Tratamentos inseticida, peliculização e inoculação de sementes de soja com rizóbio

Insecticide treatment, film coating and rizobium soybean seed inoculation

PRODUÇÃO, TECNOLOGIA E FISIOLOGIA DE SEMENTES

Tratamentos inseticida, peliculização e inoculação de sementes de soja com rizóbio¹

Insecticide treatment, film coating and rizobium soybean seed inoculation

Carlos Eduardo Pereira^I; João Almir Oliveira^II; Jaime Costa Neto^III; Fátima Maria de S. Moreira^IV; Antônio Rodrigues Vieira^V

^IEngenheiro-Agrônomo, Doutor. Instituto de Educação, Agricultura e Ambiente, Universidade Federal do Amazonas, Rua Vinte e Nove de Agosto, número 786, Centro 69800000, Humaita, AM, Brasil [e-mail]

^IIBiólogo, Doutor. Departamento de Agricultura, Universidade Federal de Lavras, Cx. Postal 37, 37200-000, Lavras, MG, Brasil. [e-mail]

^IIIGraduando do curso de Agronomia. Universidade Federal de Lavras, Cx. Postal 37, 37200-000, Lavras, MG, Brasil. [e-mail]

^IVEngenheira-Agrônoma, Doutora. Departamento de Ciência do Solo, Universidade Federal de Lavras, Cx. Postal 37, 37200-000, Lavras, MG, Brasil. [e-mail]

^VEngenheiro-Agrônomo, Doutor. Pesquisador da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais, EPAMIG/CTSM, CP 176, 37200-000. Lavras, MG, Brasil. [e-mail]

RESUMO

O tratamento de sementes de soja com produtos químicos para controle de pragas pode comprometer a qualidade das sementes e o estabelecimento da simbiose rizóbio-planta. Assim, objetivou-se neste trabalho avaliar o desempenho de sementes de soja submetidas a tratamentos com inseticidas e polímeros, bem como a nodulação e o crescimento das plantas. As sementes de soja foram tratadas com os inseticidas e polímero em esquema fatorial 6 x 2. Utilizaram-se os inseticidas carbosulfan, clotianidina, fipronil, imidaclopride e tiametoxan e sementes sem tratamento. Os tratamentos inseticidas foram realizados com presença e ausência de polímero, assim como a testemunha (sem tratamento inseticida). As sementes foram avaliadas pelos testes de germinação, de frio e de emergência de plântulas. Elas foram, ainda, inoculadas com as estirpes BR86 e BR96 de Bradyrhizobium, isoladamente e semeadas em vasos Leonard. No florescimento as plantas foram avaliadas por meio do número e das massas de matéria seca de nódulos e da parte aérea. Concluiu-se que os tratamentos inseticidas podem reduzir o potencial fisiológico das sementes de soja. A redução na nodulação e no crescimento das plantas de soja pelo tratamento inseticida das sementes depende da estirpe utilizada durante a inoculação das sementes. O revestimento com polímeros pode interferir na fitotoxidez dos inseticidas, mas não na qualidade fisiológica das sementes, nodulação e no crescimento das plantas de soja.

Palavras-chave:Glycine max L. Merril, Bradyrhizobium ssp., polímero, germinação, vigor, fixação biológica de nitrogênio.

ABSTRACT

The treatment of soybean seeds with chemical products to control pests may impair seed quality and the establishment of the rizobium-plant symbiosis. The aim of this work was to evaluate the performance of soybean seeds treated with insecticides and film coating, as well as the nodulation and plant growth. Soybean seeds were treated with insecticides and polymer in a 6x2 factorial scheme. The insecticides used in the treatments were carbosulfan, clotianidina, fipronil, imidacloprid, tiametoxan and a control without insecticides. Insecticides were applied with and without the polymer, as well as the control. Seeds were evaluated by the germination test, cold test and seedling emergence. In addition, they were inoculated with the strains BR86 and BR96, separately, and sowed in Leonard pots. During the flowering, the plants were evaluated using the number and dry matter of nodules and of the aerial part. The insecticide treatments can reduce the physiological potential of soybean seeds. The reduction in growth and nodulation of soybean plants caused by insecticide treatments depended on the strain used for inoculation. The film coating can interfere with insecticide phytotoxicity, but does not affect the physiological quality of seeds, nodulation and growth of soybean plants.

Key words: Bradyrhizobium spp., germination, Glycine max L. Merril, nitrogen biological fixation polymer, vigor.

INTRODUÇÃO

O ataque às plantas de soja por insetos-praga pode ocorrer desde a emergência das plântulas até a colheita. Logo após a emergência, a ocorrência de lagarta elasmo (Elasmopalpus lignosellus), cupim (Procornitermes triacifer), tamanduá da soja (Sternechus subsignatus) e Julus spp. pode reduzir o estande, comprometer o estabelecimento da cultura e, consequentemente, reduzir o rendimento de grãos da lavoura (Embrapa, 2008). Além disso, pragas como mosca-branca (Bemisia tabaci), brasileirinho (Diabrotica speciosa) e torrãozinho (Aracanthus mourei) podem prejudicar o crescimento e desenvolvimento da cultura desde o início da emergência das plântulas (Zucchi et al., 1993; Gallo et al., 2002).

Também com o aumento da área cultivada no sistema de plantio direto tem-se constatado aumento na incidência de pragas, principalmente subterrâneas (Embrapa, 2008), sendo esse, provavelmente, um dos principais fatores a contribuir para a maior utilização de inseticidas no tratamento de sementes. Entretanto, a recomendação do tratamento de sementes de soja com inseticidas deve estar condicionada aos efeitos dessa técnica sobre o potencial fisiológico das sementes e sua interação com a inoculação de bactérias fixadoras de nitrogênio do gênero Bradyrhizobium nas sementes, além de sua eficiência no controle da praga-alvo.

Nesse sentido, tem-se observado que alguns inseticidas não afetam a qualidade das sementes, a exemplo dos carbamatos sistêmicos carbofuran e thiodicarb em arroz e algodão (Godoy et al., 1990) e fenitrotion, malation, pirimiphos-metil e deltametrin em sementes de soja (Pinto, 1991). Entretanto, alguns inseticidas podem reduzir a qualidade fisiológica, como sumicidin em sementes de soja (Saraswathi et al., 1996), thiodicarb e carbofuran em sementes de milho (Godoy et al., 1990) e carbofuran em sementes de trigo (Khalleq & Klantt, 1986) e milho (Oliveira & Cruz, 1986).

Quanto ao efeito do tratamento de sementes com inseticidas sobre a inoculação das sementes com Bradyrhizobium, em levantamento de diversos trabalhos realizado por DePolli et al. (1986) foi observado que não é possível fazer generalizações. Nesse mesmo trabalho, efeitos prejudiciais foram apresentados por 40% dos inseticidas testados, como carbofuram, dieldrin, endrin e clorpirifós (Galli, 1959; Diatloff, 1970; Oblisami et al., 1975; Heinrichs, 1977).

Juntamente com o tratamento químico tem-se utilizado a aplicação de polímero para o revestimento de sementes, o qual pode promover maior fixação dos produtos empregados no tratamento das sementes, além de minimizar os riscos de fitotoxidez (Pires et al., 2004).

Trabalhos recentes sobre o efeito de inseticidas na nodulação e no desempenho de sementes de soja não foram encontrados na literatura; havendo, portanto, necessidade de pesquisar novos inseticidas, principalmente neonicotinóides. Assim, o objetivo deste trabalho foi avaliar o potencial fisiológico de sementes de soja tratadas com diferentes inseticidas recomendados para a cultura da soja na presença e na ausência de polímeros, além da nodulação e do crescimento das plantas.

MATERIAL E MÉTODOS

Os ensaios foram realizados no Laboratório de Análise de Sementes do Departamento de Agricultura, bem como no Laboratório de Microbiologia do Solo e em casa de vegetação do Departamento de Ciência do Solo da Universidade Federal de Lavras.

Ensaio 1. Desempenho das sementes

Este ensaio, em que se avaliaram as características de potencial fisiológico de sementes de soja tratadas e não tratadas com inseticidas, foi constituído de um esquema fatorial 6 x 2, envolvendo cinco inseticidas e uma testemunha, sem aplicação de inseticida, na presença e ausência de polímeros, com quatro repetições.

Foram utilizadas sementes cultivar Conquista, tratadas com diferentes produtos inseticidas (Tabela 1), e sementes não-tratadas como testemunha.

Em associação aos tratamentos inseticidas, as sementes foram ainda submetidas ou não à peliculização com o polímero Disco Agroblue L204^® (Incotec), na dose de 200 mL/100 kg de sementes.

Em seguida, as sementes foram submetidas aos seguintes testes:

Teor de água das sementes: método da estufa a 105 ºC, por 24 horas, sendo utilizadas duas subamostras com 40 g cada por tratamento (Brasil, 1992).

Teste de germinação: foram utilizadas quatro subamostras com 50 sementes, semeadas em rolos de pa-pel umedecido com 2,5 vezes a sua massa em água, as quais foram mantidas em germinador a 25 ºC e com fotoperíodo de 12 horas. As avaliações foram realizadas depois de cinco dias após a semeadura, computando-se o número de plântulas normais de acordo com as Regras para Análise de Sementes (Brasil, 1992).

Teste de emergência de plântulas: foram utilizadas bandejas plásticas (39 cm x 28 cm x 10 cm) com substrato areia + solo (2:1), umidade de 70% da capacidade de campo. Foram empregadas quatro subamostras com 50 sementes para cada tratamento. As bandejas foram mantidas em câmara de crescimento a 25 ºC, fotoperíodo de 12 horas e irrigação diária. Realizaram-se avaliações diárias do número de plântulas emergidas até a estabilização, sendo considerados a porcentagem de plântulas normais aos 14 dias e o índice de velocidade de emergência, determinado segundo Maguire (1962).

Teste de frio: foram utilizadas bandejas plásticas (39 cm x 28 cm x 10 cm) com substrato areia + solo (2:1), umidade de 70% da capacidade de retenção de água do substrato (ISTA, 1995). Foram empregados quatro subamostras com 50 sementes cada. As bandejas foram colocadas em câmara fria a 10 ºC por sete dias e, posteriormente, transferidas para câmara de crescimento a 25 ºC e fotoperíodo de 12 horas, onde foram mantidas por sete dias, quando se procedeu a avaliação das plântulas.

Ensaio 2. Crescimento e nodulação das plantas

De posse das sementes submetidas aos tratamentos inseticidas e peliculização (12 tratamentos), realizou-se a inoculação de parte das sementes com bactérias do gênero Bradyrhizobium estirpe BR86 e outra parte com a estirpe BR96, na dose de 2,5 mL de inoculante contendo 10⁹ UFC mL^-1 para cada 100 g de sementes. Posteriormente, as sementes foram semeadas em substrato areia e vermiculita (1:1), utilizando-se vasos Leonard (0,7 dm^-3), com quatro sementes por vaso. Efetuou-se o desbaste deixando-se duas plantas por vaso aos 15 dias após a semeadura. Utilizaram-se para cada tratamento três repetições, sendo cada uma composta por um vaso. Para nutrição das plantas foi utilizada a solução nutritiva de Jensen, composta por 10 mL de K₂HPO₄ (2%), 10 mL de MgSO₄.7H₂O (2%) + NaCl (2%), 30 mL de CaHPO₄ (10%), 10 mL de FeCl₃.6H₂O (1,4%), 1 mL de solução de micronutrientes (2,86 g de HBO 33^, 2,03 g de MnSO₄.4H₂O, 0,22 g de ZnSO₄.7H₂O, 0,08 g de CuSO₄.5H₂O e 0,09 g de NaMoO₄.H₂O, por litro), completando-se o volume para quatro litros e corrigindo-se o pH para 6,7 (Vincent, 1970). Durante o período de florescimento, estágio R2, avaliaram-se o número e a massa de matéria seca de nódulos, bem como a massa de matéria seca da parte aérea das plantas, seguindo o procedimento descrito por Pereira (2005). Os dados referentes ao número de nódulos foram transformados para "(X + 0,5) antes de serem submetidos à análise de variância. Eles foram analisados utilizando-se o pa-cote computacional SISVAR, versão 4.0 (Ferreira, 2000).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Ensaio 1. Desempenho das sementes

A porcentagem de germinação foi significativamente menor quando as sementes foram tratadas com tiametoxam e imidaclopride, em relação à testemunha, para sementes peliculizadas (Tabela 2). Já para as sementes tratadas sem a adição de polímero, verifica-se que aquelas tratadas com tiametoxam tiveram significativamente menor porcentagem de germinação em relação à testemunha (sementes não-tratadas).

Da mesma forma, outros inseticidas podem ser fitotóxicos quando utilizados no tratamento de sementes, como sumicidin em soja (Saraswathi et al., 1996), thiodicarb e carbofuran em milho (Godoy et al., 1990) e carbofuran em trigo (Khalleq & Klantt, 1986) e milho (Oliveira & Cruz, 1986).

Para a porcentagem de emergência de plântulas não foram verificadas diferenças significativas nas sementes com ou sem polímero, tratadas com inseticidas, em relação às não-tratadas (Tabela 2). Na mesma tabela também merece destaque o efeito do carbosulfan com menor porcentagem de emergência de plântulas em relação ao fipronil.

Pelos resultados do índice de velocidade de emergência, não foram observadas diferenças significativas entre os tratamentos inseticidas quando eles foram associados à peliculização (Tabela 2). Já para as sementes não-revestidas, o tratamento das sementes com carbosulfan reduziu significativamente a velocidade de emergência em relação às sementes não-tratadas e aos demais inseticidas utilizados.

Para sementes tratadas sem o uso do polímero, a porcentagem de emergência após teste de frio foi reduzida significativamente quando as sementes foram tratadas com carbosulfan, imidacloprid, clotianidina e fipronil, quando comparadas à testemunha (Tabela 2). Provavelmente, o potencial fitotóxico de alguns inseticidas é insensificado em condições de estresse para a germinação das sementes, como no teste de frio.

Entretanto, da mesma forma como no índice de velocidade de emergência, verificou-se que a porcentagem de emergência após o teste de frio, em sementes peliculizadas, não foi significativamente diferente entre os tratamentos do fator inseticida. A peliculização propicia maior retenção de produtos fitossanitários às sementes (Smith, 1997; Maude, 1998; Sampaio & Sampaio, 1998). Assim, provavelmente, durante a absorção de água e, consequentemente, do inseticida aplicado o polímero agiu como barreira, reduzindo a quantidade de inseticida absorvido pelas sementes, diminuindo a possibilidade de fitotoxidez desses produtos quando as sementes foram revestidas.

Para as sementes tratadas com carbosulfan, além da possibilidade de fitotoxidez pelo ingrediente ativo ou de adjuvantes utilizados na formulação do produto, o volume final de calda aplicado nas sementes foi elevado (1.000 mL/ 100 kg de sementes). Segundo Henning (2004), um volume ideal de calda não deve ultrapassar 600 mL/100 kg de sementes. Também Bays et al. (2007), trabalhando com tratamento fungicida e peliculização de sementes de soja, verificaram que o volume final de calda 800 mL/100 kg de sementes teria prejudicado o desenvolvimento normal das plântulas.

Ensaio 2. Crescimento e nodulação das plantas

Tanto o número e a matéria seca de nódulos como a matéria seca da parte aérea não foram afetados pela aplicação de inseticidas e polímero em sementes de soja inoculadas com estirpe BR86 (Tabela 3). Resultados semelhantes foram obtidos utilizando-se o inseticida clorpirifós em condições de casa de vegetação (Tu, 1977).

Do mesmo modo como observado para a estirpe BR86, para as sementes inoculadas com a estirpe BR96 não foram observadas diferenças significativas no número de nódulos quando as sementes de soja foram tratadas com inseticidas (Tabela 3). Entretanto, a matéria seca dos nódulos foi significativamente menor quando as sementes foram tratadas com os inseticidas carbosulfan e imidaclopride, em relação às sementes não-tratadas.

A massa de matéria seca da parte aérea foi menor, em relação à testemunha, quando as sementes foram tratadas com carbosulfan, imidaclopride e clotianidina (Tabela 3). Provavelmente, devido à redução na massa de matéria seca de nódulos nos tratamentos com carbosulfan e imidaclopride, houve redução no aporte de nitrogênio para as plantas, e por este nutriente afetar diretamente o crescimento das plantas (Marschner, 1995) ocorreu menor acúmulo de matéria seca da parte aérea em plantas provenientes dessas sementes. Também Döbereiner (1966) demonstra uma relação direta e positiva entre massa da matéria seca de nódulos e conteúdo de nitrogênio em plantas de soja.

Assim como observado para as sementes inoculadas com a estirpe BR86, as características de nodulação e crescimento das plantas de soja não foram afetadas significativamente pela aplicação do polímero nas sementes inoculadas com a estirpe BR96 (Tabela 3). De forma semelhante, Pereira (2005), trabalhando com a associação de fungicidas e polímero Disco Agroblue 201^® no tratamento de sementes de soja, constatou que a peliculização não interfere na nodulação das plantas.

Para cada variável resposta, médias seguidas pela mesma letra maiúscula na linha não diferem estatisticamente entre si pelo teste de F a 5% de probabilidade, enquanto médias seguidas pela mesma letra minúscula na coluna não diferem estatisticamente entre si pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade.

CONCLUSÕES

Os tratamentos inseticidas podem reduzir o potencial fisiológico das sementes de soja.

A redução na nodulação e no crescimento das plantas de soja pelo tratamento inseticida das sementes depende da estirpe utilizada durante sua inoculação.

O revestimento com polímeros pode interferir na fitotoxidez dos inseticidas, mas não interfere na qualidade fisiológica das sementes, nodulação e no crescimento das plantas de soja.

AGRADECIMENTO

À Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Minas Gerais, FAPEMIG, pelo financiamento da pesquisa.

Recebido para publicação em abril de 2009 e aprovado em setembro de 2010

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1

Parte da tese apresentada à Universidade Federal de Lavras pelo primeiro autor para obtenção do título de doutor.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  03 Abr 2012
• Data do Fascículo
  Out 2010

Histórico

• Recebido
  Abr 2009
• Aceito
  Set 2010