Acessibilidade / Reportar erro

Frequência e tipologia das disfluências: análise comparativa entre taquifêmicos e gagos

Resumos

OBJETIVO: quantificar e comparar as tipologias das disfluências da fala de adultos com taquifemia e adultos com gagueira desenvolvimental persistente. MÉTODO: participaram 15 adultos, divididos em dois grupos: Grupo de Pessoas com Taquifemia, composto por 5 adultos com taquifemia e Grupo de Pessoas com Gagueira, composto por 10 adultos com gagueira. Os procedimentos utilizados foram: avaliação da fluência, Inventário Preditivo de Taquifemia e Instrumento de Gravidade da Gagueira. RESULTADOS: os grupos apresentaram diferenças estatisticamente significantes para o total de disfluências comuns (p=0,021) e de disfluências gagas (p<0,001). Quanto à tipologia de disfluências comuns, interjeição, revisão e palavra não terminada apresentaram diferenças significantes. Todos os tipos de disfluencias gagas foram manifestados com maior ocorrência no grupo de gagueira, com diferença estatisticamente significante. CONCLUSÃO: o grupo de pessoas com taquifemia apresentou aumento da frequência de disfluencias comuns, enquanto que o grupo de pessoas com gagueira apresentou aumento na frequencia de disfluências gagas. As disfluências comuns foram variadas em ambos os grupos e taquifêmicos mostraram menos tipos de disfluências gagas em relação aos taquifêmicos.

Fonoaudiologia; Fala; Diagnóstico; Gagueira; Distúrbios da Fala


PURPOSE: to quantify and to compare the typology of disfluencies in the speech of adults who clutter and adults with developmental persistent stuttering. METHOD: participants of this investigation were 15 adults, divided in two groups: Group of Adults Who Clutter, composed by 5 individuals and Group of Adults Who Stutter, composed by 10 subjects. The procedures used were: Assessment of Fluency, Predictive Cluttering Inventory and Stuttering Severity Instrument. RESULTS: the data indicated that the groups differed regarding the occurrence of other disfluencies (p=0,021) and stuttering-like disfluencies (p<0,001). The analysis for the types of other disfluencies revealed that there was statistically significant difference for the interjections, revision and unfinished word. The Group of Adults Who Stutter showed statistically significant increase of all the types of stuttering-like disfluencies. CONCLUSION: the group of adults who clutter showed increase of the occurrence of the other disfluencies, whereas the group of adults who stutter showed increase in the occurrence of the stuttering-like disfluencies. The other disfluencies were variable in both groups and those who clutter show less types of stuttering-like disfluencies when compared to those who stutter.

Speech, Language and Hearing Sciences; Speech; Diagnosis; Stuttering; Speech Disorders


ARTIGOS ORIGINAIS

Frequência e tipologia das disfluências: análise comparativa entre taquifêmicos e gagos

Jaqueline Bergamo de SouzaI; Francine Custódio PaschoalinoII; Vanessa Moraes CardosoIII; Cristiane Moço Canhetti de OliveiraIV

IFonoaudióloga graduada pelo Departamento de Fonoaudiologia da Faculdade de Filoso­fia e Ciências da Universidade Estadual Paulista – UNESP, Marília, SP, Brasil

IIGraduanda do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Filoso­fia e Ciências da Universidade Estadual Paulista – UNESP, Marília, SP, Brasil

IIIGraduanda do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Filoso­fia e Ciências da Universidade Estadual Paulista – UNESP, Marília, SP, Brasil

IVFonoaudióloga; Docente do Departamento de Fonoaudio­logia da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista – UNESP, Marília, SP, Brasil; Doutora em Ciências Biológicas na área de Genética pelo Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista – UNESP, Botucatu, SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Cristiane Moço Canhetti de Oliveira Av. Hygino Muzzi Filho, 737 – Vila Universitária Marília – SP – Brasil CEP: 17525-000 E-mail: cmcoliveira@marilia.unesp.br

RESUMO

OBJETIVO: quantificar e comparar as tipologias das disfluências da fala de adultos com taquifemia e adultos com gagueira desenvolvimental persistente.

MÉTODO: participaram 15 adultos, divididos em dois grupos: Grupo de Pessoas com Taquifemia, composto por 5 adultos com taquifemia e Grupo de Pessoas com Gagueira, composto por 10 adultos com gagueira. Os procedimentos utilizados foram: avaliação da fluência, Inventário Preditivo de Taquifemia e Instrumento de Gravidade da Gagueira.

RESULTADOS: os grupos apresentaram diferenças estatisticamente significantes para o total de disfluências comuns (p=0,021) e de disfluências gagas (p<0,001). Quanto à tipologia de disfluências comuns, interjeição, revisão e palavra não terminada apresentaram diferenças significantes. Todos os tipos de disfluencias gagas foram manifestados com maior ocorrência no grupo de gagueira, com diferença estatisticamente significante.

CONCLUSÃO: o grupo de pessoas com taquifemia apresentou aumento da frequência de disfluencias comuns, enquanto que o grupo de pessoas com gagueira apresentou aumento na frequencia de disfluências gagas. As disfluências comuns foram variadas em ambos os grupos e taquifêmicos mostraram menos tipos de disfluências gagas em relação aos taquifêmicos.

Descritores: Fonoaudiologia; Fala; Diagnóstico; Gagueira; Distúrbios da Fala

INTRODUÇÃO

Gagueira e taquifemia representam os principais distúrbios da fluência. Gagueira é um distúrbio desenvolvimental da fala na qual os sintomas motores são primários; o fluxo da fala fluente é interrompido quando o sistema nervoso falha em gerar um sinal de comando apropriado para direcionar os músculos envolvidos na produção da fala1. Portanto, é considerada como um distúrbio crônico envolvendo rupturas involuntárias na fala fluente2, que se caracterizam como o fator central da gagueira3. Essas disfluências no adulto com gagueira são caracterizadas principalmente por repetições de sílabas, prolongamentos, bloqueios de sons, substituições de palavras4. O distúrbio tipicamente tem seu início na infância (desenvolvimental)5 e tende a persistir na fase adulta. As disfluências gagas frequentemente aparecem no período de aquisição da linguagem, especialmente entre 2 e 5 anos6.

Taquifemia é um distúrbio da fluência nos quais os segmentos da conversação do falante na sua língua nativa são percebidos como muito rápido, irregular, ou ambos. Os segmentos da fala rápida ou irregular devem ser acompanhados por um ou mais dos seguintes sintomas: disfluências comuns excessivas, omissão de sílabas e/ou pausas, estresse silábico ou ritmo de fala anormal7. Mais recentemente, taquifemia foi descrita como um distúrbio da fluência caracterizado por três fatores: maior ocorrência de disfluências inter ou intrapalavras, velocidade articulatória rápida ou irregular, prejuízo na inteligibilidade e articulação imprecisa8. A linguagem é um aspecto importante que deve ser considerada na taquifemia9,10. O Comitê clínico da International Cluttering Association (ICA) inclui os componentes da linguagem na taquifemia e destaca que devem ser avaliados11.

Enquanto gagueira é amplamente investigada, pesquisas que envolvem a taquifemia são mais raras. Esse fato pode ser explicado principalmente pela dificuldade na realização do diagnóstico da taquifemia, bem como a sua menor prevalência em relação à gagueira12.

Fluência é um aspecto da produção da fala que diz respeito à continuidade, suavidade, velocidade e/ou esforço, com as quais as unidades da linguagem fonológica, lexical, morfológica e/ou sintática são expressas13. Portanto, tanto a gagueira como a taquifemia, classificados como distúrbios da fluência apresentam como manifestações uma alta frequência de descontinuidade ou de disfluências. Porém, a tipologia das disfluências dos dois distúrbios é distinta. Enquanto as disfluências atípicas ou gagas são as características principais da gagueira2-4, a alta frequência de disfluências típicas ou comuns é uma manifestação obrigatória para o diagnóstico de taquifemia7,9,13,14. Essas disfluências comuns parecem evidenciar dúvidas relacionadas à formulação linguística das frases ou da pronúncia das palavras.

O conhecimento da tipologia das disfluências é importante para caracterizar as rupturas na fala, identificando-as como comuns ou gagas, o que contribuirá para a realização do diagnóstico diferencial dos distúrbios da fluência. Para falantes do português brasileiro, existe um estudo normativo que apresentou os parâmetros da fluência em todas as faixas etárias, que auxilia na realização do diagnóstico dos distúrbios da fluência15.

Portanto, a literatura apresenta informações sobre as manifestações da taquifemia e da gagueira, porém raros são os estudos que investigam simultaneamente os dois distúrbios. Sendo assim, o presente trabalho tem por objetivo quantificar e comparar as tipologias das disfluências da fala de adultos com taquifemia e adultos com gagueira desenvolvimental persistente.

MÉTODO

Esta pesquisa se configura como um estudo experimental e transversal com comparação entre grupos, realizado com adultos com taquifemia e adultos com gagueira, do Laboratório de Estudos da Fluência – LAEF do Centro de Estudos da Educação e da Saúde (CEES) da Universidade Estadual Paulista – FFC – Marilia.

Foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista – CEP/FFC/UNESP sob o protocolo de nº 0099/2011. Aqueles que obedeceram aos critérios foram convidados a participar do estudo pelo pesquisador principal, que lhes apresentou as informações sobre a pesquisa (objetivos, riscos, benefícios e procedimentos aos quais seriam submetidos), verbalmente e de forma escrita. Após a leitura e esclarecimento das dúvidas do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o adulto assinava e consentia com a realização e divulgação desta pesquisa e seus resultados conforme Resolução 196/96 (BRASIL. Resolução MS/CNS/CNEP nº 196/96 de 10 de outubro de 1996).

A amostra foi composta por 15 adultos, na faixa etária entre 18 e 40 anos e 11 meses de idade (média de idade de 27,6 anos, DP=7,41), sendo seis do gênero masculino, e nove do gênero feminino. Os participantes eram pacientes do Laboratório de Estudos da Fluência (LAEF) do Centro de Estudos da Educação e da Saúde (CEES – Marília – Unesp), e foram divididos em dois grupos: Grupo de Adultos com Taquifemia (ACT), composto por cinco taquifêmicos (média de idade de 27 anos, DP=4,83, sendo dois do gênero masculino, e três do gênero feminino); e Grupo de Adultos com Gagueira (ACG), composto por 10 adultos com gagueira desenvolvimental persistente (média de idade de 27,9 anos, DP=5,10, sendo quatro do gênero masculino, e seis do gênero feminino) pareados com os taquifêmicos, pelo gênero e variável idade (± 3 meses).

Taquifemia é mais rara do que a gagueira12, e por este motivo, o número de adultos do grupo de gagueira (ACG) foi o dobro do número de adultos do grupo de taquifemia (ACT).

Os requisitos de inclusão dos adultos foram: ser falante nativo do português brasileiro e ter idade entre dezoito e quarenta anos. O grupo de taquifemia (ACT) deveria apresentar distúrbio na fluência, porém, não caracterizado como gagueira. Para a composição do grupo de ACT, foram estabelecidos como critérios de inclusão: manifestar fala disfluente e taxa de elocução aumentada e escore acima de 120 no Inventário Preditivo de Taquifemia16, pois sugere diagnóstico de taquifemia segundo o autor.

Para a composição do grupo de ACG, foram seguidos os seguintes critérios de inclusão: queixa de gagueira por parte dos adultos; o início da gagueira deve ter ocorrido durante a infância (desenvolvimental), com um quadro clínico de persistência das disfluências (persistente), e apresentar no mínimo gagueira leve de acordo com o Instrumento de Gravidade da Gagueira – SSI17.

Foram estabelecidos os seguintes critérios de exclusão, para ambos os grupos: apresentar qualquer distúrbio neurológico genético ou não, tais como distonia, doenças extras piramidais, deficiência mental, epilepsia, transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH); sintomas ou condições psiquiátricas; apresentar perda auditiva condutiva ou neurossensorial; e outras condições pertinentes que pudessem gerar erros no diagnóstico.

Os adultos foram filmados de modo a obter amostras de fala contendo 200 sílabas fluentes para análise e comparação dos achados. Após a coleta de fala dos participantes, as mesmas foram transcritas na íntegra, considerando-se as sílabas fluentes e não fluentes. Posteriormente, foi realizada a análise da amostra da fala e caracterizada a tipologia das rupturas, mapeando em disfluências comuns ou gagas.

Para caracterizar a frequência das rupturas, foram utilizadas as seguintes medidas: porcentagem de descontinuidade de fala ou taxa de rupturas no discurso, porcentagem de disfluências comuns e porcentagem de disfluências gagas. A velocidade de fala foi medida segundo o protocolo utilizado, caracterizando o fluxo de sílabas e de palavras por minuto15.

O Inventário Preditivo de Taquifemia16 foi aplicado nos adultos do grupo de taquifemia (ACT) para análise das características mais indicativas do distúrbio e confirmação do diagnóstico. Escore total entre 80 e 120 é indicativo da presença de gagueira e taquifemia associada, e escore acima de 120 sugere diagnóstico de taquifemia16.

O Instrumento de Gravidade da Gagueira (SSI-3)17 foi utilizado nos adultos do grupo de gagueira (PCG) classificando-a gagueira leve, moderada, grave ou muito grave. Este teste avaliou a frequência e duração das disfluências gagas da fala, assim como a presença de concomitantes físicos associados às disfluências, seguindo protocolo proposto pelo autor.

Os dados foram armazenados e tabulados. A análise estatística foi realizada com Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 19.0. Aplicou-se o teste estatístico de Mann-Whitney para comparar os resultados quantitativos entre os grupos. Os valores foram considerados significantes para p menor que 0,05 (p<0,05), com intervalo de confiança de 95%. Os valores de p significantes foram destacados com o símbolo asterisco (*).

RESULTADOS

A média de idade da população estudada que foi de 27,6±7,41 anos, na faixa etária de 18 a 40 anos. O grupo de ACT apresentou um escore no Inventário Preditivo de Taquifemia17 que variou entre 125 e 138. O grupo de ACG apresentou diferentes graus de severidade da gagueira no Instrumento de Severidade da Gagueira17, variando de leve a muito grave. A gagueira da maioria do grupo de ACG foi leve (n=5), depois grave (n=2), muito grave (n=2) e apenas 1 apresentou gagueira moderada.

As Tabelas 1, 2 e 3 apresentam os resultados das análises estatísticas obtidas na comparação entre os grupos para cada uma das variáveis. Observa-se diferença estatisticamente significante entre ACT e ACG para o total de disfluências, total de disfluências comuns e total de disfluências gagas, sendo que as disfluências comuns ocorreram com maior frequencia no grupo de ACT, e as disfluencias gagas no grupo de ACG (Tabela 1).

Na comparação intergrupo das diferentes disfluências comuns os resultados indicam que a quantidade de hesitações, repetições de frases, de segmentos e de palavras apresentadas é semelhante (Tabela 2). Porém, houve diferença quanto à ocorrência de interjeição, revisão e palavra não terminada entre os grupos, sendo que o grupo de ACT apresentou maior quantidade dessas tipologias. A interjeição foi a tipologia comum de maior ocorrência no grupo de ACT, enquanto que para o grupo de ACG foi a hesitação.

Os resultados referentes à ocorrência das disfluências gagas dos participantes distribuídas em suas tipologias mostram que o grupo de ACG apresentou maior quantidade nas diferentes rupturas em relação ao grupo de ACT (Tabela 3).

Na comparação intergrupos de cada tipologia separadamente, nota-se que os grupos se diferenciaram com relação a todas as tipologias gagas. A tipologia de maior ocorrência para o grupo de ACT foi prolongamento, enquanto que para ACG foi o bloqueio. O grupo de ACT não apresentou as seguintes tipologias: repetição de som, bloqueio, pausa e intrusão (Tabela 3).

DISCUSSÃO

A caracterização da frequência e da tipologia das disfluências de adultos com taquifemia é de extrema relevância tanto na área científica como na área clínica, uma vez que aprimoram o diagnóstico dos diferentes distúrbios da fluência, propiciando maior credibilidade e melhor controle da eficácia terapêutica. Algumas pesquisas analisaram a fluência de pessoas com taquifemia14,18. No entanto, foi encontrado na literatura compilada somente um estudo envolvendo taquifemia e gagueira19, que, todavia, não comparou as disfluências de pessoas com taquifemia e pessoas com gagueira.

Na caracterização do grupo de gagueira (ACG) observou-se que houve uma variabilidade do grau de gravidade da gagueira, sendo metade do tipo leve (50%). O grupo de adultos com taquifemia (ACT) apresentou um amplo espectro de manifestações na comunicação, sendo no mínimo uma em cada uma das áreas descritas no Inventário Preditivo de Taquifemia16, concordando assim com a proposta diagnóstica realizada por alguns estudiosos9-11.

A partir da análise quantitativa das rupturas observou-se que os grupos apresentaram comportamentos diferenciados. Os achados estão de acordo com a literatura que indica que a presença de disfluências comuns excessivas é uma das principais manifestações da taquifemia7,9,13,14, enquanto que o aumento na quantidade de disfluências gagas é típico de pessoas que gaguejam2-4. No entanto, os dados desse estudo não mostraram o aumento das disfluências intrapalavras no grupo de ACT conforme descrito por um estudo na literatura19. Vale destacar, no entanto, que as disfluências gagas também podem ocorrer na fala de pessoas que não gaguejam, em menor quantidade14,20,21.

Quando os valores de porcentagem de descontinuidade de fala foram comparados com os dados normativos para adultos fluentes descritos na literatura, tanto para o português (na faixa etária de 18 a 40 anos)15, como para o inglês20 verificou-se que ambos os grupos apresentaram valores maiores. Com relação à porcentagem de disfluências gagas os valores do grupo de ACG foram superiores ao descritos pela literatura15,20, como já era esperado. O grupo de ACT manifestou um total de rupturas gagas dentro do intervalo de confiança propostos pelos autores15,20.

Analisando a distribuição das diferentes tipologias gagas, observou-se que o grupo de ACG manifestou todos os tipos, enquanto que o grupo de ACT apresentou somente repetição de parte da palavra e prolongamento. Os resultados desse estudo corroboram a literatura que afirma que as disfluências da gagueira sugerem quebras na programação motora subjacente à produção da fala22, o que parece não ocorrer na fala de ACT.

Neste sentido, em relação às rupturas gagas, os resultados indicaram que os grupos se diferenciaram quanto às tipologias manifestadas. Uma consideração que pode ser feita é que adultos com taquifemia, como qualquer falante, podem apresentar também uma pequena quantidade de disfluências gagas, tanto em porcentagem como em diferentes tipos de rupturas. Os achados deste estudo referentes ao grupo de ACT foram semelhantes aos resultados encontrados com adultos fluentes do inglês20, onde repetição de parte da palavra e prolongamentos foram as disfluencias gagas manifestadas. No entanto, no estudo com falantes do português brasileiro15, além dos prolongamentos e das repetições de parte das palavras, os adultos fluentes também manifestaram pausas e repetições de som. Portanto, o grupo de ACT em relação às disfluências gagas é semelhante aos fluentes, e diferente dos adultos com gagueira.

Ao comparar a tipologia das disfluências comuns entre os grupos de ACT e ACG, os resultados indicaram a ocorrência dos vários tipos de disfluências comuns nos dois grupos. Os adultos com gagueira manifestaram todos os tipos de disfluências comuns, e os adultos com taquifemia apenas não mostraram a repetição de segmento.

A análise estatística não indicou diferenças para a hesitação, repetição de frase, repetição de segmento e repetição de palavra. No entanto, o grupo de ACT apresentou maior quantidade de interjeição, revisão e palavra não terminada, corroborando com os achados de um estudo que analisou as disfluências de dois indivíduos com taquifemia23. Outros estudiosos também relatam a presença de um excesso de interjeições e revisões24. Essas disfluências linguísticas podem ser sustentadas pelas dificuldades de encontrar palavras ou na formação gramatical das emissões25.

Esse achado merece ser discutido em termos linguísticos. As disfluências são consideradas como constitutivos do fluxo da fala, e podem ser utilizadas como recursos para a elaboração da mensagem oral. As rupturas comuns são frequentemente utilizadas nos momentos de dúvidas linguísticas, ou também para reparar erros no discurso, ou refazer a mensagem para facilitar a compreensão por parte do ouvinte. Conforme apontado na literatura, a taquifemia apresenta características típicas de dificuldades na linguagem9.

As rupturas fornecem tempo para o falante resolver dificuldades momentâneas relacionadas ao "o que falar" ou ao "como falar" algo26. Portanto, os resultados indicam que adultos com taquifemia utilizam maior quantidade de disfluências na fala, sugerindo assim maior dificuldade na elaboração e/ou formulação linguística do discurso oral. As interjeições, por exemplo, podem ser utilizadas para prover tempo para continuar uma formulação não acabada durante o turno comunicativo.

Especificamente as revisões evidenciam trechos considerados inadequados pelo falante e que são reparados26. Nesse sentido, conclui-se que adultos com taquifemia manifestam mais trechos inadequados no fluxo da fala, e por isso utilizam de maior quantidade de revisões. Dificuldades na organização do pensamento e na coordenação temporal entre o pensamento e a fala geralmente manifestada pelas pessoas com taquifemia, podem justificar o aumento na quantidade de revisões, bem como de palavras não terminadas. Acredita-se que a função tanto das revisões como das palavras não terminadas seja semelhante, fazer uma correção da fala. Porém, o auto-monitoramento foi mais rápido na palavra não terminada, quando o falante detectou a palavra que não estava adequada, abandonou-a para transmitir a mensagem desejada.

No grupo de ACT, a interjeição foi a tipologia comum de maior ocorrência. Resultado semelhante foi descrito recentemente numa pesquisa que analisou as disfluências de 18 pessoas com taquifemia e 20 pessoas sem taquifemia18. A maior quantidade de interjeição pode ser associada principalmente a dois fatores: taxa de elocução aumentada9, uma vez que a fala acelerada disponibiliza tempo insuficiente para o falante organizar e formular as emissões, bem como a dificuldades de encontrar palavras no processo de seleção lexical.

CONCLUSÃO

A partir dos resultados deste estudo, pode-se concluir que a análise da tipologia e da frequencia das disfluências fornece informações relevantes para o diagnóstico diferencial da taquifemia e da gagueira, principalmente com relação ás disfluências linguísticas. Quanto à frequencia das rupturas, observou-se que o aumento da frequência da disfluencias comuns foi típico no grupo de adultos com taquifemia, enquanto que o aumento na frequencia de disfluências gagas foi característico do grupo de adultos com gagueira.

Ambos os grupos apresentaram uma grande variedade dos diferentes tipos de disfluências comuns. No entanto, os resultados referentes às tipologias gagas mostraram que taquifêmicos apresentam somente repetição de parte de palavra e prolongamento. O grupo de adultos com gagueira manifestou todos os diferentes tipo de disfluências gagas.

Conclui-se desta forma, que o perfil da fluência de adultos com taquifemia é muito distinto do perfil da fluência de adultos com gagueira, sugerindo a presença de dificuldades de linguagem no taquifêmicos. Acredita-se que esse estudo é relevante para auxiliar na realização do diagnóstico diferencial de taquifemia baseado em evidências clínicas, colaborando também no aprimoramento da avaliação e da terapia do distúrbio.

AGRADECIMENTOS

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pelo apoio concedido para realização dessa pesquisa, sob processo número 2011/00409-0.

Recebido em: 01/10/2012

Aceito em: 10/03/2013

Conflito de interesses: inexistente

Fonte de auxílio: FAPESP – Bolsa de Iniciação Científica processo n° 2011/00409-0.

Esse trabalho foi apresentado no formato de pôster concorrente a prêmio no 19° Congresso Brasileiro e 8° Congresso Internacional de Fonoaudiologia.

  • 1.Smith A, Goffman L, Sasisekaran J, Weber-Fox C. Language and motor abilities of preschool children who stutter: Evidence from behavioral and kinematic indices of nonword repetition performance. J Fluency Disord. No prelo 2012.
  • 2.Tran Y, Blumgart E, Craig A. Subjective distress associated with chronic stuttering. J Fluency Disord. 2011;36:17-26.
  • 3.Yaruss JS. Assessing quality of life in stuttering treatment outcomes research. J Fluency Disord. 2010;35:190-202.
  • 4.Bloostein O, Bernstein Ratner N. A handbook on stuttering (6 edi). Clifton Park, NY: Thomson/Delmar Learning. 2008.
  • 5.Bakhtiar M, Seifpanahi S, Ansari H, Ghanadzade M, Packman A. Investigation of the reliability of the SSI-3 for preschool Persian-speaking children who stutter. J Fluency Disord. 2010;35(2):87-91.
  • 6.Wagovich SA, Hall NE, Cliffor BA. Speech disruptions in relation to language growth in children who stutter: An exploratory study. J Fluency Disord. 2009;34(4):242-56.
  • 7.St Louis KO, Schulte K. Defining cluttering: the lowest common denominator. In: Ward D, Scott KS (org). Cluttering: A handbook of research, intervention and education. East Sussex: Psychology Press. 2011. P. 233-53.
  • 8.LaSalle LR, Wolk L. Stuttering, cluttering and phonological complexity: Case studies. J Fluency Disord. 2011;36:285-9.
  • 9.Van Zaalen Y, Wijnen F, DeJonckere PH. Differential diagnostic characteristics between cluttering and stuttering: parte one. J Fluency Disord. 2009;34(3):137-54.
  • 10.Bretherton-Furness J. Ward D. Lexical access, story re-telling and sequencing skills in adults who clutter and those who do not. J Fluency Disord. No prelo 2012.
  • 11.Van Zaalen op'tHof Y, Myers F, Ward D, Bennett E. The International Cluttering Association, Clinical Issues Committee: Cluttering Assessment. [cited 2012 Jul 30]. Available from http://associations.missouristate.edu/ica/
  • 12.Oliveira CMC. Taquifemia: uma revisão teórica. J Bras Fonoaudiol. 2001;2:23-8.
  • 13.ASHA. Special Interest Division 4: Fluency and Fluency Disorders (1999, march). Terminology pertaining to fluency and fluency disorders: Guidelines. Asha 41(Suppl), 1999;29-36.
  • 14.Oliveira CMC, Bernardes APL, Broglio GAF, Capellini SA. Perfil da fluência de indivíduos com taquifemia. Pró-Fono R Atual Cient. 2010;22(4):445-50.
  • 15.Andrade CRF. Perfil da fluência da fala: parâmetros comparativos diferenciados por idade para crianças, adolescentes, adultos e idosos. Barueri (SP), Pró-Fono, 2006. 1 CD-ROM. (Série Livros Digitais de Pesquisas Financiadas por Agências de Fomento).
  • 16.Daly DA. Predictive of Cluttering Inventory (PCI) (2006). In: International Cluttering Association. [cited 2012 Jul 30]. Available from http://associations.missouristate.edu/ica/
    » link
  • 17.Riley G. Stuttering severity instrument for young children (SSI-3). 3a ed.. Austin, TX: Pro-Ed; 1994.
  • 18. Myers FL, Bakker K, St. Louis KO, Raphael LJ. Disfluencies in Cluttered Speech. J Fluency Disord. 2012;37(1):9-19.
  • 19.LaSalle LR, Wolk L. Stuttering, cluttering, and phonological complexity: case studies. J Fluency Disord. 2011;36(4):285-9.
  • 20.Roberts PM, Meltzer A, Wilding J. Disfluencies in non-stuttering adults across sample lengths and topics. J Fluency Disord. 2009;42(6):414-27.
  • 21. Martins VO, Andrade CRF. Perfil evolutivo da fluência da fala de falantes do português brasileiro. Pró-Fono R Atual Cient. 2008;20(1):7-12.
  • 22.Sussman HM, Byrd CT, Guitar B. The integrity of anticipatory coarticulation in fluent and non-fluent tokens of adults who stutter. Clin Linguist Phon. 2011;25(3):169-86.
  • 23. Myers FL, St Louis KO. Two youths who clutter, but is that the only similarity? J Fluency Disord. 1996;21:297-304.
  • 24. Daly da, Burnett ml. Cluttering: Traditional views and new perspectives. In: Curlee RF, editor. Stuttering and related disorders of fluency. New York: Thieme; 1999. p. 222-54.
  • 25. Teigland A. A study of pragmatic skills of cluttering and normal speakers. J Fluency Disord. 1996;21:201-14.
  • 26. Bohnen AJ. Estudo das palavras gaguejadas por crianças e adultos: caracterizando a gagueira como um distúrbio da linguagem [tese]. Porto Alegre (RS): Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2009.
  • Endereço para correspondência:

    Cristiane Moço Canhetti de Oliveira
    Av. Hygino Muzzi Filho, 737 – Vila Universitária
    Marília – SP – Brasil
    CEP: 17525-000
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Set 2013
    • Data do Fascículo
      Ago 2013

    Histórico

    • Recebido
      01 Out 2012
    • Aceito
      10 Mar 2013
    ABRAMO Associação Brasileira de Motricidade Orofacial Rua Uruguaiana, 516, Cep 13026-001 Campinas SP Brasil, Tel.: +55 19 3254-0342 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revistacefac@cefac.br