Resumos
OBJETIVO: caracterizar a função respiratória de indivíduos com deformidade dentofacia em relação às vias aéreas superiores e inferiores e ao aspecto da respiração voltado à fonação.
MÉTODOS: 40 indivíduos adultos, divididos em três grupos: grupo controle, deformidade dentofacial II e deformidade dentofacial III, estando os dois últimos em tratamento ortodôntico para cirurgia ortognática. Realizado exame clínico do Protocolo MBGR para tipo e modo respiratório, fluxo aéreo nasal, possibilidade de uso nasal e obtenção do escore do protocolo; espirometria para avaliação da capacidade respiratória; fluxo aéreo expiratório utilizando espelho milimetrado para cálculo da área de embaçamento e medida do tempo de fonação de /s/.
RESULTADOS: observou-se maior ocorrência do tipo respiratório médio superior para todos os grupos. Houve diferença estatística para modo respiratório, sendo a maioria dos participantes com deformidade dentofacial respiradores oronasais ou orais; no fluxo expiratório nasal, os indivíduos com deformidade dentofacial apresentaram fluxo reduzido unilateralmente; na possibilidade de uso nasal, o grupo deformidade dentofacial II teve maior número de indivíduos com prejuízo; no escore, o grupo deformidade dentofacial II apresentou os piores resultados. Indivíduos com menor possibilidade de uso nasal apresentaram menor área de embaçamento do espelho e menor tempo fonatório de /s/. Para os respiradores orais foi encontrado menor tempo fonatório de /s/. A análise estatística não evidenciou diferença entre os grupos nos exames objetivos.
CONCLUSÕES: indivíduos com deformidade dentofacial apresentaram tipo respiratório médio superior, modo oral ou oronasal, reduzidos fluxo expiratório nasal e suporte respiratório para a fonação, sendo que prejuízos na possibilidade do uso nasal e a presença de respiração oral influenciaram a utilização do ar expiratório para a fala.
Respiração; Espirometria; Anormalidades Maxilofaciais
PURPOSE: to characterize the breathing function of subjects with dentofacial deformity in relation to the upper and lower airways and to the aspect of breathing regarding phonation.
METHODS: 40 adult subjects, divided into three groups: control group, dentofacial deformity II and dentofacial deformity III; the two last were in orthodontic treatment for orthognathic surgery. We carried out the MBGR Protocol clinical exam for breathing mode and type, nasal airflow, possibility of nasal use and obtainment of the protocol score; spirometry for assessing the breathing capacity. We also verified the expiratory airflow using a graded mirror to calculate the haze area and the extent of phonation time of /s/.
RESULTS: There was a higher incidence of medium/upper breathing type for all groups. There was a statistical difference for the breathing mode, most patients with dentofacial deformity were oronasal or oral breathers; for the nasal expiratory flow, the subjects with dentofacial deformities had unilaterally reduced flow; for the possibility of nasal use, the dentofacial deformity II group had a greater number of subjects with impairment; for the score, the dentofacial deformity II group had the worst results. Individuals with a lower possibility of nasal use showed a lower haze area and lower phonation time of /s/. Mouth breathers showed lower phonation time of /s/. The statistical analysis did not show difference between the groups in the objective exams.
CONCLUSIONS: Individuals with dentofacial deformity showed medium/upper breathing type, oral or oronasal mode, reduced expiratory nasal flow and respiratory support for phonation; the impairments in the possibility of the nasal use and the oral breathing affected the use of expiratory air for speech.
Breathing; Spirometry; Maxillofacial Abnormalities
Introdução
As deformidades dentofaciais (DDF) são alterações graves de oclusão que requerem um tratamento combinado entre ortodontia e cirurgia ortognática. Estas alterações podem acometer uma ou duas bases ósseas da face, nos planos vertical, horizontal e transversal; tanto de maneira isolada como combinada, acarretando diferentes tipos de deformidade1. Os indivíduos adultos com desproporções maxilomandibulares possuem características miofuncionais orofaciais específicas, de acordo com o tipo de desproporção que apresentam. Estas alterações funcionais são, na verdade, adaptações, considerando-se cada padrão das bases ósseas2.
Quanto à etiologia, existe um componente hereditário que determina a morfologia dentofacial, podendo ser modificado pelo ambiente antes do nascimento3. Com relação aos defeitos de desenvolvimento de origem desconhecida4, a literatura refere que são bastante raros, provavelmente advindos de falha de diferenciação no período embrionário. Segundo o autor, os traumatismos pré e pós-natais podem resultar em deformidades dentofaciais, sendo que após o nascimento podem ocorrer fraturas dos maxilares e dentes; microtrauma produzido por hábitos parafuncionais e traumatismo da ATM. Além disso, a dieta essencialmente amolecida parece desempenhar um papel na etiologia de algumas más oclusões4.
A influência da função respiratória no desenvolvimento das estruturas orofaciais tem sido amplamente discutida. De acordo com a teoria da "Matriz Funcional de Moss", a respiração nasal propicia adequado crescimento e desenvolvimento do complexo craniofacial interagindo com outras funções como mastigação e deglutição. Essa teoria baseia-se no princípio de que o crescimento facial está intimamente associado à atividade funcional, representada por diferentes componentes da área da cabeça e pescoço5.
Portanto, a respiração nasal representa fator fundamental no crescimento craniofacial e na manutenção do equilíbrio do sistema estomatognático. Os movimentos de inspiração e expiração que promovem a ventilação pulmonar podem estar alterados nos casos má oclusão esquelética devido ao uso excessivo da musculatura inspiratória acessória, podendo acarretar alterações posturais. Fatores como respiração oronasal, padrão ventilatório apical, tensão e ansiedade, comuns nos sujeitos com essa deformidade, podem ser indicados como os principais responsáveis por estas alterações6.
A literatura é vasta no que concerne à associação entre respiração, morfologia facial e oclusão dentária. A desarmonia nos tecidos moles provoca mudanças na morfologia craniofacial e induz a má oclusão. Aumento no terço inferior da face, palato atrésico e profundo, incisivos retroinclinados, aumento da largura inferior da face, mordida aberta e mordida cruzada, são algumas alterações que a respiração pela boca pode causar7 , 8. Após a retomada a respiração nasal, geralmente por tratamento médico envolvendo procedimento cirúrgico, é possível que tecidos moles retornem à normalidade, mas o distúrbio oclusal permanece3.
Diversos estudos evidenciam que alterações dentofaciais têm interferência na função respiratória de vias aéreas superiores destes indivíduos, sendo que a melhora na área nasal se deu por meio de expansão de maxila cirúrgica ou ortopédica9 - 11. No que se refere às vias aéreas inferiores, um estudo realizado considerando características fonoarticulatórias e respiratórias em indivíduos com DDF, encontrou valores de tempo máximo fonatório inferiores e semelhantes medidas extraídas pela espirometria em relação aos participantes com equilíbrio dentofacial12.
Tendo em vista que a função respiratória tem importante influência no crescimento e desenvolvimento craniofacial, sendo que indivíduos adultos com DDF podem ter quadros de respiração oral, faz-se necessário o estudo desta função nestes indivíduos. Além disso, as relações entre os aspectos de vias aéreas superiores e inferiores são pouco abordadas na literatura, sendo tal conhecimento possibilitará melhor compreensão das condições respiratórias desses indivíduos, com impacto no prognóstico.
Portanto, o objetivo deste estudo foi caracterizar a função respiratória de indivíduos com DDF em relação às vias aéreas superiores e inferiores, bem como ao aspecto da respiração voltado para a fonação.
Métodos
Trata-se de um estudo caso-controle, aprovado em Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo, processo número n. 049/2009. Todos os indivíduos assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido
Foram incluídos 40 indivíduos com idade entre 18 e 40 anos, sendo 20 do sexo masculino e 20 do sexo feminino. Os indivíduos foram divididos em três grupos equilibrados de acordo com gênero e idade: GC (14 indivíduos com equilíbrio dentofacial, Classe I e Padrão I); DDFII (12 indivíduos com DDF, Classe II e Padrão II) e DDFIII (14 indivíduos, Classe III e Padrão III), sendo os dois últimos em tratamento ortodôntico preparatório para a cirurgia ortognática.
O grupo controle foi constituído por indivíduos com boa saúde, tanto geral quanto oral, boa relação entre os arcos dentários com trespasse vertical e horizontal entre 1 e 3mm, elementos dentários naturais até o segundo molar, tipo facial médio e respiração nasal. Além disso, não apresentaram alteração na postura corporal uma vez que foram avaliados por uma fisioterapeuta. Todos esses casos do grupo controle realizaram entrevista para levantamento da história clínica fonoaudiológica, bem como avaliação miofuncional orofacial por meio da aplicação do Protocolo MBGR13 para verificar se os mesmos atendiam aos critérios de inclusão.
Foram considerados critérios de exclusão sinais fenotípicos de síndromes, hábito de tabagismo, quadros de obstruções pulmonares crônicas, rinites e/ou sinusites, diagnóstico de desvio de septo, aumento de tonsilas palatinas ou faríngea, déficits intelectuais, distúrbios neurológicos, psiquiátricos, doenças reumáticas, história de fratura de mandíbula e indivíduos com alterações vocais e/ou que tenham realizado cirurgia bucomaxilofacial ou laríngea pregressa. Esses dados foram obtidos por meio do relato dos indivíduos, os quais responderam a um questionário contendo perguntas sobre estes aspectos.
Os participantes da pesquisa foram distribuídos em três grupos equilibrados segundo sexo e idade (média de 24,9 anos). O grupo I (GC) foi constituído por 14 adultos jovens com equilíbrio dentofacial com Classe I e Padrão I. O Grupo II (DDFII) foi constituído por 12 indivíduos com deformidade dentofacial classificados como Classe II e Padrão II. O Grupo III (DDFIII) foi formado por 14 indivíduos com deformidade dentofacial classificados como Classe III e Padrão III.
Procedimentos
Todos os indivíduos foram atendidos na Clínica de Fonoaudiologia da instituição de origem e seguiram os protocolos de avaliação propostos para esta pesquisa, além de serem submetidos a avaliações instrumentais específicas, conforme relatado posteriormente. A seguir serão apresentados os procedimentos de avaliações a que foram submetidos todos os casos.
Avaliação clínica da função respiratória
Para avaliação clínica da respiração, todos os itens contemplados para este aspecto no Protocolo de Motricidade Orofacial MBGR foram analisados, considerando as possibilidades de respostas e os escores atribuídos pelos autores13.
Quanto ao tipo respiratório, este foi avaliado por meio de observação do indivíduo em repouso e em pé, por palpação das regiões torácica e abdominal, sendo classificado em três tipos: superior, em que há expansão da parte superior da caixa torácica, ocasionando elevação dos ombros e podendo ser acompanhada de anteriorização do pescoço; médio, em que há pouca movimentação superior ou inferior na inspiração; inferior, no qual não há movimentos da região superior, que geralmente apresenta-se hipodesenvolvida e com rotação anterior dos ombros e expansão da região inferior. De acordo com o Protocolo MBGR13, a terminologia e os escores para o tipo respiratório adotados foram: médio inferior (escore 0), médio superior (escore 1).
Em relação ao modo respiratório, por meio da observação do indivíduo em repouso durante 1 minuto, foi verificada a posição dos lábios, da mandíbula e da língua, notando a presença de algum ponto de vedamento da cavidade oral, sendo classificado em nasal, oronasal ou oral. Foi classificado como respirador nasal (escore zero) o indivíduo que permaneceu com a mandíbula elevada, os lábios em contato e/ou a língua em contato com alguma região do palato duro em repouso. Na presença de mandíbula abaixada, lábios entreabertos e vedamento assistemático da cavidade oral durante o repouso, foi atribuída a classificação de respiração oronasal (escore 1). Os indivíduos classificados como respiradores orais (escore 2), apresentaram lábios abertos durante o repouso, mandíbula abaixada e língua baixa no assoalho da cavidade oral.
Para verificar a possibilidade de utilizar a via nasal para a respiração foi solicitado aos indivíduos que permanecessem com um pouco de água na boca pelo tempo de 2 minutos. O tempo de permanência do gole de água na cavidade oral sugere a possibilidade de uso nasal para a respiração, sendo classificado como: mais de 2 minutos (escore zero), entre 1 e 2 minutos (escore 1) e menos de 1 minuto (escore 2).
Foi observado, ainda, o fluxo aéreo expiratório utilizando-se o espelho nasal milimetrado de Altmann (Pró-Fono), posicionado sob as narinas dos participantes. Teve-se cuidado para manter a placa metálica resfriada com o auxílio de álcool, aplicado com um lenço de papel antes de iniciar a testagem, e foi demarcada, com caneta própria, a área relativa ao fluxo aéreo expiratório nasal visualizado pelo embaçamento da placa. Esse procedimento foi realizado durante 20 segundos para envolver pelo menos 3 ciclos respiratórios e se certificar da área de embaçamento, que corresponde à condensação das partículas de ar14.
A partir da marcação no espelho o fluxo aéreo expiratório foi classificado como simétrico (escore zero), reduzido à direita (escore 1) ou reduzido à esquerda (escore 1). No presente trabalho, a medida foi realizada sem a limpeza das narinas, utilizando a placa metálica resfriada com o auxílio de gaze embebida em álcool 70° GL (Gay Lussac), posicionada sob as narinas do paciente e solicitando que o mesmo respirasse normalmente, sem forçar o fluxo. O ciclo nasal, fenômeno se caracteriza pela alternância de períodos de maior resistência nasal entre as fossas nasais15, foi considerado para a interpretação dos dados. Assim, foi atribuído escore referente à normalidade ao paciente que apresentasse o fluxo de uma narina minimamente diferente da outra narina, uma vez a resistência nasal permanece constante apesar da mudança que ocorre em ambas as fossas nasais.
Após a marcação da medida de embaçamento na placa, o desenho formado foi transcrito para uma folha milimetrada e digitalizado. Para o cálculo da área, os registros foram medidos traçando uma linha exata sobre a transcrição da folha milimetrada, com o auxílio do software Image Pro Plus, comumente utilizado para mensuração de células. Assim, foi possível obter a medida da área de embaçamento da placa metálica em cm².
Avaliação instrumental da função respiratória
A capacidade vital foi verificada por meio da espirometria, utilizando-se espirômetro Pony FX de 12 litros. Os indivíduos permaneceram confortavelmente sentados em cadeira com pés e braços apoiados. Um bocal, acoplado a uma traquéia e ao espirômetro, foi posicionado no vestíbulo da boca, sendo solicitado que os participantes respirassem normalmente até se habituarem ao sistema16. A seguir, solicitou-se inspiração máxima, seguida de pausa de alguns segundos e uma expiração máxima em forma de sopro forçado. O teste de capacidade vital foi realizado com a oclusão das narinas, solicitando-se aos pacientes que expirassem todo o ar na embocadura do tubo do aparelho, realizando uma expiração máxima. Durante a expiração, o avaliador estimulou verbalmente para que os indivíduos realizassem a expiração de modo mais longo possível, sendo que esse procedimento foi repetido três vezes, para ser calculada uma média, em litros, dos três valores obtidos.
O suporte de ar disponível, intimamente relacionado ao padrão de respiração, foi avaliado pedindo-se ao paciente a emissão do som sibilante /s/, medindo-se o tempo do som gravado no software Sound Forge 9.0 (Sony), em taxa de amostragem de 44.100hz, canal Mono, em 16Bit, apenas uma vez, caso este demonstrasse entendimento e o resultado do exame fosse coerente. Quando percebia-se falta de entendimento para execução do exame, realizava-se o teste novamente. A gravação deu-se em estúdio acusticamente tratado, diretamente em computador por meio do microfone de cabeça marca AKG, modelo C444PP, conectado a placa de som modelo Audigy II, marca Creative, posicionado lateralmente entre 60 graus a 10 cm da comissura labial. Para obtenção da medida (em segundos), foi selecionado cautelosamente no computador o inicio da fonação até o fim desta. Feita a seleção da imagem gerada, o programa automaticamente proporciona um número, em segundos, sendo este o tempo fonatório do indivíduo.
Estatística
Na comparação entre os grupos o teste Kruskall-Wallis foi utilizado para comparar variáveis quantitativas (escore do MBGR), enquanto para as variáveis qualitativas (tipo e modo respiratório, fluxo de ar expiratório e possibilidade de uso nasal) foi escolhido o teste t.
Para a comparação entre as variáveis qualitativas (tipo e modo respiratório, fluxo de ar expiratório e possibilidade de uso nasal) com as variáveis quantitativas (área de embaçamento do espelho, capacidade vital, tempo fonatório de /s/ e escore do MBGR) foi utilizado teste ANOVA.
Além disto, foi utilizada análise de Correlação de Pearson para variáveis quantitativas (escore do MBGR, capacidade vital e tempo fonatório de /s/)
Resultados
Os resultados apresentados na Tabela 1 demonstraram que todos os indivíduos com deformidade dentofacial apresentaram tipo respiratório médio/superior, bem como a maioria dos indivíduos do grupo controle. Todos os participantes do GC da presente pesquisa apresentaram respiração nasal. Já 78,57% dos indivíduos do grupo DDFIII apresentaram modo respiratório oronasal ou oral, enquanto todos os sujeitos DDFII apresentaram modo respiratório oral (p=0,001). Quanto ao escore da função respiratória do Protocolo MBGR, o grupo DFFII apresentou os escores mais altos, ou seja, os piores resultados. Ao comparar com os outros grupos por meio de teste estatístico, foi encontrado valor de p<0,001.
Quanto aos exames objetivos (área do embaçamento do espelho de Altmann capacidade vital e suporte de ar disponível) a análise estatística não evidenciou diferença significante entre os grupos para todos os aspectos considerados (p>0,05). Porém foi possível observar menor área de embaçamento em indivíduos com menor possibilidade de uso nasal (p=0,036). Tais resultados encontram-se apresentados na Tabela 2.
Na Tabela 3, ao verificar o tipo respiratório e as médias de área de embaçamento do espelho milimetrado de Altmann, capacidade vital (CV) e tempo fonatório de /s/, observa-se tendência de respiradores do tipo médio inferior apresentarem maior média de capacidade vital, não tendo sido obtida diferença estatisticamente significante para esta comparação.
Na comparação entre modo respiratório e avaliação objetiva (Tabela 4) observou-se menor tempo fonatório de /s/ para respiradores orais (p=0,007).
Os achados da Tabela 5 apresentam a comparação entre o fluxo simétrico e a média da capacidade vital e do tempo fonatório de /s/, bem como entre o fluxo expiratório reduzido, a média da capacidade vital e o tempo fonatório de /s/. Porém, a análise estatística evidenciou valor de p>0,05 para estas comparações.
Foi possível, ainda, observar menor tempo fonatório de /s/ para indivíduos com menor possibilidade de uso nasal (p=0,002), como demonstra a Tabela 6.
Por fim, a Tabela 7 apresenta os dados da correlação entre os escores do Protocolo MBGR e os resultados obtidos para a capacidade vital, como também entre o escore do Protocolo MBGR e o tempo fonatório de /s/. Foi observada correlação negativa de força moderada entre os escores do Protocolo MBGR e o tempo fonatório de /s/, demonstrando que quanto maior o escore do MBGR, menor o tempo de /s/.
Discussão
Tendo em vista que a função respiratória tem importante influência no crescimento e desenvolvimento craniofacial e que indivíduos adultos com deformidades dentofaciais podem ter quadros de respiração oral, faz-se importante o estudo desta função nestes indivíduos. Além disso, as relações entre os aspectos de vias aéreas superiores e inferiores são pouco abordadas na literatura, sendo tal conhecimento necessário para melhor compreensão das condições respiratórias desses indivíduos, com implicação ao plano de tratamento e prognóstico.
Sabendo-se que indivíduos com deformidade dentofacial podem apresentar prejuízos relacionados às funções orofaciais, os dados desta pesquisa demonstraram que na presença da DDF foi encontrada maior ocorrência de alterações quanto a alguns aspectos respiratórios, em comparação ao grupo controle.
A presente pesquisa mostrou que todos os indivíduos com deformidade dentofacial apresentaram tipo respiratório médio/superior, da mesma forma que a maioiria dos indivíduos do grupo controle. Em um estudo realizado, porém voltado para os aspectos vocais de usuários da voz profissional, foi verificado que a maioria dos participantes apresentou o tipo respiratório misto, concordando com a presente pesquisa, apesar da distinta população estudada e dos diferentes critérios de classificação adotados17. De acordo com conceitos clássicos da fisiologia, o tipo respiratório médio/inferior é considerado ideal, pois tal padrão possibilita completa expansão e retração dos pulmões, por meio dos movimentos do diafragma para baixo e para cima, que fazem variar o volume da caixa torácica durante os processos de inspiração e expiração, respectivamente18. Portanto, era esperado encontrar no GC o tipo respiratório médio/inferior, sendo que uma possível explicação para os resultados obtidos é a subjetividade do procedimento de avaliação do tipo respiratório, além do fato do mesmo ser feito com o paciente em repouso. Durante o repouso não há necessidade de uma grande expansão torácica e abdominal. O sujeito apenas inspira a quantidade de ar necessária para as trocas gasosas e manutenção do nível de oxigênio para o funcionamento adequado do organismo. Em contrapartida, na função da fala, durante o canto, ou mesmo no exercício físico há a necessidade de maior uso de ar disponível para execução destas funções, sendo o padrão respiratório adaptado à demanda funcional exigida. Quando os indivíduos dispõem-se a cantar, o processo respiratório necessita sofrer uma alteração. Durante o canto a expiração - processo normalmente passivo - vai se tornar uma ação ativa, e assume uma duração maior do que a inspiração, ou seja, a respiração precisa ser controlada18. Assim, possíveis diferenças podem ser encontradas entre indivíduos com DDF e aqueles com equilíbrio dentofacial utilizando provas que demandem controle respiratório, sendo importante que estudos futuros consideram tais aspectos.
Todos os participantes do grupo controle da presente pesquisa, com equilíbrio dentofacial, apresentaram respiração nasal. Já 78,57% dos indivíduos do grupo DDFIII apresentaram modo respiratório oronasal ou oral, enquanto todos os sujeitos DDFII apresentaram modo respiratório oral. Prejuízos no crescimento craniofacial podem ser decorrentes de vários fatores, entre eles, a presença de respiração oral crônica. A respiração oral crônica exige modificações posturais de partes anatômicas, resultando no abaixamento da mandíbula, deslocamento da língua para baixo e para frente, além de influenciar a postura da cabeça, que se projeta anteriormente. Essas alterações podem interferir na direção do crescimento da mandíbula e dos dentes19, podendo a respiração oral e oronasal ser considerada na etiologia das desproporções maxilomandibulares apresentadas pelos indivíduos dos grupos DDFII e DDFIII.
Os respiradores orais e oronasais apresentaram menor possibilidade de uso nasal (<1min) em relação aos respiradores nasais (>2min), o que pode estar relacionado ao modo de respiração. No presente trabalho foi utilizado o "teste da água", que preconiza a ausência de problemas respiratórios em sujeitos que permanecem por alguns instantes com água na boca e com os lábios fechados. Este teste tem por objetivo compreender se há obstrução nasal ou se a respiração oral dá-se por hábito instalado, ou seja, se o modo respiratório for oral e o paciente apresentar capacidade de uso nasal superior a dois minutos, possivelmente refere-se a um hábito, porém, se o tempo for inferior a um minuto, existe a hipótese de alguma obstrução nasal20. Os autores que propuseram o Protocolo MBGR, cuja avaliação da respiração foi utilizada nesta pesquisa, consideram que, se o indivíduo permanecer com o gole de água na boca menos de um minuto, possivelmente apresenta algum fator obstrutivo da respiração nasal. Sugere-se que em estudos posteriores a avaliação Otorrinolaringológica seja considerada, possibilitando diagnosticar quadros de desvios de septo, rinites, sinusites e hipertrofia de tonsilas palatinas e/ou faríngea. Adicionalmente, para os próximos estudos, sugere-se que sejam incluídas outras avaliações instrumentais, como a rinometria acústica sendo esta uma técnica de avaliação objetiva da permeabilidade nasal que permite determinar a área de secção transversal de qualquer ponto entre a narina e a rinofaringe, fornecendo dados precisos21 , 22.
Quanto à medida do embaçamento do espelho, relacionada ao fluxo aéreo expiratório, não foi encontrada diferença entre os grupos. Porém, os indivíduos com menor possibilidade de uso nasal apresentaram menor área de embaçamento. Com relação a esse aspecto, foi encontrado na literatura estudo conduzido com crianças, no qual foram medidas as áreas de embaçamento pré e pós limpeza nasal, sendo que os autores não abordaram nenhum dos aspectos estudados na presente pesquisa22. Acredita-se que respiradores orais apresentem certo desuso da via nasal, justificando a relação entre o uso nasal e a área de embaçamento do espelho.
Além disso, os resultados encontrados demonstraram que quanto menor a possibilidade de uso de ar nasal menor o tempo de fonação de /s/. Da mesma forma, os respiradores orais demonstraram média de tempo fonatório menor que os respiradores nasais e oronasais, ou seja, menor suporte de ar disponível para fonação. Não foram encontrados estudos que assemelham-se a esta pesquisa no que diz respeito ao tempo fonatório e possibilidade de uso nasal ou mesmo respiração oral. Acredita-se que a relação entre este aspectos seja explicada pelo fato da respiração acontecer exclusivamente pela boca sendo que durante a fala o indivíduo acaba apenas expirando, havendo assim a necessidade imediata de inspirar novamente. Pode-se dizer que há certa competitividade entre a fala e a respiração do indivíduo que respira pela boca.
Os resultados da capacidade vital, obtidos por meio da espirometria, demonstraram que os pacientes com deformidades dentofaciais apresentaram o mesmo desempenho que o grupo controle. Uma possível hipótese para explicar esse achado diz respeito ao fato de que a prova realizada durante o exame representa uma atividade máxima de modo estimulado, sendo que os participantes dos diferentes grupos estudados na presente pesquisa não apresentavam limitações pulmonares. O que leva a mudança na capacidade vital são as doenças pulmonares, principalmente as obstrutivas crônicas como relatado no estudo realizado com respiradores orais asmáticos, submetidos ao treino físico, no qual foi possível verificar que estes indivíduos possuem capacidade vital reduzida, a qual não foi adequada após o treino físico23.
Porém, quando se solicita o uso do ar pulmonar para a função de fala, medido por meio do tempo fonatório, verificou-se que o uso de ar é diferente entre os grupos, sendo o GC o grupo que apresentou maior tempo fonatório (16,42 segundos), em comparação aos grupos DDFII (11,75 segundos) e DDFIII (12,95 segundos). O mesmo comportamento foi observado em outro estudo12, sendo que houve diferença estatística para o tempo fonatório de /s/ na comparação feita entre os grupos com DDF e o GC, onde o grupo com DDF apresentou menor tempo fonatório de /s/, ou seja, menor suporte de ar disponível para a função fonatória.
Por fim, com os resultados obtidos por meio da pesquisa aqui apresentada, faz-se importante a discussão sobre a terapia voltada à função respiratória realizada com pacientes na prática clínica em Motricidade Orofacial. Nesse sentido, destaca-se que não é possível abordar uma função orofacial isoladamente, pois todas se correlacionam de certo modo, sendo importante ampliar o enfoque terapêutico, considerando também a função de respiração para a fonação em indivíduos com DDF.
Conclusão
Conclui-se que os indivíduos com DDF do presente estudo apresentaram medidas de capacidade vital dentro dos parâmetros de normalidade, tipo respiratório médio superior, modo oral ou oronasal, reduzido fluxo expiratório nasal e suporte respiratório para a fonação, sendo que prejuízos na possibilidade do uso nasal e a presença de respiração oral influenciaram a utilização do ar expiratório para a fala.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jun 2015
Histórico
-
Recebido
17 Jul 2014 -
Aceito
24 Set 2014