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Potenciais evocados audotivos de longa latências: um estudo de caso de afasia de expressão

Long latency evoked audition potentials: expression aphasia case study

Resumos

OBJETIVO: relatar os resultados do teste de potencial evocado auditivo de longa latência (PEALL) e da avaliação de linguagem de um paciente com afasia. MÉTODOS: o estudo avaliou um individuo do gênero masculino que sofreu uma lesão cortical na área frontal esquerda há 20 meses participando de terapia fonoaudiológica por 4 meses submetido ao exame PEALL no pré e pós tratamento. RESULTADOS: a avaliação da linguagem revelou 64,94% de acertos do total de pontos, apresentando melhor atuação na atividade de compreensão/expressão da linguagem oral, porém com maior dificuldade em organização da linguagem escrita. Quanto à avaliação do N2, foi observado atraso em hemisfério cerebral direito (HD) e esquerdo (HE), a amplitude do N2 encontrou-se diminuída em ambos os hemisférios, a latência do P3 encontrou-se atrasada em HE. Para a amplitude do P3, observou-se valores aumentados em HE. A melhora observada nos componentes N2 e P3 no exame pós tratamento, possivelmente seja devido à influência da estimulação dos exercícios fonoaudiológicos. CONCLUSÃO: esses resultados sugerem a importância da fonoterapia em indivíduos portadores de afasia e do exame de PEALL no acompanhamento da evolução clínica.

Afasia; Audiologia; Linguagem


PURPOSE: to report the test results for evoked potential auditory of long latency (PEALL) and the language evaluation of a patient with aphasia. METHODS: a man volunteer that suffered a cortical injury in the left frontal area for 20 months took part in a speech therapy for 4 months and was submitted to PEALL examination in the pre and post treatment. RESULTS: the evaluation of the language showed 64.94% of hits with regards to the total of points, showing better performance in the activity of understanding/expression as for the verbal language, however, with more difficulty in organizing the written language. As for the evaluation of N2, a delay was observed in the right cerebral hemisphere (HR) and left hemisphere (HL). The amplitude of N2 diminished in both hemispheres. The latency of P3 was delayed in HL. For the amplitude P3, one observed increased values in HL. The improvement observed in the components N2 and P3 in the examination after treatment, is possibly due to influence of stimulation of speech exercises. CONCLUSION: these results suggest the importance of speech therapy in individuals with aphasia and the examination of PEALL in the follow-up of clinical evolution.

Aphasia; Audiology; Language


AUDIOLOGIA

RELATO DE CASO

Potenciais evocados audotivos de longa latências: um estudo de caso de afasia de expressão

Long latency evoked audition potentials: expression aphasia case study

Iracema Hermes Pires de MeloI; Ana Cláudia VieiraII; Karina Paes AdvínculaIII; Silvana GrizIV; Daniele Andrade da CunhaV; Hilton Justino da SilvaVI

IFonoaudióloga; Centro de Reabilitação Reabilitar; Mestranda em Patologia – Morfologia Aplicada na Universidade Federal de Pernambuco

IIFonoaudióloga; Docente da Pós-graduação em Linguagem da Faculdade Integrada do Recife; Mestre em Neuropsiquiatria na Universidade Federal de Pernambuco

IIIFonoaudióloga; Docente do curso de Fonoaudiologia da Faculdade Integrada do Recife; Mestre em Ciências da Linguagem pela Universidade Católica de Pernambuco; Doutoranda em Neuropsiquiatria na Universidade Federal de Pernambuco

IVFonoaudióloga; Docente do Curso de Fonoaudiologia da Universidade Federal de Pernambuco; Mestre em Audiologia pela Universidade da Carolina do Norte, EUA; Doutora em Psicologia Cognitiva pela Universidade Federal de Pernambuco

VFonoaudióloga; Docente e Coordenadora do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade Integrada do Recife; Docente do CEFAC Saúde e Educação de Recife-PE; Doutoranda em Nutrição pela Universidade Federal de Pernambuco

VIFonoaudiólogo, Docente do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade Integrada do Recife; Docente do CEFAC Saúde e Educação de Recife-PE; Doutor em Nutrição pela Universidade Federal de Pernambuco

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: R Leão Diniz, 5459/ 302 Jaboatão dos Guararapes PE CEP: 54440-071 Tel: (81) 9232 4107 E-mail: iracemamelo@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: relatar os resultados do teste de potencial evocado auditivo de longa latência (PEALL) e da avaliação de linguagem de um paciente com afasia.

MÉTODOS: o estudo avaliou um individuo do gênero masculino que sofreu uma lesão cortical na área frontal esquerda há 20 meses participando de terapia fonoaudiológica por 4 meses submetido ao exame PEALL no pré e pós tratamento.

RESULTADOS: a avaliação da linguagem revelou 64,94% de acertos do total de pontos, apresentando melhor atuação na atividade de compreensão/expressão da linguagem oral, porém com maior dificuldade em organização da linguagem escrita. Quanto à avaliação do N2, foi observado atraso em hemisfério cerebral direito (HD) e esquerdo (HE), a amplitude do N2 encontrou-se diminuída em ambos os hemisférios, a latência do P3 encontrou-se atrasada em HE. Para a amplitude do P3, observou-se valores aumentados em HE. A melhora observada nos componentes N2 e P3 no exame pós tratamento, possivelmente seja devido à influência da estimulação dos exercícios fonoaudiológicos.

CONCLUSÃO: esses resultados sugerem a importância da fonoterapia em indivíduos portadores de afasia e do exame de PEALL no acompanhamento da evolução clínica.

Descritores: Afasia; Audiologia; Linguagem

ABSTRACT

PURPOSE: to report the test results for evoked potential auditory of long latency (PEALL) and the language evaluation of a patient with aphasia.

METHODS: a man volunteer that suffered a cortical injury in the left frontal area for 20 months took part in a speech therapy for 4 months and was submitted to PEALL examination in the pre and post treatment.

RESULTS: the evaluation of the language showed 64.94% of hits with regards to the total of points, showing better performance in the activity of understanding/expression as for the verbal language, however, with more difficulty in organizing the written language. As for the evaluation of N2, a delay was observed in the right cerebral hemisphere (HR) and left hemisphere (HL). The amplitude of N2 diminished in both hemispheres. The latency of P3 was delayed in HL. For the amplitude P3, one observed increased values in HL. The improvement observed in the components N2 and P3 in the examination after treatment, is possibly due to influence of stimulation of speech exercises.

CONCLUSION: these results suggest the importance of speech therapy in individuals with aphasia and the examination of PEALL in the follow-up of clinical evolution.

Keywords: Aphasia; Audiology; Language

INTRODUÇÃO

O uso da linguagem é um comportamento unicamente humano que possui um grande impacto na sociedade 1. A linguagem é responsável pela comunicação, por meio da percepção, compreensão e produção de movimentos para a fala ou manipulação de idéias (pensamento) 2. Como a linguagem é uma função cerebral, as lesões encefálicas ocasionadas por fatores endógenos ou exógenos podem caracterizar uma perda parcial ou total das habilidades lingüísticas, determinando um quadro conhecido por afasia 3.

Os potenciais evocados auditivos de longa latência (PEALL) refletem a atividade eletrofisiológica cortical envolvida nas habilidades de atenção, discriminação, memória, integração e capacidade de decisão 4-6. Essas habilidades, importantes para a linguagem, podem encontrar-se alteradas em pacientes com características afásicas.

Essas atividades fazem parte das habilidades auditivas centrais, ou seja, do processamento auditivo, entendido como os processos envolvidos na detecção e interpretação de eventos sonoros. Para o processamento auditivo, contribuem o sistema auditivo periférico e o central. Neste último, áreas do tronco cerebral, vias subcorticais, córtex auditivo e corpo caloso podem envolver áreas não auditivas centrais como o lobo frontal e a conexão temporo-parieto-occipital 7.

O potencial evocado auditivo refere-se a várias mudanças elétricas ocorridas no sistema nervoso periférico e central relacionadas às vias sensoriais (Event-Related) 4, 6, 8. Os PEALL podem ser subdivididos em potenciais evocados exógenos, influenciados principalmente pelas características físicas do estímulo (intensidade, freqüência e duração), e endógenos, influenciados por eventos internos relacionados à função cognitiva de um sujeito 4,5.

Os potenciais endógenos estão relacionados à função cognitiva, e exige tarefas em graus variados de complexidade 9. O processamento cognitivo tem forte base da linguagem, podendo a afasia causar extremas dificuldades em tarefas envolvendo conteúdos incertos ou que tenham organização complexa e integração de termos lingüísticos 9.

Dentre os principais componentes estudados encontram-se: o N2, que é um componente misto, eliciado tanto por fatores exógenos quanto endógenos 6, 10, 11 e o P3, que é potencial endógeno 10.

O fator exógeno do N2 contribui para tarefas de discriminação física do estímulo 6, 10, 11, como as características acústicas do estímulo 6. Seu fator endógeno está relacionado ao processamento de informações auditivas 12, revela as atividades de atenção e percepção 6, 10, 11, possui resposta passiva e automática que precede ao estímulo, uma resposta pré-atencional 12 elicidada pela discriminação do evento raro 6, como em situações de competição sonora 13.

O P3 está relacionado aos aspectos fundamentais da função mental: percepção e cognição 10, 14, 15. Investiga o mecanismo eletroquímico e o aspecto temporal da cognição, particularmente nas áreas relacionadas à atenção e à memória recente 4.

A sincronização neural do estímulo acústico (base para as respostas evocadas auditivas) é fundamental para o processamento da fala, a qual geralmente está comprometida em indivíduos afásicos. Acredita-se, ainda, que a grande contribuição dos PEALL seja a possibilidade de correlacionar aspectos do comportamento a fenômenos fisiológicos observáveis 10, ressaltando a importância da utilização do exame do PEALL na exploração funcional não invasiva dos processos cerebrais relacionados à linguagem. Esse exame, de aplicação imediata para sujeitos normais, constitui uma ferramenta promissora para estudos dos mecanismos cerebrais de recuperação de lesões características das afasias 5, incluindo, a avaliação quanto ao processo de recepção da linguagem na presença de alterações da expressão oral em indivíduos afásicos 16.

Dessa forma, a utilização dos PEALL como um instrumento que viabilize um maior conhecimento dos processos neurais envolvidos no paciente lesionado cerebral, mostrando como características o comportamento da linguagem e de outras funções cognitivas, necessita ser estudado.

MÉTODOS

O individuo citado do gênero masculino, com 21 anos de idade e 14 anos de escolaridade (2º grau completo sem reprovação) encontrava-se em atendimento na clínica-escola do curso de Fonoaudiologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Todos os exames auditivos foram realizados em uma clínica privada de audiologia na cidade de Recife-PE. O individuo avaliado, no momento inicial da pesquisa, encontrava-se com 20 meses de estabelecimento da lesão cortical na área frontal esquerda – Área de Broca com perda insignificante de tecido encefálico após Hemangioma, diagnóstico realizado por um neurologista, e com 4 meses de terapia fonoaudiológica para a afasia, antes do primeiro exame. Após avaliação fonoaudiológica, antes da realização do primeiro exame PEALL pôde ser observado que sua afasia era do tipo transcortical motora (afasia de expressão), podendo ser decorrente de uma melhora já estabelecida.

O individuo foi submetido à pesquisa de limiar auditivo eletrofisiológico por meio do teste de diagnóstico diferencial no auditory brainstem response (ABR), para avaliação da integridade da via auditiva, antes do primeiro exame de PEALL. Na clínica-escola de Fonoaudiologia, em outro momento, após o exame do ABR, o paciente foi submetido ao teste de reabilitação das afasias 17 para classificação funcional da mesma.

Para a realização do exame de PEALL, após a avaliação da linguagem e da integridade das vias auditivas, ocorreu de forma semelhante ao exame do ABR. Foram realizados dois registros: no primeiro, o sujeito não precisava contar os estímulos raros, para garantir o perfeito entendimento da tarefa. Em seguida, foi solicitado que o sujeito contasse mentalmente os estímulos sonoros raros, adotando o paradigma odd ball 18-20. Ao final do exame, era perguntado o número de estímulos raros a fim de conferir a percepção do sujeito.

Para realização da aquisição dos potenciais evocados auditivos de longa latência foram utilizados os seguintes parâmetros: filtro entre 0,5 e 30 Hertz (Hz), estímulos binaurais (tons burst com plateau de 20 ms e rise/fall de 5 ms), com a freqüência de 1000 Hz para o estímulo freqüente e de 2000 Hz para o estímulo raro (com uma probabilidade de 20%), intervalo entre os estímulos de 1,1 ms, intensidade de 80 dB NA, tempo de análise de 500 ms, sensibilidade de 160 microvolts, polaridade alternada, número de amostras de 200 estímulos, dentro os quais 40 foram estímulos raros, uma vez que a partir de 20 estímulos os registros se tornam confiáveis 21. As latências e amplitudes das ondas N2 foram marcadas seguindo o aparecimento das três primeiras ondas, no maior pico, em seqüência nas polaridades negativas – positiva – negativa, respectivamente, ocorrendo na replicação do traçado freqüente e raro entre 60 e 300 ms. A onda P3 era considerada a maior onda positiva, logo após o complexo N1-P2-N2, ocorrendo na replicação do traçado para o estímulo raro, entre 200 e 500 ms 21. Após três meses de terapia fonoaudiológica os testes de audição e a avaliação da linguagem foram repetidos.

Os padrões de normalidade do PEALL foram baseados em estudo realizado com 16 adultos (18 a 29 anos) sem alterações auditivas, neurológicas, otológicas ou otoneurológicas, realizado no mesmo local da presente pesquisa, apresentando latências e amplitudes semelhantes aos dados da literatura 22.

Os aspectos éticos dessa pesquisa foram seguidos pela aprovação do projeto pelo Comitê de Ética de Pesquisa em seres humanos do Centro de Ciências da Saúde – UFPE (Nº 192/2004) e pela aceitação do sujeito na participação da pesquisa, por meio da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

RESULTADOS

Na avaliação da linguagem observou-se 64,94% de acertos do total de pontos possíveis. Deste total, notou-se melhor atuação na atividade de compreensão/expressão da linguagem oral e pior em organização da linguagem escrita. Quanto a expressão da linguagem encontraram-se mais alteradas as provas de compreensão, resultado observado nos testes de organização e expressão da linguagem escrita e organização da linguagem oral.

Quanto aos resultados do PEALL, o componente N2 apresentou latência de 296 ms após estímulo captado pelo hemisfério cerebral direito (HD) e de 286 ms no hemisfério cerebral esquerdo (HE), ou seja, atraso de 12,63 ms e 6,50 ms respectivamente, considerando a normalidade. O componente P3 foi registrado com latência de 352 ms para o HD e 362 ms para o HE, este com atraso de 3,5 ms, de acordo com a normalidade. Observou-se também diferença na latência do P3 inter-hemisférica de 10 ms.

Quanto à amplitude do N2, observou-se maior influência dos paradigmas de respostas passiva e ativa, quando comparadas às respostas das latências 22. O HD apresentou 1,382 mV de amplitude, diminuída em 0,558 mV e o HE 1,234 mV diminuída em 1,196 mV. A análise da amplitude do P3 revelou que o HD encontrou-se com valores dentro da normalidade e o HE com amplitude de 7,591?mV revelando um aumento de 1,341 mV.

Comparando-se a latência do P3 entre os exames (antes e depois da terapia fonoaudiológica), observa-se boa evolução a partir da diminuição do atraso da onda. Observamos maior alteração da latência de P3 antes da terapia fonoaudiológica, encontrava-se em 422 ms no HD, diminuindo para 352 ms após terapia. No HE, a latência do P3, antes, apresentava-se em 418 ms, diminuindo para 362 ms após terapia (Figura 2).


DISCUSSÃO

Conforme resultado da avaliação da linguagem, as habilidades superiores necessárias à comunicação encontram-se comprometidas em diferentes graus. Sabendo que os PEALL refletem a atividade eletrofisiológica cortical envolvida nas habilidades de atenção, discriminação, memória, integração e tomada de decisão 4-6, as quais são importantes para a linguagem, pode-se dizer que o registro dos PEALL pode ter sido influenciado pelas referidas habilidades.

O N2 revela as atividades de atenção e percepção 6, 10, 11, possui resposta passiva e automática, uma resposta pré-atencional 12, ou seja, uma resposta involuntária na qual o indivíduo reconhece que existe diferença entre os estímulos, porém, não identifica a diferença.

A latência deste componente aumenta quando o estímulo raro torna-se mais semelhante ao freqüente, ou seja, mais difícil de detectar diferenças entre eles, indicando que eles possam fazer parte de redes neuronais responsáveis pela discriminação do evento raro 6. Estando a latência do N2 atrasada bilateralmente, sugere-se que exista uma dificuldade na capacidade temporal pré-atencional, de percepção e discriminação do evento raro pelo individuo.

O aumento da latência do N2 também pode ser justificado pelo atraso do individuo em diferenciar os estímulos raros dos freqüentes, lembrando que a percepção da fala ocorre baseada na distinção dos sinais acústicos, que se assemelham à situação do exame dos PEALL. Neste, os estímulos são apresentados em intervalos reduzidos caracterizados como situação onde há sobreposição da discriminação 23. A percepção da fala é requerida em repetição, leitura, ditado e soletração fonêmica, presentes na atividade de transposição lingüística, a qual se apresenta alterada com 59,87% de acerto.

Além da latência do N2 aumentada, a diferença entre os lados direito e esquerdo foi de 10 ms, sendo o lado direito o de maior latência. Isso é compatível com a presença de lesão nas estruturas corticais e subcorticais do lado esquerdo. Como o N2 é um componente misto, seu fator exógeno contribui para tarefas de discriminação física do estímulo 6, 10, 11. Pode ser explicado pelo fato da recepção auditiva da linguagem oral ser desencadeada na orelha interna, a partir do nervo vestíbulo-coclear (VIII par craniano). Onde, a partir da oliva protuberencial, a maioria das fibras cruzam a linha média transmitindo a codificação da freqüência sonora, a partir do corpo geniculado e da intensidade segundo a codificação neuronal realizada pelas células ciliadas da cóclea 1. As características acústicas da audição refletidas no N2 6 são de responsabilidade de transmissão, em grande parte, das fibras contra-laterais. Além disso, 2/3 da população apresentam o plano cortical temporal esquerdo mais longo que o direito 24. Como o hemisfério esquerdo é dominante para a percepção do estímulo e a percepção da fala é dependente da área cortical auditiva associativa, que também se encontra no hemisfério esquerdo, em 90% das pessoas 24, então o trajeto percorrido pelo estímulo nervoso para atingir o HD é maior que o esquerdo, pois, o estímulo nervoso direcionado para o HD tem que antes percorrer o HE. Assim, pode-se justificar a maior latência do N2 do lado direito, pois este lado recebe fibras nervosas do lado esquerdo, o qual possui lesão sub-cortical.

Quanto à amplitude do N2, esta é mais influenciada pelos paradigmas de respostas passiva e ativa do que a latência 25. O HD apresentou amplitude diminuída de acordo com a normalidade proposta assim como o HE. Como o N2 está relacionado ao processamento de informações auditivas 12, que geralmente possui contribuição da memória e atenção diante de situações de competição sonora 13, assim como o N2, o processamento das informações auditivas está alterado.

O P3 está relacionado aos aspectos fundamentais da função mental: percepção e cognição 10, 14, 15. A conformação da onda P3 em pacientes afásicos ainda é pouco estudada, contudo, sabe-se que esse potencial constitui-se em uma oportunidade para investigar o mecanismo eletroquímico e o aspecto temporal da cognição, particularmente nas áreas relacionadas à atenção e à memória recente 4, sendo um instrumento eficiente na avaliação dos indivíduos afásicos quando há dúvidas quanto ao processo de recepção da linguagem na presença de alterações da expressão oral 16. O sujeito em estudo apresenta afasia transcortical motora, com isso, possui dificuldade no impulso verbal ("início da fala"), podendo ser interpretado como uma atitude de capacidade de decisão 26. Assim, a latência aumentada do P3 no HE (3,5 ms) pode ser devido a uma dificuldade (atraso) no processo de atenção e na memória de curta duração.

As atividades do teste de reabilitação das afasias compreensão/retenção e memória (78,57%), e raciocínio/memória (72,92%) apresentaram alteração. Comparando-se com a normalidade do HD, pode-se dizer que a lesão encefálica esquerda talvez tenha influenciado na latência do P3, apesar de ser um componente endógeno P3 muitas vezes não informa o lado das lesões unilaterais 27.

Considerando a neuroplasticidade, sabe-se que o sistema nervoso (por habituação, aprendizado, memória e recuperação da lesão) tem a capacidade de se modificar 28. A fim de observar se essas modificações poderiam influenciar a resposta do P3, já que é um componente endógeno relacionado à percepção e cognição 10, 14, 15, particularmente relacionadas à atenção e à memória recente 4, comparou-se o exame do PEALL em estudo com outro exame obtido três meses antes, sendo que durante este período o paciente encontrava-se em fonoterapia.

A comparação dos exames antes e depois da fonoterapia indicou que a latência do P3 estava mais alterada no primeiro exame de PEALL (P3), fato que pode ser atribuído à realização da fonoterapia, o que mostra a importância da reabilitação de sujeitos em quadros afásicos. A eficiência da reabilitação de afásicos foi notada como tendo um efeito positivo, concordando com estudo que identificou a maior eficácia em pacientes que realizaram terapia de linguagem intensa por meses ou anos após a lesão cerebral 29.

CONCLUSÃO

No presente estudo, pôde-se observar que as habilidades da linguagem (atenção, discriminação, memória, integração e tomada de decisão) influenciaram nas características dos componentes N2 e P3 dos PEALL do sujeito, sendo possível observar a correspondência dos resultados do teste de reabilitação das afasias e o exame de PEALL.

A relação inter-hemisférica, apesar de ainda não ser bem conhecida pela literatura consultada, é observada no individuo estudado.

A comparação dos exames antes e depois da fonoterapia sugeriu que a neuroplasticidade foi estimulada com a fonoterapia no sujeito, observada na latência do P3.

Recebido em: 25/11/2006

Aceita em: 05/06/2007

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Nov 2007
    • Data do Fascículo
      Set 2007

    Histórico

    • Recebido
      25 Nov 2006
    • Aceito
      05 Jun 2007
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