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Análise da produção científica internacional sobre gagueira

Resumos

OBJETIVO: descrever as características da produção científica internacional sobre gagueira publicada em periódicos no período entre 2005 e 2010. MÉTODOS: pesquisa documental em que se analisaram artigos online, considerando-se: 1) distribuição da frequência por período; 2) temática; 3) vertente epistemológica; 4) procedimento metodológico; 5) faixa etária. RESULTADOS: foram analisados 339 artigos, distribuídos em 76 revistas, estando a maioria no Journal of Fluency Disorders (94;27,73%). As temáticas mais frequentes foram: Características da Gagueira (150;44,25%) e Tratamento da Gagueira (106;31,27%). O método de pesquisa mais utilizado foi Levantamento (157;46,31%). A maioria das pesquisas pertenceu à vertente Positivista (324;95,57%). A faixa etária mais estudada foi Adultos (174;45,31%). CONCLUSÃO: a produção internacional sobre gagueira apresenta crescimento discreto. Prepondera o paradigma Positivista. Dois fatos chamam atenção nos estudos positivistas: a emergência de pesquisas que quantificam aspectos qualitativos para olhar a gagueira como fenômeno multifatorial; os mesmos aspectos sendo tratados ora como característica, ora como causa da gagueira. Conjuntamente, esses fatos apontam para a complexidade do tema e para o desafio que a compreensão da gagueira tem representado aos pesquisadores, o que pode indicar a necessidade de se buscar novos caminhos epistemológicos para decifrá-la. Faltam pesquisas sobre prevenção e promoção de saúde; delineamentos de Estudo de Caso Clínico, e estudos sobre adolescentes.

Gagueira; Fonoaudiologia; Indicadores de Produção Científica


PURPOSE: to describe the international scientific literature on stuttering published between 2005 and 2010. METHOD: selection and analysis of online, peer reviewed publications. The organized data highlighted the following characteristics: 1) number of publications per period; 2) addressed themes; 3) epistemological affiliation of contributors; 4) methodological procedures, and 5) age group of the subjects studied. RESULTS: 339 articles found in 76 journals were analyzed. The Journal of Fluency Disorders was the most frequent contributor (94;27.73%). Two themes stood out: Characteristics of Stuttering, with 150(44.25%) articles, and Treatment of Stuttering, with 106(31.27%) articles. The research method most used was Survey (157; 46.31%). The majority of research featured the Positivist (324;95.57%) paradigm. The most studied age group was Adult (174;45.31%). CONCLUSION: there is a discreet growth in studies about stuttering, mostly featuring the positivistic approach. A significant development within the Positivistic studies is the emergence of studies that frame qualitative data in a quantitative mode, supporting the view of stuttering as a multifactorial phenomenon. Many studies have further refined the identification of aspects present in stuttering by distinguishing factors viewed simply as characteristic of stuttering from those viewed as possibly causative. Altogether, these findings endorse stuttering as a complex subject which poses a challenge to scientists, calling for new epistemological approaches in order to unveil these newly identified distinctions. There is need for more research on stuttering for preventive health and wellness promotion, as well as studies using Clinical Case Study as method of investigation, and also studies focused on adolescents.

Stuttering; Speech, Language and Hearing Sciences; Scientific Publication Indicators


ARTIGOS ORIGINAIS

Análise da produção científica internacional sobre gagueira

Audrey Vendramini de CarvalhoI; Silvia FriedmanII

IFonoaudióloga; Mestranda no curso de Pós-Graduação em Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP, São Paulo, SP

IIFonoaudióloga; Docente Titular do Curso de Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP, São Paulo/SP; Doutora em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP, São Paulo/SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Audrey Vendramini de Carvalho Rua Lins, 424 - Jardim Marília Salto / SP - Brasil. CEP: 13322-023 E-mail: audreyvendramini@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: descrever as características da produção científica internacional sobre gagueira publicada em periódicos no período entre 2005 e 2010.

MÉTODOS: pesquisa documental em que se analisaram artigos online, considerando-se: 1) distribuição da frequência por período; 2) temática; 3) vertente epistemológica; 4) procedimento metodológico; 5) faixa etária.

RESULTADOS: foram analisados 339 artigos, distribuídos em 76 revistas, estando a maioria no Journal of Fluency Disorders (94;27,73%). As temáticas mais frequentes foram: Características da Gagueira (150;44,25%) e Tratamento da Gagueira (106;31,27%). O método de pesquisa mais utilizado foi Levantamento (157;46,31%). A maioria das pesquisas pertenceu à vertente Positivista (324;95,57%). A faixa etária mais estudada foi Adultos (174;45,31%).

CONCLUSÃO: a produção internacional sobre gagueira apresenta crescimento discreto. Prepondera o paradigma Positivista. Dois fatos chamam atenção nos estudos positivistas: a emergência de pesquisas que quantificam aspectos qualitativos para olhar a gagueira como fenômeno multifatorial; os mesmos aspectos sendo tratados ora como característica, ora como causa da gagueira. Conjuntamente, esses fatos apontam para a complexidade do tema e para o desafio que a compreensão da gagueira tem representado aos pesquisadores, o que pode indicar a necessidade de se buscar novos caminhos epistemológicos para decifrá-la. Faltam pesquisas sobre prevenção e promoção de saúde; delineamentos de Estudo de Caso Clínico, e estudos sobre adolescentes.

Descritores: Gagueira; Fonoaudiologia; Indicadores de Produção Científica

INTRODUÇÃO

Num estudo prévio1 investigaram-se as publicações científicas brasileiras acerca da gagueira entre 1980 e 2008 em artigos, livros e capítulos de livros e se observou que o crescimento da produção acompanhou o das demais áreas da Fonoaudiologia, que se acentuou a partir da década de noventa. Observou-se também que, no caso da gagueira, houve um excepcional crescimento a partir de 2000, quando a produção se tornou cinco vezes maior em relação à somatória das duas décadas anteriores não se verificando esse tipo de crescimento nas demais áreas da Fonoaudiologia brasileira.

Quanto às características dessa produção, os autores mostraram que sua maior parte se referiu a questões relativas ao atendimento clínico; que os estudos se distribuíram entre as áreas fonoaudiológicas de Linguagem e de Motricidade Oral; que houve trabalhos produzidos em três vertentes epistemológicas: a positivista, a fenomenológica e a dialético-histórica. Com base nessa distribuição discutiram a complexidade do tema gagueira.

No cenário internacional, vários autores, tanto de formação fonoaudiológica como de formação médica e psicológica, desenvolveram estudos de revisão do conhecimento científico produzido sobre gagueira. Na década de 2000 encontra-se um grande número de estudos voltados para a validação de experiências e de protocolos. Esses trabalhos apontam as melhores formas de medir evidências2-9. Além desses, algumas pesquisas questionam o prestígio das evidências científicas face à sua adequação ante a natureza multifatorial da gagueira10-15.

Sobre os estudos de produção científica a partir de periódicos, considera-se que têm sido a principal fonte de difusão formal da ciência e que os meios de difusão do conhecimento são fundamentais para seu crescimento16,17.

O valor atribuído aos periódicos publicados, seja em bases de dados ou em fontes de papel, deve-se ao fato de eles serem legitimados pela avaliação por pares, que selecionam os trabalhos, validam a metodologia utilizada e zelam pela qualidade e relevância das informações, submetendo-as à revisão. Esse processo de formalização é regido pela noção de aprimoramento segundo critérios padronizados de qualidade16-20. Com isso se consolida uma estrutura de comunicação eficaz na troca de conhecimentos especializados em larga escala, o que agiliza o estudo dessa literatura21-24.

Estudos da produção científica preenchem a função de ajudar a acompanhar o intenso fluxo de publicações, o que se dá por intermédio da busca de pontos de convergência que articulam o conhecimento produzido, sob um princípio de síntese, ordenação e referência25. Dessa forma, estudos de produção científica correspondentes a diferentes períodos informam, em seu conjunto, como se desenvolveu a rede de conhecimentos acerca de um assunto até sua atual configuração20,24,25.

Com relação a esses pontos de convergência, salienta-se a importância de contemplar as temáticas presentes num dado o segmento de publicações, o que permite observar a trajetória específica da área em foco, bem como o contraste de tal trajetória com a de áreas afins16,17.

Nesse contexto, o objetivo deste estudo é descrever as características da produção científica internacional sobre gagueira publicada em periódicos no período entre 2005 e 2010.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo documental descritivo no qual se analisam artigos publicados sobre gagueira em periódicos internacionais disponíveis online, no período de 2005 a 2010.

Adotou-se a técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin26 que se presta à análise temática do conteúdo de todo tipo de mensagens (artigos, livros, memorandos, discursos, etc.) e se organiza em torno de três estágios: (1) pré-análise, (2) exploração do material, (3) tratamento dos resultados, inferência e interpretação.

Na fase da pré-análise do material disponível levantaram-se os periódicos em todas as bases de dados fonoaudiológicas internacionais disponíveis na internet e também naquelas que têm afinidades com a Fonoaudiologia, a saber: Linguística, Educação, Medicina e Psicologia. As bases pesquisadas foram: ERIC (Education Resources Information Center), PubMed/MEDLINE, PsycINFO e Scirus.

A consulta foi feita por meio do formulário avançado. No item palavra, solicitou-se a busca pelos termos stuttering, stammering, fluency disorders, disfluency e perseverations. No item idioma, foram solicitados o inglês e o espanhol. Assim, foram selecionados os artigos sobre problemas de fluência de fala.

Quanto aos procedimentos para a exploração do material26, foram estabelecidos indicadores que orientaram a caracterização dos documentos. Para tanto, a análise das publicações foi organizada a partir da distribuição de sua frequência, considerando-se: o período da publicação; a distribuição de frequência por período; a temática abordada; o procedimento metodológico empregado; a vertente epistemológica a que pertencem; a faixa etária dos sujeitos estudados.

Para organizar a produção em torno de eixos temáticos e vertentes epistemológicas predominantes, os artigos foram lidos na íntegra.

A definição das categorias temáticas obedeceu ao critério da abrangência, de modo a abarcar o maior número possível de trabalhos em cada uma1,16,17,23,27.

As temáticas, definidas a posteriori26, foram: Atitude diante da Gagueira, Avaliação da Gagueira, Características da Gagueira, Causa da Gagueira, Gagueira e Qualidade de Vida, Julgamento sobre Gagueira, Tratamento da Gagueira e Recuperação Espontânea da Gagueira.

A classificação pelas vertentes epistemológicas se pautou nas três abordagens definidas no campo da Filosofia da Ciência desde o final do século XIX, a saber: o Positivismo, a Fenomenologia e a Dialético-Histórica28. A vertente positivista na área da saúde caracteriza-se pela ênfase nos testes de hipóteses e pela busca de generalizações, com uma visão centrada nas relações entre o organismo e sintomas de fala. A vertente fenomenológica caracteriza-se por uma visão centrada naquilo que o pesquisador pôde apreender do objeto de pesquisa por ele definido a partir de sua percepção. A vertente dialético-histórica caracteriza-se pela ênfase nas relações entre o sujeito estudado, sua subjetividade e sua história.

Quanto à faixa etária, com base nas características da produção, organizaram-se cinco agrupamentos: Criança; Adolescente;Adulto;Inespecífica e Não se aplica. Consideraram-se como crianças, sujeitos de até 10 anos e 11 meses de idade; adolescentes, sujeitos de 11 a 18 anos de idade e adultos, sujeitos acima dos 18 anos de idade29. A categoria Inespecífica congrega trabalhos que não referiam a idade dos sujeitos e a categoria Não se aplica congrega trabalhos do tipo revisão bibliográfica.

Quanto ao procedimento metodológico, os artigos foram classificados como: Experimento, que se refere a estudos que mostram a influência entre variáveis; Levantamento, que se refere a estudos que descrevem eventos, aspectos ou características escolhidas seja aleatória seja intencionalmente; Estudo Documental Bibliográfico, que responde perguntas de pesquisa por meio do levantamento da literatura científica publicada ou de documentos do tipo prontuários e anamneses; Estudo de Caso Clínico, que se refere a investigações empíricas aprofundadas de casos únicos ou de poucos casos28.

Para o tratamento dos resultados, os dados foram organizados em tabelas que mostram as frequências de distribuição das variáveis elencadas (temática, vertente epistemológica, procedimento metodológico e faixa etária). Os dados foram analisados estatisticamente com base no teste Qui-Quadrado (X2), tomando 5% como nível de significância.

RESULTADOS

De 2005 a 2010 encontraram-se 339 artigos distribuídos por 76 periódicos científicos internacionais disponíveis online.

A distribuição dos periódicos pelo tempo, em se considerando os números absolutos, mostrou pequeno crescimento das publicações sobre gagueira entre 2005 e 2010. O ano de 2010 congrega o maior número de produções (72;21,22%) em relação aos demais. A produção se concentrou nos periódicos Journal of Fluency Disorders (94;27,73%), que é especializado em gagueira, seguido do Journal of Speech, Language and Hearing Research (42;12,39%), vindo em terceiro lugar o International Journal of Language and Communication Disorders (29;8,55%). Para que o cálculo estatístico tivesse significado, foram desconsiderados os periódicos com menos de 9 artigos publicados ao longo do período estudado, visto que o cálculo do Qui-Quadrado recursivo indicou ser este um bom critério para maximizar os periódicos mantidos (Figura 1). Mesmo assim, o crescimento das pesquisas sobre gagueira ao longo do período estudado não mostrou significância estatística (p-value = 0,21). Utilizando-se o método de Regressão Linear para os dados estudados pelo teste Qui-Quadrado, observa-se que houve um crescimento médio de 2,7 publicações por ano (Figura 2). Um estudo de Regressão Linear utilizando-se todos os periódicos indica um crescimento médio de 4,8 publicações por ano.



A distribuição das temáticas pelos periódicos mostrou que as principais foram Características da Gagueira, com 150(44,19%) artigos e Tratamento da Gagueira, com 106(31,25%) artigos, estando elas concentradas principalmente nas revistas acima discriminadas. Dado o número de ocorrências nulas, foram considerados apenas os cinco primeiros periódicos para o cálculo estatístico do Qui-Quadrado (Figura 3). A diferença na distribuição das temáticas apresenta significância estatística (p-value = 0,0007).


Por sua vez, a distribuição das temáticas pelos procedimentos metodológicos (Tabela 1), revelou que o Levantamento é o procedimento mais utilizado nas pesquisas (157;46,31%), seguido do Experimento (118;34,8%). Dado o número de ocorrências nulas, o cálculo estatístico levou em conta apenas as quatro primeiras temáticas e excluiu o procedimento Estudo de Caso Clínico. A diferença na distribuição dos procedimentos metodológicos tem significância estatística (p-value = 0,0002).

A maioria das pesquisas é de natureza Positivista (324;95,57%). Essa preponderância não oferece base para o teste de Qui-Quadrado que, basicamente, compara proporções. Nessa medida, ilustra-se a distribuição por meio da Figura 4.


Cruzando-se as principais temáticas pelas faixas etárias (Tabela 2), a faixa etária mais pesquisada foi Adulto (174;45,31%), seguida de Criança (120;31,25%). O cálculo estatístico, pelos mesmos motivos anteriormente expostos, mostra que não há significância nessa distribuição (p-value = 0,27). Para uma melhor visualização dessa distribuição foi elaborada a Figura 5, que mostra a preponderância de adultos na maioria das temáticas e também que, nas temáticas Julgamento sobre Gagueira e Avaliação da Gagueira, apesar do pequeno número de trabalhos, a preponderância foi de crianças.


A Figura 6 foi construída para ilustrar a relação de crescimento das pesquisas com crianças e adultos ao longo do tempo na temática Tratamento da Gagueira. Ela nos mostra que no ano de 2006 as pesquisas com adultos foram mais que o dobro das com crianças e que no ano seguinte, 2007, numa aparente compensação, o número das pesquisas com crianças superou as com adultos.


DISCUSSÃO

A distribuição da produção científica internacional sobre gagueira ao longo do tempo nos mostrou que a maior concentração de artigos, como já se podia esperar, está em revistas especializadas nos problemas de fluência de fala e, em segundo lugar, em revistas dedicadas a problemas de linguagem. No mais, observou-se algum interesse pelo tema disperso, principalmente, em revistas de Medicina, o que parece fazer sentido com o fato de que, do ponto de vista etiológico, a gagueira é tomada sobretudo como problema de origem orgânica.

O fato de a produção internacional ter mostrado um crescimento muito discreto - da ordem de 2 a 4 artigos ao ano - Figura 2, porém constante nos seis anos pesquisados (2005 a 2010), diferindo do encontrado na pesquisa brasileira1 que investigou o período de 1980 a 2008 e observou que o maior crescimento aconteceu no século XXI.

As temáticas Características da Gagueira e Tratamento da Gagueira foram as mais frequentes, remetendo ao conhecimento de que uma clínica, para se constituir como tal, precisa ter homogeneidade e co-variância entre seus quatro elementos, a saber: semiologia, etiologia, diagnóstica e terapêutica30. Assim, em sentido geral, a concentração dos trabalhos no estudo das características da gagueira e das formas de tratá-la sugere a preocupação dos profissionais com a constituição de uma perspectiva clínica coerente voltada aos problemas de fluência de fala.

Quanto à temática de maior frequência, Características da Gagueira, destaca-se que dos 150 artigos que a compunham, um terço (51;34%) enfocou características neurológicas; a seguir 40(26,66%) enfocaram características linguísticas; 20(13,33%) as de fala; 14(9,33%) as psicológicas e 10(6,66%) as genéticas, estando as 16(10,66%) restantes dispersas por outros tipos de características. Isso em nada foi semelhante à pesquisa brasileira, na qual a temática Características da Gagueira, como um todo, foi a menos frequente, com apenas 6 trabalhos dos 131 encontrados.

Dos 106 artigos da segunda temática de maior frequência, Tratamento da Gagueira, a maior concentração de estudos (40;37,73%) referia-se à abordagem comportamental, compreendendo, basicamente, estratégias de modelagem da fluência. A maior parte dessas estratégias referia-se a treinos para controle da intensidade e da frequência da gagueira. Algumas dessas propostas de treinamento foram: Lidcombe Program, Camperdown Program, Coordinated Interpersonal Timing, Demand and Capacities Model, e Comprehensive Approach. Em segundo lugar, os estudos referiram-se à utilização de recursos tecnológicos (25;23,58%). Estes discutiram a efetividade de dispositivos de apoio cujo uso visa possibilitar aumento da fluência de fala, com destaque para aparelhos protéticos de feedback auditivo: Altered Auditory Feedback (AAF); Delayed Auditory Feedback (DAF); Frequency Altered Feedback (FAF); Masking Auditory Feedback (MAF). Na pesquisa brasileira a temática Tratamento da Gagueira, nomeada por seus autores1 como Clínica Fonoaudiológica, foi a mais frequente, apresentando 69(57,5%) dos 131 trabalhos encontrados. Os autores não detalharam os tipos de tratamento em questão. Finalmente, ainda na temática Tratamento da Gagueira, 21(19,89%) artigos abordavam a importância de se medir a eficácia dos tratamentos, o que retrata a tendência bastante atual na área de saúde de pautar os tratamentos em estudos sobre evidências de resultados. Na pesquisa brasileira, que analisou a produção até 2008, nenhum artigo dessa natureza foi referido.

Ainda sobre as temáticas, com relação a duas delas: Características da Gagueira (150;44,25%) e Causa da Gagueira (23;6,78%), vale comentar que em ambas a gagueira foi tratada quanto a seus aspectos linguísticos, neurológicos, psicológicos e genéticos. Isso significa que ora eles foram tratados como causa, ora como característica, com prevalência da última. Isso parece coerente com a indefinição que se observou na literatura pesquisada quanto à exata origem da gagueira. Parece coerente também com a visão de que, ao se considerar os objetivos das pesquisas: descritiva, exploratória, explicativa, as últimas são as mais comprometedoras para o pesquisador, porque dão margem a discordâncias e controvérsias, ao passo que o mesmo não acontece com as pesquisas descritivas que, como o próprio nome indica, se limitam a descrever os fenômenos objeto de investigação29. Assim, a maioria dos pesquisadores tratou os aspectos citados como características da gagueira e a minoria os assumiu, explicitamente, como sendo sua causa.

Quanto às faixas etárias, ao cruzá-las com as temáticas, obteve-se preponderância de estudos sobre Características da Gagueira (150) em adultos (71;47,33%). Embora haja mais estudos com adultos que com crianças (62;41,33%), as duas faixas foram bastante exploradas, mostrando que ambas preocupam os pesquisadores na questão gagueira. Pode-se, ainda, supor que a prevalência de estudos com adultos esteja relacionada ao fato de que nessa faixa etária há mais condições de controle de variáveis.

Considerando a faixa etária em seu cruzamento com a categoria Tratamento da Gagueira, observou-se que nas pesquisas com crianças os autores frequentemente abordaram a questão de saber em que medida o bom resultado fora devido ao tratamento ou à recuperação espontânea, o que dificultou precisar a efetividade do tratamento. Já nas pesquisas com adultos pareceu mais fácil identificar a que se deveu a eficácia. Isso parece coerente com o fato de o índice de estudos com adultos ter superado o da faixa infantil.

Também se pode considerar pela Figura 6 que as pesquisas com adultos tendem a crescer e a se manter, enquanto as com crianças tendem a se manter e decair. Talvez isto, mais uma vez, seja sugestivo do fato de ser mais fácil controlar variáveis de pesquisa com adultos.

Dentre as metodologias utilizadas, Levantamento e Experimento sobressaem como mais frequentes, sendo estudos geralmente feitos com grandes populações ou com populações amostrais e, por isso, seus resultados são passíveis de generalização. Significativamente menos frequente, o Estudo de Caso Clínico é realizado necessariamente com poucos sujeitos e leva à singularização. Isso sugere que os pesquisadores têm estado mais preocupados em produzir conhecimentos que possam ser generalizados, o que parece coerente com um esforço para chegar a algum consenso sobre a origem e a natureza da gagueira que nortearia e facilitaria o avanço da pesquisa a respeito de um tratamento eficaz.

A prevalência da vertente epistemológica Positivista (320;94,37%) em relação às demais indica que a gagueira tem sido preferencialmente estudada do ponto de vista orgânico e quantitativo. Tal prevalência alinha as pesquisas sobre gagueira analisadas com a vertente mundialmente hegemônica nas ciências da saúde de modo geral, como pode facilmente verificar o pesquisador que se mantenha atualizado com a produção científica nesse campo. Isto, segundo se entende, reflete e é reflexo da preponderância da visão positivista seja na formação acadêmica dos pesquisadores, seja no perfil dos artigos preferencialmente aceitos para publicação pelos corpos editoriais, tanto nacional como internacionalmente.

Devido a isso, chamou atenção que a produção de 2010 (72 artigos) apresentasse 28 trabalhos indicando a importância de se olhar de forma holística ou multifatorial para a gagueira, ou seja, considerando a sua relação com questões psicológicas, culturais, sociais, e que, para tanto, tivessem sido construídos instrumentos para analisar dados qualitativos de forma quantitativa, ou seja, dentro do desenho positivista. São pesquisas que puseram em foco aspectos como a satisfação do cliente; a importância da visão de cura do cliente; a formação de identidade da pessoa gaga; a importância da aliança terapêutica na obtenção de melhores evidências de resultados. Ao verificar a presença desse tipo de estudos ao longo de todo o período estudado (2005 a 2010), observou-se que estudos que quantificam a qualidade vêm crescendo. Cabe questionar se a quantificação da qualidade se mostrará como uma abordagem que permitirá, de fato, ver a gagueira de forma holística. Vale considerar ainda que o grau de dispersão dos conhecimentos em torno da natureza e de diferentes tipos de tratamento da gagueira parece indicar a necessidade de uma mudança de paradigma no modo de abordá-la.

Nessa direção, a baixa frequência de trabalhos nas vertentes Fenomenológica e Dialético-Histórica parece indicar que, até o momento, são poucos os pesquisadores com formação em modelos de pesquisa diferentes do positivista. A falta de acumulação sistemática de conhecimento sobre gagueira nessas vertentes permite ter a esperança de que, talvez, as questões que permanecem sobre sua origem, natureza e eficácia de tratamento, venham a alcançar maior esclarecimento se, nas próximas décadas, investigações nos paradigmas não hegemônicos receberem investimento por parte dos pesquisadores.

CONCLUSÃO

O levantamento e a caracterização da produção científica internacional sobre gagueira, entre os anos de 2005 e 2010, mostrou que, em números absolutos, ela está em crescimento modesto e que, do ponto de vista epistemológico, esse crescimento se situa preponderantemente dentro do paradigma positivista em ciência.

O fato de a produção apresentar, embora de forma muito discreta, pesquisas nas vertentes Fenomenológica e Dialético-Histórica; o fato de a vertente Positivista começar a apresentar pesquisas que quantificam dados qualitativos para olhar a gagueira como fenômeno multifatorial; o fato de termos encontrado os mesmos aspectos tratados ora como características, ora como causa da gagueira; apontam para: 1- a complexidade do tema; 2- o desafio que a compreensão da gagueira tem representado aos pesquisadores; 3- a necessidade de buscar novos caminhos epistemológicos para decifrá-la.

Há carência de pesquisas sobre prevenção e promoção de saúde, tal como se observou em relação às temáticas na pesquisa brasileira, bem como faltam trabalhos com delineamento de Estudo de Caso Clínico em termos de procedimentos, e também sobre a faixa etária Adolescente.

Espera-se que estes aspectos possam nortear as decisões sobre futuras pesquisas a respeito da gagueira.

AGRADECIMENTOS

Profª Dra. Maria Isis Marinho Meira (Examinadora - PUC/SP)

Profª Dra. Emilse Aparecida Merlin Servilha (Examinadora - PUC/Campinas)

CAPES

Audrey V.C. Fredericks

640 Linden Circle

Kennett Square/ PA - USA

Recebido em: 02/12/2011

Aceito em: 15/03/2012

Fonte de auxílio: Bolsa CAPES

Conflito de interesses: inexistente

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  • Endereço para correspondência:

    Audrey Vendramini de Carvalho
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Nov 2013
    • Data do Fascículo
      Out 2013

    Histórico

    • Recebido
      02 Dez 2011
    • Aceito
      15 Mar 2012
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