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Intersubjetividade mãe-filho na experiência com comunicação ampliada e alternativa

Mother-child intersubjectivity in alternative and augmentative communication experience

Resumos

OBJETIVO: escutar a percepção materna sobre a introdução e uso da prancha de comunicação ampliada e alternativa na clínica de linguagem da paralisia cerebral. MÉTODOS: foram realizadas entrevistas com um roteiro semi-dirigido e através da coletânea de narrativas foram criadas categorias de análise a partir de três pontos norteadores: a) a constituição da função materna e seu exercício junto ao sujeito com paralisia cerebral; b) a interação dialogal sob a ótica bakhtiniana; e c) os efeitos da clínica de linguagem na função materna e no diálogo das mães com seus filhos. RESULTADOS: os resultados indicam diferentes tipos de uso do recurso na díade mãe-filho, tendo relação com a qualidade do exercício da função materna e a forma de apresentação do recurso ao usuário e a sua família. Quando a concepção de linguagem com a qual é implementado o recurso não inclui a família, nem considera o exercício da função materna, os resultados na sua generalização e manutenção são precários. Nos casos em que houve o debate sobre o uso familiar da prancha, o processo de intersubjetividade do sujeito sem oralidade foi favorecido o uso e a generalização foram ampliados. CONCLUSÃO: conclui-se que a concepção de linguagem dialógica de Bakhtin, atravessada pela psicanálise, permite uma abordagem mais eficaz do recurso comunicativo investigado.

Comunicação; Paralisia Cerebral; Terapia de Linguagem; Linguagem; Relações Mãe-Filho


PURPOSE: to analyze the maternal perception on the introduction and use of alternative and augmentative communication boards in cerebral palsy language clinic. METHODS: semi-structured interviews were conducted and used to created analysis categories based on three guiding aspects: a) the constitution of maternal function and its execution with individuals with cerebral palsy; b) dialogic interaction under Bakhtinian perspective; and c) the effects of language clinic on the maternal role and on the dialogue between mothers and their children. RESULTS: the results indicate different types of resource usage in the mother-child dyad, which are related to the quality of the maternal role and to the form of presenting the resource to users and their family. When the conception of language with which the resource is implemented does not include the family or consider the exercise of maternal role, the results in its generalization and maintenance are precarious. In cases where there was a debate on family use of the communication board, favoring the process of intersubjectivity between subjects without orality and their family, use and generalization were increased. CONCLUSIONS: it may be concluded that Bakhtin conception on dialogic language crossed by psychoanalysis allows for a more efficacious approach as for the probed communicative device.

Communication; Cerebral Palsy; Language Therapy; Language; Mother-Child Relations


ARTIGOS ORIGINAIS

Intersubjetividade mãe-filho na experiência com comunicação ampliada e alternativa

Mother-child intersubjectivity in alternative and augmentative communication experience

Carla Ciceri CesaI; Ana Paula Ramos-SouzaII; Themis Maria KesslerIII

IFonoaudióloga da Clínica Boa Face e do Centro de Reabilitação Educandário São João Batista, Porto Alegre, RS, Brasil; Docente do curso de Fonoaudiologia da Faculdade Nossa Senhora de Fátima, Caxias do Sul, RS, Brasil; Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de Santa Maria

IIFonoaudióloga; Docente e Supervisora Clínica do curso de Graduação em Fonoaudiologia e do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de Santa Maria, UFSM, Santa Maria, RS, Brasil; Doutora em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

IIIFonoaudióloga; Docente, Supervisora Clínica e Coordenadora do curso de Graduação em Fonoaudiologia da Universidade Federal de Santa Maria, UFSM, Santa Maria, RS, Brasil; Doutora em Letras pela Universidade Federal de Santa Maria

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Carla Ciceri Cesa Av. Prof. Paula Soares, 315 ap. 302 Porto Alegre – RS CEP: 91220-450 E-mail: carlacesafga@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: escutar a percepção materna sobre a introdução e uso da prancha de comunicação ampliada e alternativa na clínica de linguagem da paralisia cerebral.

MÉTODOS: foram realizadas entrevistas com um roteiro semi-dirigido e através da coletânea de narrativas foram criadas categorias de análise a partir de três pontos norteadores: a) a constituição da função materna e seu exercício junto ao sujeito com paralisia cerebral; b) a interação dialogal sob a ótica bakhtiniana; e c) os efeitos da clínica de linguagem na função materna e no diálogo das mães com seus filhos.

RESULTADOS: os resultados indicam diferentes tipos de uso do recurso na díade mãe-filho, tendo relação com a qualidade do exercício da função materna e a forma de apresentação do recurso ao usuário e a sua família. Quando a concepção de linguagem com a qual é implementado o recurso não inclui a família, nem considera o exercício da função materna, os resultados na sua generalização e manutenção são precários. Nos casos em que houve o debate sobre o uso familiar da prancha, o processo de intersubjetividade do sujeito sem oralidade foi favorecido o uso e a generalização foram ampliados.

CONCLUSÃO: conclui-se que a concepção de linguagem dialógica de Bakhtin, atravessada pela psicanálise, permite uma abordagem mais eficaz do recurso comunicativo investigado.

Descritores: Comunicação; Paralisia Cerebral; Terapia de Linguagem; Linguagem; Relações Mãe-Filho.

ABSTRACT

PURPOSE: to analyze the maternal perception on the introduction and use of alternative and augmentative communication boards in cerebral palsy language clinic.

METHODS: semi-structured interviews were conducted and used to created analysis categories based on three guiding aspects: a) the constitution of maternal function and its execution with individuals with cerebral palsy; b) dialogic interaction under Bakhtinian perspective; and c) the effects of language clinic on the maternal role and on the dialogue between mothers and their children.

RESULTS: the results indicate different types of resource usage in the mother-child dyad, which are related to the quality of the maternal role and to the form of presenting the resource to users and their family. When the conception of language with which the resource is implemented does not include the family or consider the exercise of maternal role, the results in its generalization and maintenance are precarious. In cases where there was a debate on family use of the communication board, favoring the process of intersubjectivity between subjects without orality and their family, use and generalization were increased.

CONCLUSIONS: it may be concluded that Bakhtin conception on dialogic language crossed by psychoanalysis allows for a more efficacious approach as for the probed communicative device.

Keywords: Communication; Cerebral Palsy; Language Therapy; Language; Mother-Child Relations.

INTRODUÇÃO

A ausência ou limitação da expressão oral devido a algum acometimento da ordem do orgânico ainda é vista por alguns fonoaudiólogos como um critério eletivo para que tais sujeitos não recebam intervenção no âmbito da linguagem, restringindo o atendimento a aspectos da motricidade orofacial, como a alimentação. Já nos casos em que o terapeuta não domina os recursos de comunicação ampliada e alternativa (CAA), a prancha de comunicação pode ser pensada como uma forma de trabalhar a linguagem. Entretanto, a simples tomada de decisão para implantar um sistema complementar e alternativo de comunicação por si só não garante ao fonoaudiólogo o sucesso estimado. Há necessidade de reflexão acerca da concepção teórica com a qual o profissional introduz e trabalha o recurso, pois esta pode gerar impactos distintos em sua implementação junto a usuários e familiares. Nas publicações científicas da área, observa-se que a inserção do recurso ocorre a partir de visões comportamentalistas e cognitivistas, o que pode explicar as limitações na generalização e manutenção do uso da CAA 1. A investigação desses autores 1 concluiu, após a análise de 50 estudos, que a intervenção e a generalização são mais bem-sucedidas do que a manutenção, possivelmente porque muitos estudos têm foco menor na interação usuário-parceiro. Alguns trabalhos internacionais começam a valorizar o papel da família no processo de inserção desse recurso em sujeitos com limitações orais importantes 2-9.

Entretanto, pode-se observar que os artigos não valorizam a investigação sobre a função materna e a intersubjetividade mãe-filho, mas somente o processo de seleção do recurso (design e acessibilidade) 10-13, os aspectos linguísticos 14,15 e foco único no usuário 16-19.

Em um ensaio teórico com foco na família 2, foram criados contextos hipotéticos que retratam situações cotidianas na relação comunicacional. Tal estudo verificou a importância de se adaptar individualmente a intervenção e ver a família como unidade de serviço. Nessa mesma direção um outro estudo 5 salientou que as expectativas, os facilitadores, as barreiras e os benefícios do uso do recurso devem ser analisados caso a caso com a participação familiar. Os autores 5 afirmam que o excesso de estresse familiar está relacionado ao tempo de uso do recurso e, por isso, o uso de comunicação corporal é preferido ao uso da CAA. Mesmo diante de bom conhecimento e sensibilidade do terapeuta, há estudos que confirmam essa insatisfação com o recurso 4. Outros afirmam a necessidade de criar oportunidades de comunicação e aumentar a responsividade dos pais às demandas comunicacionais das crianças 3,8.

O impacto das práticas em CAA na qualidade de vida familiar foi estudado através de uma revisão de literatura de 13 artigos publicados entre 1985 e 2005 9. O estudo revelou cinco domínios para tal impacto: interação familiar, bem-estar físico e material, exercício da função parental, suporte ao distúrbio e promoção do bem-estar emocional ao usuário e aos familiares. Esse foco duplo no usuário e na família como aspecto central para a efetividade das abordagens terapêuticas é indicado por vários estudos 3,8 como a estratégia terapêutica mais efetiva, embora os estudos não obedeçam a todos os critérios preconizados pela área de saúde baseada em evidências.

O fonoaudiólogo que optar, junto com a sua equipe de trabalho, por esse recurso comunicativo, deve ter ciência de que a participação da família é fundamental durante o seu processo de seleção, implementação e utilização. Desta forma, distancia-se de uma intervenção na qual as atividades, quando vivenciadas com os pais, referem-se apenas a orientações sobre o que eles deveriam fazer ou como deveriam se relacionar com o filho 20 e aproxima-se de uma atitude de co-autoria.

Contudo, ainda percebe-se que, apesar dos ganhos na participação da família na construção desse instrumento, o discurso materno na clínica de linguagem aponta a não efetivação do seu uso no cotidiano, ficando restrito à sessão terapêutica. Cogitou-se como hipótese inicial deste estudo que, possivelmente, aspectos motivacionais, instrumentais, tecnológicos e/ou teóricos relacionados à concepção terapêutica de linguagem na qual a prancha é apresentada à família e ao paciente parecem ser elementos intimamente relacionados à questão central desta investigação.

Por esses motivos, a clínica fonoaudiológica não pode se restringir a um processo unicamente objetivo, focado apenas em aspectos orgânicos e instrumentais do uso da CAA, mas deve trabalhar no terreno da intersubjetividade da criança e seus familiares, realizando-se na forma de atendimentos à criança e/ou seus pais. Tanto atendimentos conjuntos da criança com os pais quanto um processo de entrevistas continuadas com os pais fazem parte de um processo clínico que não é novo, mas que ainda se encontra em processo de difusão na fonoaudiologia, sendo chamado de "clínica da subjetividade" em oposição à tradicional "clínica da objetividade" 21. Essa clínica subjetiva diferencia-se de procedimentos objetivos de caracterização dos sintomas orgânicos/linguísticos, que têm por base uma concepção de língua/linguagem mentalista e/ou puramente estruturalista.

Nessa concepção, que inclui a subjetividade, alicerces na psicanálise são necessários, pois para que o seu uso seja legitimado no cotidiano, há de se esperar uma mãe com um desempenho de função materna suficientemente bom 22. A falta ou precariedade dessa função poderá acarretar prejuízo na constituição de sujeito, o que pode ocorrer tanto com mães de bebês com limites orgânicos evidentes como com aquelas cujos filhos não possuem qualquer limite biológico.

As inquietações advindas da clínica de linguagem com sujeitos sem oralidade e suas famílias motivou este artigo. A proposta é investigar, através do discurso das mães de crianças e adolescentes acometidos pela paralisia cerebral, as possíveis relações entre o exercício da função materna, a efetividade do recurso da prancha de CAA em suas rotinas com seus filhos e o impacto gerado a partir da forma de implementação do recurso pelo fonoaudiólogo. Espera-se, com o desenvolvimento desta pesquisa, trazer contribuições para a reflexão do papel dos profissionais de saúde, sobretudo fonoaudiólogo e psicólogo, que atuam com sujeitos lesionados cerebrais e com suas famílias.

MÉTODOS

Participaram desta pesquisa 10 mães de crianças e adolescentes que tivessem diagnóstico médico de Encefalopatia Crônica Infantil (ECI), geralmente denominada como paralisia cerebral (PC), independente do tipo e comprometimento motor global, com ou sem retardo mental (RM). Caso os sujeitos apresentassem retardo mental, este não poderia ser impeditivo ao uso da prancha de CAA. Também foi considerado critério de inclusão que seu filho (a) já tivesse uma prancha de CAA devido à oralidade ausente ou limitada e (b) assiduidade na intervenção fonoaudiológica. Portanto, foram mães de filhos com boas condições de desenvolvimento de linguagem compreensiva e que poderiam se expressar de forma alternativa através da prancha de CAA. As mães foram selecionadas por amostra de conveniência em um centro de reabilitação onde uma das autoras atua, desde que preenchessem satisfatoriamente tais critérios de inclusão. O convite e o agendamento foram realizados pessoalmente ou via contato telefônico.

Foram excluídas as mães que tivessem filhos com possibilidade de comunicação oral exclusiva ou aqueles em que não há os meios necessários para o uso da prancha de CAA, tais como os sujeitos com baixa visão e perda auditiva a partir de grau severo associadas à PC e os casos graves de autismo primário ou secundário, psicose e deficiência mental observados na rotina clínica.

Todos os aspectos de inclusão e exclusão foram observados e definidos na clínica de origem de seus filhos, a qual conta com equipe multidisciplinar (pediatra, fonoaudióloga, fisioterapeuta, psicóloga, terapeuta ocupacional e assistente social) para efetivar tal diagnóstico. Esse centro de reabilitação foi escolhido por se tratar de uma amostra de conveniência, pelo perfil sociocultural de clínica-escola e por ser um dos locais de atuação da pesquisadora. Nesse centro, os tratamentos não estão condicionados a limitações, como, por exemplo, tempo de vínculo institucional pré-determinado entre instituição e pacientes. Ressalta-se, também, que todas as mães já tiveram seus filhos(as) assistidos(as) por uma ou mais instituições de reabilitação.

As mães foram convidadas e devidamente esclarecidas sobre os propósitos da pesquisa e, mediante o aceite, foi agendada uma visita domiciliar para a realização da pesquisa. Por se tratar de uma visita domiciliar, buscou-se evitar, durante a realização da coleta, a presença da criança ou adolescente, proporcionando maior liberdade e segurança para que as mães emitissem suas opiniões. Após a assinatura no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, foi iniciada a aplicação de um roteiro de entrevista pela pesquisadora, o qual foi elaborado, com perguntas abertas e fechadas, com temas pertinentes às percepções e uso da CAA na rotina familiar. Esse roteiro serviu como guia na coleta de dados orais e, conforme o desenvolvimento da narrativa familiar, a pesquisadora poderia realizar outras questões, não se limitando somente aos questionamentos traçados no roteiro de entrevista inicial. Todas as entrevistas foram gravadas em um aparelho de marca Sony TCM 359V, em fitas cassetes, tendo cada entrevista duração média de uma hora. Ao término da coleta, as fitas foram submetidas à transcrição por duas colaboradoras (uma fonoaudióloga e uma assistente social) com experiência em transcrição de dados e, a seguir, foi realizada a conferência pela primeira autora. A coleta foi realizada entre agosto de 2007 a março de 2008.

Após a primeira leitura das dez entrevistas, foram criadas três categorias de análise, que serviram como pontos norteadores:

1) A constituição da função materna e seu exercício junto ao sujeito com ECI;

2) Interação dialogal, segundo a perspectiva bakhtiniana 23, entre mãe e filho(a);

3) Efeitos da clínica de linguagem na função materna e no diálogo da mãe com seu filho(a).

Considerando esses três pontos norteadores, foi realizada uma segunda leitura, na qual foram selecionados e agrupados os fragmentos mais expressivos das entrevistas. Considerou-se a coletânea das narrativas a melhor forma de apresentar a fala das entrevistadas. Quando da análise e discussão dos dados, houve o cuidado com os recortes a serem feitos, para extrair dos depoimentos os elementos mais significativos, sem alterá-los, transcrevendo-os tais como foram apresentados 24. Deste modo, busca-se identificar as semelhanças e diferenças entre os discursos das mães, assim como as contradições, e sinalizar significados latentes nas entrevistas. Destaca-se que após a coleta, transcrição e leitura de M10 optou-se por excluí-la da amostra para a análise, por tomarmos conhecimento de sua acentuada fragilidade psíquica, demonstrada inclusive na falta de coesão e coerência discursiva durante a entrevista. Portanto, foram analisadas para esta pesquisa nove entrevistas.

Para melhor visualização da amostra, apresenta-se um quadro descritivo demonstrando uma breve caracterização das mães participantes, incluindo algumas informações de seus respectivos(as) filhos(as) (Figura 1).


Esta pesquisa insere-se no projeto "Clínica da subjetividade nos retardos da aquisição da linguagem oral", aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Institucional, sob processo número 23081.010681/2007-41 e Certificado de Apresentação para Apreciação Ética – CAAE número: 0117.0.243.000-07, em seu subprojeto sobre a clínica de linguagem na encefalopatia crônica infantil (ECI).

Para proceder à discussão dos dados, buscou-se esteio nas leituras sobre as fases evolutivas na criança, as quais se relacionam com o exercício da função materna, advindas da proposta psicanalítica de Winnicott 22,25. Como referencial teórico linguístico, utilizou-se a proposta interacionista de Mikhail Bakhtin (Volochínov) 23, sobretudo acerca do funcionamento linguístico intersubjetivo.

RESULTADOS

Considerando o aspecto frequência de uso da prancha de CAA entre mãe-filho(a), das nove entrevistas analisadas, os resultados apontam que três mães não usam a prancha de CAA em nenhum ambiente (M2, M5 e M8), pois segundo estas raramente apresentam dificuldades de interpretação corporal de seus filhos(as). Cinco mães usam às vezes quando não entendem o que o filho(a) quer dizer ou estão em dúvida (M1, M3, M4, M6 e M7), e uma mãe usa sempre (M9).

Na investigação da generalização de uso do recurso comunicativo com outros parceiros conversacionais as mães referem que nem todos os filhos(as) utilizam a prancha de CAA. Três dos sujeitos que nunca usam são os filhos(as) de M2, M5 e M9; três dos que usam às vezes, apenas esporadicamente são filhos(as) de M3, M4 e M7; três filhos(as) utilizam a prancha com outros parceiros conversacionais (M1, M6 e M8).

Em relação ao aspecto de portabilidade e acesso ao recurso em si três mães referem que não é prático (M2, M5 e M8), quatro afirmam que o utilizam mesmo não sendo prático (M1, M3, M6 e M7), uma (M4) deixa a prancha guardada para não sujar e/ou rasgar e uma não refere desconforto (M9).

Na sessão seguinte, tais achados serão analisados e discutidos, considerando os aspectos objetivos e subjetivos das falas maternas.

DISCUSSÃO

A revisão realizada acerca da CAA permite afirmar que já não se questiona a validade terapêutica da CAA e os ganhos possíveis com tal estratégia de comunicação. Sabe-se, também, que países desenvolvidos têm, por questões financeiras, acesso à alta tecnologia, enquanto nos menos desenvolvidos a prancha de comunicação é a realidade possível para muitos usuários. Entretanto, pouco se aprofunda sobre a motivação do insucesso no processo de generalização insuficiente a todas as situações de vida do usuário.

Observa-se, nas falas das três mães que nunca usam a prancha (M2, M5 e M8) a crença materna de que somente a linguagem corporal associada às vocalizações, sorrisos e choros é o suficiente para que elas consigam interpretar o seu filho com ausência ou grave limitação de fala, sendo, portanto, desnecessário o uso da prancha de CAA.

Os recortes realizados a seguir ilustram essa forma de pensar: (M2) "Eu e a G., a gente se entende pelo olhar, então, assim é uma coisa que vem naturalmente, eu nem penso, eu já sei o que que ela quer, só no olhar eu sei o que a G. quer"; (M5) "Eu sinceramente não tenho dificuldade nenhuma para entender ele. O J. fala muito com os olhos assim. Quando ele quer ele aponta com os olhos, até mais do que com as mãos e com os braços".

Das três mães que referem não utilizar a prancha de CAA em nenhum contexto, por total compreensão, duas (M2 e M8) apresentam contradição ao afirmarem que seus filhos insistem para serem entendidos. Isso demonstra que o imaginário referido por elas, de que entendem tudo o que o filho quer dizer, é contraditório com alguns comportamentos dos filhos(as), que ficam insatisfeitos com algumas interpretações e insistem para serem compreendidos.

Algumas mães da amostra afirmam que, quando não entendidos, seus filhos manifestam seu descontentamento através da irritação, choro, briga, beliscão, mordida, berro, etc. (M8) "Tem vezes que ele não consegue se expressar bem assim, daí a gente acaba pegando ele, indo no local e ele acaba mostrando o que que ele quer mesmo".

Uma das mães que usa às vezes (M4) não realiza uma interpretação corporal tão acurada, mas deduz o que o filho quer a partir de uma rotina fixa, na qual o horário permite saber as necessidades fisiológicas, mas raramente dialoga sobre outras temáticas, conforme se vê em seu discurso: (M4) "Ah! É meio, meio difícil, assim, a comunicação com ele, porque ele está sempre sorrindo, sempre sorrindo e aí a gente não sabe se é sim ou se é não".

(M9) refere que usa sempre a prancha de comunicação, pois tem dificuldades em decifrar a gestualidade corporal de sua filha. Tal mãe afirma que o instrumental (prancha de CAA) colaborou no cuidado a sua filha. No entanto, observa-se nessa mãe uma falta de vínculo corporal com a menina.

Cinco mães afirmam que, quando não entendem o que seus filhos querem dizer ou quando estão em dúvida, usam a prancha de CAA. Percebem que o filho está crescendo e precisa se comunicar com outras pessoas, em diferentes tipos de ambientes e contextos.

As falas abaixo demonstram esse desejo materno: (M7) "Até porque se fosse por mim, não usava porque eu ia entender ele sempre, mas eu sei que ele não vai estar sempre comigo, ele não vai estar 24 horas por dia comigo e ele tem que de alguma maneira se expressar, tem que ter diálogo com as outras pessoas da mesma maneira que tem comigo".

A fala de (M1) também valoriza a prancha de CAA: "Já como ele não fala, a prancha é a boca do A." A mãe (M3) afirmou que, a partir do momento que conheceu outras mães com seus filhos também deficientes físicos em uma instituição especializada, transformou o seu jeito de enfrentar a deficiência que acometia a sua filha. A mudança de uma instituição para deficientes mentais para a especializada em deficientes físicos permitiu o processo de identificação com as outras mães, de aceitação das características e compreensão das potencialidades da filha. Algumas mães ressaltam que não imaginavam o uso da CAA com terceiros: (M3) "Mas eu não sabia que ela podia falar com outras pessoas sem saber falar, e isto eu fui saber com a prancha".

Quanto aos achados da generalização de uso da prancha de CAA com diferentes parceiros conversacionais, segundo a visão materna, observam-se diferentes formas de uso e frequência. Uma das variáveis relatadas pelas mães foi em relação ao contexto de uso.

Algumas mães (M1, M5, M6 e M7) afirmam que a prancha de comunicação deveria ser utilizada em diferentes ambientes e contextos além da terapia fonoaudiológica. Sugerem que professores terapeutas de outras áreas e médicos a utilizem, inclusive durante a internação hospitalar e na hidroterapia. Uma das mães mesmo não utilizando a prancha pontua: (M5) "Porque, de repente, estão exigindo isso, uma coisa da gente, estão pedindo uma coisa para gente que a própria instituição não aplica".

Ao se comparar as categorias de uso do instrumento de CAA mãe-filho e usuário com demais parceiros conversacionais, verifica-se que as amostras M8 e M9 apresentam uma peculiaridade. A amostra M8 não usa este recurso com seu filho, mas o incentiva a usar com os outros; já M9 usa com sua filha, mas esta não usa com os outros.

Quando questionadas sobre portabilidade e acessibilidade do recurso, oito mães referem dificuldades (M1, M2, M3, M4, M5, M6, M7 e M8), porém para cinco (M1, M3, M4, M6 e M7) tais aspectos não são impeditivos para a sistematização de seu uso. Uma mãe (M9) não refere desconforto, distinguindo-se das demais. Duas das mães (M2 e M6) salientaram a importância do processo de personalização durante a confecção do recurso e da sua acessibilidade. Embora importante, esse aspecto parece não ter sido o que mais impede o uso da prancha no discurso materno. Dois aspectos se destacaram nesse sentido: a relação mãe-filho e a forma como a prancha foi introduzida pela terapeuta junto à mãe e seu filho.

Considerando a relação mãe-filho, percebeu-se um prolongamento importante da relação simbiótica: (M5) "Eu também não sabia que ele tinha problema, não sabia como se lhe dava com uma criança especial, foi melhorar depois que ele passou dos nove meses, que ele deu uma acalmada, 'sugava' muito, eu dizia para ele: 'Tu quer a minha alma!'. Ele não queria só o meu físico, ele queria a minha alma". Eu fico assim porque até hoje de vez em quando eu custo para acreditar que ele está lá longe de mim!".

Mesmo sabendo que apenas a prancha permitirá veicular alguns sentidos que ficariam limitados na expressão puramente corporal, as mães não investem no recurso. O resultado sugere que, de modo inconsciente o uso levaria seus filhos a ter uma atitude mais independente. Dentre as diversas teorias psicanalíticas existentes, optou-se pela de orientação winnicottiana 22,25 a qual traz contribuições fundamentais para se pensar a função materna, identificando fases evolutivas na criança que se relacionam com o exercício da função materna.

A primeira fase é de dependência absoluta e está relacionada ao período perinatal e até algumas semanas depois deste, predominando a preocupação materna primária, em que a mãe, segundo o autor 25, "enlouquece" para dar conta dos cuidados com o bebê. É um momento de transparência psíquica da mãe, no qual a rede de apoio será fundamental para que possa exercer sua função e passar pela adaptação à nova rotina de vida em torno do bebê. O ritmo da mãe será ditado pelas necessidades do bebê, pois terá de fazer o holding necessário para sustentar seu bebê física e psiquicamente 26.

Há um processo de vinculação extremo entre mãe e bebê, de modo que este crie a ilusão de que ele e a mãe são um só, denominado simbiose 22. Tal ilusão inicia sua resolução entre 6 e 8 meses de idade, período no qual surge a chamada angústia de separação e se intensifica a construção mental 22,25 que irá culminar no desenvolvimento de habilidades linguísticas e cognitivas importantes até os 24 meses.

Com a evolução de habilidades linguísticas, motoras e cognitivas do bebê ao final do segundo ano de vida, inaugura-se um período de dependência relativa 25, no qual a criança inicia uma crescente autonomia física e psíquica da mãe. Nesse período, a inserção escolar se viabiliza, ocorre a ampliação do brincar e do processo de socialização.

Tais fatos não se verificam do mesmo modo em sujeitos com ECI, dado o fato de que as evoluções motoras não ocorrerão. A dependência física pode gerar consequências ao exercício da função materna, uma vez que pode ou não haver a percepção de que o sujeito evoluiu cognitiva e linguisticamente. Embora as mães desta pesquisa percebam o potencial cognitivo do filho, parecem não vislumbrar todas as possibilidades linguísticas que o uso da CAA traria ao desenvolvimento e independência do filho.

Talvez um dos aspectos que esteja na raiz desse dilema é a falta de desejo em relação a essa independência, já que a dependência física parece prolongar o estado de preocupação materna primária de modo mais intenso para essas mães que não utilizam a CAA. As mesmas parecem temer perder o espaço privilegiado de intérprete do filho: (M5) "Mas hoje depois assim com o passar do tempo, eu não sei não, não, talvez, eu, eu tenha uma pouco de culpa assim nisso, porque eu não, por eu saber já o que ele quer eu não, não deixo talvez ele quer, não é que eu não deixe, eu não faço com que ele use tanto a prancha assim, porque eu já sei o que ele quer, ele fala com os olhos...".

A fragilidade do exercício da função paterna ou ausência de alguém que desempenhe a função de "corte" foi fato observado nas falas de diversas mães. (M2) e (M8) referem-se aos seus esposos (pais das crianças usuárias de CAA) como não tendo "voz" nas decisões familiares; (M7) é viúva; (M3), (M6) e (M9) mantêm-se casada com os pais de seus filhos, e outras (M1), (M4) e (M5) estão separadas do pai biológico. (M4), (M5) e (M7) não mantêm união estável conjugal. A fala de (M7) retrata uma situação vivenciada quando o seu filho era ainda um bebê: "O E. estava com seis meses, aí o pai dele faleceu e aí eu fiquei sozinha, foi bem difícil, foi bem complicado mesmo".

Um estudo 27 comparando oito díades mãe-filho com doença crônica física com oito crianças sem limitações biológicas demonstraram que a experiência da maternidade foi afetada pela presença da doença crônica. Assim defendem que a presença de doença crônica na criança se constitui em um importante índice organizador de respostas parentais, com consequências para as suas interações com a criança. Essa evidência foi demonstrada através da manifestação de sofrimentos vividos por essas mães, tais como a culpa, ansiedade, superproteção, ansiedade de separação e sentimento de pouca ajuda de outras pessoas. Um dos principais aspectos investigados foi acerca da interação da díade quanto às estratégias empregadas pela mãe na regulação do comportamento da criança.

Uma outra autora 28 analisou os sentidos do discurso de mães ouvintes sobre seus filhos surdos. Neste caso, foi constatada a presença de sentimentos ideológicos maternos contraditórios.

Imagina-se que a rede de apoio diminuída parece ser um fator que impulsiona as mães a permanecerem em certo estado de preocupação materna primária.

A respeito da investigação da função materna vivida por mães de crianças com PC do tipo quadriparesia 29 observa-se que, na busca pela "cura", os cuidados maternos destinam-se à concretização desse objetivo, encontrando-se no mundo sob a determinação da ocupação e preocupação, perdendo-se entre esses modos de ser.

O impacto dessa condição na sociedade é sentido pelas mães entrevistadas, as quais mencionam episódios de preconceitos: (M6) "De olhar assim com aspecto assim de nojo, como se fosse suja, sabe?".

As mães suficientemente boas 22 buscam defender seus filhos desses momentos de preconceito, fortalecendo sua auto-estima. (M6) relata um episódio na estação rodoviária em que outra mãe afasta seus filhos de sua filha e se retira do ambiente. Quando um senhor se aproxima com seu filho e brinca com a filha de (M6), a mãe que havia se afastado retorna e pergunta: "O que tua filha tem?". Ao que a mãe responde: "Tem uma doença muito grave, se tu tocar nela, tu morre". Percebe-se uma defesa que até parece agressiva, mas que é fruto de inúmeras situações de preconceito.

Outro aspecto que parece reforçar essa extrema ocupação da mãe com o filho com deficiência física é a rotina terapêutica extensa. A fala de (M8) demonstra esse fato, ao referir o pedido de seu filho de 5 anos, exausto da rotina e exigência terapêutica: "Até hoje a gente não parou né, sempre correndo atrás e correndo e às vezes ele diz assim: 'Mamãe, não quero, chega!'".

Observa-se, neste caso, que o sujeito vem solicitando uma mudança familiar. Isso sugere que há sujeitos mais resilientes que, ajudados terapeuticamente, impulsionam suas mães a saírem da relação simbiótica, demandando um olhar que sustente seu crescimento e independência. Tal sujeito tem constantemente mostrado limite aos excessos de proteção desta mãe.

Um sujeito resiliente tem capacidade de resistência e adaptação às adversidades e ao risco entendida como uma função intrínseca de reequilíbrio. Desta forma, dispõe-se ao enfrentamento, promovendo a terceira fase denominada de independência 25 da figura materna.

O limite orgânico insere as mães no discurso médico da "cura". No caso da linguagem, seria a presença de fala, como afirma (M5), mãe de um menino de 12 anos: "Assim como eu achava que a fonoaudióloga do J. tinha que... o J. tinha que falar. Depois, com o tempo eu fui vendo que a pessoa que mais sofria com aquilo ali era eu; não era nem ele. (...) Hoje em dia eu não sei nem te dizer se o J. vai caminhar, acho até que não (...)"; (M8) "Eu via ele como uma criança normal, que tivesse uma gripe lá e fosse que tivesse que cura, para mim era isto...".

Portanto, o imaginário de que o uso da prancha poderia limitar a fala pode ser um dos fatores que impeça a generalização do uso. Esse imaginário parece relacionar-se ao paralelo que se faz entre ter linguagem e ter oralidade 28. A autora 28 afirma que as vozes sociais interferem no imaginário de mães de surdos. Estas imaginam que a linguagem somente é possível se materializada na oralidade.

A fala de (M2), mãe de uma menina com paralisia cerebral ilustra um pensar referido também por outras mães entrevistadas: "No começo sim, no começo eu pensava que a prancha ia limitar o desenvolvimento da fala, depois quando eu comecei a ouvir outras pessoas dizer que não, que ela acaba ajudando o raciocínio da criança, enfim que ela expande o pensamento dela e eu comecei a ficar preocupada, como eu tinha te dito comecei a ficar preocupada com esta questão da G. Imagina! Eu não posso privar a minha filha disto".

Na verdade, o uso da CAA promove melhorias inclusive na fala, não a impedindo 30. Tal percepção ocorreu em M6: "No começo eu achei que 'Ah! Um papel, o que esse papel vai adiantar, sabe?' Depois eu vi que melhorou bastante sim, agora ela já começa a se expressar: ela diz batata, diz arroz, diz feijão. A prancha ajudou também porque em casa ela começou com gestos, coisa que ela não conseguia dizer, ela me fazia gestos, que eu entendo agora".

Algumas mães, dado o fato de lidar constantemente com questões médicas, acabam por abandonar a função materna, para assumir quase que uma posição de profissional da saúde, como é o caso de (M4), que possui dois filhos com ECI e cuja família questiona a todo o momento o que vai ser do futuro de seus filhos: "Quero, sabe, se ele está atacado da bronquite, que remédio eu tenho que dar, se ele está com algum problema, se ele está com alguma dor, com tosse ou fome, o que vai ser dele no futuro não me preocupo mais".

Imersa em tantas questões médicas, a mãe (M4) passa a utilizar a terminologia médica e tem pouco espaço para dialogar com o filho: "O importante é isso reabilitar ele (...)"; "A dificuldade (para usar a prancha) é mais assim de tempo, assim sempre é uma correria". Tal mãe encontrava-se em tal estado de exaustão que, ao final da entrevista, chorou e demonstrou seu desespero em lidar com a situação dos dois filhos com PC e outros quatro sem comprometimento biológico.

Algumas mães explicitam a contradição entre a dependência corporal e a independência psíquica, mais saliente na entrada da adolescência. Isso traz a reflexão sobre o fato de a dependência corporal entrar também em contradição com o corpo de um jovem e adulto que começa a surgir com o tempo. Desejando ou não, a mãe começa a perceber que não se trata de uma criança, embora ainda não perceba a necessidade de uso da prancha.

Quanto à forma de introdução e apresentação do recurso, dois casos tiveram o uso da prancha de CAA imposto pela fonoaudióloga; seis foram de modo dialogado; em um caso o entendimento da prancha foi mediado pelas outras mães na recepção da instituição, e não pelo fonoaudiólogo; e, por fim, um caso em que a mãe queria a implementação do recurso e a terapeuta não, tendo a criança os pré-requisitos necessários para o uso da prancha. Várias mães pontuam também que houve introdução tardia do recurso.

Algumas falas demonstram exemplos de insucessos no manejo na clínica de linguagem. M8 relata a falta de comunicação entre a terapeuta e ela e algumas críticas ao instrumental da CAA. Em (M2) e (M3), nota-se uma imposição do recurso e, com (M7), houve negligência da possibilidade de introdução do recurso. M8 relata que não usava porque o recurso em si era mal elaborado, com desenhos (sinais) pequenos e distribuídos em uma prancha-cardápio de somente duas folhas, portanto sem utilidade em diferentes contextos. A mãe descobriu e entendeu como se usava a prancha na recepção da instituição, e não com a terapeuta

Desta forma, ficam prejudicados os processos de manutenção e generalização, ficando seu uso restrito à intervenção somente, sem sentido para o sujeito que está tentando se tornar um usuário: (M8) "Faltou comunicação, dedicação; ele simplesmente chegava na terapia, sentava no cadeirão aquele ali e ficava, ficava ela mexendo no computador e ele brincando no piano"; (M2) "Não usava eu acho que por birra mesmo, pode até ser por isso, por não ter sido colocado de um jeito legal, porque ela falou assim que era o único jeito dela se comunicar"; (M7) "Ela me fez uma nova avaliação com ele, isto um ano depois e ela me disse que ele ainda não estava pronto; e eu repeti dizendo para ela que ele nunca iria estar pronto senão, se ele não tivesse convivência com aquilo".

Nestas próximas duas falas visualizam-se casos de sucessos na clínica, demonstrados pela acolhida e escuta terapêuticas: (M9) "(...) ela mostra tudo com a ajuda da prancha, então acho que ela se sentiu bem, não é mais a fase de bebê, já é uma criança maior"; (M6) "Agora, claro, vai entrando outras terapeutas, mas o primeiro assim, que tu chega, assim, naquela coisa assim, será que tem que fazer com o meu filho? Aí o primeiro que tu pega, assim, e te dá aquele apoio, aquela coisa, tu fica com aquilo para o resto da vida, sabe?".

Nas falas analisadas, a clínica de linguagem apresenta-se sob duas formas: quando ocorreu com parceria, resultou em um uso maior; entretanto, quando imposta às mães, estas se ressentiram, criando resistência em algumas. Nesse sentido, as fragilidades da clínica de linguagem são muitas e, por esse motivo, fomenta-se uma mudança na visão da CAA apenas sob o ângulo instrumental, para uma visão das pranchas em funcionamento linguístico entre interlocutores. Defende-se a visão bakhtiniana 23 de língua, na qual o uso é parte essencial.

A análise dos resultados reforça a necessidade da clínica de linguagem abranger os aspectos subjetivos 21, pois fica evidente que as mães precisariam de um suporte maior para o exercício da função materna diante de uma situação tão desestruturante quanto a doença crônica. O terapeuta não pode estar focado apenas na intervenção junto ao sujeito com ECI, mas precisa percebê-lo em uma dinâmica familiar. Há a necessidade de abordar a relação mãe-filho em conjunto com questões de linguagem.

Essa proposta abrange uma teoria de linguagem que tenha a intersubjetividade e a dialogia como foco e não se restrinja apenas a uma constatação da necessidade de inserção da família nos procedimentos de treinamento do uso da CAA 3,8. Essa clínica subjetiva diferencia-se de procedimentos objetivos de caracterização dos sintomas orgânicos/linguísticos, os quais têm por base uma concepção mentalista e/ou puramente estruturalista de língua e linguagem.

Um dos autores que pode trazer contribuições importantes para pensar a linguagem a partir da intersubjetividade e dialogia é Bakhtin (Volochínov) 23. Ele afirma que a unicidade da palavra não é assegurada pela unicidade de sua composição fonética, havendo também uma unicidade inerente a todas as suas significações, portanto ela é onisignificante. O autor segue defendendo que a pluralidade de sentidos somente ocorre durante a interação verbal, realizada através da enunciação, que é de natureza social, constituindo assim a realidade fundamental da língua.

Por isso, o autor 23 ao afirmar que o diálogo é uma das formas mais importantes de interação verbal, tem o cuidado de registrar que se deve compreender esse termo em um sentido mais amplo, "não apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja" (p. 123) 23. Portanto, nessa visão, a comunicação não se reduz a uma transmissão de mensagens, e o diálogo abrange qualquer tipo de comunicação verbal, incluindo a que pode ser efetivada pela CAA.

Os sistemas gráfico-visuais, como o Bliss e o Picture Communication Symbols (PCS), não são língua, mas podem ser movimentados pelo funcionamento da língua 31, transmutados em "fala" por efeito do outro enquanto instância da língua constituída 32 e pela fala que está na escuta dos sujeitos com paralisia cerebral. Nesses moldes, os símbolos dos sistemas alternativos transformam-se em significantes, pois os materiais são postos em movimento pelo funcionamento da língua. A autora 31 conclui que os chamados "sistemas" gráfico-visuais são um amontoado de símbolos (não se articulam como sistema), mas, ao serem submetidos ao jogo da língua, podem vir a significar.

Ao utilizar a teoria da enunciação bakhtiniana 23, pode-se afirmar que os "símbolos" da CAA na verdade são sinais à disposição de um universo de significações infinitas a serem interpretadas em um dado contexto dialógico. A cada enunciação, o sinal posto na prancha de CAA pelo fonoaudiólogo em comunhão com o usuário e sua família sofrerá atualizações conforme o valor apreciativo e assumirá valor de signo. O fonoaudiólogo, ao empregar tal concepção linguística, está promovendo um funcionamento linguístico, e não uma decodificação de um desenho, como tradicionalmente se observa.

As práticas mecanicistas comumente promovem uma visão reducionista do funcionamento da linguagem, limitando-a a um sistema compartimentalizado em recepção e emissão 28. A interpretação mecânica sobre a língua também refletiu na forma como os sujeitos passaram a ser entendidos, segundo um ponto de vista que os distanciava de suas singularidades, significações e representações, tendo uma imagem unificada, homogênea e neutra de língua. Tal visão coloca em questão a idéia da profilaxia como meta na atuação clínica, sobretudo em casos de ausência de oralidade.

Atribuir o estatuto de sinal aos "símbolos" da CAA, que deverão se transformar em signos, significa inclusive colaborar para a resolução de algumas das queixas maternas sobre o recurso, como a de que a prancha oferece uma limitação de vocabulário por seu tamanho, por maior que seja. Facilitaria também a acessibilidade (outra desvantagem apontada nas entrevistas), pois à medida que se tem uma quantidade menor de signos, desde que sejam vistos com uma capacidade de plurissignificações, podemos acessar os signos em uma velocidade maior.

A relevância e a velocidade são fatores extremamente considerados para um uso efetivo 33. Conceber a prancha de CAA com teorias de língua que abordam apenas questões de hierarquias e regras gramaticais, concretizando-se em uma organização taxonômica e sintática na prancha não sustentam seu uso. Portanto, a relevância das temáticas e das escolhas das figuras é demandada a partir da disposição em se fazer um uso efetivo da língua, mesmo na ausência da oralidade num processo que considere a intersubjetividade entre os interlocutores.

Ao analisar a fala de duas das mães que utilizam a prancha (M3) e (M7), pode-se perceber que elas construíram uma visão própria de uso da língua. Em um exemplo, a mãe relata que o filho criou gestos personalizados para se referir a determinados objetos e ações, que assumiram valor de signo para a mãe.

A outra mãe referiu que a filha usou o desenho de linha PCS de "dor nas costas" para referir que estava com "coceira nas costas" (durante a enunciação ocorreu a migração de sinal para signo). Observa-se que isso somente foi possível porque ambas as mães estão bem colocadas na função materna, permitindo o funcionamento linguístico, no qual o uso da prancha e os gestos são complementares para a formação de sentidos na díade.

Essa descoberta foi possível, apesar do foco comportamentalista da clínica de linguagem ao qual foram submetidas, já que, no caso de (M3), a CAA foi imposta e, para (M7), não foi apresentada, mesmo a mãe tendo insistido à fonoaudióloga. Isso possivelmente ocorreu porque tais mães estavam com possibilidades de exercício suficientemente bom de sua função junto aos filhos.

Exemplos de sucesso no manejo terapêutico na clínica de linguagem com o instrumento da CAA são demonstrados nas seguintes falas: (M6) "É terapeuta e terapia; porque para ti acho que ter aquele, aquela conversa, assim ó; aqui se faz aqui, continua daí em casa, na escola, tem que ter aquele círculo, não pode cair fora daquilo; é uma rotina..."; (M1) "(...) é uma prancha de 24 horas tudo que tu faz em casa, faz na rua, (...) eu sou muito gratificante a isto e agradeço todas as fonos que ele passa".

CONCLUSÃO

Acredita-se que, para um bom aproveitamento do recurso comunicativo, há de se observar condições externas ao instrumento em si, e não somente o tipo de sinal ("símbolo"), disposição, tamanho, cor, portabilidade e acesso. A investigação de como está estabelecido o exercício da função materna (prolongamentos da simbiose, não-aceitação da deficiência), juntamente com o tipo de acolhida e escuta terapêutica, é fundamental para o sucesso terapêutico no uso do recurso. Este é determinado pela concepção de linguagem e de subjetividade com a qual é implementado pelo fonoaudiólogo junto ao usuário, seus familiares e demais parceiros comunicacionais.

Os discursos aqui apresentados sugerem que a concepção dialógica de linguagem e intersubjetividade proposta por Bakhtin, somada a teorias de subjetividade que investiguem o funcionamento materno, como a de orientação winnicottiana, alicerça a clínica de linguagem de modo mais efetivo do que as tradicionais abordagens comportamentalistas.

Observa-se, portanto, que, além da introdução o mais precoce possível, a participação da família e dos demais parceiros conversacionais no processo de montagem inicial favorece a generalização e a manutenção do uso, contribuindo inclusive para o processo de sensibilização materna para a superação da simbiose. Tal perspectiva permite a inauguração ou expansão do processo de subjetivação do sujeito, com oralidade restrita ou ausente, aumentando sua qualidade de vida.

Recebido em: 29/03/2009

Aceito em: 01/08/2009

Conflito de interesses: inexistente

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Mar 2010
    • Data do Fascículo
      Fev 2010

    Histórico

    • Aceito
      01 Ago 2009
    • Recebido
      29 Mar 2009
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