Resumos
OBJETIVO: identificar e caracterizar as habilidades e o desenvolvimento da Atenção Compartilhada de crianças autistas, não-verbais, pela observação de comportamentos comunicativos. MÉTODOS: a pesquisa envolveu cinco meninos, entre 5a,9m e 8a,6m, com diagnóstico de Transtorno Autista (DSM-IV, 2002), filmados em dois momentos, com intervalo de 4 meses. Neste período, as crianças foram submetidas à intervenção fonoaudiológica baseada na estimulação da Atenção Compartilhada. Cada gravação era de 15 minutos e envolvia uma criança ou um grupo de 2-3 crianças com a terapeuta, em situações de interação não-dirigida e semi-dirigida, na escola onde estudavam. Foram observados e registrados comportamentos referentes às habilidades de Atenção Compartilhada. O material utilizado envolveu instrumentos musicais de percussão. Os dados foram analisados considerando-se o tempo, a interação e o(s) interlocutor(es). RESULTADOS: o comportamento olhar apresentou maior crescimento em cada um dos sujeitos. A análise dos dados revelou que os sujeitos apresentaram tendências qualitativas de evolução da habilidade de compartilhar a atenção, revelando um significado clínico importante, apesar da não ocorrência de significância estatística. Cada sujeito apresentou características e evolução dos Comportamentos Comunicativos relativos à Atenção Compartilhada de maneira individualizada. Após o período de intervenção fonoaudiológica, verificou-se aumento quantitativo dos comportamentos observados nos cinco sujeitos, principalmente na interação criança-terapeuta. CONCLUSÕES: o olhar é um importante patamar para o desenvolvimento dos outros comportamentos em direção à Atenção Compartilhada. A interação adulto-criança favorece o surgimento de comportamentos comunicativos e o compartilhar. A terapia fonoaudiológica focada nas habilidades de Atenção Compartilhada parece contribuir positivamente para o desenvolvimento da comunicação das crianças autistas.
Transtorno Autístico; Desenvolvimento da Linguagem; Terapia da Linguagem; Relações Interpessoais; Comportamento Social
PURPOSE: to identify and characterize abilities of Joint Attention of non-verbal autistic children through the observation of communicative behaviors. METHODS: the research involved 5 boys, between 5,9 and 8,6-year old, diagnosed as Autistic Disorder (DSM IV, 2002), recorded in two instances with a four months interval. Meanwhile, the children were submitted to a language therapy mediation based on Joint Attention stimulation. Each recording was 15 minutes long and involved one child or group of 2-3 children with the therapist within non-directed and semi-directed interaction situations, at school where they studied. We observed and registered behaviors regarding Joint Attention abilities. The used material involved percussion instruments. Data were analyzed in relation to time, interaction and interlocutor. RESULTS: the gaze behavior showed the greatest growth in each subject. Data analysis revealed that the subjects showed qualitative trends for evolution of the Joint Attention ability revealing important clinical meaning although there was lack of statistical significance. Each subject showed characteristics and evolution of the communicative behaviors regarding Joint Attention in an individualized manner. After the period of language therapy intervention, we observed a quantitative behavioral growth in the 5 subjects, specifically under child-therapist interaction. CONCLUSIONS: the gaze behavior is an important step for the development of others behaviors toward Joint Attention. The adult-child interaction situation facilitates the appearance of communication behaviors and sharing. Language therapy with focus on the Joint Attention abilities seems to contribute positively for communication development of autistic children.
Autistic Disorder; Language Development; Language Therapy; Interpersonal Relations; Social Behavior
ARTIGOS ORIGINAIS ORIGINAL ARTICLES
Estudo longitudinal da atenção compartilhada em crianças autistas não-verbais
Longitudinal study of joint attention in non-verbal autistic children
Leila Sandra Damião FarahI; Jacy PerissinotoII; Brasília Maria ChiariIII
IFonoaudióloga Clínica; Professora Convidada do Curso de Fonoaudiologia da Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP, São Paulo, SP; Especialista em Linguagem pelo CEFAC - Pós-Graduação em Saúde e Educação; Mestre em Ciências pelo Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal de São Paulo
IIFonoaudióloga Clínica; Professora do Curso de Fonoaudiologia da Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP, São Paulo, SP; Pós-Doutorado em Psicolinguística pela Universidade de Sorbone, França
IIIFonoaudióloga; Professora e Coordenadora do Curso de Fonoaudiologia da Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP, São Paulo, SP; Doutora Livre-Docente pela Universidade Federal de São Paulo
Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Leila Sandra Damião Farah Al. dos Anapurus,1236/ 122 São Paulo - SP CEP: 04087-003 E-mail: leiser@uol.com.br
RESUMO
OBJETIVO: identificar e caracterizar as habilidades e o desenvolvimento da Atenção Compartilhada de crianças autistas, não-verbais, pela observação de comportamentos comunicativos.
MÉTODOS: a pesquisa envolveu cinco meninos, entre 5a,9m e 8a,6m, com diagnóstico de Transtorno Autista (DSM-IV, 2002), filmados em dois momentos, com intervalo de 4 meses. Neste período, as crianças foram submetidas à intervenção fonoaudiológica baseada na estimulação da Atenção Compartilhada. Cada gravação era de 15 minutos e envolvia uma criança ou um grupo de 2-3 crianças com a terapeuta, em situações de interação não-dirigida e semi-dirigida, na escola onde estudavam. Foram observados e registrados comportamentos referentes às habilidades de Atenção Compartilhada. O material utilizado envolveu instrumentos musicais de percussão. Os dados foram analisados considerando-se o tempo, a interação e o(s) interlocutor(es).
RESULTADOS: o comportamento olhar apresentou maior crescimento em cada um dos sujeitos. A análise dos dados revelou que os sujeitos apresentaram tendências qualitativas de evolução da habilidade de compartilhar a atenção, revelando um significado clínico importante, apesar da não ocorrência de significância estatística. Cada sujeito apresentou características e evolução dos Comportamentos Comunicativos relativos à Atenção Compartilhada de maneira individualizada. Após o período de intervenção fonoaudiológica, verificou-se aumento quantitativo dos comportamentos observados nos cinco sujeitos, principalmente na interação criança-terapeuta.
CONCLUSÕES: o olhar é um importante patamar para o desenvolvimento dos outros comportamentos em direção à Atenção Compartilhada. A interação adulto-criança favorece o surgimento de comportamentos comunicativos e o compartilhar. A terapia fonoaudiológica focada nas habilidades de Atenção Compartilhada parece contribuir positivamente para o desenvolvimento da comunicação das crianças autistas.
Descritores: Transtorno Autístico; Desenvolvimento da Linguagem; Terapia da Linguagem; Relações Interpessoais; Comportamento Social
ABSTRACT
PURPOSE: to identify and characterize abilities of Joint Attention of non-verbal autistic children through the observation of communicative behaviors.
METHODS: the research involved 5 boys, between 5,9 and 8,6-year old, diagnosed as Autistic Disorder (DSM IV, 2002), recorded in two instances with a four months interval. Meanwhile, the children were submitted to a language therapy mediation based on Joint Attention stimulation. Each recording was 15 minutes long and involved one child or group of 2-3 children with the therapist within non-directed and semi-directed interaction situations, at school where they studied. We observed and registered behaviors regarding Joint Attention abilities. The used material involved percussion instruments. Data were analyzed in relation to time, interaction and interlocutor.
RESULTS: the gaze behavior showed the greatest growth in each subject. Data analysis revealed that the subjects showed qualitative trends for evolution of the Joint Attention ability revealing important clinical meaning although there was lack of statistical significance. Each subject showed characteristics and evolution of the communicative behaviors regarding Joint Attention in an individualized manner. After the period of language therapy intervention, we observed a quantitative behavioral growth in the 5 subjects, specifically under child-therapist interaction.
CONCLUSIONS: the gaze behavior is an important step for the development of others behaviors toward Joint Attention. The adult-child interaction situation facilitates the appearance of communication behaviors and sharing. Language therapy with focus on the Joint Attention abilities seems to contribute positively for communication development of autistic children.
Keywords: Autistic Disorder; Language Development; Language Therapy; Interpersonal Relations; Social Behavior
INTRODUÇÃO
O autismo infantil é uma condição única de um transtorno do desenvolvimento em que as áreas da comunicação, da interação social recíproca e dos jogos simbólicos encontram-se afetadas 1. No cerne do Transtorno Autista encontra-se a alteração no desenvolvimento da linguagem.
Orientar e manter sua atenção visual para o adulto é imprescindível para o bebê se engajar socialmente e desenvolver funções cognitivas 2 .
A compreensão e o uso dos comportamentos comunicativos não-verbais pelo bebê durante seu primeiro ano de vida o impulsionará para uma interação triádica, estabelecendo, desta forma, a Atenção Compartilhada ou Conjunta, considerada por estudiosos do desenvolvimento como precursora do desenvolvimento da linguagem 3,4 e o primeiro passo para a compreensão dos comportamentos intencionais das outras pessoas 4.
Estudos mostram que há um déficit importante nas habilidades de Atenção Compartilhada em crianças autistas 4-13,14, a qual parece estar também relacionada à severidade dos sintomas sociais apresentados por eles 4.
O prejuízo ou a ausência do contato ocular faz com que o bebê autista perca as informações não-verbais oriundas das expressões faciais, do direcionamento do olhar e dos gestos de seus cuidadores, prejudicando a aquisição e o desenvolvimento das habilidades pragmáticas e sociais da linguagem 4,15. Alguns estudos ainda acrescentam que o autista apresenta déficit na percepção de faces e expressões faciais 15,16. Estas são, possivelmente, as bases fundamentais geradoras dos déficits apresentados pelo indivíduo autista, quanto aos aspectos sócio-comunicativos 13.
Este estudo tem como hipótese que o desenvolvimento da habilidade de Atenção Compartilhada colabora para uma melhor comunicação e interação social, mesmo na ausência de comunicação verbal.
Os comportamentos comunicativos não-verbais, o ambiente e o interlocutor são variáveis importantes no estabelecimento da interação comunicativa. Busca-se no presente estudo, correlacionar estas variáveis ao desenvolvimento da habilidade de compartilhar a atenção de crianças com Transtorno Autista, antes e após um período de intervenção fonoaudiológica, supondo que haverá evolução da habilidade de compartilhar a atenção neste período.
Outra hipótese levantada é que o adulto seja um facilitador na aquisição destes componentes sócio-comunicativos não-verbais por estimular, conscientemente, os comportamentos comunicativos da criança.
Os objetivos deste estudo foram: identificar e caracterizar as habilidades de compartilhar a atenção de crianças portadoras de Transtorno Autista, não-verbais, através da observação de comportamentos comunicativos; comparar os comportamentos comunicativos relativos à Atenção Compartilhada nas situações de interação: criança e adulto; dupla/trio de crianças e adulto; crianças entre si; comparar os comportamentos comunicativos relativos à Atenção Compartilhada, em dois momentos com intervalo de 4 meses; observar se a intervenção fonoaudiológica contribui para a interação sócio-comunicativa das crianças autistas e para o desenvolvimento das habilidades de Atenção Compartilhada.
MÉTODOS
Este é um estudo de corte 17 do tipo longitudinal de um grupo de crianças autistas durante um período de 4 meses. Os sujeitos foram 5 meninos portadores de Transtorno Autista, com idades variando entre 5a,9m e 8a,6m, no início do estudo e no término variando entre 6a,1m e 8a,10m.
Durante todo o período deste estudo, as cinco crianças estavam inseridas no mesmo programa educacional em uma escola especial particular, na cidade de São Paulo, onde foi realizada a pesquisa.
Ocorreram 2 momentos de gravações de situações interacionais entre a pesquisadora e as crianças, no início do estudo (1ª gravação) e ao seu término, após 4 meses (2ª gravação).
No período entre as gravações, as crianças foram submetidas à intervenção fonoaudiológica focada na estimulação dos comportamentos comunicativos pré-verbais relacionados à habilidade de Atenção Compartilhada, com a mesma terapeuta, na própria escola. As sessões eram individuais, por 30 minutos, semanalmente.
Os critérios de inclusão envolveram: ser diagnosticado por equipe multidisciplinar como portador de Transtorno Autista, com base no DSM-IV 1, ter audição normal, ser não-verbal, frequentar o mesmo programa educacional e adesão dos pais à pesquisa. O critério de exclusão foi a presença de comorbidades como Síndromes Genéticas ou comprometimentos motores.
Foram aplicados às mães, com o propósito de caracterizar o perfil de cada sujeito, uma anamnese não-diretiva e o questionário ABC - Autism Behavior Checklist Record Form 9 que é uma lista de comportamentos relacionados ao espectro autístico, em que são registrados os comportamentos que a mãe reconhece em seu filho. A síntese do perfil dos sujeitos encontra-se na Tabela 1.
A estrutura metodológica deste estudo constou de três etapas: entrevistas com as mães dos sujeitos; intervenção fonoaudiológica por 4 meses e dois momentos de gravações de situações de interação entre as crianças e a avaliadora.
A intervenção fonoaudiológica tinha característica interacionista, envolvendo atividades que propiciassem o compartilhar entre os parceiros comunicativos.
O material selecionado para as gravações envolveu instrumentos musicais de percussão porque, além de favorecer a interação, é uma forma de comunicação não-verbal, é facilmente adaptável a contextos terapêuticos 18, de fácil manuseio e era utilizado rotineiramente na aula de Musicalização das crianças. Cada sessão de gravação teve a duração de 20 minutos envolvendo as seguintes situações de interação, elaboradas pelas autoras:
1 - criança-terapeuta em situação não-dirigida (Individual Não-Dirigida);
2 - criança-terapeuta em situação semi-dirigida (Individual Semi-Dirigida);
3 - grupo de 2 ou 3 crianças-terapeuta em situação não-dirigida (Grupo Não-Dirigido);
4 - grupo de 2 ou 3 crianças-terapeuta em situação semi-dirigida (Grupo Semi-Dirigido).
Na situação "Não-dirigida", a terapeuta se posiciona como observadora, não havendo iniciativa comunicativa por parte dela. Na situação "Semi-dirigida", a terapeuta interage com a(s) criança(s), faz comentários, usa gestos e fala como resposta às iniciativas das crianças; não dirige a situação/atividade.
Foram observados os comportamentos de iniciativa comunicativa referentes à habilidade de atenção compartilhada de cada criança nas situações citadas acima e feito o registro da ocorrência numérica dos mesmos, excluindo-se os 5 minutos iniciais de cada gravação.
Os comportamentos foram relacionados seguindo uma ordenação de complexidade, iniciando-se pelo menos interativo e seguindo até o mais interativo; e foram transcritos em protocolo criado pelas autoras, baseado em pesquisa realizada anteriormente 8 e adaptado para o presente estudo.
1 - Alcançar: criança dirige-se a / pega objeto que não está imediatamente à sua frente;
2 - Uso funcional: criança manipula o objeto com intenção de tocá-lo;
3 - Uso simbólico: criança utiliza o objeto representando outro objeto;
4 - Olhar para o Terapeuta: criança vira sua cabeça e olhos na direção do avaliador;
5 - Olhar para o Colega: criança vira sua cabeça e olhos na direção do colega;
6 - Imitar: criança imita movimento/ ação do avaliador;
7 - Alternar: criança alterna olhar entre um objeto e a face do avaliador;
8 - Apontar: criança aponta com dedo para um objeto ou parte da sala;
9 - Mostrar: criança estende um objeto em direção à face do avaliador;
10 - Dar: criança estende um objeto para o avaliador;
11 - Pedido: criança conduz avaliador até o objeto ou algo que queira ou faz gesto de pedir com a mão;
12 - Provocação: criança faz um gesto provocativo para chamar a atenção do avaliador;
13 - Convite: criança inicia uma brincadeira ou chama avaliador para engajá-lo num jogo ou atividade.
Foram considerados para análise, os comportamentos Comunicativos relacionados à Atenção Compartilhada de iniciativa, isto é, aqueles comportamentos iniciados pela criança espontaneamente.
O Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo/Hospital São Paulo analisou e aprovou este estudo sob nº 1163/03.
O teste estatístico utilizado foi o ANOVA - Analysis of Variance - com o propósito de analisar os resultados focando o grupo de crianças. E, para complementar a análise descritiva, foi utilizada a técnica de Intervalo de Confiança. O nível de significância foi de 0,05 (5%). Houve concordância estatisticamente significante entre duas observadoras fonoaudiólogas treinadas.
RESULTADOS
Os resultados objetivos forneceram subsídios para uma análise de cunho clínico, com o propósito de avaliar e discutir a contribuição da intervenção fonoaudiológica com foco na Atenção Compartilhada para crianças autistas.
Os resultados estão apresentados nas Tabelas 1, 2, 3, 4 e 5 e Figuras 1 e 2.
DISCUSSÃO
O desenvolvimento sócio-comunicativo de um bebê tem início logo no nascimento 3,19-22 e, durante os primeiros anos de vida, a comunicação não-verbal é um elemento fundamental para o estabelecimento das interações sociais e para o desenvolvimento da linguagem. A troca de olhar entre o bebê e o adulto é o primeiro desencadeador do processo desenvolvimental sócio-comunicativo 3,6,8,19-24.
Por volta dos 8-9 meses de vida, emerge a ação de direcionar a atenção de outra pessoa para um objeto ou evento, através do olhar, sozinho ou acompanhado por gestos como, por exemplo, apontar. O bebê está, neste momento, estabelecendo uma atenção conjunta 4. Esta é uma característica presente na interação mãe-bebê 21.
A habilidade da Atenção Conjunta ou Compartilhada (AC) pode ser definida como sendo os comportamentos infantis que servem para coordenar a atenção entre os parceiros da interação social com o fim de compartilhar uma consciência dos objetos/eventos. É um sistema que integra o processamento da informação interna sobre seu próprio campo de atenção visual e a informação externa sobre o campo visual do seu interlocutor 4,13. Além disso, envolve o uso e a compreensão de gestos convencionais, tais como o apontar, o mostrar e o contato de olho em conjunção aos gestos ou sozinho 8,25,26, os quais são importantes precursores do desenvolvimento da linguagem 3,7,12,13,20 .
Em bebês autistas, a ocorrência de atipias no contato ocular influencia negativamente a percepção dos componentes não-verbais da comunicação (expressões faciais, direcionamento do olhar e gestos oriundos de seus cuidadores), importantes para a compreensão das situações circundantes, das intenções do outro, para a formação das interações sociais 4,12,22,25,26 e para o desenvolvimento da intenção comunicativa 6 .
Estas alterações no desenvolvimento da linguagem não-verbal desencadeiam alterações nas habilidades pragmáticas da linguagem 3,8,14,27-29 tanto em autistas não-verbais como naqueles que adquiriram a fala.
Logo, a AC está fortemente relacionada ao desenvolvimento da linguagem e da interação social 4,13,14,30. Sendo crucial para a aquisição da linguagem e emergindo precocemente no desenvolvimento da criança típica, a AC é um bom indicador de diagnóstico precoce do autismo 6,10,12,13,20,31,32. Além disso, estimular o desenvolvimento dos comportamentos relacionados à mesma, pode colaborar para uma melhor comunicação e interação social, mesmo na ausência de comunicação verbal.
A avaliação da AC em crianças com suspeita de um Transtorno Global do Desenvolvimento (TGD) faz-se de fundamental importância, tanto para fins diagnósticos, como para a elaboração individualizada da intervenção educacional e clínica 7,11,13, além de ser um déficit específico do Transtorno Autista 5-11,13.
A escolha de um estudo baseado em observação comportamental recaiu sobre o fato de este procedimento poder ser aplicado 19 a crianças de qualquer idade, nível cognitivo e de linguagem e também pela característica não-verbal dos sujeitos estudados.
O presente estudo permitiu, a partir dos resultados objetivos, análises individuais e qualitativas, possibilitando uma melhor caracterização do Transtorno Autista em que as características apresentadas podem ser melhor descritas em termos qualitativos do que quantitativos 31,33.
Analisando os comportamentos, observou-se que o Olhar foi o comportamento comunicativo de maior ocorrência em todas as situações e considerando os 5 sujeitos, como mostra a Figura 1.
O Olhar para Terapeuta (Tabela 2) apresentou um crescimento estatisticamente significante após os 4 meses de intervenção fonoaudiológica.
O uso funcional de um objeto, em geral, não envolve necessariamente o compartilhar. Os dados encontrados (Figura 1 e Tabela 2) revelaram que houve uma diminuição do comportamento Uso Funcional no intervalo do período estudado, sem significância estatística. No entanto, é possível supor que haja uma relevância clínica nestes dados. Com exceção do sujeito 2, as crianças deste estudo passaram a apresentar menos este comportamento, após 4 meses sob intervenção, talvez pelo fato de estarem mais atentos ao interlocutor, e também, por estarem desenvolvendo as habilidades de compartilhar a atenção, interessam-se menos em brincar sozinhos.
O comportamento Olhar para o Colega também apresentou decréscimo no período estudado (Figura 1), apesar de as crianças estarem em contato diário por estarem frequentando a mesma classe escolar.
Mesmo com um tempo maior de convivência entre si, as crianças apresentaram quantidade maior de comportamentos comunicativos nas situações individuais com a terapeuta (Tabelas 3 e 4, Figura 2).
É possível supor, a partir destes dados, que a terapia individual causou um efeito positivo nos sujeitos deste estudo, trazendo benefícios, mesmo considerando o grau de severidade da patologia que apresentam, concordante com estudos anteriores 29,33,34. E também, parece ser o cenário mais produtivo para o desenvolvimento de comportamentos comunicativos e de AC 14,35.
O comportamento Imitar ocorreu em maior número na situação ISD (Tabela 4) e a média do comportamento Imitar diminuiu na 2ª gravação (Tabela 2). Pode haver alguma relação entre o decréscimo do comportamento Imitar após o período da intervenção e o aumento dos comportamentos Apontar e Mostrar no mesmo período. Na evolução da habilidade de compartilhar a atenção, os meninos passaram a usar comportamentos mais interativos espontaneamente, diminuindo as manifestações imitativas, as quais, não exigem necessariamente uma consciência ou intenção de compartilhar algo com alguém.
Os comportamentos Alternar, Apontar e Mostrar são considerados comportamentos relacionados diretamente à AC 3,8.
Os resultados desta pesquisa indicaram que o comportamento Alternar foi o que mais apareceu (Tabela 4, Tabela 2) dentre eles. O Alternar é um comportamento que envolve o Olhar (que alterna entre o interlocutor e o objeto/evento) e carrega um significado que é expresso através dele próprio, sem a necessidade de um gesto para garantir sua manifestação. E é um indicador que a criança está compartilhando uma consciência do objeto/evento em foco com o parceiro interacional 4,25, isto é, o processo de dividir a atenção está iniciando 2,4.
Os comportamentos Apontar e Mostrar podem ser usados com função instrumental ou social e necessitam da habilidade de direcionar a atenção do outro para emergir 36. Além disso, envolvem também uma ação motora, o que sugere que sejam mais complexos e, portanto, podem levar mais tempo para surgirem. Portanto, o intervalo de 4 meses entre as gravações, pode ter sido curto para o desenvolvimento destes comportamentos, nos sujeitos deste estudo.
Concordante com outros estudiosos 22,26,34 que demonstraram a importância do olhar para o desenvolvimento da linguagem e da própria AC, este estudo entende que o comportamento Olhar pode ser o degrau inicial em direção à Atenção Compartilhada, o primeiro canal de interesse sobre o outro, o que propicia o início de uma interação comunicativa.
Os comportamentos Dar e Pedido ocorreram em maior quantidade na Situação Individual Semi-dirigida (Tabela 4), refletindo uma significância clínica importante: o interlocutor adulto facilita o surgimento de comportamentos comunicativos por ser mais estimulador e também mais atento à interação do que outras crianças também autistas, conforme observado em outro estudo 12.
Os comportamentos Provocação e Convite considerados pelas pesquisadoras como os mais complexos na habilidade do compartilhar por exigir, além da ação em direção ao interlocutor, uma consciência da realidade circundante e modificá-la com a intenção de interagir, ocorreram em número reduzido, sem significância estatística ou clínica (Tabela 4, Tabela 2). Estes dados sugerem que os sujeitos desta pesquisa encontram-se no princípio do processo de desenvolvimento da Atenção Compartilhada.
Esta pesquisa sugere que, se os demais comportamentos relacionados às habilidades de Atenção Compartilhada levam mais tempo para emergir do que o comportamento Olhar, esforços não devem ser medidos, nas intervenções terapêuticas, para estimular o desenvolvimento destes comportamentos. Neste ponto, estudiosos da área 7,12-14,20,23,24,27,28,34,36,37 são concordantes que é importante incluir nos programas terapêuticos, aspectos que envolvam desenvolver comportamentos comunicativos relacionados à Atenção Compartilhada, como o contato ocular, o apontar e o mostrar, pois, as crianças autistas se beneficiam destas estratégias por adaptá-las ao mundo social.
É possível verificar, através da Figura 2, que a média da 2ª gravação é sempre maior que a média da 1ª gravação. Portanto, o estudo mostra a tendência de crescimento quantitativo de comportamentos comunicativos, após um período sob intervenção fonoaudiológica focada na Atenção Compartilhada (Tabela 5).
Apesar da ausência de significância estatística, pode-se observar uma significância clínica, isto é, um valor positivo para o trabalho terapêutico, pois, destaca-se a tendência dos sujeitos a responderem positivamente à intervenção fonoaudiológica com foco na AC, mesmo após alguns meses, como no caso da presente pesquisa, concordante com outros estudos 20,33-35,38,39.
Um estudo realizado com crianças autistas em idade pré-escolar 40 demonstrou que atividades de Atenção Compartilhada favoreceram o engajamento destas crianças com seus pares. Uma pesquisa anterior 41 havia demonstrado que crianças autistas entre 3-4 anos sob terapia individual focada na Atenção Compartilhada, 30 minutos diários, durante 5-6 semanas, apresentaram maior evolução em comportamentos comunicativos do que um grupo controle inserido numa abordagem menos específica, durante 6 horas diárias, no mesmo período.
Apesar das diferenças comportamentais existentes entre as crianças deste estudo, as quais caracterizam o quadro do Transtorno Autista 12,42, mudanças foram observadas em todos os sujeitos e, sempre apontando para o processo de desenvolvimento das habilidades de AC. A presença da adulta-terapeuta provocou um efeito positivo, atraindo a atenção para si e para o compartilhar. Consequentemente, o comportamento Olhar, primeiro passo para a efetivação da AC, progrediu quantitativamente.
A heterogeneidade, característica do Transtorno Autista concedeu análises e conclusões do tipo mais qualitativas do que quantitativas e mais individualizadas do que grupais 42.
A extensão deste estudo necessita de uma casuística ampliada com maior tempo de intervenção ou aumento no número de sessões fonoaudiológicas semanais o que contribuiria para um importante valor clínico. O grau de severidade dos casos estudados pode ter sido um limitador para uma evolução mais significativa dos comportamentos comunicativos observados.
CONCLUSÃO
A situação de interação individual mostrou-se mais favorável ao surgimento de comportamentos comunicativos do que a situação de interação grupal.
O interlocutor adulto fez diferença para a criança com Transtorno Autístico por ser mais estimulador do que as outras crianças autistas, durante as interações, provocando a manifestação de comportamentos comunicativos e, apenas sua presença, atrai a atenção do autista, promovendo a iniciativa comunicativa.
O comportamento Olhar por si só, não garante que a criança autista esteja em interação ou compartilhando a atenção com uma outra pessoa. Entretanto, é o primeiro degrau para o desenvolvimento das habilidades de Atenção Compartilhada.
O desenvolvimento dos comportamentos relacionados à Atenção Compartilhada: Olhar, Apontar, Mostrar e Alternar parece ser processual. O Olhar é um importante patamar para o desenvolvimento dos outros comportamentos comunicativos, os quais desenvolvem-se em complexidade. O Olhar fundamenta a díade interacional; o Alternar aparece como uma variação mais complexa deste comportamento; logo, ações motoras são adicionadas (Apontar, Mostrar), formando uma tríade interacional e caracterizando a Atenção Compartilhada.
Os quatro meses que envolveram este estudo pode ter sido um período curto para o surgimento de determinados comportamentos que, por serem mais complexos que outros, necessitem de mais tempo para emergir, explicando a pequena variabilidade de comportamentos observada em todas as situações.
Verificou-se que as significâncias clínicas que apareceram em Resultados sugerem que a intervenção fonoaudiológica focada na Atenção Compartilhada deve ser conjeturada num processo terapêutico.
Recebido em: 18/02/2008
Aceito em: 28/09/2009
Conflito de interesses: inexistente
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Endereço para correspondência:
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
21 Jan 2010 -
Data do Fascículo
Dez 2009
Histórico
-
Aceito
28 Set 2009 -
Recebido
18 Fev 2008