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O manejo da copaíba pelas etnias Arara e Gavião na Terra Indígena Igarapé Lourdes, Rondônia, Norte do Brasil

Management of copaiba by Arara and Gavião ethnicities in the Indigenous Land Igarapé Lourdes, Rondônia, Brazil

Resumos

O objetivo deste trabalho foi identificar e avaliar o potencial de produção de óleoresina de Copaifera multijuga Hayne, proveniente de 100 árvores re-exploradas e de 36 manejadas pela primeira vez no ano de 2008, na Terra Indígena Igarapé Lourdes (território das etnias Arara e Gavião), em Rondônia. Para cada árvore, foram medidos o diâmetro à altura do peito (DAP) e a quantidade de óleoresina liberada, e identificados os indivíduos, com base em características dendrológicas. Os resultados indicam que a frequência relativa de árvores produtivas teve padrão semelhante entre as re-exploradas (39%) e aquelas manejadas pela primeira vez (41,6%). A produção variou de 0 a 3,6 L/árvore, com média geral de 0,143 L/árvore, sendo 0,157 L/árvore para re-exploradas e 0,104 L/árvore para manejadas pela primeiras vez. Ao excluir as árvores improdutivas, as re-exploradas tiveram maior rendimento médio (0,403 L/árvore) do que as até então intactas (0,250 L/árvore), mas essas diferenças foram estatisticamente não significativas (t, p = 0,37). Árvores reexploradas têm médias diamétricas superiores (58 cm) e diferem estatisticamente (t, p = 0,001) das manejadas pela primeira vez (46 cm). Houve correlação positiva entre produção e diâmetro, sendo mais significativa para as até então intactas (0,61) do que para as re-exploradas (0,27). Apesar da variabilidade do rendimento, observou-se uma ligeira tendência, da menor liberação de óleoresina entre árvores com os menores DAPs (30 a 40 cm), sendo essa uma possível explicação para a menor produção encontrada para as árvores até então inexploradas.

indígenas; produtos florestais não madeireiros; Amazônia


The production potential of oleoresin from 100 retapped and 36 first-time tapped trees of Copaifera multijuga Hayne was evaluated inthe Indigenous Land Igarapé Lourdes (territory of Arara and Gavião ethnicities), Rondônia. The diameter at breast height (DBH) and the amount of oleoresin exuded was measured for each tree and the individuals were identified based on dendrological characteristics. The results indicate that relative frequency of yielding trees had similar pattern between retapped (39%) and those tapped for the first time (41.6%). The production ranged from 0 to 3.6 L/tree, with an overall average of 0.143 L/tree, where 0.157 L/tree was recorded for retapped and 0.104 L/tree for virgin trees. By excluding the non-yielding trees, the average yield of retapped trees is increased to 0.403 L/tree, while the virgins increased to 0.250 L/tree, but these differences were not statistically significant (t, p = 0.37). Retapped trees had higher average diameters (58 cm) and are statistically different (T, p = 0.001) from the virgins (46 cm). Positive correlation was found between production and diameter, being more significant for the virgins (0.61) than for the retapped trees (0.27). Despite the yield variability, there was a slight trend of lower oleoresin exudation from smaller DBH (30-40 cm) trees, which is one possible explanation for the lower production of virgin trees.

Amazonia; non-timber forest products; management


ENGENHARIA FLORESTAL

O manejo da copaíba pelas etnias Arara e Gavião na Terra Indígena Igarapé Lourdes, Rondônia, Norte do Brasil1 * (autora para correspondência)

Management of copaiba by Arara and Gavião ethnicities in the Indigenous Land Igarapé Lourdes, Rondônia, Brazil

Flávia Dinah Rodrigues de SouzaI,* 1 Extraído da dissertação de Mestrado da primeira autora. ; Niro HiguchiII

IEngenheira Florestal, Mestre. Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Acre, Rua Benjamin Constant, 856, Centro, 69900-000, Rio Branco, Acre, Brasil. flaviadinah@ac.gov.br

IIEngenheiro Florestal, Ph.D. Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Avenida André Araújo, 2936, Bairro Petrópolis, 69060-001, Manaus, Amazonas, Brasil. niro@inpa.gov.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi identificar e avaliar o potencial de produção de óleoresina de Copaifera multijuga Hayne, proveniente de 100 árvores re-exploradas e de 36 manejadas pela primeira vez no ano de 2008, na Terra Indígena Igarapé Lourdes (território das etnias Arara e Gavião), em Rondônia. Para cada árvore, foram medidos o diâmetro à altura do peito (DAP) e a quantidade de óleoresina liberada, e identificados os indivíduos, com base em características dendrológicas. Os resultados indicam que a frequência relativa de árvores produtivas teve padrão semelhante entre as re-exploradas (39%) e aquelas manejadas pela primeira vez (41,6%). A produção variou de 0 a 3,6 L/árvore, com média geral de 0,143 L/árvore, sendo 0,157 L/árvore para re-exploradas e 0,104 L/árvore para manejadas pela primeiras vez. Ao excluir as árvores improdutivas, as re-exploradas tiveram maior rendimento médio (0,403 L/árvore) do que as até então intactas (0,250 L/árvore), mas essas diferenças foram estatisticamente não significativas (t, p = 0,37). Árvores reexploradas têm médias diamétricas superiores (58 cm) e diferem estatisticamente (t, p = 0,001) das manejadas pela primeira vez (46 cm). Houve correlação positiva entre produção e diâmetro, sendo mais significativa para as até então intactas (0,61) do que para as re-exploradas (0,27). Apesar da variabilidade do rendimento, observou-se uma ligeira tendência, da menor liberação de óleoresina entre árvores com os menores DAPs (30 a 40 cm), sendo essa uma possível explicação para a menor produção encontrada para as árvores até então inexploradas.

Palavras-chave: indígenas, produtos florestais não madeireiros, Amazônia.

ABSTRACT

The production potential of oleoresin from 100 retapped and 36 first-time tapped trees of Copaifera multijuga Hayne was evaluated inthe Indigenous Land Igarapé Lourdes (territory of Arara and Gavião ethnicities), Rondônia. The diameter at breast height (DBH) and the amount of oleoresin exuded was measured for each tree and the individuals were identified based on dendrological characteristics. The results indicate that relative frequency of yielding trees had similar pattern between retapped (39%) and those tapped for the first time (41.6%). The production ranged from 0 to 3.6 L/tree, with an overall average of 0.143 L/tree, where 0.157 L/tree was recorded for retapped and 0.104 L/tree for virgin trees. By excluding the non-yielding trees, the average yield of retapped trees is increased to 0.403 L/tree, while the virgins increased to 0.250 L/tree, but these differences were not statistically significant (t, p = 0.37). Retapped trees had higher average diameters (58 cm) and are statistically different (T, p = 0.001) from the virgins (46 cm). Positive correlation was found between production and diameter, being more significant for the virgins (0.61) than for the retapped trees (0.27). Despite the yield variability, there was a slight trend of lower oleoresin exudation from smaller DBH (30-40 cm) trees, which is one possible explanation for the lower production of virgin trees.

Key words: Amazonia, non-timber forest products, management.

INTRODUÇÃO

Da família Leguminosae, subfamília Caesalpinoideae (Cronquist, 1981), o gênero Copaifera L. apresenta uma distribuição geográfica pantropical, incluindo-se nas floras Etiópica, Oriental e Neotropical. São, ao todo, 19 espécies africanas, uma na Ásia (Copaifera palustris) e cerca de 30 espécies na América tropical (Costa Neto, 1991). Destas, 25 espécies estão distribuídas na América do Sul (Dwyer, 1951). Estão presentes em ambientes brasileiros, 16 espécies, sendo que nove podem ser encontradas na Amazônia brasileira: Copaifera duckei, C. glycycarpa, C. guyanensis, C. martii, C. multijuga, C. paupera, C. piresii, C. pubiflora e C. reticulata (Martins-da-Silva et al., 2008). Ocupam os mais variados habitats amazônicos, desde florestas de terra firme, às margens inundáveis de cursos d'água, ocorrendo tanto em argissolos como em solos arenosos (Pio Corrêa, 1932).

A extração, com finalidade comercial, do óleoresina do tronco de espécies desse gênero ocorre em função dos seus potenciais de usos, que vão da utilização pela indústria farmacêutica, seu maior potencial de mercado, dada as propriedades cicatrizantes, anti-inflamatórias e antitumorais (Veiga Jr. et al., 1997; Maciel et al., 2002; Veiga Jr. & Pinto, 2002), como na indústria de cosméticos, que o utiliza puro ou destilado como componente de diversas fórmulas para xampus, sabonetes e fixadores de perfumes (SEBRAE, 1995).

Existem poucas informações sistematizadas a respeito da comercialização do óleo e de produtos derivados de copaíba, nos mercados internacional e nacional. Dados do IBGE (2008) indicaram que foram exportadas aproximadamente 433 toneladas de óleo de copaíba, entre os anos de 1974 e 1979. Numa série histórica, entre os anos de 1997 a 2007, é notório o aumento da comercialização desse produto e a região norte destaca-se como a maior produtora nacional. Em 1997, a produção brasileira ficou em torno de 350 toneladas. Ao longo de dez anos, houve aumento de 63% na taxa de comercialização e, desse modo, em 2007, mais de 550 toneladas de óleoresina foram oficialmente comercializadas.

No que tange à sua exploração, muitos estudos relativos ao potencial de produção (proporção de árvores produtivas e produção por árvore) foram realizados, na tentativa de conhecer a viabilidade da coleta sustentada desse recurso. O que se sabe é que nem todas as árvores efetivamente exploradas produzem óleoresina e que as quantidades liberadas por indivíduo são muito variáveis, sendo que, até o presente, não foram identificados, de forma conclusiva, os fatores que afetam a produção.

Alguns autores tentaram associar variáveis ambientais às variações de produção. Alencar (1982) obteve, na Amazônia central, maior produção e maior frequência relativa de árvores produtivas de C. multijuga, em solos argilosos (0,23 L/árvoree 39%) do que em solos arenosos (0,16 L/árvore e 24%); Ferreira & Braz (2001) observaram maior produção de árvores que crescem em terra firme (1,7 L/árvore) do que daquelas encontradas nas várzeas (0,14 L/árvore), na Floresta Estadual do Antimary, Estado do Acre. Oliveira et al. (2006) associaram à época de estiagem a maior produção vista, para Copaifera duckei, C. reticulata e C. martii, no município de Moju, Estado do Pará.

A variável diamétrica também foi considerada, na tentativa de vincular a produção a esse fator e o que foi concluído, em diversos estudos (Alencar, 1982; Plowden 2001; Rigamonte-Azevedo et al., 2004; Medeiros & Vieira, 2008), é que árvores de tamanhos extremos (mais finas e mais grossas) apresentam leve tendência de menor produção, do que aquelas de diâmetros intermediários.

Em pesquisas que observaram a produção em coletas subsequentes, Alencar (1982) notou maiores quantidades extraídas na segunda coleta, num intervalo de seis meses entre elas, seguida do declínio nas três extrações subsequentes, enquanto Medeiros & Vieira (2008) perceberam que após seis meses da primeira coleta, 24% de suas amostras produziram apenas na segunda extração.

Leite et al. (2001) consideram que a produção média pode variar de 0,3 a 3 L/árvore, podendo-se esperar, ocasionalmente, indivíduos produzindo cerca de 30 litros, em uma coleta.

Além das incertezas em relação ao potencial de produção, outra dificuldade encontrada para o manejo dessas espécies ocorre pelas dificuldades na identificação sistemática, em função das semelhanças morfológicas. A maioria dos estudos baseia-se apenas em caracteres que permitem a identificação em nível de gênero e de morfotipos (Ferreira & Braz, 2001; Leite et al., 2001; Plowden, 2003; Rigamonte-Azevedo et al., 2006). Em pesquisas recentes, Medeiros & Vieira (2008) procederam, na Amazônia central, a identificação da espécie C. multijuga, para o morfotipo popularmente conhecido como copaíba mari-mari, assim como Alencar (1982). Pio Corrêa (1932) identificou e encontrou maior potencial de produção para a espécie C. reticulata, quando comparado com o da C. martii.

Por essas razões, o objetivo deste trabalho foi identificar os espécimes de copaíba avistados e avaliar o potencial de produção de óleoresina de árvores do morfotipo copaíba mari-mari, relacionando-o com o diâmetro e as categorias de manejo (árvores inexploradas e re-exploradas), na Terra Indígena Igarapé Lourdes, localizada no Estado de Rondônia, que é uma área em que se exerce o manejo da copaíba com finalidade comercial, desde 2005.

MATERIAL E MÉTODOS

Área de estudo

A Terra Indígena Igarapé Lourdes (TIIL) é território das etnias Arara (Karo rap) e Gavião (Ikolen), ambas do tronco linguístico tupi e das famílias tupi rama-rama e tupi mondé, respectivamente.

Localiza-se na região centro-leste do Estado de Rondônia, a 70 km do município de Ji-paraná, entre as coordenadas de 10º 10' 07,8'' e 10º 10' 8" e 10º 32' 52" e 10º 50' 44" S, 61º 47' 02" e 61º 27' 54" W, 61º 51'47"e 61º 31' 19" W, totalizando 185.533,5768 ha.

O clima da região, no sistema de Koppen, é Aw (tropical chuvoso), com pluviosidade média de 1800 mm/ano e temperatura média de 25 ºC. Os solos da região são classificados, de acordo com Embrapa (2006), como Latossolos Amarelos, Podzólicos Vermelho-Amarelo eutróficos, e, em menor escala, de Latossolos Vermelhos e Podzólicos eutróficos. A hidrografia comporta 13 sub-bacias do rio Machado, que é um dos afluentes do rio Madeira. Fitofisionomicamente, essa área distingue-se em três ambientes: floresta tropical aberta (79%), floresta tropical densa (20%) e área de tensão ecológica (1%), segundo DNPM (1973).

Procedimentos de campo

A fitofisionomia predominante das áreas de coleta é a Floresta Ombrófila Aberta com Palmeiras, que constitui a vegetação florestal localizada nos arredores das aldeias Iterap, Paygap (ao sul do território) e Igarapé Lourdes (na região central). Nas trilhas utilizadas para a caça e coleta de frutos e remédios, além da castanha e da copaíba para a venda, foram selecionadas todas as árvores avistadas, ainda inexploradas, e aquelas anteriormente exploradas (num tempo mínimo de dois anos anteriores a 2008) do morfotipo copaíba mari-mari. O limite de inclusão adotado foi acima de 30 cm de diâmetro à altura do peito (DAP). A escolha desse diâmetro embasa-se no tamanho mínimo estipulado por Medeiros & Vieira (2008).

Nas aldeias dos Arara (Iterap e Paygap), oito indígenas, quatro de cada aldeia, participaram das coletas; já, na aldeia dos Gavião (Igarapé Lourdes), oito coletores foram em duplas. Manejaram-se, ao todo, nas três aldeias percorridas, 136 árvores potencialmente produtivas, sendo 100 indivíduos re-explorados e 36 até então inexplorados. A razão da discrepância entre as quantidades de indivíduos, re-explorados e explorados pela primeira vez, deuse em função de as trilhas percorridas apresentarem menor quantidade de árvores intactas, de tamanhos adequados para coleta. As coletas foram realizadas entre os meses de maio a julho de 2008, coincidindo com o período de estiagem e época de frutificação da copaíba.

Para cada árvore, foi feita a definição do morfotipo, auxiliada pelos indígenas, concomitante com a observação, com binóculos, das folhas e frutos. Além disso, realizaram-se a marcação de pontos, com aparelho de GPS, a mensuração das circunferências à altura do peito, com fitas métricas, e a quantificação do exsudado liberado, por meio da graduação de garrafas pet em intervalos de dez mililitros.

Em 12 matrizes, conduziu-se a coleta de ramos, que foram prensados, numerados, identificados quanto à procedência e secados em estufas, segundo protocolo de coleta (Ferreira, 2006).

Os procedimentos para a extração do óleoresina foram embasados no manual de boas práticas de coleta, de Leite et al. (2001), difundidos para todos os coletores de copaíba da TIIL. Para perfurar as árvores intactas, foi utilizado um trado de 1" x 60 cm de comprimento, aquelas previamente exploradas haviam sido perfuradas com trados de mesma dimensão. Os furos foram feitos até atingirem o centro da árvore, a uma altura variada do solo, de acordo com o tamanho do manejador. Logo após, foi introduzido um pedaço de cano de PVC de 15 cm de comprimento x 1", para o escoamento do óleoresina. O cano foi conectado a um recipiente coletor (garrafa pet) com capacidade de dois litros, por meio de mangueira de plástico. Posteriormente à coleta, as mangueiras foram retiradas, porém os canos de PVC foram deixados acoplados a uma rosca e fita vedarosca, para vedação do furo. Nas árvores re-exploradas em 2008, retirou-se a rosca que vedava o cano, ou o pedaço de madeira que vedava o furo, para conectar a mangueira e a garrafa pet graduada.

Por vezes, o escoamento foi realizado sem o uso do cano, mas com bicas, um instrumento de metal, aderido ao tronco com a finalidade de direcionar o escorrimento do óleoresina para a garrafa. Ao final, vedava-se o furo com o cano de PVC, acoplado a uma tarracha, com fita vedarosca.

O intervalo de liberação do exsudado variou de acordo com a característica de cada indivíduo, sendo que o orifício era fechado no momento em que o óleoresina começava a gotejar.

Identificação botânica e análise do potencial produtivo

As definições taxonômicas foram feitas com o auxílio da chave de identificação de copaíbas amazônicas, de Martins-da-Silva et al. (2008), bem como por meio de consultas aos herbários do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e da Universidade Federal do Acre (UFAC/HPZ), sendo que os materiais foram depositados no último.

Visando à validação estatística entre a proporção de árvores produtivas, manejadas pela primeira vez e re-exploradas em 2008, realizou-se o teste qui-quadrado, a 95% de probabilidade.

Para a quantificação de eventuais diferenças entre as médias de produção de óleoresina de árvores sob diferentes regimes de manejo, desconsideraram-se aquelas improdutivas e, em seguida, efetuou-se a Análise de Variância, com significância de 0,05.

Pelo mesmo método, testaram-se as eventuais diferenças entre as médias diamétricas dos dois grupos de manejo. Para observar se havia algum efeito dessa variável nas quantidades produzidas, utilizou-se regressão linear. Além disso, o relacionamento dessas duas variáveis foi testado por correlação simples de Pearson.

RESULTADOS

As árvores previamente identificadas como do morfotipo copaíba mari-mari foram classificadas como C. multijuga. Esses espécimes apresentam, por vezes, tronco com sapopemas, ritidoma cinza com estrias estreitas verticais e superficiais; folhas com seis a dez pares de folíolos (média de 2 cm de comprimento), raque pubescente, folíolos alternos, cartáceos, oblongolanceolados, falcados, assimétricos, base cuneada a arredondada, ápice estreito-acuminado a atenuado, faces adaxial e abaxial glabras, margens retas, pontuações translúcidas; seus frutos são oblongo-ovados a oblongo-oblíquos elípticos, comprimidos lateralmente, de tamanho 4 x 3 cm, em média, sementes oblongo-globosas negras, com arilo amarelo 2,3 x 1,5 cm.

As características que permitem a distinção de C. multijuga, das outras espécies de copaíba do bioma amazônico, são o par distal dos folíolos subopostos e, os demais, alternos, as pontuações translúcidas nos folíolos e o tamanho do fruto, maior que o das demais espécies do gênero (Martins-da-Silva, et al., 2008).

Os valores relativos ao potencial de produção (proporção de árvores produtivas e quantidades propriamente produzidas) são relatados abaixo.

Das 136 matrizes de C. multijuga selecionadas nem todas liberaram óleoresina. A frequência relativa de árvores produtivas foi de 40%, sendo 39% para as árvores reexploradas e 41% para as, até então, intactas. Pelo teste qui-quadrado, não houve diferença estatisticamente significativa (valor observado = 2,28 e valor tabelado = 5,99, p < 0,05) entre os dois grupos.

Com relação ao produzido, as quantidades variaram de 0 a 3,6 L/árvore (Tabela 1). Ao analisar todas as árvores amostradas , verificou-se produção média de 0,143 L/árvore, sendo o rendimento dos indivíduos re-explorados em 2008, 0,157 L/árvore, em média, e, das manejadas pela primeiras vez, 0,104 L/árvore.

Desconsiderando-se as árvores improdutivas (82), obteve-se uma média geral de 0,346 L/árvore, e, considerando-se separadamente as re-exploradas e exploradas a primeira vez, os valores foram de, 0,403 L/árvore, para as re-exploradas, e 0,250 L/árvore, para as manejadas pela primeira vez. Apesar das diferenças, não houve significância estatística entre essas médias (t, p = 0,37) (Tabela 2).

A amplitude diamétrica de todas as árvores amostradas variou de 33 cm a 88 cm. As manejadas pela primeira vez eram menores, variando de 33 a 65 cm, e, as re-exploradas, de 35 a 88 cm (Figura 1). Ao considerar as médias diamétricas das árvores produtivas, foi notada diferença significativa entre os diâmetros de cada tratamento (reexploradas, x = 55 cm, n = 39 e, manejadas pela primeira vez, x = 46 cm, n = 15, t, p = 0,001) (Tabela 3).


A correlação do rendimento com o diâmetro foi positiva, para ambos os tratamentos, sendo maior para aquelas manejadas pela primeira vez (0,27, para as re-exploradas, e 0,61, para as manejadas pela primeira vez). Pela regressão linear simples, não foi encontrada relação significativa entre os diâmetros e as quantidades produzidas (R ajustado = 0,061) (Tabela 4).

DISCUSSÃO

Descrição dendrológica

Segundo Martins-da-Silva et al. (2008), C. multijuga distribui-se pela Amazônia brasileira e boliviana. No Brasil há registros, no leste do Pará, no Amazonas (amplamente distribuída), no norte e no sul de Rondônia e também na região noroeste do Mato Grosso. É típica de matas de terra firme, mas pode ser encontrada em várzeas e campinaranas. As coletas realizadas na TIIL ampliam a zona de ocorrência dessa espécie e valida seu habitat preferencial, uma vez que as árvores foram amplamente encontradas em regiões de terra firme da Floresta Ombrófila Aberta com Palmeiras.

Potencial de produção

Com relação à percentagem de árvores produtivas, os valores estão dentro da amplitude relatada em outras pesquisas, de 22 a 81%, para diferentes morfotipos de copaíba, na RESEX Chico Mendes, Estado do Acre (Rigamonte-Azevedo et al., 2006); de 25%, em compilação de estudos realizada por Leite et al. (2001) para o Acre; de 56%, na Floresta Estadual do Antimary, Acre (Ferreira & Braz, 2001); de 61%, na Terra Indígena do Alto Rio Guamá, Pará (Plowden, 2001) e na Amazônia central (Reserva Florestal Adolpho Ducke). Alencar (1982) obteve 31% de árvores de C. multijuga produtivas e Medeiros & Vieira (2008), na mesma área, observaram, em matrizes diferentes, 71% de proporção de produtivas.

O rendimento máximo obtido aproxima-se daqueles encontrados por Alencar (1982), 3,5 L, e Medeiros & Vieira (2008), 7,2 L, para árvores da mesma espécie, na Amazônia central, muito inferior, entretanto, ao achado por Rigamonte-Azevedo et al. (2006), que foi de 18 L, para uma árvore do morfotipo copaíba preta. Além disso, a média de produção das árvores produtivas converge para o limite mínimo relatado por Leite et al. (2001), que considera que a produção média, independentemente da espécie, pode variar de 0,3 a 3 L/árvore.

Um parâmetro importante a ser considerado, em relação às médias de produção obtidas, são os altos valores encontrados para as medidas de dispersão, acusando a grande variabilidade de produção entre indivíduos, na TIIL, concordando, nisso, com os resultados de diversos estudos (Alencar, 1982; Plowden 2001; Rigamonte-Azevedo et al., 2004; Medeiros & Vieira, 2008).

Essa elevada discrepância, relativa ao potencial produtivo, entre árvores e áreas, pode estar atrelada a fatores ambientais e dendrométricos. Com relação a fatores edáficos, Alencar (1982) observou maior proporção de árvores produtivas em solos argilosos (39%) do que nos arenosos (24%). Em função da estacionalidade climática, Ferreira & Braz (2001), com amostras não pareadas, obtiveram maior proporção de árvores produtivas na época seca (72%) do que na chuvosa (41%). Nesta pesquisa, não se pode aferir que a variabilidade da produção se dê em razão desses fatores, uma vez que, essas variáveis não foram objetos do estudo. Mas em função do diâmetro, corroborou-se, parcialmente, o relatado por Plowden (2001) e Medeiros & Vieira (2008), que testaram a variável diâmetro e encontraram ligeira tendência de menor rendimento para indivíduos com valores extremos de diâmetro (menores e maiores). Neste estudo, essa tendência foi observada para os indivíduos mais finos, nos dois regimes de manejo (30 a 40 cm), o que não aconteceu para as árvores re-exploradas, maiores (80 a 90 cm).

Na TIIL, o fato de as árvores re-exploradas serem maiores do que as manejadas pela primeira vez, ocorre, pois há preferência dos manejadores em explorarem, inicialmente, árvores maiores (acima de 50 cm), que, segundo conhecimento empírico, apresentam maiores probabilidades de produção. Com essa prática, restaram inexploradas, ao longo dos caminhos, apenas árvores menores, sendo que aquelas acima de 30 cm são passíveis de manejo.

A correlação do diâmetro com a produção foi significativa para as manejadas pela primeira vez, visto que tanto árvores mais finas (33 a 38 cm) quanto as mais grossas (60 a 65 cm) não liberaram óleoresina. Entretanto, para as re-exploradas, isso não ocorreu nas maiores classes diamétricas.

Embora não se tenha conhecimento dos valores produzidos inicialmente pelas árvores re-exploradas, por incerteza, ou esquecimento dos rendimentos por parte dos coletores, pode-se supor, com base em relatos de pesquisas anteriores (Alencar, 1982; Medeiros & Vieira, 2008), que a produtividade tenha variado em função da maior produção das coletas subsequentes, e pelo fato de árvores inicialmente improdutivas tornarem-se produtivas. Essas duas condições são descritas abaixo.

Em pesquisas que observam a produção em coletas subsequentes, Plowden (2001) sugeriu que a maior produção na segunda coleta pode ocorrer em função dos estresses físicos que as árvores sofrem a partir das incisões em seus troncos. Esses estresses promoveriam a lisigenia (processo associado à desintegração das células secretoras, que formam espaços lisígenos) de canais, para formar cavidades preenchidas de óleoresina, no cerne (Langenheim, 2003).

Desse modo, o maior rendimento obtido para as reexploradas pode ter ocorrido em função da maior proporção de árvores produtivas a partir da segunda coleta, do tempo de descanso (mínimo de dois anos) e das quantidades previamente exploradas, que influem na produção do segundo manejo.

Partindo da hipótese de que árvores virgens podem começar a produzir óleo após estresses físicos, pode-se esperar que aquelas árvores que tiveram rendimento nulo na primeira coleta que coincidiu com o período dessa pesquisa, também apresentem padrão semelhante, que é o de produzirem a partir da segunda coleta.

A partir dessas análises, percebe-se uma semelhança nos valores das variáveis do potencial produtivo (frequência de indivíduos produtivos e produção, propriamente) das árvores exploradas de C. multijuga na TIIL com aquelas reportadas pela literatura em geral. Da mesma forma, repete-se aqui a impossibilidade de se realizarem algumas correlações, por causa da aleatoriedade da produção. Talvez, com amostragens mais amplas e com o monitoramento, no longo prazo, dessas matrizes, algumas suposições possam ser verificadas e, com isso, a possibilidade de manipulação da produção, na coleta de óleoresina com finalidade comercial.

CONCLUSÕES

A produção de óleoresina das árvores de Copaifera multijuga não apresentou correlação direta estatisticamente significativa com as idades de coleta, embora tenha sido maior para aquelas re-exploradas. Árvores reexploradas apresentam maiores diâmetros que aquelas ainda inexploradas, mas, apesar disso, o tamanho da árvore não interferiu, estatisticamente, na sua produção do óleoresina. Além disso, a frequência de indivíduos produtivos assemelhou-se entre árvores exploradas a primeira vez e aquelas re-exploradas.

Assim, dada a aleatoriedade do potencial de produção das árvores, mais estudos devem ser feitos para se entender os fatores que afetam a produtividade e a proporção de árvores produtivas, com o intuito de maximizar a eficiência, na coleta desse valioso recurso amazônico.

Recebido para publicação em 19/10/2012 e aprovado em 08/07/2013.

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  • *
    (autora para correspondência)
  • 1
    Extraído da dissertação de Mestrado da primeira autora.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Mar 2014
    • Data do Fascículo
      Fev 2014

    Histórico

    • Recebido
      19 Out 2012
    • Aceito
      08 Jul 2013
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