Resumos
O objetivo deste estudo é verificar a eficácia de um programa de Treinamento Auditivo comparando o desempenho inicial, nos testes de avaliação do processamento auditivo, com o desempenho após o treinamento auditivo. Para este estudo de caso, desenvolvido na clínica de Fonoaudiologia da Universidade de Passo Fundo, foi selecionado um indivíduo que apresentava alterações de linguagem, queixas compatíveis com alterações de processamento auditivo, avaliação audiológica básica normal e avaliação do processamento auditivo alterada. Para isso, foram utilizados os testes Pediatric Speech Intelligibility, Staggered Spondaic Word, Dicótico de Dígitos, Random Gap Detection Test, Masking Level Difference e Pitch Pattern Sequence. Os resultados obtidos na reavaliação com os testes de Processamento Auditivo após oito sessões de treinamento auditivo apontaram melhoras na decodificação e codificação que se encontravam alteradas, persistindo um leve prejuízo na organização. A evolução do indivíduo de grau severo para leve comprova a eficácia do Treinamento Auditivo.
Transtornos da Audição; Estimulação Acústica; Percepção Auditiva; Plasticidade Neuronal
The aim of this study is to verify the effectiveness of an Auditory Training program comparing the initial performance in the tests of auditory processing evaluation, with the performance after the auditory training. For this case study, developed at the Speech Therapy clinic in the University of Passo Fundo, a subject was selected that presented language alterations, complaints compatibles with auditory processing disorders, basic hearing evaluation with normal results and altered results in the auditory processing evaluation. For this, the tests Pediatric Speech Intelligibility, Staggered Spondaic Word, Dichotic Digits, Random Gap Detection Test, Masking Level Difference, and Pitch Pattern Sequence were used. Auditory Processing tests reevaluation after 8 sessions of the auditory training showed improvements in the abilities that were previously altered, persisting a mild difficulty in organization. The progression from severe to mild degree of the subject proves the effectiveness of the Auditory Training.
Hearing Disorders; Acoustic Stimulation; Auditory Perception; Neuronal Plasticity
Introdução
O processamento auditivo (PA) refere-se aos mecanismos e aos processos utilizados pelo sistema auditivo, responsáveis por fenômenos comportamentais, como localização e discriminação sonora, reconhecimento auditivo, aspectos temporais da audição, desempenho auditivo com sinais acústicos em competição e desempenho auditivo em situações acústicas desfavoráveis tanto para estímulos verbais, quanto para estímulos não verbais11. Kozlowski L, Wiemes GMR, Magni C, Silva ALG. A efetividade do treinamento auditivo na desordem do processamento auditivo central: estudo de caso. Rev Bras Otorrinolaringol. 2004;70(3):427-32..
Além de possuir limiares auditivos normais, é necessário também que o sinal acústico seja analisado e interpretado para que se transforme em uma mensagem com significado22. Pinheiro FH. Eficácia do programa de treinamento auditivo em escolares com distúrbio de aprendizagem [dissertação]. Marília (SP): Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista; 2009..
O PA está diretamente relacionado à discriminação, memória e percepção auditiva. Tais competências são importantes na expressão e compreensão da palavra falada, na leitura e na escrita33. Olivares-García MR, Penaloza-Lopez YR, Garcia-Pedroza F, Jesus-Perez S, Uribe-Escamilla R, Jimenez-de la Sancha S. Identificación de La lateralidad auditiva mediante una prueba dicótica nueva con dígitos en español, y de la lateralidad corporal y orientación espacial en niños con dislexia y en controles. Rev Neurolog. 2005;41(4):198-205. , 44. Dawes P, Bishop DVM, Sirimanna T, Bamiou DE. Profile and etiology of children diagnosed with auditory processing disorder (APD). Int J Pediat Otorhinolaryngol. 2008;(72):483-9..
O processamento não segue etapas fixas de mecanismos, operações e fenômenos auditivos porque o contexto, ou discurso, vai facilitar ou dificultar a transmissão dos sons desde a orelha até centros nervosos que vão dando significados aos sinais captados.
O transtorno do PA pode ser definido como um grupo complexo e heterogêneo de alterações, usualmente associado a uma série de dificuldades auditivas e de aprendizado, porém havendo normalidade da audição periférica55. Zalcman TE, Schochat E. A eficácia do treinamento auditivo formal em indivíduos com transtorno de processamento auditivo. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(4):310-4..
A alteração do PA se refere a dificuldades no processo de percepção da informação auditiva no sistema nervoso central, resultando em um fraco desempenho em uma ou mais das habilidades auditivas66. Ramos BD, Alvarez AM, Sanchez ML. Neurologia e processamento auditivo: novos paradigmas. Rev Bras Med. 2007;2(2):51-8..
Com o intuito de minimizar as habilidades auditivas alteradas que podem ser encontradas em um indivíduo, alguns procedimentos são propostos, entre eles o treinamento auditivo (TA) 55. Zalcman TE, Schochat E. A eficácia do treinamento auditivo formal em indivíduos com transtorno de processamento auditivo. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(4):310-4..
TA é um termo usado para descrever um conjunto de exercícios auditivos, destinados a melhorar a capacidade do indivíduo para perceber os sons. Pontos de vista divergem quanto ao que deve compor o TA, mas no centro de todas as abordagens o objetivo principal é de melhorar a comunicação do paciente77. Brouns K, Refaie AE, Pryce H. Auditory Training and Adult Rehabilitation: A Critical Review of the Evidence. Global J of Health Science. 2011;3(1):49-63.. Isto quer dizer que as habilidades auditivas podem ser aprimoradas com treinamento e que esta melhor performance na função auditiva está relacionada diretamente com a capacidade de modificação do sistema nervoso central11. Kozlowski L, Wiemes GMR, Magni C, Silva ALG. A efetividade do treinamento auditivo na desordem do processamento auditivo central: estudo de caso. Rev Bras Otorrinolaringol. 2004;70(3):427-32..
Por fim, o trabalho foi realizado com o objetivo de verificar a mudança de comportamento nas habilidades auditivas, após TA, em um indivíduo com alterações no processamento auditivo.
Apresentação do caso
A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos da Universidade de Passo Fundo (UPF) sob o registro 454/2011 e foi realizada no Laboratório de Audiologia da Clínica de Fonoaudiologia da Universidade de Passo Fundo (CAMPUS I -Km 171 - BR 285, Bairro São José, Passo Fundo - RS).
Este estudo foi desenvolvido como um estudo de caso. No entanto, para que fosse possível selecionar o indivíduo da pesquisa, foi necessário, primeiramente, aplicar as testagens em diversas crianças, a fim de encontrar uma que estivesse adequada aos critérios de inclusão pré-estabelecidos, como: idade mínima de cinco anos e máxima de 15 anos (independente do sexo), inspeção do meato acústico externo normal; avaliação audiológica básica (audiometria tonal limiar, logoaudiometria e imitanciometria) dentro dos limites da normalidade; apresentar a avaliação do PA alterada.
A clínica de Fonoaudiologia realiza o exame de PA e, portanto, os pacientes que necessitavam de tal avaliação foram contatados e chamados por meio de uma ligação telefônica para participar da pesquisa, realizando a avaliação audiológica básica completa, bem como os testes comportamentais do PA.
Após a referida avaliação, um sujeito que se enquadrava nos critérios de inclusão, foi convidado para fazer parte do estudo de caso, mediante consentimento de seu responsável por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
O paciente selecionado para o estudo de caso, foi um indivíduo do sexo masculino, destro, com sete anos de idade no momento da avaliação. Era estudante da primeira série do Ensino Fundamental e residente no município de Marau - RS.
O indivíduo, de sete anos, realizou uma avaliação completa, composta de anamnese com os pais; inspeção do meato acústico externo; audiometria tonal de via aérea nas frequências de 250 a 8000 Hz; audiometria vocal - SRT e IPRF; imitanciometria (timpanometria e pesquisa dos reflexos acústicos ipsilaterais e contralaterais, nas frequências de 500, 1000, 2000 e 4000 Hz) e aplicação dos testes do PA: triagem do PA, Pediatric Speech Intelligibility (PSI), Staggered Spondaic Word (SSW), Teste Dicótico de Dígitos (DD), Random Gap Detection Test (RGDT), Masking Level Difference (MLD) e Pitch Pattern Sequence (PPS).
Na anamnese realizada com os pais, foi relatado que a aquisição da fala do paciente ocorreu de maneira adequada e seu desenvolvimento motor era normal. Ele não possuía história médica significativa, além de episódios recorrentes de otite média desde os 3 anos de idade, ficando por longo período tratando essas infecções. Não tinha história de envolvimento do sistema nervoso central, assim como não foram relatadas histórias familiares de deficiência mental, deficiência auditiva, ou outra alteração.
Durante um período de dois anos, realizou terapia fonoaudiológica particular em sua cidade de origem, pelo fato de apresentar trocas tanto na linguagem escrita como na linguagem oral. Segundo informações concedidas pela família, sua evolução era lenta ao longo dos atendimentos.
Em relação à aprendizagem, o desenvolvimento desta encontrava-se alterado. Na escola, havia queixas de que conversava muito em sala de aula, encontrava-se atrasado em relação à turma nas questões ligadas à leitura e escrita e em atividades como o ditado, acertava poucas palavras. O paciente, muitas vezes, levava algum tempo para compreender piadas ou frases com duplo sentido, apresentava dificuldades relacionadas à Matemática, e no Português tinha alterações na escrita de sílabas mais complexas, conforme relataram a mãe e a professora da criança. A família mencionou ainda que a criança era bastante distraída e tinha pressa para terminar as atividades escolares, sendo um pouco agitada. Não possuía dificuldades para seguir instruções orais.
Primeiramente, ele foi encaminhado para a avaliação audiológica básica (audiometria tonal limiar e medidas de imitância acústica). O indivíduo não teve nenhuma alteração na inspeção do meato acústico externo, podendo então, realizar os demais exames.
No exame de audiometria tonal foi encontrada presença de uma curva audiométrica simétrica, do tipo horizontal com limiares auditivos dentro dos padrões88. Sistema de Conselhos Federal e Regionais de Fonoaudiologia. Manual de Procedimentos em Audiometria Tonal Limiar, Logoaudiometria e Medidas de Imitância Acústica. Fev 2013. Disponível em: http://fonoaudiologia.org.br/publicacoes/Manual de Audiologia.pdf
http://fonoaudiologia.org.br/publicacoes...
da normalidade em todas as frequências testadas. Na audiometria vocal, ou logoaudiometria, obteve desempenho normal (SRT de 10 dBs para ambas orelhas e IPRF com 100% de acertos na OD e 96% de acertos na OE), não havendo então nenhuma dificuldade para compreender os sons da fala bilateralmente.
No teste de imitanciometria, em relação às medidas de imitância acústica encontrou-se mobilidade normal do sistema tímpano-ossicular, com curva tipo A em ambas as orelhas. Os reflexos estapedianos ipsilaterais e contralaterais estavam presentes bilateralmente em todas as frequências testadas.
Em seguida, foi realizada a triagem do PA, um procedimento constituído por testes simples que visam avaliar de maneira geral o desempenho do indivíduo em relação a memória sequencial para sons verbais, não verbais, e localização sonora. A triagem foi realizada em uma sala da clínica de Fonoaudiologia da UPF, para tal, foram utilizados instrumentos musicais, como sino, chave, agogô e chocalho, além de ordens verbais.
O indivíduo não conseguiu acertar as três sequências sonoras apresentadas com estímulos de instrumentos musicais. Para os sons verbais, o paciente conseguiu realizar a produção articulatória isolada adequadamente para as sílabas PA, TA e CA. Entretanto, das três sequências solicitadas envolvendo as sílabas mencionadas, houve apenas um acerto. No teste de localização sonora, utilizando o chocalho, o indivíduo precisava identificar em qual direção o som era apresentado pela examinadora (direita, esquerda, atrás, à frente e acima da cabeça) e obteve acertos em todas elas.
Finalmente, foram aplicados os testes específicos do PA (PSI, MLD, PPS, RGDT, DD e SSW). Estes foram realizados dentro da cabine audiométrica, a partir de um compact disc player acoplado ao audiômetro de dois canais Interacoustic AC 33 e fones de ouvido extra-auriculares TDH-39P, pelo qual o paciente ouvia as ordens.
Após análise, constatou-se que o indivíduo apresentava alterações nos processos de Decodificação, Codificação e Organização, com dificuldades nas seguintes habilidades auditivas: figura-fundo, atenção seletiva, fechamento auditivo, integração e separação binaural, reconhecimento de padrões de frequência, ordenação temporal e nomeação, condizentes com uma alteração do PA de grau severo22. Pinheiro FH. Eficácia do programa de treinamento auditivo em escolares com distúrbio de aprendizagem [dissertação]. Marília (SP): Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista; 2009..
Assim, o indivíduo foi selecionado para participar da presente pesquisa e realizar o TA proposto, visando melhorar o desempenho das habilidades auditivas alteradas.
No teste PSI, aplicado a uma intensidade de 40 dBNS acima do SRT, o paciente foi solicitado a prestar atenção em sentenças que vem acompanhadas de uma mensagem competitiva e apontar figuras coladas em um cartaz, de acordo com as ordens que ouvisse. O PSI visa avaliar o reconhecimento de frases por meio da identificação de figuras na presença de mensagem competitiva ipsi e contralateral.
Para o teste SSW, realizado em uma intensidade de 50 dBNS acima do SRT (levando em conta o conforto auditivo), o paciente ouvia em uma orelha (através do fone) uma palavra sem competição, depois duas palavras simultaneamente e, por fim, outra palavra na orelha contrária sem competição, e deveria repetir as quatro palavras dissílabas que ouvisse na ordem em que elas eram apresentadas. Essa testagem envolvia a avaliação da integridade binaural, organização sequencial, figura-fundo e memória.
O Teste Dicótico de Dígitos, aplicado em uma intensidade de 60 dBNS, usa estímulos verbais numéricos e avalia integração binaural, habilidades de figura-fundo, separação binaural (escuta direcionada para cada orelha separadamente). O paciente escutava dois dígitos em cada orelha simultaneamente e devia repeti-los da maneira que ouvisse.
O RGDT, aplicado em uma intensidade de 60 dB, avalia a binauralidade e a percepção do gap temporal em diferentes frequências (500, 1000, 2000 e 4000 Hz). O indivíduo ouvia um ou dois apitos em um determinado espaço de tempo e, devia avisar à examinadora quando escutasse somente um, ou quando escutasse os dois. O resultado do RGDT foi obtido por meio da média do menor gap por milissegundos das frequências de 500, 1000, 2000 e 4000 Hz.
No teste MLD, aplicado em uma intensidade de 50 dB, que avalia integração binaural, foi introduzido um ruído nas duas orelhas enquanto um tom pulsátil de 500 ou 1000 Hz era apresentado em condições homofásicas e antifásicas. O paciente era orientado a responder verbalmente à examinadora quando ouvisse o tom (apito); o valor obtido no teste MLD foi calculado a partir do último limiar acertado do tom fora de fase, diminuído do último acerto do limiar do tom em fase e suas respectivas relações sinal/ruído.
O PPS, aplicado a uma intensidade de 50 dB acima do SRT do sujeito, é um teste que avalia o reconhecimento temporal de frequências. É composto por 60 sequências de três tons puros cada, que se diferenciam com relação às frequências dos estímulos: fino e grosso. Das 60 sequências apresentadas de forma binaural, 30 deveriam ser respondidas sob forma de murmúrio (imitação) e 30 por nomeação. Entretanto, neste estudo utilizou-se apenas a parte do teste que exige respostas por nomeação, uma vez que o paciente apresentou dificuldades na realização do exame quando foi utilizada a resposta por murmúrio.
Foram utilizados os critérios de referência para normalidade das habilidades auditivas avaliadas nos testes utilizados para uma criança de 7 anos de idade99. Pereira LD, Schochat E. Processamento auditivo central: manual de avaliação. São Paulo: Lovise; 1997..
Posteriormente a essas avaliações, o indivíduo selecionado foi submetido a um programa de TA. Esse treinamento baseou-se nos mesmos moldes de outros estudos55. Zalcman TE, Schochat E. A eficácia do treinamento auditivo formal em indivíduos com transtorno de processamento auditivo. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(4):310-4. , 1010. Martins JS, Pinheiro MMC, Blasi HF. A utilização de um software infantil na terapia fonoaudiológica de Distúrbio do Processamento Auditivo Central. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(4):398-404. , 1111. Alonso R, Schochat E. A eficácia do treinamento auditivo formal em crianças com transtorno de processamento auditivo (central): avaliação comportamental e eletrofisiológica. Rev Bras Otorrinolaringol. 2009;75(5):726-32. ou seja, oito sessões, com duração em média de 45 minutos cada, que foram realizadas na Clínica de Fonoaudiologia da Universidade de Passo Fundo.
A terapia baseou-se em técnicas de TA formal e informal, priorizando o desenvolvimento e o treinamento das habilidades auditivas alteradas encontradas nas avaliações do PA. As estratégias, bem como as atividades utilizadas para o TA foram organizadas de acordo com as propostas de outros autores1212. Musiek FE, Chermak GD. Three Commonly Asked Questions About Central Auditory Processing Disorders. Am Speech Lang Hear Association. 1994;3:23-7.
13. Musiek FE, Shinn J, Hare C. Plasticity, auditory training, and auditory processing disorders. Semin Hear. 2002;23(4): 253-75.
14. Musiek F, Schochat E. Auditory training and central auditory processing disorders: a case study. Semin Hear. 1998;19(4):357-66. - 1515. Musiek FE. Habilitation and management of auditory processing disorders: overview of selected procedures. J Am Acad Audiol. 1999;10(6):329-42..
Dentre as diversas atividades utilizadas, pode-se citar que:
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para o trabalho envolvendo memória, sequencialização e atenção seletiva foram utilizados cartões com figuras de animais, diversas sequências eram apresentadas à criança, que deveria memoriza-las e posteriormente repetir a ordem de apresentação dos estímulos. O mesmo foi realizado utilizando instrumentos musicais, sílabas e pares mínimos.
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para o trabalho com a discriminação e reconhecimento foram utilizados pares mínimos e atividades feitas dentro da cabine audiométrica utilizando os tons em diferentes frequências e intensidades, as quais deveriam ser percebidas e expressas verbalmente pelo paciente como um som mais ''fino'' ou mais ''grosso'', mais ''alto'' ou mais ''baixo'', mais ''longo'' ou mais ''curto''.
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para o trabalho com síntese binaural, integração de estímulos auditivos e visuais e também atenção seletiva era proposta a contação de uma história, enquanto sobre a mesa ficavam figuras de palavras contidas no texto. Cada vez que o paciente ouvisse a palavra alvo, ele deveria procurar a figura correspondente. Ao longo dos acertos, eram colocados estímulos competitivos a fim de dificultar a tarefa. Utilizou-se também um bingo sonoro e histórias em sequência lógica.
Ressalta-se que, a atenção (focalizada e seletiva), assim como a memória, permeiam todas as outras habilidades e, portanto, foram constantemente trabalhadas, paralelamente com as demais habilidades auditivas. Foram trabalhados também, na maioria das sessões, sons verbais e não verbais com o objetivo de estimular tanto o hemisfério cortical direito quanto o hemisfério cortical esquerdo, bem como estimular a transferência inter-hemisférica, essencial para diversas capacidades do PA.
Dentro de cada etapa foram respeitadas as complexidades das tarefas, iniciando com atividades mais simples e à medida que os acertos fossem se tornando mais consistentes, as atividades iam se tornando mais difíceis e incluíam-se mais estímulos. Em diversas sessões a complexidade das tarefas foi manipulada com a introdução de sons competitivos (música, ruído, chiado, fala) para que, dessa forma a proposta da terapia se tornasse mais eficaz.
Os estímulos variaram de acordo com as tarefas. Foram usados estímulos verbais e não verbais produzidos por instrumentos musicais, pela própria terapeuta, por diferentes fontes sonoras (como por exemplo, o rádio).
Utilizando um material elaborado por outras autoras1616. Schettini RC, Rocha TCM, Almeida ZLDM. Exercícios para o desenvolvimento de habilidades do processamento auditivo. 2º ed. Brasília: Acqua Gráfica & Bureau; 2008. foram realizadas atividades dentro da cabine audiométrica, com o uso de fones extra-auriculares, utilizando tons puros produzidos pelo audiômetro (em diferentes frequências e intensidades), e um CD player para a produção de sons verbais e não verbais. O CD, (acompanhado por gravuras, manual e folhas de protocolo) possui 30 faixas sonoras que foram elaboradas para estimular diversas habilidades auditivas (figura fundo, memória, atenção seletiva, integração e separação binaural, discriminação). De acordo com as autoras, este material foi inspirado no modelo dos Testes de PA, propostos no Manual de Avaliação do PA99. Pereira LD, Schochat E. Processamento auditivo central: manual de avaliação. São Paulo: Lovise; 1997..
Para que houvesse um treinamento diário somado ao trabalho feito em sessão, o paciente e seu responsável receberam em todas as sessões orientação e material específico para realizar tarefas em casa. Estas deveriam durar em média 15 minutos, devendo ser realizadas de três a quatro vezes por semana.
Por fim, o paciente passou por uma nova avaliação do PA, incluindo os mesmos testes feitos inicialmente. Logo, a análise dos dados foi realizada por meio da comparação dos testes pré e pós TA, sendo utilizada uma análise estatística descritiva.
Resultados
Durante as oito sessões de TA foram trabalhadas as habilidades alteradas na avaliação do PA, com diversas atividades formais e informais.
Em todas elas o paciente, de sete anos, mostrava-se disposto e sempre muito colaborativo. Era interessado pela atividade proposta na sessão, porém muitas vezes encontrava-se agitado e ansioso para saber quais seriam as atividades seguintes. Foi necessário trabalhar esse aspecto também, para que ele estivesse mais concentrado na tarefa realizada.
Em todas as sessões, o treinamento era iniciado com propostas mais simples de sons verbais e não verbais, para que o paciente pudesse se familiarizar com o que estava sendo solicitado. À medida que os acertos se tornavam mais consistentes o grau de dificuldade era elevado. Foi necessário um treinamento contínuo com as habilidades de memória auditiva, figura-fundo, atenção seletiva, sequencialização, fechamento auditivo, integração e separação binaural e reconhecimento de padrões de frequência.
Ao longo das sessões, o paciente começou a apresentar evoluções em diversos aspectos: refletia sobre a atividade que estava sendo realizada fazendo comentários pertinentes sobre o trabalhado, concentrava-se, gradativamente melhorou a memória e a atenção seletiva, conseguia diferenciar sons graves dos agudos.
No trabalho das outras habilidades também foram notadas melhoras ao longo das sessões. Obteve-se sucesso nas atividades que envolviam o treino de sequencialização sonora de sons verbais e não verbais, discriminação de palavras com pares mínimos, rimas e monossílabos. O paciente desenvolveu a capacidade de manter-se atento em uma determinada atividade mesmo havendo estímulos competitivos, integrar informações que eram apresentadas em orelhas diferentes, perceber diferenças de gaptemporal. Evoluiu no treino de prosódia em frases simples, nas tarefas envolvendo produção e identificação de monossílabos e dissílabos, assim como nas atividades de escuta dicótica.
O paciente esforçava-se ao máximo em cada tarefa. Sabe-se que o fator motivacional é extremamente importante e contribui no sucesso de qualquer programa de TA por isso ele era sempre encorajado, elogiado e incentivado a melhorar. É válido ressaltar que ele deslocava-se de outro município até o local onde ocorriam as sessões de terapia e a família teve grande participação nas tarefas feitas em casa.
Para sequencializar sons, tanto verbais quanto não verbais, observa-se que o paciente apresentava muitas dificuldades antes do TA e que tais aspectos ficaram adequados após as sessões de TA. No que diz respeito ao teste e localização sonora não foram encontradas alterações (Tabela 1).
No teste PSI o paciente apresentou, na primeira avaliação, desempenho alterado nas mensagens competitivas ipsilaterais com relação sinal/ruído -15 dB em ambas as orelhas. Apresentou ainda, alteração na condição de mensagem competitiva ipsilateral na orelha esquerda na relação sinal ruído -10 dB. Após o TA constatou-se melhora nas relações sinal/ruído, anteriormente alteradas, sendo possível atingir o valor de referência para a idade. Porém na condição de mensagem competitiva contralateral e suas respectivas relações sinal/ruído os valores encontraram-se dentro dos limites da normalidade tanto na avaliação pré terapia, quanto na avaliação pós terapia (Tabela 2).
Nas condições competitivas e no efeito de ordem, no primeiro momento da avaliação pode-se observar alterações significantes. Foram trabalhadas as habilidades de separação e integração binaural, memória e organização sequencial, as quais estão relacionadas com os resultados obtidos no SSW. Assim, na avaliação após o TA, foi possível observar mudanças nas condições competitivas de ambas as orelhas atingindo-se o valor de referência esperado para a faixa etária (Tabela 3).
No teste Dicótico de Dígitos pode-se observar alterações em ambas as orelhas antes do TA. Após as sessões, notou-se uma melhora tanto na orelha direita quanto na orelha esquerda, devido ao treino realizado trabalhando as habilidades relacionadas a esse teste, como integração binaural e separação binaural. (Tabela 4).
No teste RGDT, encontrou-se um resultado muito próximo do limite da normalidade para a faixa etária do paciente. Após serem trabalhados aspectos como percepção de gap temporal, binauralidade, intensidade e frequência sonora notou-se uma redução, ou seja, uma melhora da média de percepção do gap, que passou de 9,7 ms para 2,75 ms (Tabela 5).
No teste MLD o resultado encontrou-se adequado para a idade, pré e pós TA. Mesmo sendo obtido um valor menor na reavaliação, o mesmo continuou dentro dos padrões da normalidade. Porém, no teste PPS, nas sequências que foram respondidas por nomeação o resultado obtido apresentou alteração. Com o treino de reconhecimento de frequências pôde-se alcançar uma evolução de 3% para 30%, entretanto, este foi o único teste onde não foi possível atingir o valor de referência para a faixa etária do paciente (Tabela 5).
Por meio da realização e análise conjunta dos testes comportamentais específicos do PA, pode-se afirmar que o paciente deste estudo de caso apresentava uma alteração de grau severo com déficits nos processos de decodificação, codificação e organização. Após as sessões de TA que visavam adequar as habilidades debilitadas, notou-se que a alteração diminuiu, ficando num grau mais leve, permanecendo ainda com alguma dificuldade relacionada à organização na habilidade de reconhecer padrões de frequência, já que no último teste descrito (PPS) não foram atingidos os padrões de referência.
Embora os testes auditivos tenham sido administrados antes e depois do programa de TA, era importante receber um feedback informal sobre o estado geral do paciente, principalmente em relação à comunicação e ao desempenho escolar. Alguns dias após o término das sessões contatou-se a mãe do paciente e a mesma relatou alguns dados significantes, declarando que o comportamento auditivo evoluiu, ele estava mais atento, a compreensão com ruído de fundo e sua comunicação também havia se aprimorado. Ela ainda comentou que na escola, a professora referiu que a linguagem escrita e a leitura vinham melhorando.
Discussão
O Treinamento Auditivo é capaz de promover uma reorganização neuronal do sistema auditivo e das conexões com outros sistemas sensoriais a ele relacionados, gerando uma melhora das habilidades que estavam alteradas1717. Samelli AG, Mecca FFN. Treinamento auditivo para transtorno do processamento auditivo: uma proposta de intervenção terapêutica. Rev CEFAC. 2010;12(2):1-7..
O presente trabalho buscou demonstrar exatamente isto, ou seja, que pode haver uma mudança comportamental promovida por um TA para alterações que acometem as habilidades do PA.
O caso apresentado neste estudo é o de um indivíduo de sete anos de idade, cuja história e os resultados do teste auditivo central eram coerentes com um Disturbio do Processamento Auditivo (DPA). Ele foi então, submetido a sessões de terapia fonoaudiológica e apresentou um melhor desempenho nos testes de PA após TA. A melhora nas respostas pode ser observada na maioria dos testes realizados.
Na análise comparativa dos resultados deste estudo de caso com outros trabalhos semelhantes, pode-se observar que os resultados obtidos nos testes, após as sessões de TA, estão em conformidade com outros estudos, que demonstram que as habilidades do PA podem ser treinadas e, portanto aprendidas11. Kozlowski L, Wiemes GMR, Magni C, Silva ALG. A efetividade do treinamento auditivo na desordem do processamento auditivo central: estudo de caso. Rev Bras Otorrinolaringol. 2004;70(3):427-32. , 22. Pinheiro FH. Eficácia do programa de treinamento auditivo em escolares com distúrbio de aprendizagem [dissertação]. Marília (SP): Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista; 2009. , 55. Zalcman TE, Schochat E. A eficácia do treinamento auditivo formal em indivíduos com transtorno de processamento auditivo. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(4):310-4. , 1010. Martins JS, Pinheiro MMC, Blasi HF. A utilização de um software infantil na terapia fonoaudiológica de Distúrbio do Processamento Auditivo Central. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(4):398-404. , 1414. Musiek F, Schochat E. Auditory training and central auditory processing disorders: a case study. Semin Hear. 1998;19(4):357-66. , 1717. Samelli AG, Mecca FFN. Treinamento auditivo para transtorno do processamento auditivo: uma proposta de intervenção terapêutica. Rev CEFAC. 2010;12(2):1-7..
Neste estudo, encontrou-se uma alteração de grau severo22. Pinheiro FH. Eficácia do programa de treinamento auditivo em escolares com distúrbio de aprendizagem [dissertação]. Marília (SP): Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista; 2009., com alterações nos processos de decodificação, codificação e organização, relacionadas às habilidades de figura-fundo, atenção seletiva, fechamento auditivo, interação e separação binaural, reconhecimento de padrões de frequência, ordenação temporal e nomeação no sujeito avaliado. Outros pesquisadores11. Kozlowski L, Wiemes GMR, Magni C, Silva ALG. A efetividade do treinamento auditivo na desordem do processamento auditivo central: estudo de caso. Rev Bras Otorrinolaringol. 2004;70(3):427-32. observaram resultados semelhantes em seu estudo de caso, onde o paciente apresentava uma alteração também de grau severo, caracterizada por alterações nos processos de codificação, organização e memória, assim como dificuldade significante para atenção e fechamento auditivo. Após as sessões de TA o indivíduo do presente estudo apresentou melhora na maioria dessas habilidades, evoluindo de grau severo para leve permanecendo apenas com déficit no processo de organização, relacionado à habilidade de reconhecer padrões de frequência e ordenação temporal. Da mesma maneira, os autores do estudo citado anteriormente observaram que após o TA, ainda permaneceu um prejuízo mais significante no processo de organização, entretanto a alteração passou a ser de grau moderado e não apresentou mais dificuldade para fechamento auditivo.
Semelhante aos achados deste estudo, outros autores1010. Martins JS, Pinheiro MMC, Blasi HF. A utilização de um software infantil na terapia fonoaudiológica de Distúrbio do Processamento Auditivo Central. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(4):398-404., ao avaliarem dois sujeitos de nove anos de idade, encontraram déficits relacionados à decodificação, codificação e organização. Os pacientes foram submetidos à terapia fonoaudiológica com a utilização do software e, posteriormente, realizou-se uma reavaliação do PA. Verificou-se que, após o TA informal, houve uma melhora nas questões relacionadas à organização e codificação. O déficit de decodificação apresentou melhora expressiva, porém os dois indivíduos permaneceram com leve alteração nesse processo. Na presente pesquisa também foram realizadas, em algumas sessões, atividades utilizando o computador. As melhoras obtidas em ambos os estudos, comprovam que o computador pode ser utilizado como um instrumento terapêutico, sendo um recurso importante para o desenvolvimento de habilidades auditivas.
Os resultados mostraram que houve diferenças positivas na avaliação pré e pós-terapia auditiva em cinco dos seis testes realizados neste estudo (Tabelas 2, 3, 4 e 5). Mais uma vez, esses achados concordam com uma pesquisa1717. Samelli AG, Mecca FFN. Treinamento auditivo para transtorno do processamento auditivo: uma proposta de intervenção terapêutica. Rev CEFAC. 2010;12(2):1-7. realizada em 10 indivíduos. Após dez sessões de TA informal, onde foram trabalhadas diretamente as habilidades auditivas alteradas, encontraram-se porcentagens médias de acertos nas situações pré e pós TA com diferenças estatisticamente significantes em todos os testes realizados. Nem todos os participantes conseguiram atingir a performance esperada para a idade, mas todos obtiveram melhoras, o que indica a efetividade do TA.
Como pode ser observado, no teste PSI foram obtidas melhores porcentagens em ambas as orelhas após o TA nas relações sinal/ruído que se encontravam alteradas, assim como no SSW nas condições de direita e esquerda competitivas (Tabelas 2 e 4). Esses testes avaliam respectivamente as habilidades de figura-fundo e integração binaural. Essa melhora é corroborada por estudo anterior55. Zalcman TE, Schochat E. A eficácia do treinamento auditivo formal em indivíduos com transtorno de processamento auditivo. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(4):310-4., onde as autoras realizaram um TA nos mesmos moldes realizados neste estudo. O resultado da avaliação após o TA verificou uma melhora nos testes comportamentais com um aumento estatisticamente significante em todos os testes utilizados (PSI, Fala com ruído, DNV e SSW).
Outro estudo1818. Lasky E, Katz J. Perspectives on auditory processing. In: Lasky E, Katz J, editors. Central Auditory Processing Disorders. Baltimore: University Park Press; 1983. P. 3-9. aponta que em dois pacientes avaliados, um possuía o teste SSW alterado. Os maiores erros ocorriam nas situações competitivas, especialmente na coluna F. Após as sessões de TA, embora com porcentagens ainda alteradas, obteve-se melhora expressiva. Esses dados concordam com o presente estudo, pois o paciente avaliado apresentou grandes alterações nas condições competitivas, a coluna com o maior número de erros também foi a F, e após o TA, o indivíduo conseguiu atingir os valores de referência para a idade no teste em questão.
Há ainda outra pesquisa1717. Samelli AG, Mecca FFN. Treinamento auditivo para transtorno do processamento auditivo: uma proposta de intervenção terapêutica. Rev CEFAC. 2010;12(2):1-7. semelhante a esta, que também refere evoluções no teste SSW no grupo de pacientes avaliados, já que foi determinada diferença estatisticamente significante entre o desempenho pré e pós-teste, indicando melhora das habilidades auditivas alteradas e efetividade do TA.
No teste Dicótico de Dígitos foram encontradas alterações bilateralmente, que se modificaram e melhoraram após as sessões realizadas (Tabela 4). Em outro estudo de caso1414. Musiek F, Schochat E. Auditory training and central auditory processing disorders: a case study. Semin Hear. 1998;19(4):357-66., também foram encontradas alterações no teste Dicótico de Dígitos pré TA, sendo que este atingiu escores mais altos após o treinamento. O mesmo foi relatado em outros estudos1010. Martins JS, Pinheiro MMC, Blasi HF. A utilização de um software infantil na terapia fonoaudiológica de Distúrbio do Processamento Auditivo Central. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(4):398-404. , 1717. Samelli AG, Mecca FFN. Treinamento auditivo para transtorno do processamento auditivo: uma proposta de intervenção terapêutica. Rev CEFAC. 2010;12(2):1-7. onde os participantes da pesquisa conseguiram melhores resultados no teste DD após as sessões de terapia. A maturação do corpo caloso tem sido apontada como um fator que influência na realização dos testes dicóticos1919. Musiek FE, Gollegly KM. Maturational considerations in the neuroauditory evaluation of children. In: Bess H, editor. Hearing impairment in children. Parkton (MD): York Press; 1988. P. 231-50..
No teste RGDT, foi obtido um valor que se enquadrava dentro dos padrões da normalidade, entretanto estava muito próximo do limite esperado para a faixa etária. Na avaliação pré TA foi encontrada a média de 9,75, sendo válido ressaltar que, na frequência de 2000 Hz houve o maior gap (25 ms) (Tabela 5). Fato semelhante ocorreu com dois participantes de uma pesquisa1010. Martins JS, Pinheiro MMC, Blasi HF. A utilização de um software infantil na terapia fonoaudiológica de Distúrbio do Processamento Auditivo Central. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(4):398-404., que apresentavam alteração nos testes de PA, inclusive no teste RGDT, e o maior gap encontrado também foi na frequência de 2000 Hz antes do treinamento. No presente estudo após as sessões de TA o gap foi reduzido para 5 ms e consequentemente a média total passou a ser 2,75 ms. O mesmo aconteceu na pesquisa citada, onde um dos participantes conseguiu atingir a normalidade esperada e o outro, embora não tenha conseguido o mesmo, teve melhora expressiva tanto na média geral como no gap de 2000 Hz.
As crianças do grupo controle apresentaram média de detecção de intervalo de tempo semelhante a do grupo experimental nas frequências de 500, 1000 e 4000 Hz. Já nas frequências de 2000 Hz e na média os resultados apresentaram diferenças estatisticamente significantes, indicando que o grupo com dificuldades de leitura apresentou média de detecção de intervalo significantemente maior do que o grupo sem essa alteração.
O processamento temporal é um dos comportamentos auditivos que tem sido comumente relacionado com a percepção de fala em crianças ouvintes. Sabe-se que alterações no processamento temporal dizem respeito a dificuldades de perceber estímulos que se modificam rapidamente, e associam-se principalmente a déficits no processamento fonológico, discriminação auditiva e linguagem2020. Fortes AB, Pereira LD, Azevedo MR. Resolução temporal: análise em pré-escolares nascidos a termo e pré-termo. Pró-Fono R Atualiz Cient. 2007;19(1):87-91..
No presente estudo não foram encontradas alterações no teste MLD, embora tenham se obtidos valores diferentes nas situações pré e pós-terapia, ambos os resultados continuaram dentro do padrão esperado para a normalidade (Tabela 5). Não foram encontrados estudos semelhantes a esse que utilizassem tal teste na bateria de avaliação do PA, entretanto sabe-se que o MLD também está intimamente ligado com a capacidade de localização sonora e é o teste comportamental mais sensível para avaliar a integridade do tronco encefálico2121. Silva MCB, Cunha MB, Souza CCL, Mitre EI. Avaliação do processamento auditivo em operadores de telemarketing. Rev CEFAC. 2006;8(4):536-42..
No teste de padrão de frequência (PPS), observou-se um desempenho muito abaixo do esperado para a normalidade. Após o TA, esse resultado evoluiu de 3% para 30% de acertos, entretanto não foi obtido o valor de referência esperado para a idade (Tabela 5). Outro estudo1414. Musiek F, Schochat E. Auditory training and central auditory processing disorders: a case study. Semin Hear. 1998;19(4):357-66. também revelou que o paciente atingiu melhores resultados nesse teste após o programa de TA proposto. Outros autores2222. Junior AAC, Silva MP, Balen AS. A software for auditory rehabilitation of central auditory processing disorder children. Rev Neurocienc. 2010;18(4):454-62. realizaram o mesmo teste, em 26 crianças, elas passaram por TA com a utilização de um software Auxiliar na Reabilitação de alterações auditivas e neste grupo, também houve um aumento da média de acertos após a intervenção, porém não foram constatadas diferenças estatisticamente significantes. Esses dados podem estar relacionados com o fato da resposta verbal para este teste ser mais complexa, já que requer aprendizado ou neuromaturação do sistema nervoso envolvendo as áreas auditivas secundárias e/ou áreas de linguagem do lobo temporal esquerdo, áreas inter-hemisféricas e áre as temporais, frontais e subcorticais relacionadas com a memória de curta-duração, memória operacional, atenção sustentada e linguagem2222. Junior AAC, Silva MP, Balen AS. A software for auditory rehabilitation of central auditory processing disorder children. Rev Neurocienc. 2010;18(4):454-62..
Um estudo2323. Schochat E, Musiek FE, Alonso R, Ogata J. Effect of auditory training on the middle latency response in children with (central) auditory processing disorder. Braz J Med Biol Res. 2010;43(8):777-85. com o objetivo de examinar a plasticidade das vias auditivas centrais, utiliza Potenciais Evocados de Média e Longa Latência. Tais testes podem ser uma ferramenta muito útil no monitoramento das mudanças ocorridas no Sistema Nervoso Auditivo Central (SNAC) após o TA. Uma pesquisa1111. Alonso R, Schochat E. A eficácia do treinamento auditivo formal em crianças com transtorno de processamento auditivo (central): avaliação comportamental e eletrofisiológica. Rev Bras Otorrinolaringol. 2009;75(5):726-32. realizada com 29 indivíduos diagnosticou, por meio de testes comportamentais e eletrofisiológicos, DPA em todos os participantes. Eles passaram por TA e em seguida a mesma bateria de testes de processamento, assim como o P300. Quando comparadas as avaliações realizadas antes e depois do TA, notou-se que houve diferenças estatisticamente significantes entre os valores de latência do P300 e entre a porcentagem de acertos nos testes comportamentais utilizados na avaliação do PA. Logo, o P300 mostrou-se útil no monitoramento das mudanças ocorridas no auditivo sistema nervoso após o TA.
Semanas depois de encerradas as sessões de TA com o sujeito do presente estudo, contatou-se a família visando verificar a melhora ou não do comportamento do paciente, em casa e na escola; essa conduta é sugerida por outros autores1414. Musiek F, Schochat E. Auditory training and central auditory processing disorders: a case study. Semin Hear. 1998;19(4):357-66.. Foi relatado pela mãe do paciente, que esse vinha apresentando melhores resultados em relação à comunicação e ao desempenho escolar. Tal evolução também foi verificada no estudo supra citado1414. Musiek F, Schochat E. Auditory training and central auditory processing disorders: a case study. Semin Hear. 1998;19(4):357-66., onde os autores constataram, utilizando de um questionário informal, que, além da escola, a mãe também percebia que as habilidades comunicativas do filho haviam evoluído.
Os resultados encontrados neste estudo de caso, ou seja, a melhora proporcionada pelo TA nas diversas habilidades auditivas treinadas, estão relacionados à capacidade do sistema nervoso central de mudar frente à estimulação ambiental, definida como plasticidade neural. Segundo estudos anteriores1313. Musiek FE, Shinn J, Hare C. Plasticity, auditory training, and auditory processing disorders. Semin Hear. 2002;23(4): 253-75., podem ocorrer três tipos de plasticidade no sistema auditivo: plasticidade desenvolvimental; plasticidade compensatória, resultante de uma lesão ocorrida no sistema auditivo e a plasticidade relacionada à aprendizagem.
Dessa forma, supõe-se que a plasticidade ocorrida neste estudo foi a relacionada com a aprendizagem, uma vez que o programa de TA utilizado induziu mudanças benéficas nas habilidades auditivas relacionadas ao sistema nervoso central, as quais puderam ser confirmadas pela melhora na performance do paciente nos testes utilizados na avaliação comportamental do PA. Outro dado relevante, que também foi levado em consideração por outros autores33. Olivares-García MR, Penaloza-Lopez YR, Garcia-Pedroza F, Jesus-Perez S, Uribe-Escamilla R, Jimenez-de la Sancha S. Identificación de La lateralidad auditiva mediante una prueba dicótica nueva con dígitos en español, y de la lateralidad corporal y orientación espacial en niños con dislexia y en controles. Rev Neurolog. 2005;41(4):198-205., está relacionado com a motivação e encorajamento do paciente, fatores críticos para um programa bem sucedido.
Acredita-se enfim, que esses resultados devem estimular a dar continuidade à investigação sobre o efeito de programas de treinamento auditivos. Ressalta-se que o TA é um aspecto importante no aprimoramento de pacientes com DPA, porém existem outras estratégias, como dispositivos eletrônicos e controle acústico dos ambientes, que podem auxiliar os pacientes com alterações do PA1414. Musiek F, Schochat E. Auditory training and central auditory processing disorders: a case study. Semin Hear. 1998;19(4):357-66..
Conclusão
O programa de TA utilizado neste estudo mostrou-se eficaz nesse paciente com transtorno do PA, uma vez que determinou diferenças entre o desempenho pré e pós-terapia nos testes PSI, SSW, RGDT, DD e PPS. Em relação à alteração, o paciente evoluiu de grau severo para leve comprovando, dessa forma, a eficácia do TA.
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1Kozlowski L, Wiemes GMR, Magni C, Silva ALG. A efetividade do treinamento auditivo na desordem do processamento auditivo central: estudo de caso. Rev Bras Otorrinolaringol. 2004;70(3):427-32.
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2Pinheiro FH. Eficácia do programa de treinamento auditivo em escolares com distúrbio de aprendizagem [dissertação]. Marília (SP): Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista; 2009.
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3Olivares-García MR, Penaloza-Lopez YR, Garcia-Pedroza F, Jesus-Perez S, Uribe-Escamilla R, Jimenez-de la Sancha S. Identificación de La lateralidad auditiva mediante una prueba dicótica nueva con dígitos en español, y de la lateralidad corporal y orientación espacial en niños con dislexia y en controles. Rev Neurolog. 2005;41(4):198-205.
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4Dawes P, Bishop DVM, Sirimanna T, Bamiou DE. Profile and etiology of children diagnosed with auditory processing disorder (APD). Int J Pediat Otorhinolaryngol. 2008;(72):483-9.
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5Zalcman TE, Schochat E. A eficácia do treinamento auditivo formal em indivíduos com transtorno de processamento auditivo. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(4):310-4.
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6Ramos BD, Alvarez AM, Sanchez ML. Neurologia e processamento auditivo: novos paradigmas. Rev Bras Med. 2007;2(2):51-8.
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7Brouns K, Refaie AE, Pryce H. Auditory Training and Adult Rehabilitation: A Critical Review of the Evidence. Global J of Health Science. 2011;3(1):49-63.
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8Sistema de Conselhos Federal e Regionais de Fonoaudiologia. Manual de Procedimentos em Audiometria Tonal Limiar, Logoaudiometria e Medidas de Imitância Acústica. Fev 2013. Disponível em: http://fonoaudiologia.org.br/publicacoes/Manual de Audiologia.pdf
» http://fonoaudiologia.org.br/publicacoes/Manual de Audiologia.pdf -
9Pereira LD, Schochat E. Processamento auditivo central: manual de avaliação. São Paulo: Lovise; 1997.
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10Martins JS, Pinheiro MMC, Blasi HF. A utilização de um software infantil na terapia fonoaudiológica de Distúrbio do Processamento Auditivo Central. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(4):398-404.
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11Alonso R, Schochat E. A eficácia do treinamento auditivo formal em crianças com transtorno de processamento auditivo (central): avaliação comportamental e eletrofisiológica. Rev Bras Otorrinolaringol. 2009;75(5):726-32.
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12Musiek FE, Chermak GD. Three Commonly Asked Questions About Central Auditory Processing Disorders. Am Speech Lang Hear Association. 1994;3:23-7.
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13Musiek FE, Shinn J, Hare C. Plasticity, auditory training, and auditory processing disorders. Semin Hear. 2002;23(4): 253-75.
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14Musiek F, Schochat E. Auditory training and central auditory processing disorders: a case study. Semin Hear. 1998;19(4):357-66.
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15Musiek FE. Habilitation and management of auditory processing disorders: overview of selected procedures. J Am Acad Audiol. 1999;10(6):329-42.
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16Schettini RC, Rocha TCM, Almeida ZLDM. Exercícios para o desenvolvimento de habilidades do processamento auditivo. 2º ed. Brasília: Acqua Gráfica & Bureau; 2008.
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17Samelli AG, Mecca FFN. Treinamento auditivo para transtorno do processamento auditivo: uma proposta de intervenção terapêutica. Rev CEFAC. 2010;12(2):1-7.
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18Lasky E, Katz J. Perspectives on auditory processing. In: Lasky E, Katz J, editors. Central Auditory Processing Disorders. Baltimore: University Park Press; 1983. P. 3-9.
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19Musiek FE, Gollegly KM. Maturational considerations in the neuroauditory evaluation of children. In: Bess H, editor. Hearing impairment in children. Parkton (MD): York Press; 1988. P. 231-50.
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20Fortes AB, Pereira LD, Azevedo MR. Resolução temporal: análise em pré-escolares nascidos a termo e pré-termo. Pró-Fono R Atualiz Cient. 2007;19(1):87-91.
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21Silva MCB, Cunha MB, Souza CCL, Mitre EI. Avaliação do processamento auditivo em operadores de telemarketing. Rev CEFAC. 2006;8(4):536-42.
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22Junior AAC, Silva MP, Balen AS. A software for auditory rehabilitation of central auditory processing disorder children. Rev Neurocienc. 2010;18(4):454-62.
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23Schochat E, Musiek FE, Alonso R, Ogata J. Effect of auditory training on the middle latency response in children with (central) auditory processing disorder. Braz J Med Biol Res. 2010;43(8):777-85.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Mar-Apr 2015
Histórico
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Recebido
18 Mar 2014 -
Aceito
12 Jul 2014