, encaminhamento e intervenção. Porém não cabe ao mesmo realizar o diagnóstico dos transtornos de aprendizagem. Para tal finalidade a criança deve ser avaliada por uma equipe multidisciplinar composta, minimamente, por médico, psicólogo e fonoaudiólogo, que devem ouvir o professor durante o processo de avaliação.

Parece fundamental que os professores conheçam um pouco das características da dislexia para que possam identificar precocemente os seus sinais e sintomas. Tal participação pode ser ainda essencial no cenário da escola pública brasileira, pois, com muita frequência, as crianças não têm acesso ao acompanhamento de equipe especializada, uma vez que tais equipes em geral não estão presentes neste contexto.

É devido aos aspectos anteriormente expostos e à escassez de pesquisas com o enfoque no conhecimento dos professores acerca da dislexia que este estudo se torna relevante, propondo uma reflexão para eventuais lacunas na formação dos docentes, e fornecendo dados para o planejamento de estratégias mais eficazes para os alunos com problemas de aprendizagem, especialmente os disléxicos.

Ante o exposto, o presente estudo teve como objetivo descrever o conhecimento de professores da rede pública municipal sobre dislexia.

Métodos

O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco, sob o parecer CAAE 45100315.3.0000.5208, seguindo, portando, a legislação brasileira aplicada à ética em pesquisa envolvendo seres humanos.

Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, de natureza exploratória, que foi realizada em escolas da rede pública de ensino do município de Abreu e Lima, Pernambuco. A população do estudo foi composta por 10 professoras do 1o ao 5o ano do ensino fundamental, por ser este o período que compreende o ciclo de alfabetização (1º ao 3º ano) e demais séries do ensino fundamental I (4º e 5º anos), conforme preceitua a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira77. Cancela AL. As implicações da dislexia no processo de aprendizagem na perspectiva dos professores do 1º ciclo do Ensino Básico [dissertação]. Porto (Portugal): Universidade Fernando Pessoa; 2014. e, também, por ser este o período crítico de manifestação da dislexia. O tamanho da amostra foi determinado pelo critério de saturação teórica88. Costa JPF, Tavares Júnior AB, Santos HMP, Albuquerque YML, Silva BBTN, Maciel GES et al. Nível de conhecimento dos professores de escolas públicas e particulares sobre dislexia. XII Jornada de Ensino, Pesquisa e Extensão - JEPEX 2013 - UFRPE: Recife, 9 a 13 de Dezembro 2013..

Além da coleta de dados pessoais dos professores (idade, sexo, tempo de docência, tempo de formação, dentre outros), foram realizadas entrevistas semiestruturadas individuais, usando como base as seguintes perguntas norteadoras:

  • Como você se preparou para ser professor alfabetizador? Qual a sua formação? Participa ou participou de alguma capacitação ou formação continuada?

  • Como você se sente diante do desafio que é alfabetizar? Você tem algum suporte especializado? Gostaria de ter algum? Qual?

  • Você poderia relatar alguma situação de dificuldade que você já vivenciou com um dos seus educandos no processo de alfabetização? Como conseguiu superá-la?

  • Para você o que é dislexia? Já teve algum aluno com este problema? (Se sim, poderia nos contar o caso?)

  • Em sua opinião como a escola deveria se preparar para lidar com a criança que tem dislexia?

  • Gostaria de comentar algo mais sobre esse tema?

Todos os professores que concordaram em participar da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - TCLE.

As entrevistas foram gravadas e transcritas, na íntegra, o que possibilitou a realização de análise de conteúdo na modalidade temática. Optou-se por esta análise por ser simples e adequada a análise discursos diretos (significações manifestas). A técnica de análise de conteúdo pressupõe algumas etapas, definidas por Bardin99. Bardin L. Análise de conteúdo. 1ª ed. Brasil: Edições 70, 2011. como: pré-análise; exploração do material ou codificação; tratamento dos resultados obtidos, inferência e interpretação.

Resultados

A Figura 1, abaixo, apresenta o perfil das10 professoras participantes do estudo. A fim de não identificar as participantes, foi criado um código E (entrevistada) seguido do número da sequência de entrevista, para indicar cada uma das professoras entrevistadas.

Como é possível observar, as professoras estavam na faixa etária compreendida entre 24 e 59 anos (com média de 42 anos) e haviam concluído a graduação no período de 10 a 25 anos (com média de 17,2 anos). Apenas três entrevistadas (E6, E9 e E10) não possuíam formação em nível de pós-graduação, sendo que a professora E10 possuía duas graduações.

Todas essas informações levam a concluir que se tratava de uma amostra com experiência no ensino de crianças no ciclo de alfabetização.

Figura 1:
Perfil das participantes do estudo

Em relação à formação continuada, todas as professoras, sem exceção, relataram que participam de palestras, cursos e capacitações oferecidas pela secretaria municipal de educação, mas que nunca abordaram o tema Dislexia nessas formações.

A análise de conteúdo das respostas obtidas nas entrevistas possibilitou a identificação de três categorias temáticas: 1. A formação dos professores não aborda a temática da dislexia; 2. Sentimentos e dificuldades do professor alfabetizador diante da alfabetização e 3. Compreendendo a dislexia. A seguir serão apresentados alguns recortes de fala que ilustram tais categorias.

A formação dos professores não aborda a temática da dislexia

Com já foi dito acima, apesar do alto nível de formação de base, pois todas as professoras tinham curso superior e a maioria tinha pós-graduação, bem como da oferta de formação continuada no município, todas as professoras relataram não terem tido experiências com o tema “dislexia” e identificam esse aspecto como uma lacuna em sua formação. É o que pode ser percebido, por exemplo, na fala da professora E2, que é clara ao afirmar o seu pouco conhecimento, ou das professoras E1, E4 e E6, que tentam explicar o que é dislexia, mas, de fato, desconhecem o tema.

E1- Eu acho que é um... um... (Silêncio) Como é o nome? Um atraso na aprendizagem, né... Que dificulta a aprendizagem.

E2- Olhe, eu sei muito pouco sobre dislexia. Apesar de ter feito especialização em psicopedagogia e há muito tempo atrás. É... Tá relacionado à dificuldade de leitura, a troca de letras, de fonemas. É mais ou menos por aí que eu entendo.

E4- Eita, agora me pegasse! Dislexia, dislexia é...(Silêncio) É a dificuldade na fala, né?! Num é a dificuldade na fala? Quando a criança vem e tem a dificuldade de passar pra o papel, num é... Ela as vezes sabe e tem dificuldade de expressar o que sabe entendeu, diante dos outros.

E6- Dislexia... Menina... Acho que é alguma coisa relacionada com a escrita. Não sei muito bem. (Silêncio).

Sentimentos e dificuldades do professor alfabetizador diante do desafio da alfabetização

Nesta categoria as falas dos professores revelaram tanto um sentimento de frustração diante da criança que não aprende, das carências estruturais (recursos e materiais) e pedagógicas das escolas, da falta de apoio dos pais (famílias) como é possível observar nas falas de E1, E2 e E4; como também o prazer em lidar com esta etapa tão importante para a formação das crianças, como se percebe nas falas de E4 e E6.

E1- (Silêncio) É assim, realmente é um desafio, né! Porque hoje em dia não tá fácil, né?! Alunos com dificuldades, alunos fora de faixa, alunos indisciplinados, né?! As vezes a estrutura da escola também não ajuda, mas essa daqui tá tudo ok.

E2- Bem, como professora do 4º ano e a gente sabe que ainda é o processo de alfabetização e sabemos que as crianças já deveriam estar lendo e compreendendo. E como aqui, por exemplo, metade da turma não sabe ler. É um desafio muito grande porque é nos impostos um livro e um conteúdo didático que deve ser seguido até o final do ano, e por outro lado, alunos que não sabem si quer a ordem alfabética. Então a gente se divide, por exemplo, É... Em relação a maneira didática, eu faço atividades mais simples, textos menores, e até leitura no quadro, formação de frases em alguns momentos da semana e em outros momentos eu faço o conteúdo com aqueles textos maiores, com aquelas matérias que tem que ser, porque, a outra parte da turma acompanha bem, ler bem e não podem ser prejudicadas.

E4- Ah, eu amo! Eu amo o que faço. Amo mesmo, amo ver eles descobrindo as primeiras letras, chamo demais a atenção dos pais que não querem nada, chamo mesmo. Eu sou braba mesmo com os pais. Eu amo o que faço.

E6- Olha, ainda ocorrem muitas dificuldades, mas o meu prazer em alfabetizar supera todas essas dificuldades. Sabemos que não é fácil, mas com o amor que eu tenho em alfabetizar cada aluno as dificuldades se tornam nada. (Encheu os olhos de lágrimas).

Convivendo com o desconhecimento sobre a dislexia: manejo escolar das possíveis crianças disléxicas

Esta terceira categoria, além de ratificar o desconhecimento dos professores acerca do tema, revelou a dificuldade das escolas para identificar precocemente e acompanhar adequadamente possíveis crianças disléxicas.

No recorte de fala de E2, por exemplo, é possível verificar que a escola não dispõe de um quadro completo de profissionais. E2 sabe da importância da equipe e não tem clareza em relação à organização da educação especial no município. Na mesma linha, porém de modo complementar, E5 reconhece que são necessários maiores investimentos na formação continuada de todos os educadores.

E2- Olha, uma escola deveria ter um grupo de profissionais completos. Fonoaudiólogo, psicopedagogo, psicólogo... E aqui a gente tá tentando. Tem o Núcleo de Educação Especial que trabalha com crianças especiais. Eu não sei se essa parte de formação de profissionais com alunos especiais chegam a identificar esses alunos que tem dificuldade, porque o núcleo a gente tem aqui, mas, funcionada da seguinte forma: Se eu tiver na minha sala alunos com dificuldades especiais, vem uma pessoa pra cá, né, que tem capacitação para e ajuda. Aqui não é o caso, mas nas outras salas tem. Essa escola funciona assim, mas eu sei que nas outras escolas da rede não funciona assim. Tem salas que tem oito alunos especiais, assim, eu já acho um pouco demais. Então, fica uma monitora que ou tá fazendo pedagogia, ou tá fazendo especialização em educação especial. Mas tem muitos lá em baixo, se você quiser ir lá, você vai conhecer melhor o trabalho delas. Mas eu nunca tive uma monitora aqui na minha sala e o que posso dizer por alto é isso.

E5- Teria que preparar todo o quadro, né?! Porque tanto faz eu estar hoje com o quinto ano como depois estar na educação infantil. O município as vezes dá formação pro professor do quito ano, mas amanhã eu posso tá no quarto, no terceiro ou no pré-escolar. Então deveria abranger a todo o quadro.

De modo semelhante, E7 destaca a importância de capacitar o quadro de educadores, pois reconhece o prejuízo que os problemas de aprendizagem podem acarretar ao desenvolvimento infantil.

E7- Acho que teria que capacitar a todos os professores, porque se a criança passa de um que sabe lidar com sua dificuldade pra outro professor não sabe nem pra onde vai, isso pode comprometer não só seu desenvolvimento, mas sua autoestima também. As crianças, hoje em dia se importam muito no que os outros vão pensar delas, às vezes esquece de ser crianças.

Por fim, outro aspecto pôde ser evidenciado na fala de E4, abaixo, além do desconhecimento acerca da dislexia, é a crença de que “o problema” pode ser facilmente resolvido pelo professor, bastando que este dedique atenção ao educando.

E4- Olha, eu acho que com incentivo, entendeu. Porque a timidez a gente consegue superar... Eu acho que dislexia eu num sei se é medo, timidez... (Silêncio) Eu não sei se é uma dessas coisas, mas se for, eu acho que a professora estando junto, o chamando pra si, ele desenrola, eles superam. Agora se deixarem eles assim, querer alcançar sozinho, é claro que ele nunca vai ficar bom dessa dislexia.

Discussão

A qualidade da educação básica brasileira tem sido questionada há bastante tempo e algumas medidas têm sido adotadas com o propósito de assegurar melhorias. Dentre tais medidas, destaca-se a exigência, a partir da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira1010. Brasil, Lei de Diretrizes e Bases; 175º da Independência e 108º da República, 20 de dezembro de 1996., de que todos os professores do ensino fundamental tenham formação em nível superior. Como foi visto, na amostra de dez professoras do presente estudo, todas possuíam curso superior e oito tinham especialização ou mestrado. Apesar desse elevado nível de formação, bem como da experiência na docência (maior que dez anos), foi possível observar o desconhecimento acerca do tema dislexia.

Ao que parece, portanto, há uma enorme lacuna na formação dos professores alfabetizadores brasileiros, que não tem sido suprida pela formação básica e pós-graduação, bem pelas formações em serviço1111. Medeiros MCG. O que os professores conhecem sobre dislexia e o transtorno de déficit de atenção / hiperatividade. Coleção: Prata da Casa. Universidade Vale do Paraíba, 2012.,1212. Pinto CMRGF. O dia-a-dia da dislexia em sala de aula. Os conhecimentos dos professores do Primeiro Ciclo sobre alunos disléxicos. [Dissertação] Castelo Branco (Portugal): Instituto Politécnico Castelo Branco; 2012.. Tal lacuna desvelou-se, no caso das professoras do presente estudo por meio do desconhecimento sobre dislexia. Dentre as definições apresentadas pelas dez professoras não houve uma sequer que se aproxime do entendimento atual da comunidade científica sobre o assunto, como pôde ser percebido na Categoria Temática 1.

Outras pesquisas1313. Lima C. Dislexia no 1º ciclo: da actualidade científica às concepções dos professores. 2005. Disponível em: http://www.psicologia.com.pt. Acesso em 04 jan. 2017.
http://www.psicologia.com.pt...

14. Guaresi R, Santos CS, Mangueira M. Abordagem da dislexia na região de Vitória da Conquista na Bahia: uma análise sob a perspectiva neurocientífica. Letras de Hoje [periódico na Internet], 2015 [Acesso em 15 de dezembro de 2016]; 50(1):49-56. Disponível em: http://dx.doi.org/10.15448/1984-7726.2015.1.18872
https://doi.org/http://dx.doi.org/10.154...
-1515. Tabaquim MLM, Dauruiz S, Prudenciatti SM, Niquerito AV. Concepção de professores do ensino fundamental sobre a dislexia do desenvolvimento. Rev. bras. Estud. pedagog. [periódico na Internet], 2016 [Acesso em 22 de dezembro de 2016]; 97(245):131-46. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S2176-6681/368214020.
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também ressaltaram o desconhecimento dos professores sobre o tema dislexia. Comumente, os educadores apresentam dificuldades em eleger as principais características, classificar, estabelecer a causa e, principalmente, explicar como identificar alunos com dislexia.

Tal percepção é importante, pois o professor em geral é o primeiro profissional a se confrontar com as dificuldades manifestadas por crianças com dislexia no período inicial da alfabetização. Logo, os anos iniciais de escolarização são cruciais para a identificação precoce de escolares com dislexia e o professor deve estar instrumentalizado para auxiliá-lo a avançar no processo de aprendizagem da leitura e escrita. De modo específico o educador necessita identificar estes alunos, encaminhar, se necessário, para os serviços extraescolares competentes e promover a intervenção pedagógica adequada no ambiente escolar77. Cancela AL. As implicações da dislexia no processo de aprendizagem na perspectiva dos professores do 1º ciclo do Ensino Básico [dissertação]. Porto (Portugal): Universidade Fernando Pessoa; 2014.,1313. Lima C. Dislexia no 1º ciclo: da actualidade científica às concepções dos professores. 2005. Disponível em: http://www.psicologia.com.pt. Acesso em 04 jan. 2017.
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O despreparo do professor pode contribuir ainda para o agravamento do quadro, na medida em que o mesmo poderá não saber lidar com os sintomas associados da dislexia, tais como o isolamento na sala e nos demais ambientes da escola, assim como a falta de motivação para o aprendizado. A criança disléxica pode apresentar dificuldade e resistência em se expor frente aos demais colegas. Para motivar o aluno, é necessário que o professor tenha aprofundamento no assunto e possa apoiá-lo de forma adequada1616. Freitas CFB. Dislexia: dificuldades de aprendizagem na escola [monografia]. Medianeira (Paraná): Universidade Tecnológica Federal do Paraná; 2014..

Além da dificuldade para identificação da dislexia, o professor frequentemente se depara com muitas outras demandas no período de alfabetização. Na Categoria Temática 2 foi possível observar na fala de algumas professoras o sentimento e as dificuldades que enfrentam no processo de alfabetização. Foram citados, por exemplo, os problemas estruturais das escolas, escassez de recursos didáticos, falta de apoio das famílias, problemas de metas e programa a ser ministrado para turmas muito heterogêneas em termos de desenvolvimento e aprendizagem, dentre outras questões.

De modo semelhante, um estudo1717. Carvalho FB, Crenitte PAP, Ciasca SM. Distúrbio de aprendizagem na visão do professor. Rev. Psicopedagogia. 2007;24(75):229-39. investigou o conhecimento do professor quanto aos distúrbios de aprendizagem, sendo aplicado um questionário com dez professores da rede pública do ensino fundamental. Os dados revelaram que os participantes não possuíam conhecimento frente ao tema, porém as autoras, na tentativa de justificar tais resultados, destacam os desafios encontrados, tais como: escolas sem estrutura, sem condições físicas para atender aos alunos, professores com excesso de carga horária e baixos salários e, como consequência, muitas crianças não aprendem.

Vale ressaltar que os problemas educacionais não estão apenas na vertente do aluno que não aprende, mas também na formação do professor. Como visto, é fundamental o conhecimento do educador sobre o tema dislexia, para que o mesmo auxilie a criança no processo de aprendizagem. Porém, no caso do presente estudo, a temática em pauta jamais foi abordada nas formações oferecidas pelo município, como mencionado por todas as professoras na Categoria Temática 3.

A formação continuada permite que o educador se atualize, adquira novos conhecimentos, aprofundando conhecimentos sobre alfabetização, interdisciplinaridade e inclusão como princípio fundamental do processo educativo. A formação deve enfocar os planos de aula, sequências didáticas, mapeamento das habilidades e competências de cada aluno, para traçar estratégias que permitam a aprendizagem. Dessa forma permitirá ao docente a reflexão sobre os desafios que consistem no processo de alfabetização1818. Machado MGFK, Staub T. PNAIC: relatos de experiência de uma formação continuada para a garantia de uma alfabetização de sucesso. Colóquio Internacional de Educação 2014. Eixo 2 - Organização e Gestão da Educação Básica e Superior | Relato de Experiência..

O educador bem capacitado é capaz de identificar precocemente problemas de aprendizagem, amenizar consideravelmente os transtornos advindos da dislexia, viabilizar economia para as famílias e para os sistemas públicos de educação e saúde, além de concretizar os objetivos da escola, ou seja, o desenvolvimento sóciocognitivo pleno do indivíduo e sua capacidade para o trabalho e exercício da cidadania1919. Souza EEP. A formação continuada do professor alfabetizador nos cadernos do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) [dissertação]. Florianópolis (Santa Catarina): Universidade Federal de Santa Catarina; 2014..

Diante disso, a instituição de ensino precisa investir, constantemente, na formação de sua equipe pedagógica, por meio de reuniões, oficinas, estudos de caso, dentre outros, pelos quais possam ser debatidos diversos tópicos com diferentes metodologias de ensino, possibilitando o aprimoramento da prática docente1515. Tabaquim MLM, Dauruiz S, Prudenciatti SM, Niquerito AV. Concepção de professores do ensino fundamental sobre a dislexia do desenvolvimento. Rev. bras. Estud. pedagog. [periódico na Internet], 2016 [Acesso em 22 de dezembro de 2016]; 97(245):131-46. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S2176-6681/368214020.
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Um outro aspecto que tem sido bastante abordado na literatura na área é que a formação permanente dos educadores deve estar pautada na evidência científica, no que tem sido chamado de “Educação baseada em evidência”. Dentro desta linha, defende-se que o ensino seja apoiado nos princípios da Neuroeducação, compreendendo que as dimensões cognitivas, emocionais, afetivas e motoras estão associadas às funções das áreas corticais cerebrais, sendo possível selecionar estratégias pedagógicas a partir dessa compreensão2020. Grossi MGR, Lopes AM, Couto PA. A neurociência na formação de professores: um estudo da realidade brasileira. Rev Faeeba. 2014;23(41):27-40..

Assim, para promover a identificação precoce da dislexia, o professor precisa apoiar-se nesses princípios, atuando juntamente com uma equipe multidisciplinar formada por médicos, psicólogos, fonoaudiólogo e psicopedagogo. O profissional docente dará o suporte necessário na sala de aula, ambiente em que a criança é mais solicitada a superar suas dificuldades, minorando as consequências do transtorno sobre o seu desenvolvimento global2121. Vasconcelos DHF. Dislexia e escola: um olhar crítico sobre a equipe multidisciplinar e sua relação com as práticas pedagógicas tendo como foco o professor [dissertação]. João Pessoa (Paraíba): Universidade Federal da Paraíba; 2011..

É inegável a importância da equipe multidisciplinar para a aprendizagem da criança com dislexia, porém na realidade educacional brasileira é comum a ausência de equipes mínimas, com psicólogos, fonoaudiólogos e psicopedagogos nas escolas. Este fator certamente contribui para o desconhecimento dos educadores sobre a dislexia.

Diferentemente, países desenvolvidos, como Cingapura, Japão, Finlândia e Canadá, possuem equipes multidisciplinares nas escolas, investindo em políticas públicas, voltadas para identificação de crianças com dificuldades de aprendizagem, e na formação docente. Os resultados dessas ações podem ser comprovados pelas avaliações internacionais, como o PISA2222. OCDE. PISA 2015. Technical Report. 2015. Versão eletrônica. Disponível em: http://www.oecd.org/pisa/. Acesso em: 19 jan. 2017.
http://www.oecd.org/pisa/...
de 2015, que aponta estes países como destaques quando se trata de qualidade da educação.

Diante destas questões, surge a reflexão: se as escolas brasileiras não estão preparadas, qual o futuro das crianças disléxicas? Como estas crianças podem suprir as dificuldades escolares? Partindo destes questionamentos, observa-se a necessidade de maior investimento em políticas públicas capazes de acolher e incluir todos os escolares em suas necessidades específicas.

Conclusão

A pesquisa revelou o desconhecimento dos professores alfabetizadores acerca do tema dislexia, apesar de terem formação superior e pós-graduação bem como participarem de formações oferecidas pela rede municipal de ensino.

Os desafios diante do processo de alfabetização revelados nos discursos dos professores, por si, já apontam aspectos que precisam ser revistos e solucionados para que uma educação de qualidade seja oferecida aos estudantes brasileiros. Dentre estes aspectos, é possível listar: a formação básica e permanente dos professores, a necessidade de uma formação alinhada à ciência da aprendizagem humana, maiores investimentos em recursos didáticos e equipes multiprofissionais de suporte especializado, maior envolvimento das famílias no processo de aprendizagem dos seus filhos, dentro outros.

É possível concluir que os fatores de dificuldades apresentados pelos próprios educadores corroboram a insuficiência de conhecimento dos mesmos sobre a dislexia.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Fev 2018

Histórico

  • Recebido
    02 Jul 2017
  • Aceito
    15 Nov 2017
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