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Estudo da plasticidade neural em adultos e idosos novos usuários de aparelho de amplificação sonora individual

RESUMO

Objetivo:

monitorar a plasticidade das vias auditivas centrais em adultos e idosos, novos usuários de Aparelho de Amplificação Sonora Individual, por meio dos Potenciais Evocados Auditivos de Longa Latência.

Métodos:

foram avaliados 15 adultos e idosos, com idades entre 55 e 85 anos, com perda auditiva neurossensorial de grau leve a moderado bilateral simétrica, sem experiência prévia com qualquer tipo de prótese auditiva. Os Potenciais Evocados Auditivos de Longa Latência foram realizados nas condições com e sem amplificação a 60 e 75 dBnNA, com estímulo de fala em campo sonoro, em dois momentos de avaliação: até uma semana após adaptação do Aparelho de Amplificação Sonora Individual e após seis meses de uso do aparelho. Foi utilizado o teste t de Student para análise estatística, considerando-se como significante p-valor<0,05.

Resultados:

observou-se respostas com menores valores de latência para a orelha direita na segunda avaliação. Comparando a primeira com a segunda avaliação, tanto com quanto sem o uso da prótese, observou-se aumento da amplitude P2-N2 e aumento da latência do componente P2 na intensidade de 75 dBnNA. Não foram observadas diferenças estatisticamente significantes na intensidade de 60 dBnNA.

Conclusão:

o uso do Aparelho de Amplificação Sonora Individual promoveu a plasticidade das vias auditivas centrais, aumentando o número de neurônios responsivos aos estímulos sonoros.

Descritores:
Auxiliares de Audição; Plasticidade Neuronal; Potenciais Evocados Auditivos; Perda Auditiva; Privação Sensorial

ABSTRACT

Purpose:

to monitor, with long-latency auditory evoked potentials, the plasticity of the central auditory pathways in adults and older adults, new users of hearing aids.

Methods:

a total of 15 adults and older adults, aged 55 to 85 years, participated in the research. They had a symmetric bilateral mild to moderate sensorineural hearing loss, without previous experience with any type of hearing aid. The long-latency auditory evoked potentials were conducted with and without amplification, at 60 and 75 dBnHL, with speech stimulus in a sound field, in two assessment moments: up to one week after fitting the hearing aid and after six months of its use. The Student’s t-test was used for statistical analysis, considering significant the p-value < 0.05.

Results:

responses with lower latency values were observed for the right ear in the second assessment. Comparing the first with the second assessment, both with and without the hearing aid, an increase in the amplitude of P2-N2 was observed, as well as an increase in the latency of the P2 component at the intensity of 75 dBnHL. No statistically significant differences were observed at the intensity of 60 dBnHL. Conclusion:the use of the hearing aid promoted the plasticity of the central auditory pathways, increasing the number of neurons responsive to the sound stimuli.

Keywords:
Hearing Aids; Neuronal Plasticity; Evoked Potentials, Auditory; Hearing Loss; Sensorial Deprivation

Introdução

A neuroplasticidade é a habilidade do sistema nervoso central de se modificar, por meio de uma reorganização estrutural e/ou funcional, dependente de mecanismos intrínsecos e ambientais, que ocorre após intervenção, seja por prática de uma habilidade ou pela exposição frequente a um estímulo11. Cardon G, Campbell J, Sharma A. Plasticity in the developing auditory cortex: evidence from children with sensorineural hearing loss and auditory neuropathy spectrum disorder. J Am Acad Audiol. 2012;23(6):396-495..

Com a estimulação das vias auditivas por meio dos recursos tecnológicos atuais, tais como com o uso do Implante Coclear e do Aparelho de Amplificação Sonora Individual (AASI), modificações nas conexões neuronais podem ser observadas, evidenciando a existência da plasticidade neural11. Cardon G, Campbell J, Sharma A. Plasticity in the developing auditory cortex: evidence from children with sensorineural hearing loss and auditory neuropathy spectrum disorder. J Am Acad Audiol. 2012;23(6):396-495.. Os efeitos da plasticidade decorrentes do uso do AASI podem ser avaliados por meio de testes eletrofisiológicos da audição, também denominados de Potenciais Evocados Auditivos22. Billings CJ. Uses and limitations of electrophysiology with hearing aid. Semin Hear. 2013;34(4):257-69..

Os Potenciais Evocados Auditivos são procedimentos objetivos utilizados no campo da Audiologia Clínica que avaliam a atividade neuroelétrica na via auditiva, desde o nervo auditivo até o córtex cerebral, em resposta a um estímulo acústico. A captação dessa atividade pode ser realizada por eletrodos de superfície localizados nos lóbulos, face ou couro cabeludo33. Hall JW III. eHandbook of auditory evoked response: principles, procedures & protocols. Kindle Direct Publishing; 2015..

Os componentes P1, N1, P2, N2 dos Potenciais Evocados Auditivos de Longa Latência (PEALL) vêm sendo investigados na literatura especializada, mostrando-se bastante promissores na avaliação de indivíduos usuários de AASI para verificação das modificações ocorridas no sistema nervoso auditivo central (SNAC) após a estimulação auditiva com a amplificação sonora44. Souza PE, Tremblay KL. New perspectives on assessing amplification effects. Trends in Amplification. 2006:10(3):119-41.,55. Tremblay KL, Kalstein L, Billings CJ, Souza PE. The neural representation of consonant-vowel transitions in adults who wear hearing aids. Trends in Amplification. 2006;10(3):155-62.. Os possíveis geradores desses componentes abrangem áreas do córtex auditivo primário (lobo temporal superior) e secundário, e sistema límbico, e sofrem a interferência do processo de plasticidade neural66. Mc Pherson DL. Late potentials of the auditory system. San Diego: Singular Publishing Group, 1996..

Além desses, os resultados do componente P3 (ou P300) do PEALL também vem sendo pesquisados em indivíduos usuários de AASI, mostrando ser um método eficaz para verificar como estes indivíduos estão processando objetivamente o sinal acústico. Os possíveis geradores do P300 compreendem o hipocampo, lobo frontal e lobo parietal 66. Mc Pherson DL. Late potentials of the auditory system. San Diego: Singular Publishing Group, 1996..

Sabe-se da existência de uma vasta literatura científica publicada de estudos longitudinais, descrevendo os efeitos da plasticidade neural, por meio da análise dos PEALL, em pacientes usuários de dispositivos eletrônicos. No entanto, cabe ressaltar que a maioria dos artigos relatam experiências de crianças ou de indivíduos usuários de implante coclear. Além disso, encontra-se na literatura estudos que avaliaram indivíduos idosos, porém não longitudinalmente e contemplaram a avaliação de usuários de AASI experientes.

Desta forma, destaca-se a necessidade de evidências científicas relacionadas ao benefício da amplificação na plasticidade neural em indivíduos adultos e idosos usuários de AASI após um determinado período de estimulação ao longo do processo de reabilitação.

O presente estudo tem o diferencial de avaliar longitudinalmente (antes e após seis meses de experiência) indivíduos adultos e idosos novos usuários de AASI, a fim de mensurar os efeitos da plasticidade neural na via auditiva nesta população, tendo como hipótese que indivíduos adultos e idosos com perda auditiva neurossensorial apresentem melhora nos PEALL a partir do uso do AASI.

O objetivo deste estudo foi monitorar a plasticidade das vias auditivas centrais em adultos e idosos, novos usuários de AASI, por meio dos PEALL.

Métodos

Estudo longitudinal prospectivo realizado com indivíduos adultos e idosos, com perda auditiva neurossensorial de grau leve a moderado bilateral simétrica.

A presente pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética em pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP, São Paulo, Brasil, sob número 228/15 e seguiu os preceitos éticos da pesquisa com seres humanos. A coleta foi iniciada após a aprovação do projeto pelo comitê de ética. Todos os participantes foram informados sobre os objetivos e procedimentos e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Participaram deste estudo 15 indivíduos adultos e idosos, com idades entre 55 e 85 anos (72 ± 7,16 anos), sendo sete do sexo masculino e oito do sexo feminino, que estavam iniciando o uso do AASI.

Os critérios de inclusão estabelecidos foram:

  • Otoscopia normal;

  • Presença de perda auditiva neurossensorial bilateral de grau leve a moderado com simetria entre as orelhas, segundo a classificação de Lloyd e Kaplan77. Lloyd LL, Kaplan H. Audiometric interpretation: a manual of basic audiometry. Baltimore: University Park Press; 1978.;

  • Utilização de AASI dentro do período de uma semana até o momento da primeira avaliação;

  • Não apresentar comprometimento neurológico ou psiquiátrico que pudessem interferir na compreensão dos procedimentos a serem realizados. O uso de medicamentos ou a existência de doenças crônicas não foram considerados, neste momento.

Foi realizada avaliação audiológica convencional (medidas de imitância acústica, audiometria tonal liminar e logoaudiometria) para descartar a presença de alteração de orelha média e determinação dos limiares auditivos.

Todos os procedimentos descritos a seguir foram realizados em dois momentos: até uma semana após a adaptação do AASI e após seis meses de uso do AASI. Ressalta-se que a seleção, adaptação e acompanhamento do uso do AASI, bem como os ajustes finos, quando necessários, foram realizados pela equipe de fonoaudiólogos do serviço de saúde auditiva no qual os adultos e idosos eram acompanhados, previamente às avaliações audiológicas.

Para a realização dos PEALL, foi realizada a limpeza da pele e os eletrodos fixados por meio de pasta eletrolítica em posições pré-determinadas (vértex - Cz, e mastóides direita e esquerda - M2 e M1), de acordo com a norma International Electrode System IES 10-2088. Jasper HH. The ten-twenty electrode system of the International Federation. Electroenceph. Clin. Neurophysiol. 1958;10:371-5.. Os valores de impedância dos eletrodos foram verificados e deveriam situar-se abaixo de 5 kOhms.

Para a captação dos PEALL foi utilizado o equipamento modelo Smart EP USB Jr da marca Intelligent Hearing Systems (IHS 5020). O estímulo acústico de fala (sílabas /ba/ e /da/) foi apresentado na intensidade de 60 dBnNA e a 75 dBnNA em sala acusticamente tratada, em campo sonoro previamente calibrado e com a caixa acústica posicionada a 0º azimute a um metro de distância do paciente.

O estímulo foi apresentado a velocidade de 1,1 por segundo, totalizando 300 estímulos, sendo 15% correspondentes ao estímulo raro (sílaba /ba/) e 85% ao estímulo frequente (sílaba /da/). A janela de análise foi de 512 ms e os filtros passa alto e passa baixo de 1 e de 30 Hz.

Cada indivíduo foi avaliado em duas condições, sendo uma delas com ambos os aparelhos ligados, e a outra sem AASI. Desta forma, as orelhas foram estimuladas simultaneamente, sendo captada as respostas das duas vias auditivas (direita e esquerda).

Os indivíduos foram orientados a prestar atenção nos estímulos raros que apareceram, aleatoriamente, dentro de uma série de estímulos frequentes, sendo solicitados a contar o número de vezes que o evento raro ocorreu99. Musiek FE, Lee WW. Potenciais auditivos de média e longa latência. In: Musiek FE, Rintelmann WF (orgs). Perspectivas atuais em avaliação auditiva. 1ª ed. Barueri- SP: Manole; 2001. p. 239-67.. Considerando o uso do paradigma oddball, cada condição de escuta (com e sem AASI e nas intensidades de 60 dBnNA e 75 dBnNA) foi coletada uma única vez.

Após a captação dos PEALL foram analisados os componentes P1, N1, P2, N2 e P3. O componente P3, pico positivo emergente por volta de 300 ms, foi analisado em relação a sua latência e amplitude (N2-P3) no traçado correspondente ao estímulo raro. No traçado correspondente ao estímulo frequente foram identificados os componentes P1 e P2 (picos positivos emergentes por volta de 50 ms e 150 ms) e os componentes N1 e N2 (picos negativos emergentes por volta de 100 ms e 200 ms), sendo analisados quanto à latência e a amplitude (P1-N1 e P2-N2) (Figura 1).

Figura 1:
Exemplo da análise de um traçado do Potencial Evocado Auditivo de Longa Latência

Para aumentar a acurácia da análise dos resultados, os traçados eletrofisiológicos foram analisados cegamente por dois juízes (profissionais experientes na análise dos PEALL). Em casos de divergências, um terceiro juiz (que não teve acesso às análises anteriores) foi consultado.

Os resultados das latências e amplitudes de cada componente foram analisados por meio de medidas estatísticas descritivas, quanto aos valores de média e desvio padrão.

Posteriormente, os dados foram analisados por meio da análise inferencial, buscando comparar os resultados obtidos nas vias auditivas direita e esquerda. Em um segundo momento de análise, foram comparados os resultados obtidos entre os dois momentos de avaliação: até uma semana de uso do AASI e após seis meses de experiência com o AASI.

Considerando que os dados obtidos na amostra apresentaram distribuição normal em torno da média, o teste t de Student para amostra pareada foi utilizado para analisar as comparações. Foram consideradas diferenças estatisticamente significantes, p-valor até 0,05.

Resultados

Tabela 1:
Comparação entre latências (milissegundos) e das amplitudes (microvolts) dos componentes do Potencial Evocado Auditivo de Longa Latência nas vias auditivas direita e esquerda, com intensidade de 60 dBnNA, na condição sem aparelho de amplificação sonora individual
Tabela 2:
Comparação entre latências (milissegundos) e das amplitudes (microvolts) dos componentes do Potencial Evocado Auditivo de Longa Latência nas vias auditivas direita e esquerda, com intensidade de 60 dBnNA, na condição com aparelho de amplificação sonora individual
Tabela 3:
Comparação entre latências (milissegundos) e das amplitudes (microvolts) dos componentes do Potencial Evocado Auditivo de Longa Latência nas vias auditivas direita e esquerda, com intensidade de 75 dBnNA, na condição sem aparelho de amplificação sonora individual
Tabela 4:
Comparação entre latências (milissegundos) e das amplitudes (microvolts) dos componentes do Potencial Evocado Auditivo de Longa Latência nas vias auditivas direita e esquerda, com intensidade de 75 dBnNA, na condição com aparelho de amplificação sonora individual

Na comparação entre as vias auditivas direita e esquerda, considerando as duas intensidades e os dois momentos da avaliação, para as avaliações sem AASI, não se verificou diferenças significantes para nenhum dos componentes avaliados (Tabelas 1 e 3)

Para as avaliações com AASI, observou-se diferenças estatisticamente significantes para as latências dos componentes P1 e N1, na segunda avaliação a 60 dBnNA, com maiores latências à esquerda (Tabela 2). Ainda na segunda avaliação, na intensidade de 75 dBnNA, observou-se diferença estatisticamente significante entre as vias auditivas direita e esquerda para a latência do componente P1 com o uso do AASI, sendo os maiores valores observados também à esquerda (Tabela 4).

Quando foram comparados cada um dos componentes dos PEALL, para cada intensidade utilizada, nas condições com e sem AASI, observou-se diferenças estatisticamente significantes entre a primeira e a segunda avaliação, na via auditiva à esquerda para a amplitude P2-N2 (Figuras 2 e 3), sendo que a amplitude foi maior após seis meses de uso do AASI.

Figura 2:
Comparação das amplitudes do Potencial Evocado Auditivo de Longa Latência entre a 1ª e 2ª avaliação, na condição sem aparelho de amplificação sonora individual , na intensidade de 75 dBnNA

Figura 3:
Comparação das amplitudes do Potencial Evocado Auditivo de Longa Latência entre a 1ª e 2ª avaliação, na condição com aparelho de amplificação sonora individual , na intensidade de 75 dBnNA

Quanto à latência, para o componente N2, foram observadas diferenças nos resultados da via auditiva à esquerda entre ambas as avaliações, tanto sem o uso do AASI (Figura 4) quanto com o uso deste dispositivo (Figura 5), sendo que a latência foi maior na segunda avaliação.

Figura 4:
Comparação das latências do Potencial Evocado Auditivo de Longa Latência entre a 1ª e 2ª avaliação, na condição sem aparelho de amplificação sonora individual , na intensidade de 75 dBnNA

Figura 5:
Comparação das latências do Potencial Evocado Auditivo de Longa Latência entre a 1ª e 2ª avaliação, na condição com aparelho de amplificação sonora individual , na intensidade de 75 dBnNA

Quanto à comparação entre a primeira e segunda avaliação na intensidade de 60 dBnNA não foram observadas diferenças estatisticamente significantes nas situações sem e com AASI (p-valores > 0,05).

Discussão

Neste estudo, por meio dos PEALL, buscou-se verificar modificações nas latências e amplitudes associadas à amplificação em adultos e idosos novos usuários de AASI, como forma de monitorar a plasticidade da via auditiva.

Na primeira etapa, os resultados obtidos nas vias auditivas direita e esquerda com e sem AASI foram comparados, sendo que se observou, nas análises de alguns componentes, maior tempo de latência de processamento sonoro na via auditiva à esquerda.

Considerando que ao longo do SNAC ocorre o cruzamento das vias neurais, que o hemisfério direito processa principalmente sons não-verbais e o esquerdo principalmente sons verbais1010. Kimura D. Cerebral dominance and the perception of verbal stimuli. Can J Psychol. 1961;15(3):167-71.

11. Zatorre RJ. Neural specializations for tonal processing. Ann NY Acad Sci. 2001;930:193-210.
-1212. Oppitz SJ, Bruno RS, Didoné DD, Garcia MV. Temporal resolution and cortical potential in different levels of English proficiency. Rev. CEFAC. 2017;19(1):27-40., pode-se justificar as melhores respostas (menores latências) observadas na via auditiva à direita (hemisfério esquerdo), visto que o estímulo acústico utilizado para eliciar as respostas neurais na presente pesquisa foi a fala.

Em relação ao monitoramento longitudinal da via auditiva antes e após seis meses do uso do AASI, verificou-se aumento da amplitude P2-N2 na intensidade de 75 dBnNA, tanto com quanto sem o AASI, na via auditiva à esquerda.

Poucos estudos na literatura avaliaram a plasticidade resultante do uso de próteses auditivas em novos usuários adultos / idosos e encontraram resultados conflitantes. Um deles avaliou o impacto do uso do AASI após seis meses, sobre o P300, em indivíduos de 16 a 60 anos com perda auditiva neurossensorial unilateral, utilizando estímulo tone burst apresentado de 70 a 100 dB, dependendo do limiar auditivo do indivíduo1313. Fonseca CBF. Estudo dos potenciais evocados auditivos de Longa Latência (P300), em indivíduos com perda auditiva neurossensorial unilateral, antes e após a adaptação de prótese auditiva [Dissertação]. São Paulo (SP): UNIFESP - Escola Paulista de Medicina; 2006.. Foi verificado aumento da amplitude do componente P3001313. Fonseca CBF. Estudo dos potenciais evocados auditivos de Longa Latência (P300), em indivíduos com perda auditiva neurossensorial unilateral, antes e após a adaptação de prótese auditiva [Dissertação]. São Paulo (SP): UNIFESP - Escola Paulista de Medicina; 2006., que diferiu dos achados do presente estudo, mas a metodologia e a amostra também diferiram consideravelmente.

Um outro estudo com metodologia diferente do presente (utilizando tons de 500 e 3000Hz, apresentados em 65, 75 e 85dB) buscou investigar mudanças no processamento auditivo central em novos usuários adultos de AASI uni e bilaterais. Após 12 semanas, nenhuma mudança significante foi observada nas ondas N1 ou P2, embora tenham verificado melhora significante no reconhecimento de fala1414. Dawes P, Munro KJ, Kalluri S, Edwards B. Auditory acclimatization and hearing aids: late auditory evoked potentials and speech recognition following unilateral and bilateral amplification. J Acoust Soc Am. 2014;135(6):3560-9..

Estudos prévios demonstraram que com o uso do AASI há uma diminuição das latências, aumento das amplitudes e melhora na morfologia das ondas do PEALL, quando comparada à situação sem AASI. Além disso, o aumento da amplitude dos componentes dos PEALL reflete a plasticidade após o treinamento auditivo em adultos e pode refletir possíveis aumentos na sincronia neural. Assim, é plausível que os efeitos de amplificação proporcionem mudanças semelhantes na sincronia neural para ouvintes idosos e esses efeitos sejam mensuráveis usando amplitudes de potenciais evocados auditivos corticais1515. Krishnamurti S, Wise L. Effects of amplification on cortical electrophysiological function. Hear Rev. 2018;26(7):26-32.

16. Jang JH, Jang HK, Kim SE, Oh SH, Chang SO, Lee JH. Analysis of P1 latency in normal hearing and profound sensorineural hearing loss. Clin Exp Otorhinolaryngol. 2010;3(4):194-8.
-1717. Ponton CW, Vasama JP, Tremblay K, Khosla D, Kwong B, Don M. Plasticity in the adult human central auditory system: evidence from late-onset profound unilateral deafness. Hear Res. 2001;154(1-2):32-44., conforme pode ser observado nos achados do presente estudo.

No que tange à latência do componente N2, observou-se um aumento após seis meses de uso dos AASI. Este achado é de difícil explicação, uma vez que se espera que haja uma diminuição da latência decorrente da plasticidade. No entanto, estudos prévios vêm mostrando situações semelhantes às observadas no presente estudo, sendo que os autores vêm relacionando estes achados às influências determinadas pelos próprios algoritmos dos AASIs 1818. Marynewich S, Jenstad L, Stapells D. Slow cortical potentials and amplification - Part I: N1-P2 Measures. Int J Otolaryngol. 2012;2012:921513.

19. Chun I, Billings CJ, Miller CW, Tremblay KL. Aided electrophysiology using direct audio input: effects of amplification and absolute signal level. Am J Audiol. 2016;25(1):14-24.
-2020. Billings CJ, Tremblay KL, Miller CW. Aided cortical auditory evoked potentials in response to changes in hearing aid gain. Int J Audiol. 2011;50(7):459-67.. Por exemplo, na comparação dos PEALL entre condições com e sem AASI, observou-se atraso nas latências das ondas N1 e P2 nas orelhas amplificadas1919. Chun I, Billings CJ, Miller CW, Tremblay KL. Aided electrophysiology using direct audio input: effects of amplification and absolute signal level. Am J Audiol. 2016;25(1):14-24.. Um outro estudo comparando AASI analógicos e digitais, por meio de PEALL, verificou latências das ondas N1 e P2 sem diferenças significantes entre condições com e sem AASI, e atraso significante das latências N1 e P2 para ambos os AASI digitais1818. Marynewich S, Jenstad L, Stapells D. Slow cortical potentials and amplification - Part I: N1-P2 Measures. Int J Otolaryngol. 2012;2012:921513..

No que se refere à intensidade do estímulo acústico, observou-se que na menor intensidade avaliada (60 dBnNA), foram observados maiores valores de latência e menores valores de amplitude. Estes achados já eram esperados, principalmente para os primeiros componentes dos PEALL (P1, N1, P2 e N2) que são considerados exógenos por sofrerem interferência das características do estímulo acústico, ou seja, quanto menor a intensidade, menos neurônios respondem a esta estimulação, o que causaria uma diminuição de amplitude e um aumento na latência da resposta33. Hall JW III. eHandbook of auditory evoked response: principles, procedures & protocols. Kindle Direct Publishing; 2015..

Neste estudo, 75 dBnNA foi a melhor intensidade do estímulo acústico empregada, visto que nesta intensidade foram registradas as respostas com menores latências e maiores amplitudes, facilitando a visualização dos componentes dos PEALL.

Sendo assim, sugere-se que o aumento da amplitude observado no presente estudo está relacionado com as modificações morfológicas e funcionais decorrentes do aumento do número de neurônios responsivos, bem como do aumento da ramificação dendrítica e das conexões e sincronizações sinápticas1616. Jang JH, Jang HK, Kim SE, Oh SH, Chang SO, Lee JH. Analysis of P1 latency in normal hearing and profound sensorineural hearing loss. Clin Exp Otorhinolaryngol. 2010;3(4):194-8.,2121. Fallon JB, Irvine DRP, Shepherd RK. Neural prosthesis and brain plasticity. J Neural Eng. 2009;6(6):065008., que ocorreu nos indivíduos adultos e idosos avaliados, após seis meses de uso do AASI.

Sabe-se que a capacidade do cérebro humano em mudar com a experiência auditiva é muito mais efetiva em indivíduos mais jovens. No entanto, essa plasticidade também está presente ao longo de toda a vida1717. Ponton CW, Vasama JP, Tremblay K, Khosla D, Kwong B, Don M. Plasticity in the adult human central auditory system: evidence from late-onset profound unilateral deafness. Hear Res. 2001;154(1-2):32-44. e os achados do presente estudo reforçam a ideia de que mesmo em uma via em degeneração decorrente da idade, os efeitos da plasticidade neural estão presentes, sendo fundamental a intervenção.

Conclusão

Os resultados revelaram que o uso de AASI, durante seis meses, foi capaz de intensificar a plasticidade do SNAC na amostra estudada, aumentando o número de neurônios responsivos aos estímulos sonoros, o que reforça a necessidade de uso de Aparelho de Amplificação Sonora Individual em adultos e idosos com perda auditiva neurossensorial leve ou moderada.

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  • Trabalho realizado no Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - FMUSP - São Paulo, São Paulo, Brasil.
  • Fonte de financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    29 Mar 2020
  • Aceito
    04 Ago 2020
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