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Avaliação da consciência fonológica na síndrome de Williams

Resumo:

OBJETIVOS:

avaliar o desempenho de crianças e adolescentes com Síndrome de Williams em tarefas de consciência fonológica e analisar esse desempenho em função da idade, escolaridade e indicadores de habilidade intelectual.

MÉTODOS:

vinte e duas crianças e adolescentes (11 meninos e 11 meninas) com idades entre 7 e 18 anos realizaram os subtestes cubos e vocabulário das Escala Wechsler de Inteligência para estimativa de habilidades intelectuais e responderam a Prova de Consciência Fonológica por produção oral.

RESULTADOS:

os participantes obtiveram valores do quociente de inteligência estimado compatível com rebaixamento intelectual. Nas habilidades de consciência fonológica os resultados mostraram que os participantes com a síndrome obtiveram desempenho rebaixado em nove dos dez subtestes da prova de consciência fonológica em relação à pontuação padronizada em função da idade, assim como do nível escolar. Não foram encontradas correlações significantes entre consciência fonológica, indicadores de habilidade intelectual, idade e escolaridade.

CONCLUSÃO:

os resultados corroboram os encontrados em pesquisas internacionais sugerindo rebaixamento em consciência fonológica na Síndrome de Williams. Dada a relevância desses achados é necessário incluir programas de estimulação contínua, inclusive com intervenções precoces dirigidas a crianças com Síndrome de Williams em idade pré-escolar, adequação de métodos de ensino e de currículo adaptado.

Descritores:
Síndrome de Williams; Deficiência Intelectual; Consciência

Abstract:

PURPOSES:

assess the performance of children and adolescents with Williams Syndrome in tasks of phonological awareness and analyze it in terms of age, education and indicators of intellectual skills.

METHODS:

twenty two children and adolescents (11 boys and 11 girls), aged 7 to 18 years old, took Block Design and Vocabulary subtests of Wechsler Intelligence Scale for Children to estimate intellectual skills, and the Phonological Awareness Test by Oral Production.

RESULTS:

participants obtained estimate IQ values compatible with intellectual disability. Phonological awareness results indicated that participants with the syndrome had a lower performance in nine out of ten subtests of the Phonological Awareness Test compared to standard scores for children with same age and education level. No significant correlations were found among phonological awareness, intellectual skill indicators, age and level of education.

CONCLUSIONS:

results corroborate the findings of international researches that suggest difficulties in phonological awareness processes in Williams Syndrome. Considering the relevance of these findings, it is necessary to include continuous stimulation programs, including early intervention for preschoolers with Williams Syndrome, adaptation of teaching methods and curriculum.

Keywords:
Williams Syndrome; Intellectual Disability; Awareness

Introdução

A Síndrome de Williams (SW) é uma doença genética causada por uma deleção multigênica hemizigótica no cromossomo 7q11.23, abrangendo, em 95% dos casos, de 1,5 a 1,6Mb (deleção de aproximadamente 26 genes), com prevalência acima de 1:7.500 nascidos vivos 11 Porter MA, Dobson-Stone C, Kwok JBJ, Schofield PR, Beckett W, Beckett W et al. A Role for Transcription Factor GTF2IRD2 in Executive Function in Williams-Beuren Syndrome. PLoS One. 2012;7(10):e474-570. 44 Collins RT, Aziz PF, Gleason MM, Kaplan PB, Shah MJ. Abnormalities of cardiac repolarization in Williams syndrome. Am J Cardiol. 2010; 1;106(7):1029-33. O diagnóstico da SW é feito por avaliação clínica, geralmente durante a infância e baseado em características do fenótipo que incluem bochechas proeminentes, narinas antevertidas, lábios volumosos e sintomas cardiovasculares, principalmente a estenose supravalvar aórtica. Outras alterações típicas da síndrome são disfunções neurocomportamentais, alterações do crescimento, disfunções gastrintestinais e renais 55 Greer J, Riby DM, Hamiliton C, Riby LM. Attentional lapse and inhibition control in adults with Williams Syndrome. Res Dev Disabil. 2013;34(11):4170-7. 77 Pober BR. Williams-Beuren syndrome. N Engl J Med. 2010;21;362(3):239-52.. O diagnóstico definitivo deve ser confirmado por meio de exames genético-moleculares. Embora haja casos mais severos, a maioria das pessoas com SW apresenta deficiência intelectual (DI) de leve a moderada88 Honjo RS. Detecção da microdeleção 7q11.23 por MLPA(r) e estudo clínico dos pacientes com síndrome de Williams-Beuren [tese]. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo; 2012..

Nos últimos anos a SW tem recebido grande atenção por causa de seu perfil cognitivo específico 99 Martens MA, Wilson SJ, Reutens DC. Research Review: Williams syndrome: a critical review of the cognitive, behavioral, and neuroanatomical phenotype. J Child Psychol Psychiatry. 2008;49(6):576-608. 1313 Nunes MM, Honjo RS, Dutra RL, Amaral VS, Amaral VAS, Oh HK et al. Assessment of Intellectual and VisuoSpatial Abilities in Children and Adults with Williams Syndrome. Universitas Psychologica. 2013;12(2):581-9.. Em termos do fenótipo neurocognitivo, a SW aparece frequentemente descrita por um perfil de "picos e vales", em que é possível verificar que as pessoas com SW são relativamente proficientes nas habilidades concretas de linguagem e há melhor desempenho na linguagem expressiva do que na receptiva, o que está em nítido contraste com dificuldades nas habilidades sintático-pragmáticas da linguagem, limitações linguísticas estruturais e funcionais, déficits de habilidades viso-espaciais e executivas (memória de trabalho e planejamento) e prejuízo severo na aprendizagem 1212 Osório A, Cruz R, Sampaio A, Garayzábal E, Martínez-Regueiro R, Gonçalves ÓF et al. How executive functions are related to intelligence in Williams syndrome. Res Dev Disabil. 2012;33(4):1169-75. 1414 Mervis CB. Language and Literacy Development of Children with Williams Syndrome. Top Lang Disord. 2009;29(2):149-69..

Estudos sobre consciência fonológica em indivíduos com SW têm mostrado que o processamento fonológico desempenha um papel importante na sua aprendizagem da leitura 1515 Laing E, Hulme C, Grant J, Karmiloff-Smith A. Learning to read in Williams syndrome: looking beneath the surface of atypical reading development. J Child Psychol Psychiatry 2001;42(6):729-39. 1717 Becerra AM, John AE, Peregrine E and Mervis CB. Reading Abilities of 9 - 17-Year- Olds with Williams Syndrome: Impact of Reading Method. Symposium on Research in Child Language Disorders; Madison, WI. 2008.. A consciência fonológica, além de ser uma reflexão intencional sobre a fala, constitui-se de diferentes níveis, ou seja, a segmentação da língua falada pode se dar em diferentes unidades: a frase pode ser segmentada em palavras, as palavras em sílabas e as sílabas em fonemas 1818 Seabra AG, Capovilla FC. Problemas de leitura e escrita: Como identificar, prevenir e remediar numa abordagem fônica. 6.ed. São Paulo: Memnon Edições Científicas. 2012. 1919 Seabra AG, Dias NM. Avaliação Neuropsicológica Cognitiva: Linguagem oral. São Paulo: Memnon Edições Científicas, 2012.. De fato, saber que a língua possui um sistema sonoro específico, que essas mesmas unidades se repetem em diferentes palavras faladas e que a ortografia pode ser convertida em fonologia é um aspecto relevante na aquisição da leitura. Assim, o processamento fonológico é necessário para a habilidade de ler por meio da decodificação das letras ou grupos de letras em seus sons correspondentes. Essa habilidade, por sua vez, é a chave da capacidade de ler palavras fluentemente 1919 Seabra AG, Dias NM. Avaliação Neuropsicológica Cognitiva: Linguagem oral. São Paulo: Memnon Edições Científicas, 2012. 2121 Maluf MR. Do conhecimento implícito à consciência metalinguística indispensável na alfabetização. In: Guimarães SRK, Maluf MR. Aprendizagem da linguagem escrita: contribuições da pesquisa. São Paulo: Vetor Editora. 2010. p. 17-32..

Dada a relevância da consciência fonológica para a aquisição da linguagem escrita e dada a escassez de estudos nacionais acerca da avaliação da consciência fonológica em crianças com SW, o presente estudo teve como objetivo avaliar o desempenho de crianças e adolescentes com SW em provas de consciência fonológica e analisar esse desempenho em função da idade, escolaridade e habilidades intelectuais (quociente estimado de inteligência).

Métodos

O presente estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, estando o projeto devidamente registrado sob o número CEP/UPM nº 1191/11/2009 e CAAE nº 0090.0.272.000.09. De acordo com as normas éticas de pesquisa com humanos, todos os participantes e seus responsáveis legais foram previamente informados do teor e objetivos do estudo, assinando o termo de consentimento livre e esclarecido.

Participantes

Participaram deste estudo 22 crianças e adolescentes com diagnóstico de SW, sendo 11 (50%) do sexo masculino e 11 (50%) do sexo feminino, com idade entre sete e dezoito anos (M= 11,6; DP=3,7). Todos estavam matriculados em escolas, sendo que 12 (54,6%) frequentavam o ensino regular na rede pública, 5 (22,7%) escolas particulares, e os outros 5 (22,7%) escolas de educação especial. Cada criança foi avaliada individualmente, em um único encontro, de cerca de 1 hora e 30 minutos com intervalos entre as tarefas.

Instrumentos e Procedimentos

Para caracterizar a amostra quanto ao seu potencial intelectual foram aplicados os subtestes cubos e vocabulário das escalas de Inteligência WechslerWISC-III 2222 Wechsler, D WISC III: Escala de inteligência Wechsler para crianças: manual. 3.ed. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2002. ou WAIS III 2323 Nascimento E. Adaptação e validação do teste WAIS-III para um contexto brasileiro [tese]. Brasília (DF): Universidade de Brasília; 2000. dependendo da idade, com o objetivo de se obter um QI estimado 2424 Mello CB, Argollo N, Shayer BPM, Abreu N, Godinho K, Durán P et al. Abbreviated version of the WISC-III: correlation between estimated IQ and global IQ of brazilian children. Psicologia Teoria e Pesquisa. 2011;27(2):149-55..

No segundo momento, foi aplicada a Prova de Consciência Fonológica por Produção Oral (PCFO) 1919 Seabra AG, Dias NM. Avaliação Neuropsicológica Cognitiva: Linguagem oral. São Paulo: Memnon Edições Científicas, 2012. que é composta por dez subtestes, com quatro itens cada. A aplicação de cada tarefa foi precedida por dois exemplos iniciais em que o examinador explicava à criança o que devia ser feito:

1) síntese silábica, na qual a criança deve unir sílabas faladas pelo aplicador, dizendo que palavra resulta da união;

2) síntese fonêmica, na qual a criança deve unir os fonemas falados pelo aplicador;

3) rima, na qual se deve julgar, dentre três palavras, quais são as duas que terminam com o mesmo som;

4) aliteração, na qual se deve julgar, também dentre três palavras, quais são as duas que começam com o mesmo som;

5) segmentação silábica, na qual se deve separar uma palavra falada pelo aplicador nas suas sílabas componentes;

6) segmentação fonêmica, na qual se deve separar uma palavra falada pelo aplicador nos seus fonemas componentes;

7) manipulação silábica, na qual a criança deve adicionar e subtrair sílabas de palavras dizendo qual foi formada;

8) manipulação fonêmica, na qual a criança deve adicionar ou subtrair fonemas de palavras dizendo qual foi formada;

9) transposição silábica, na qual deve-se inverter as sílabas das palavras dizendo qual a palavra formada; e

10) transposição fonêmica, na qual deve-se inverter os fonemas das palavras dizendo qual a palavra formada.

A fim de avaliar o padrão de respostas de cada participante foi analisado o número total de respostas corretas no teste da PCFO. Os resultados individuais foram então comparados com os dados de normatização2525 Dias NM, Trevisan BT, Seabra AG. Dados normativos da Prova de Consciência Fonológica por produção Oral. In: Alessandra G. Seabra; Natália Martins Dias, organizador. Avaliação Neuropsicológica Cognitiva: Linguagem Oral. São Paulo: Memnon Edições Científicas; 2012. p. 109-15. obtidos a partir do desempenho de crianças da Educação Infantil e Ensino Fundamental nessas tarefas, com conversão dos escores brutos em pontuação padrão (média 100 e desvio padrão de 15). Foram utilizadas a análise de Wilcoxon para comparação das médias de desempenho em função da escolaridade (Grupo SW x Grupo normativo) e a análise de correlação de Pearson para descrever as associações entre os fatores idade, escolaridade e indicadores de habilidades intelectuais. Foram considerados significantes resultados com valores de p≤0,05.

Resultados

Observa-se, na Tabela 1, o perfil geral das 22 crianças e adolescentes com SW, com relação ao sexo, idade, escolaridade, habilidades intelectuais (QI estimado) e desempenho total na PCFO. As crianças e adolescentes que compuseram a amostra obtiveram valores do QI estimado compatível com classificações inferiores, que caracterizam deficiência intelectual de leve a moderada de acordo com padronização do teste.

Com relação à classificação na PCFO, a comparação dos desempenhos das crianças com SW com os dados normativos em função da idade 2525 Dias NM, Trevisan BT, Seabra AG. Dados normativos da Prova de Consciência Fonológica por produção Oral. In: Alessandra G. Seabra; Natália Martins Dias, organizador. Avaliação Neuropsicológica Cognitiva: Linguagem Oral. São Paulo: Memnon Edições Científicas; 2012. p. 109-15. revelou que três participantes apresentam classificação considerada baixa e os outros dezenove participantes apresentaram classificação considerada 'muito baixa'. No entanto, considerando que os indivíduos com SW, na maioria dos casos, não cursam a série equivalente à sua idade, optou-se por fazer nova comparação. Assim, considerou-se a idade média equivalente a cada série escolar. Ou seja, considerou-se: 7 anos = 1ª série; 8 anos = 2ª série; 9 anos = 3ª série; 10 anos = 4ª série; 11 anos = 5ª série; 12 anos = 6ª série; 13 anos = 7ª série; e 14 anos = 8ª série. Procedeu-se então à comparação com os dados normativos em função da série, de modo que os participantes com SW foram comparados a crianças mais jovens, porém cursando a mesma série. Com relação à classificação na PCFO, a comparação dos desempenhos das crianças com SW com os dados normativos em função da escolaridade 2525 Dias NM, Trevisan BT, Seabra AG. Dados normativos da Prova de Consciência Fonológica por produção Oral. In: Alessandra G. Seabra; Natália Martins Dias, organizador. Avaliação Neuropsicológica Cognitiva: Linguagem Oral. São Paulo: Memnon Edições Científicas; 2012. p. 109-15.revelou que um participante apresenta classificação considerada baixa e os outros vinte e um participantes apresentaram classificação considerada 'muito baixa'. Estes achados demonstraram que as crianças com SW tiveram desempenho abaixo do esperado na PCFO em relação à pontuação padronizada em função idade, assim como do nível escolar, mesmo quando comparados a indivíduos mais jovens. A Tabela 1 apresenta a classificação dos sujeitos em função da idade e da escolaridade.

Tabela 1:
Caracterização dos participantes, incluindo gênero, escolaridade, QI, escore total na PCFO e classificação de cada sujeito em relação aos dados normativos

Os alunos da escola de educação especial (EE) foram comparados com a série correspondente à sua idade: 8a10m com 1ª série; 11a com a 5ª série, de 13a7m com a 7ª série e acima de 14ª com a 8ª série.

Observa-se na Tabela 2 que os aspectos fonêmicos da consciência fonológica apresentaram um grau mais alto de dificuldade em relação aos aspectos silábicos.

Tabela 2:
Análise descritiva dos aspectos de consciência fonológica

Na amostra em estudo, o grupo apresentou percentuais dos aspectos de síntese silábica, rima, aliteração e segmentação silábica relativamente altos, diferente dos aspectos de síntese fonêmica, segmentação fonêmica, manipulação fonêmica e transposição fonêmica, relativamente baixos.

Tabela 3 sumaria os resultados do grupo com SW na PCFO para cada série escolar. Análise de Wilcoxon revelou diferença significante (Z = - 4,110; p < 0,001) entre o desempenho do grupo SW e resultado esperado em função da escolaridade com base nos dados normativos da PCFO 2525 Dias NM, Trevisan BT, Seabra AG. Dados normativos da Prova de Consciência Fonológica por produção Oral. In: Alessandra G. Seabra; Natália Martins Dias, organizador. Avaliação Neuropsicológica Cognitiva: Linguagem Oral. São Paulo: Memnon Edições Científicas; 2012. p. 109-15..

Tabela 3:
Média de acertos total na PCFO do grupo com Síndrome de Williams e grupo normativo

Foi feita também uma análise de correlação de Pearson entre o desempenho total na PCFO e fatores idade (meses), anos de estudo/escolaridade (1ª à 8ª) e indicadores de habilidades intelectuais. Como pode ser visto na Tabela 4, não foram observadas correlações significantes.

Tabela 4:
Análise de correlação de Pearson dos resultados na prova de consciência fonológica com os fatores idade (meses), escolaridade (1ª a 8ª) e indicadores de habilidades intelectuais

Discussão

Os resultados mostraram que os sujeitos com SW, em comparação com dados normativos, obtiveram desempenho rebaixado em praticamente todos os subtestes da PCFO. Apenas no subteste Síntese Silábica os sujeitos com SWB apresentaram desempenho adequado em relação aos índices dos dados normativos. Esse dado sugere que a consciência silábica é adquirida antes da consciência fonêmica também na amostra de indivíduos com SW, como ocorre em pessoas com desenvolvimento típico 1818 Seabra AG, Capovilla FC. Problemas de leitura e escrita: Como identificar, prevenir e remediar numa abordagem fônica. 6.ed. São Paulo: Memnon Edições Científicas. 2012.. Ainda, as habilidades silábicas parecem estar menos prejudicadas que as habilidades gerais de inteligência, como mostrado na Tabela 1.

É importante ressaltar, contudo, que este subteste é o de execução mais simples, já que as habilidades de análise silábica e outras habilidades supra-segmentares tendem a se desenvolver de modo mais natural, visto que as sílabas são unidades que requerem menor esforço para análise 1818 Seabra AG, Capovilla FC. Problemas de leitura e escrita: Como identificar, prevenir e remediar numa abordagem fônica. 6.ed. São Paulo: Memnon Edições Científicas. 2012.. Os menores escores foram encontrados nos subtestes Síntese Fonêmica, Manipulação Fonêmica e Transposição Fonêmica. Esse fato pode ser explicado levando-se em consideração que os fonemas são as menores unidades da língua, o que pode ser uma das razões que dificultam sua percepção e que os segmentos fonéticos e fonêmicos requerem um alto grau de analiticidade. Entretanto, ainda não estão bem estabelecidas as possíveis relações entre habilidades de consciência fonêmica e habilidades de consciência silábica em crianças com SW 22 Mervis CB, Velleman S. Children with Williams Syndrome: Language, Cognitive, and Behavioral Characteristics and their Implications for Intervention. Perspect Lang Learn Educ. 2011;1;18(3):98-107.. Os prejuízos nas habilidades de consciência fonológica encontradas no grupo com SW podem fazer parte do fenótipo de linguagem característico da síndrome, em que muitas vezes há domínio sofisticado de sintaxe e vocabulário, contudo há déficits meta cognitivos, visto que, os próprios indivíduos não compreendem as implicações imediatas de frases e sentenças construídas por eles mesmos 1414 Mervis CB. Language and Literacy Development of Children with Williams Syndrome. Top Lang Disord. 2009;29(2):149-69. 1515 Laing E, Hulme C, Grant J, Karmiloff-Smith A. Learning to read in Williams syndrome: looking beneath the surface of atypical reading development. J Child Psychol Psychiatry 2001;42(6):729-39. 2626 Piattelli-Palmarini M. Speaking of learning: how do we acquire our marvellous facility for expressing ourselves in words? Nature. 2001;411:887-8..

Tanto a idade quanto a escolaridade influenciam no desenvolvimento da consciência fonológica, ou seja, os dois fatores contribuem para o desenvolvimento de competências metafonológicas 2727 Maluf MR, Zanella MS, Pagnez KSMM. Metalinguistic abilities and written language in brazilian research. Boletim de Psicologia. 2006;LVI(124):67-92.. Na análise de correlação de Pearson entre desempenho em CF e as variáveis idade, escolaridade (1ª à 8ª) e QI, entretanto, não foram observadas correlações significantes. Os achados corroboram aos encontrados em outros estudos 2828 Laing E, Hulme C, Grant J, Karmiloff-Smith A. Learning to read in Williams syndrome: looking beneath the surface of atypical reading development. J Child Psychol Psychiatry. 2001;42(6):729-39. 2929 Menghini D, Verucci L, Vicari, S. Reading and phonological awareness in Williams syndrome. Neuropsychology. 2004;18(1):29-37.. De acordo com os dados normativos 2525 Dias NM, Trevisan BT, Seabra AG. Dados normativos da Prova de Consciência Fonológica por produção Oral. In: Alessandra G. Seabra; Natália Martins Dias, organizador. Avaliação Neuropsicológica Cognitiva: Linguagem Oral. São Paulo: Memnon Edições Científicas; 2012. p. 109-15. há progressão nos escores conforme o aumento da escolaridade em todos os subtestes da PCFO, o que determina o crescimento nos valores de acertos totais. Já os sujeitos com SW apresentaram irregularidade em todos os itens analisados, o que indica que, diferentemente do grupo controle, neste grupo não se verifica relação entre o aumento da escolaridade e o número de acertos na PCFO.

Os dados do presente estudo foram analisados sem considerar o grau de leitura e escrita dos participantes. A consciência fonológica depende do sistema de escrita que está sendo ensinado e a consciência fonêmica só parece ser alcançada com a introdução de um sistema alfabético 1818 Seabra AG, Capovilla FC. Problemas de leitura e escrita: Como identificar, prevenir e remediar numa abordagem fônica. 6.ed. São Paulo: Memnon Edições Científicas. 2012. 2121 Maluf MR. Do conhecimento implícito à consciência metalinguística indispensável na alfabetização. In: Guimarães SRK, Maluf MR. Aprendizagem da linguagem escrita: contribuições da pesquisa. São Paulo: Vetor Editora. 2010. p. 17-32. 2525 Dias NM, Trevisan BT, Seabra AG. Dados normativos da Prova de Consciência Fonológica por produção Oral. In: Alessandra G. Seabra; Natália Martins Dias, organizador. Avaliação Neuropsicológica Cognitiva: Linguagem Oral. São Paulo: Memnon Edições Científicas; 2012. p. 109-15. 2727 Maluf MR, Zanella MS, Pagnez KSMM. Metalinguistic abilities and written language in brazilian research. Boletim de Psicologia. 2006;LVI(124):67-92.. Essa capacidade é desenvolvida gradualmente conforme a criança experimenta situações lúdicas e é instruída formalmente em atividades grafofonêmicas 1717 Becerra AM, John AE, Peregrine E and Mervis CB. Reading Abilities of 9 - 17-Year- Olds with Williams Syndrome: Impact of Reading Method. Symposium on Research in Child Language Disorders; Madison, WI. 2008.. Assim, pode-se interpretar que, quando uma criança toma consciência, analisa e manipula segmentos ou pedaços da fala, além de ter percebido que a linguagem oral se constitui de palavras, sílabas e fonemas, ela desenvolveu ou está desenvolvendo e utilizando a sua consciência fonológica 1818 Seabra AG, Capovilla FC. Problemas de leitura e escrita: Como identificar, prevenir e remediar numa abordagem fônica. 6.ed. São Paulo: Memnon Edições Científicas. 2012. 2121 Maluf MR. Do conhecimento implícito à consciência metalinguística indispensável na alfabetização. In: Guimarães SRK, Maluf MR. Aprendizagem da linguagem escrita: contribuições da pesquisa. São Paulo: Vetor Editora. 2010. p. 17-32. 2525 Dias NM, Trevisan BT, Seabra AG. Dados normativos da Prova de Consciência Fonológica por produção Oral. In: Alessandra G. Seabra; Natália Martins Dias, organizador. Avaliação Neuropsicológica Cognitiva: Linguagem Oral. São Paulo: Memnon Edições Científicas; 2012. p. 109-15.. É possível, ainda, considerar, que o processo de aprendizagem não é o mesmo e não ocorre ao mesmo tempo para todas as crianças e esta diferença pode estar diretamente relacionado aos fatores intrínsecos, os quais por sua vez, dependem das influências ambientais ou socioeconômicas e culturais.

Conclusão

Os dados desse estudo corroboram os encontrados na literatura, que sugere que indivíduos com SW apresentam dificuldades em tarefas de processamento fonológico. Os resultados aqui relatados têm implicações importantes para programas de intervenção e planejamento educacional voltados ao ensino de habilidades de leitura e escrita para as crianças com SW. Por exemplo, é necessário considerar em tais programas a deficiência intelectual apresentada por essa população, ainda mais no contexto brasileiro em que a inclusão escolar apresenta falhas graves em termos de escolarização de crianças com necessidades educacionais especiais. É necessário também, incluir programas de estimulação contínua, inclusive com intervenções precoces dirigidas a crianças com SW em idade pré-escolar, adequação de métodos de ensino e de currículo adaptado.

Continuações desse estudo são necessárias na tentativa de ampliar a caracterização do perfil das habilidades de processamento fonológico na SW. Alguns dos pontos que poderiam ser contemplados por pesquisas posteriores são: aumento da amostra; realização de análise mais detalhada do ponto de vista metalinguístico; avaliação de habilidades de leitura e escrita para aqueles que frequentam a escola no Ensino Fundamental e os efeitos de intervenção utilizando o método fônico para ampliar habilidades de consciência fonológica.

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  • Fontes de auxilio: CAPES, Mackpesquisa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2015

Histórico

  • Recebido
    05 Maio 2015
  • Aceito
    03 Jul 2015
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