Acessibilidade / Reportar erro

Análise dos Fatores de Resistência Envolvidos no Processo de Mudança no Sistema de Contabilidade Gerencial* * Os autores agradecem às organizações que permitiram a realização deste estudo, ao suporte do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e aos revisores anônimos da revista. ,** ** Artigo apresentado no VII Congresso Anpcont, Fortaleza, CE, Brasil, junho, 2013.

Resumos

Mesmo frente a mudanças ambientais e ao desenvolvimento de novas práticas de contabilidade gerencial, pesquisas mostram que os sistemas de contabilidade gerencial não mudam ou mudam a uma taxa muito inferior ao esperado. A estabilidade nos sistemas de contabilidade gerencial utilizados pelas empresas pode estar relacionada a fatores de resistência envolvidos no processo de mudança nos sistemas de contabilidade gerencial. Esta pesquisa possui por objetivo analisar os fatores de resistência, presentes no processo de implementação de um sistema integrado de gestão, sob a ótica da teoria institucional, na vertente da velha economia institucional. Quanto ao delineamento metodológico, a pesquisa foi classificada como qualitativa em relação ao problema, descritiva quanto ao objetivo, e operacionalizada pelo procedimento de estudos de caso. Os dados foram coletados utilizando a técnica da entrevista semiestruturada e analisados pela técnica de análise de conteúdo. Duas empresas foram selecionadas para a pesquisa, por apresentarem características distintas. Foram analisados sete fatores de resistência, na implementação de sistemas integrados de gestão, que são: poder institucional, insegurança ontológica, confiança, inércia, falta de conhecimento, aceitação de rotinas e decoupling. Entre os sete fatores de resistência, apenas o fator poder hierárquico não obteve evidências que pudessem caracterizá-lo. Os achados da pesquisa mostram que o processo de mudança no sistema de contabilidade gerencial, por meio da implementação de um sistema integrado de gestão, enfrenta um conjunto particular de pressões por resistências internas nas organizações, cada qual com sua intensidade, presentes de forma permanente nas empresas, tais como insegurança ontológica, confiança, inércia, falta de conhecimento, aceitação de rotinas e decoupling. Os fatores de resistência são despertados no início do processo de mudança e, caso reúnam força suficiente, podem interromper o processo de mudança.

Resistência; Sistemas integrados de gestão; Contabilidade gerencial; Teoria institucional; Mudança


Despite changes in the environment and management accounting practices, studies indicate that management accounting systems do not change or change at a much slower rate than expected. The stability of the management accounting systems used by companies may relate to resistance to changing these systems. This study analyzes the factors that contribute to resistance to implementing an integrated management system from the perspective of institutional theory, grounded in the old institutional economics. Methodologically, this study provides a qualitative assessment of the problem and a descriptive analysis of the resistance factors through a case-study approach. The data were collected using semi-structured interviews and analyzed through content analysis. Two companies were selected for this study due to their differing characteristics. The following seven factors were analyzed for resistance to implementing integrated management systems: institutional power, ontological insecurity, trust, inertia, lack of knowledge, acceptance of routines and decoupling. However, there was no evidence to characterize hierarchical power. The research findings indicate that changing management accounting systems, through the implementation of an integrated management system, faces internal resistance in these organizations. Each factor varies in intensity but is permanently present in these companies, such as ontological insecurity, trust, inertia, lack of knowledge, acceptance of routines and decoupling. These factors are awakened when the change process begins and, if they gather enough force, can stop the change.

Resistance; Integrated management systems; Management accounting; Institutional theory; Change


1 INTRODUÇÃO

Entender os fatores de resistência que surgem durante o processo de mudança nos sistemas de contabilidade gerencial pode auxiliar na compreensão dos motivos que levam as empresas a não promoverem mudanças em seus sistemas de contabilidade gerencial (Granlund, 2001Granlund, M. (2001). Towards explaining stability in and around management accounting systems. Management Accounting Research, 12 (2), 141-166.). A resistência que ocorre durante o processo de mudança pode frustrar a implementação de práticas de contabilidade gerencial.

A partir da década de 80, diversas práticas de contabilidade gerencial foram desenvolvidas. Outras mudanças que ocorreram no ambiente em que as organizações estão inseridas como, por exemplo, avanços na tecnologia da informação, desenvolvimento de tecnologias para o gerenciamento de organizações (Business Intelligence - BI; Enterprise Resource Planning Systems - ERPS; etc.), comércio eletrônico, troca eletrônica de dados, abertura de mercados, mudaram a maneira como as empresas realizam suas atividades. Entretanto, mesmo diante de tamanhas mudanças, percebe-se que as práticas de contabilidade gerencial pouco mudaram (Scapens, 1994Scapens, R. W. (1994). Never mind the gap: towards an institutional perspective on management accounting practice. Management Accounting Research, 5 (3/4), 301-321.).

Este estudo aborda a dimensão da resistência que ocorre por conta de uma mudança no sistema de contabilidade gerencial. Nesta pesquisa, a mudança nos sistemas de contabilidade gerencial ocorre por meio da implementação de um Enterprise Resourcing Planning System (ERPS), em duas empresas selecionadas. Sistemas ERPS constituem um sistema integrado de informações responsável por todo o fluxo de informações de uma organização (Dechow, Granlund, & Mouritsen, 2007Dechow, N., Granlund, M., & Mouritsen, J. (2007). Management control of the complex organization: relationships between management accounting and information technology. In C. S. Chapman, A. G. Hopwood, & M. D. Shields. (Orgs.). Handbook of Management Accounting Research. (Vol. 2). Oxford, UK: Elsevier.). Sistemas de informações gerenciais utilizam meios tecnológicos como sistemas e redes para operacionalizar as informações necessárias à gestão (Otley, 1999Otley, D. T. (1999). Performance management: a framework for management control systems research. Management Accounting Research, 10 (4), 363-382.; Dechow et al., 2007Dechow, N., Granlund, M., & Mouritsen, J. (2007). Management control of the complex organization: relationships between management accounting and information technology. In C. S. Chapman, A. G. Hopwood, & M. D. Shields. (Orgs.). Handbook of Management Accounting Research. (Vol. 2). Oxford, UK: Elsevier.). A contabilidade constitui um subsistema do sistema de informações gerenciais e utiliza-se de sistemas integrados de gestão para gerar e comunicar informações (Wagner, Moll, & Newell, 2011Wagner, E. L., Moll, J., & Newell, S. (2011). Accounting logics, reconfiguration of ERP systems and the emergence of new accounting practices: a sociomaterial perspective. Management Accounting Research, 22 (3), 181-197.). Assim, quando a implementação de um sistema ERPS inclui o módulo contabilidade, como é o caso das duas empresas selecionadas para esta pesquisa, tem-se mudanças no sistema de contabilidade. Portanto, a implementação de sistemas integrados de gestão constitui mudanças no sistema de contabilidade gerencial (Ferreira & Otley, 1999; Scapens & Jazayeri, 2003Scapens, R., & Jazayeri, M. (2003). ERP systems and management accounting change: opportunities or impacts? A research note. European Accounting Review, 12 (1), 201-233.).

Esta pesquisa aborda o processo de mudança em duas empresas. Em uma das empresas o processo de mudança (implementação do ERPS) foi concluído, enquanto que no outro caso não. A resistência ao processo de mudança não pode ser entendida como algo irracional (Scapens & Roberts, 1993Scapens, R. W., & Roberts, J. (1993). Accounting and control: a case study of resistance to accounting change. Management Accounting Research, 4 (1), 1-32.). É um fenômeno complexo (Busco, Quattrone, & Riccaboni, 2007Busco, C., Quattrone, P., & Riccaboni, A. (2007). Management accounting issues in interpreting its nature and change. Management Accounting Research, 18 (2), 125-149.), carente de estudos que revelem suas origens (Granlund, 2001Granlund, M. (2001). Towards explaining stability in and around management accounting systems. Management Accounting Research, 12 (2), 141-166.).

Este estudo utiliza a teoria institucional, sob a vertente da velha economia institucional, que oferece subsídios para explicar os fatores de resistência (Ribeiro & Scapens, 2006Ribeiro, J. A., & Scapens, R. W. (2006). Institutional theories in management accounting change: contributions, issues and paths for development. Qualitative Research in Accounting & Management, 3 (2), 94-111.). A teoria institucional tem se mostrado proeminente na ampliação dos estudos sobre contabilidade gerencial e mudanças na contabilidade gerencial, por incluir as dimensões sociais e institucionais das organizações e seus ambientes (Moll, Burns, & Major, 2006Moll, J., Burns, J., & Major, M. (2006). Institutional Theory. In Z. Hoque. (Ed.). Methodological issues in accounting research: theories, methods and issues. London: Siramus.). Pressões decorrentes de modos de pensar, circuitos de poder e confiança são exemplos de fatores que estão presentes no processo de mudança (Scapens & Roberts, 1993Scapens, R. W., & Roberts, J. (1993). Accounting and control: a case study of resistance to accounting change. Management Accounting Research, 4 (1), 1-32.; Scapens, 2006Busco, C., Riccaboni, A., & Scapens, R. W. (2006). Trust for accounting and accounting for trust. Management Accounting Research, 17 (1), 11-41.; Busco, Riccaboni, & Scapens, 2006Busco, C., Riccaboni, A., & Scapens, R. W. (2006). Trust for accounting and accounting for trust. Management Accounting Research, 17 (1), 11-41.) e estão presentes no ambiente socioinstitucional em que as organizações estão inseridas. Entender a contabilidade como uma prática socioinstitucional favorece o entendimento do fenômeno da mudança nos sistemas de contabilidade gerencial (Carruthers, 1995Carruthers, B. G. (1995). Accounting, ambiguity, and the new institutionalism. Accounting, Organizations and Society, 20 (4), 313-328.; Jeacle, 2003Jeacle, I. (2003). Accounting and the construction of the standard body. Accounting Organization e Society, 28 (4), 357-377.; Dambrin, Lambert, & Sponem, 2007Dambrin, C., Lambert, C., & Sponem, S. (2007). Control and change - analyzing the process of institutionalization. Management Accounting Research, 18 (2), 172-208.).

O objetivo geral desta pesquisa é analisar os fatores de resistência, presentes no processo de implementação de um sistema integrado de gestão, sob a ótica da teoria institucional, na vertente da velha economia institucional. O pressuposto que orienta esta pesquisa menciona que o processo de mudança no sistema de contabilidade gerencial, por meio da implementação de um sistema integrado de gestão, enfrentará um conjunto particular de pressões por resistências internas na organização, cada qual com sua intensidade, presentes permanentemente na empresa.

Quanto à contribuição deste artigo para a literatura, esta pesquisa inova quando reúne diversos fatores de resistência ao processo de mudança, oriundos de outras pesquisas, e busca verificar se esses fatores surgem quando analisadas duas situações de mudança no sistema de contabilidade gerencial. Pesquisas frequentemente abordam o tema da resistência, destacando um caso e geralmente identificando, explicitamente ou não, um ou mais fatores específicos que explicam a resistência para aquela situação. Para esta pesquisa, a resistência ao processo de mudança é entendida como algo complexo e que não depende de fatores específicos a cada caso, mas, pelo contrário, haverá um conjunto de fatores de resistência que se manifestam, com intensidades diferentes, logo no início do processo de mudança. Portanto, buscam-se indícios que confirmem que a resistência ao processo de mudança possa ser explicada por um conjunto de fatores, cada qual atuando com maior ou menor intensidade e presentes de modo permanente na empresa, mesmo que em estágio latente.

No que tange às consequências práticas do artigo, mudanças no sistema de contabilidade gerencial, em um contexto desgastante, caracterizado por resistências, não são desejáveis por conta do tempo despendido e pelo volume de recursos empregado em uma situação como esta. Entender como ocorre o processo de mudança na contabilidade gerencial contribui, na medida em que auxilia no entendimento das forças que estão por trás do processo de mudança, bem como destaca interesses pessoais e institucionais envolvidos no processo. Proceder a mudanças no sistema de contabilidade gerencial sem o devido cuidado e sem considerar o ambiente socioinstitucional da organização, provavelmente, resultará em resistências (Scapens, 2006Scapens, R. W. (2006). Understanding management accounting practices: a personal journey. The British Accounting Review, 38 (1), 1-30.).

Assim, a mudança na contabilidade gerencial constitui um processo contínuo, ao invés de um simples movimento de uma posição para a outra, e há implicações quando se deseja uma implementação com êxito (Scapens, 2006Scapens, R. W. (2006). Understanding management accounting practices: a personal journey. The British Accounting Review, 38 (1), 1-30.). Para o êxito de uma mudança no sistema de contabilidade gerencial, devem-se considerar as perspectivas dos vários grupos da organização (Malmi, 1997Malmi, T. (1997). Towards explaining activity based costing failure: accounting and control in a decentralized organization. Management Accounting Research, 8 (4), 459-480.). Sendo assim, entende-se que a compreensão do fenômeno, sob a ótica proposta, auxiliará as organizações a gerenciarem a mudança em seus sistemas de contabilidade gerencial. Conhecer previamente os possíveis fatores de resistência presentes no processo de mudança permite às organizações adotar estratégias para mitigar sua força, aumentando significativamente as chances de sucesso do projeto.

Este artigo apresenta-se estruturado da seguinte maneira: na seção 2, consta o desenvolvimento da fundamentação teórica sobre o tema em estudo, oportunidade em que é abordada a fundamentação para os sete fatores de resistência selecionados para o estudo. Na seção 3 constam os procedimentos metodológicos. Na seção 4, apresenta-se a discussão sobre o tema proposto que inclui uma síntese da análise dos resultados encontrados em cada um dos casos, bem como a análise e discussão dos fatores de resistência no processo de mudança. Por fim, na seção 5, constam a conclusão e recomendações para futuras pesquisas.

2 DIMENSÃO DOS FATORES DE RESISTÊNCIA À MUDANÇA

Neste item, apresentam-se alguns dos fatores que, de acordo com a literatura, constituem-se como aqueles responsáveis por motivar a resistência ao processo de mudança na contabilidade gerencial. Os sete fatores de resistência que serão apresentados do item 2.1 até o item 2.7 irão constituir as categorias de análise deste trabalho. Por ser um trabalho que envolve a realização de um estudo de caso explicativo, há a necessidade de relacionar previamente alguns fatores de resistência (Scapens, 1990Scapens, R. W. (1990). Researching management accounting practice: the role of case study methods. British Accounting Review, 22 (3), 259-281.).

O constructo da pesquisa envolveu a definição de categorias e subcategorias de análise. Da mesma forma que as categorias de análise, as subcategorias foram obtidas mediante a análise do referencial teórico. Nesta seção, além de caracterizar os fatores de resistência à mudança, será apresentada a lógica que guiou a elaboração do constructo da pesquisa, mais bem detalhados na Tabela 1.

Tabela 1
Constructo da pesquisa

2.1 Poder Institucional.

Situando a contabilidade em um amplo contexto social, percebe-se que, distante de ser considerada um simples instrumento neutro de registro e mensuração, encontra-se envolvida em relacionamentos de poder (Napier, 2006Napier, C. J. (2006). Accounts of change: 30 years of historical accounting research. Accounting, Organizations and Society, 31 (4-5), 445-507.). Pode existir poder em qualquer lugar na organização, podendo ser mobilizado para resistir às novas regras organizacionais (Burns & Scapens, 2000Burns, J., & Scapens, R. W. (2000). Conceptualizing management accounting change: an institutional framework. Management Accounting Research, 11 (1), 3-25.). O poder como fator de resistência pode surgir a partir da organização de indivíduos, ou grupos, dentro da própria organização. Burns e Scapens (2000)Burns, J., & Scapens, R. W. (2000). Conceptualizing management accounting change: an institutional framework. Management Accounting Research, 11 (1), 3-25. dizem que, quando indivíduos ou grupos possuem suficiente poder, por meio do controle dos recursos requeridos no processo de implementação de uma mudança, eles podem ser capazes de resistir ou minar o processo de mudança.

Estudos sobre contabilidade gerencial (Weick, 1976Weick, K. E. (1976). Educational organization as a loosely coupled system. Administrative Science Quarterly, 21 (1), 1-19.; Bryman, 1984Bryman, A. (1984). Organization studies and the concept of rationality. Journal of Management Studies, 21 (4), 391-408.; Dermer & Lucas, 1986Dermer, J. D., & Lucas, R. G. (1986). The illusion of managerial control. Accounting, Organizations and Society, 11 (6), 471-482.) demonstram que existem indivíduos e grupos dentro das organizações que possuem diferentes interesses e objetivos, e que estão em constante luta para poder atingi-los (Quattrone & Hopper, 2001Quattrone, P., & Hopper, T. (2001). What does organizational change mean? Speculations on a taken for granted category. Management Accounting Research, 12 (4), 403-435.).

O poder pode ser entendido como uma manifestação de um elemento, ou um grupo de elementos, dentro da organização, que se manifesta contra as propostas de implementação de mudanças na contabilidade gerencial (Burns & Scapens, 2000Burns, J., & Scapens, R. W. (2000). Conceptualizing management accounting change: an institutional framework. Management Accounting Research, 11 (1), 3-25.). Uma das formas pelas quais o poder institucional instala-se é por meio da autonomia conferida aos departamentos na organização. Essa autonomia decorre de vantagens obtidas por esses departamentos, por meio da delegação de autoridade e responsabilidade, associadas a benefícios obtidos por conta de bom desempenho e funcionalidade (Scapens & Roberts, 1993Scapens, R. W., & Roberts, J. (1993). Accounting and control: a case study of resistance to accounting change. Management Accounting Research, 4 (1), 1-32.). Quanto maior a autoridade e responsabilidade de um departamento associadas a benefícios obtidos por conta de bom desempenho e funcionalidade, maior a autonomia do departamento e, por consequência, maior será o poder desse departamento em oferecer resistência às mudanças no sistema de contabilidade gerencial.

Portanto, para identificar o fator de resistência "poder institucional" foram constituídas três subcategorias de análise denominadas "autonomia dos departamentos", "vantagens delegação" e "vantagens desempenho". Os trechos das entrevistas relacionados às subcategorias de análise caracterizariam o fator de resistência poder institucional.

2.2 Insegurança Ontológica.

Indivíduos estão constantemente buscando por algum nível de segurança psicológica (Schein, 1992Schein, E. H. (1992). Organizational culture and leadership. Jossey-Bass Publishers: San Francisco.). A insegurança gera ansiedade, que pode resultar em um fator de resistência ao processo de mudança na contabilidade gerencial. A ansiedade por aprendizado representa o "sentimento que está associado à inabilidade ou indisponibilidade de apreender alguma coisa nova pelo fato de que aparenta ser muito difícil ou disruptivo" (Schein, 1993Schein, E. H. (1993). How can organizations learn faster? The challenge of entering the Green Room. Sloan Manage Review, 34 (2), 85-92., p. 86, tradução nossa). Em sua pesquisa, o autor Granlund (2001)Granlund, M. (2001). Towards explaining stability in and around management accounting systems. Management Accounting Research, 12 (2), 141-166. menciona o fato de existir resistência à implementação de mudanças no sistema de contabilidade decorrente do medo do disruptivo. Granlund (2001Granlund, M. (2001). Towards explaining stability in and around management accounting systems. Management Accounting Research, 12 (2), 141-166., p. 150, tradução nossa) diz que os "gerentes de contabilidade tendem a resistir às mudanças nos sistemas de contabilidade, pois existe um medo de que qualquer mudança possa afetar significativamente o modo como executam seu trabalho".

O fator de resistência insegurança pode se manifestar de outras maneiras. Granlund (2001)Granlund, M. (2001). Towards explaining stability in and around management accounting systems. Management Accounting Research, 12 (2), 141-166. mostra que o movimento de resistência responsável pela frustração na implementação de um novo sistema de custeio também foi promovido pelo medo de aumento de trabalho. A insegurança gerada pela ansiedade deve ser superada para que o proces so de resistência seja vencido. Segundo Granlund (2001)Granlund, M. (2001). Towards explaining stability in and around management accounting systems. Management Accounting Research, 12 (2), 141-166., há o desafio de colocar em prática políticas que foram desenvolvidas com o objetivo de obter melhores resultados. Quando superada a ansiedade, deve existir um espaço para emergir uma sensação de segurança psicológica que permita uma redefinição cognitiva para a sedimentação das novas práticas (Busco et al., 2006Busco, C., Riccaboni, A., & Scapens, R. W. (2006). Trust for accounting and accounting for trust. Management Accounting Research, 17 (1), 11-41.). Quando um determinado nível de segurança é atingido, os envolvidos procuram manter comportamentos de forma repetitiva, rotinizada, procurando evitar assim mudanças cognitivas e de comportamento (Busco et al., 2006Busco, C., Riccaboni, A., & Scapens, R. W. (2006). Trust for accounting and accounting for trust. Management Accounting Research, 17 (1), 11-41.).

Portanto, para essa categoria de análise, foram definidas duas subcategorias denominadas "desafio" e "volume de trabalho". A subcategoria "desafio" buscava passagens no texto das entrevistas que expressassem a ideia descritiva do desafio, do nível de dificuldade da implementação da mudança. Quanto maior o grau de dificuldade em implementar a mudança, maior é a sensação de insegurança. A subcategoria "volume de trabalho" buscava relacionar os trechos das entrevistas que evidenciassem o receio de aumento no volume de trabalho por parte dos envolvidos no processo de mudança. Como foi averiguado na teoria, evidências que estivessem ligadas a essas subcategorias caracterizariam a presença do fator de resistência denominado insegurança.

2.3 Confiança.

Confiança "é um fenômeno socialmente construído. (...) confiança para a mudança é uma condição psicológica construída dentro, e com a prática" (Busco et al., 2006Busco, C., Riccaboni, A., & Scapens, R. W. (2006). Trust for accounting and accounting for trust. Management Accounting Research, 17 (1), 11-41., p. 32, tradução nossa). Confiança é definida como "um estado psicológico mediado por práticas organizacionais (como sistemas de contabilidade gerencial) e processos de interação social" (Busco et al., 2006Busco, C., Riccaboni, A., & Scapens, R. W. (2006). Trust for accounting and accounting for trust. Management Accounting Research, 17 (1), 11-41., p. 36, tradução nossa).

Busco, Riccaboni, e Scapens (2006)Busco, C., Riccaboni, A., & Scapens, R. W. (2006). Trust for accounting and accounting for trust. Management Accounting Research, 17 (1), 11-41. elevam a confiança a um patamar de requisito para a implementação de mudanças em sistemas de contabilidade gerencial. Confiança para a mudança é necessária na implementação de sistemas de contabilidade gerencial, e contabilidade é necessária para sustentar a confiança para a mudança na prática. Quando episódios de desconformidade ocorrem, participação na prática facilita o processo de reflexão e essa participação pode ser mediada através de pessoas experts e sistemas experts que potencializam as forças de confiança. Granlund (2001)Granlund, M. (2001). Towards explaining stability in and around management accounting systems. Management Accounting Research, 12 (2), 141-166. destaca a utilização de consultores para dotar práticas de contabilidade gerencial com confiança. Scapens (2006)Scapens, R. W. (2006). Understanding management accounting practices: a personal journey. The British Accounting Review, 38 (1), 1-30. complementa, afirmando que confiança na contabilidade e nos profissionais contábeis parece ser importante no aperfeiçoamento das práticas de contabilidade gerencial e, consequentemente, confiança é um insumo que necessita ser explorado em estudos que envolvam as mudanças na contabilidade gerencial.

Quando a contabilidade está institucionalizada como um processo rotinizado, existe uma sensação de confiança entre os agentes envolvidos. Nessas situações, pode ser dito que há uma confiança na contabilidade (exemplo: aceitação da contabilidade) e, como tal, contabilidade e contadores são bem-vindos à busca por soluções para a crise. Reciprocamente, quando sistemas de contabilidade gerencial são utilizados como medidas ad hoc, desconstituídas de qualquer racionalidade confiável, elas serão, provavelmente, marginalizadas e podem vir a ser um foco de conflitos se a organização se encontrar em uma crise (Busco et al., 2006Busco, C., Riccaboni, A., & Scapens, R. W. (2006). Trust for accounting and accounting for trust. Management Accounting Research, 17 (1), 11-41.).

Pessoas experts e a utilização de consultoria são elementos destacados pelos autores como formas de potencializar forças de confiança. Diante disso, para a categoria de análise confiança foram definidas duas subcategorias, denominadas "consultoria" e "apoio de experts". Busco et al. (2006)Busco, C., Riccaboni, A., & Scapens, R. W. (2006). Trust for accounting and accounting for trust. Management Accounting Research, 17 (1), 11-41. definem consultoria como a ação de experts que dotem de sentido a nova prática gerencial que está sendo ou foi implementada. Para os mesmos autores, experts são especialistas que, de forma participativa, contribuem para a utilização e implementação de sistemas de contabilidade gerencial. Portanto, trechos das entrevistas que caracterizassem a presença das subcategorias de análise configurariam evidências de que a confiança está presente no processo como um fator de resistência à mudança.

2.4 Inércia

Inércia é tradicionalmente definida como a não habilidade de efetuar uma mudança interna, frente a significantes mudanças externas (Miller & Friesen, 1980Miller, D., & Friesen, P. H. (1980). Momentum and revolution in organizational adaptation. Academy of Management Journal, 23 (4), 591-614.). Inércia referese à velocidade relativa de uma mudança organizacional em termos de capacidade de resposta para mudar, e o tempo que é exigido para obter, processar e avaliar informação oriunda do ambiente (Steen, 2009Steen, M. V. D. (2009). Inertia and management accounting change: the role of ambiguity and contradiction between formal rules and routines. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 22 (5), 736-761.).

A inércia pode ser entendida sob dois aspectos: rigidez de recursos e rigidez de rotina. Rigidez de recursos surge devido a imposições externas de recursos que são providos por uma ação gerencial interna, tal como a presença de tecnologias que frequentemente levam à exclusão de outras tecnologias (Steen, 2009Steen, M. V. D. (2009). Inertia and management accounting change: the role of ambiguity and contradiction between formal rules and routines. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 22 (5), 736-761.). A inércia decorrente de rigidez de rotina remete à ideia de que rotinas tendem a estar mal preparadas para lidar com a descontinuidade, bem como sua lógica subjacente que permeia o pensamento da organização (Steen, 2009Steen, M. V. D. (2009). Inertia and management accounting change: the role of ambiguity and contradiction between formal rules and routines. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 22 (5), 736-761.). Assim, quando os comportamentos de rotina são desafiados por estas novas regras, a inércia da rotina é, provavelmente, manifestada por meio de limitados ou não entendidos comportamentos relacionados à mudança (Steen, 2009Steen, M. V. D. (2009). Inertia and management accounting change: the role of ambiguity and contradiction between formal rules and routines. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 22 (5), 736-761.).

As rotinas ligadas às práticas de contabilidade mostram certo grau de inércia, tornando, assim, as mudanças complicadas e impraticáveis (Steen, 2009Steen, M. V. D. (2009). Inertia and management accounting change: the role of ambiguity and contradiction between formal rules and routines. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 22 (5), 736-761.). Os comportamentos habituais que são a base das regras e rotinas são geralmente considerados como expostos a algum grau de resistência à mudança que é frequentemente atribuído à presença de inércia (Steen, 2009Steen, M. V. D. (2009). Inertia and management accounting change: the role of ambiguity and contradiction between formal rules and routines. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 22 (5), 736-761.). A inércia configura-se por fatores como preguiça, indolência, ócio ou estoicismo, em que cada sujeito na organização possui sua própria razão (Steen, 2009Steen, M. V. D. (2009). Inertia and management accounting change: the role of ambiguity and contradiction between formal rules and routines. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 22 (5), 736-761.).

Inércia está ligada diretamente à falta de capacidade da empresa em reagir frente a mudanças impostas pelo ambiente. Se sistemas de contabilidade gerencial são entendidos por rotinas, entende-se que haverá resistência quando essas rotinas forem desafiadas. A demora ou incapacidade em proceder às mudanças será entendida como inércia, e constituirá um fator de resistência à implementação do processo de mudança.

À categoria de análise inércia foi vinculada apenas uma subcategoria, denominada "estoicismo". Caracterizariam a presença desse fator de resistência, evidências coletadas nas entrevistas, que pudessem ser atribuídas a situações como a fidelidade dos gestores aos próprios princípios, indiferença na operacionalização das mudanças, falta de envolvimento na implementação das mudanças, todas alinhadas à subcategoria estoicismo.

2.5 Falta de Conhecimento.

Conhecimento é a manutenção de traços de memória dentro de repetidos padrões de comportamento, e é desenvolvido socialmente através da participação e da reflexão das práticas, ao invés de simplesmente ser o resultado de um pensamento independente realizado por indivíduos, de uma maneira autônoma (Busco et al., 2006Busco, C., Riccaboni, A., & Scapens, R. W. (2006). Trust for accounting and accounting for trust. Management Accounting Research, 17 (1), 11-41.). A ideia convencional quando da implementação de uma mudança na contabilidade gerencial é a de que a nova prática será operacionalizada por meio de pessoas, e um processo de treinamento para que essas pessoas obtenham o conhecimento necessário é preciso para que a mudança ocorra (Quattrone & Hopper, 2001Quattrone, P., & Hopper, T. (2001). What does organizational change mean? Speculations on a taken for granted category. Management Accounting Research, 12 (4), 403-435.).

Organizações são moldadas pelo ambiente em que operam, constituído por mitos, regras que lhe são impostas, expectativas sociais e padrões cognitivos dos atores (Scott, 2001Scott, W. R. (2001). Institutions and organizations. Thousand Oaks, CA: Sage.). Padrões cognitivos assumidos como certos constituem o conhecimento que será repassado aos demais membros da organização por meio de treinamentos.

Granlund (2001)Granlund, M. (2001). Towards explaining stability in and around management accounting systems. Management Accounting Research, 12 (2), 141-166. fala sobre o conhecimento necessário às pessoas para poderem realizar suas atividades. Na pesquisa realizada por Granlund (2001)Granlund, M. (2001). Towards explaining stability in and around management accounting systems. Management Accounting Research, 12 (2), 141-166., a falta de conhecimento aparece como um dos fatores responsáveis pelo fracasso na implementação de um sistema de custeio. Segundo depoimento de um dos líderes do projeto, o fato de, no momento da implementação, a equipe responsável não ter levado em conta as necessidades de conhecimento e habilidades dos seus usuários foi um dos fatores responsáveis pela não implementação da prática gerencial.

A essa categoria de análise foi atribuída a subcategoria denominada "conhecimentos e habilidades". Há o entendimento de que as pessoas que operacionalizam a mudança devem possuir conhecimentos e habilidades que permitam a implementação da mudança. Portanto, qualquer trecho das entrevistas que evidenciasse falta de conhecimento ou habilidade por parte das pessoas em promover a mudança caracterizaria o fator de resistência denominado falta de conhecimento.

2.6 Aceitação das Rotinas.

Para serem consideradas institucionalizadas, as rotinas devem ser amplamente aceitas na organização, a ponto de serem consideradas uma forma inquestionável de controle gerencial (Burns & Scapens, 2000Burns, J., & Scapens, R. W. (2000). Conceptualizing management accounting change: an institutional framework. Management Accounting Research, 11 (1), 3-25.). Na pesquisa realizada por Granlund (2001)Granlund, M. (2001). Towards explaining stability in and around management accounting systems. Management Accounting Research, 12 (2), 141-166., a organização selecionada para o estudo havia decidido pela implementação de um novo sistema de custos para fazer frente a uma crise financeira. A implementação da prática de custos mostrou-se frustrada logo após um ano do início das atividades. Dentre alguns motivos responsáveis pela frustração da implementação da prática gerencial, dois destacam-se: a) a contratação de um grupo de consultores e a demissão desse mesmo grupo logo em seguida, mantendo na empresa apenas um dos consultores que fora eleito líder do projeto; b) o fato de os responsáveis pelo projeto não terem conseguido que este fosse acolhido por toda a organização.

Nessa mesma pesquisa, houve o relato, pelos gestores da organização, de que um dos principais erros cometidos na implementação da prática de contabilidade gerencial foi o fato de não ter abrangido desde o início as pessoas envolvidas e relacionadas à área de produção e vendas. Esse erro confirma a ideia de que nem todos os envolvidos no processo foram convencidos da necessidade da implementação da mudança, o que reverteu em resistência. Nas palavras da equipe responsável pela implementação do novo sistema de custeio, essa situação ilustra como uma ideia relevante que foi aceita pela alta administração, mas não eficiente e acertadamente administrada a algumas instâncias da empresa, resultou em uma forte resistência para implementação nos sistemas sociais da organização. A mudança na contabilidade gerencial, promovida pela equipe responsável, não conseguiu obter uma verdadeira legitimidade por parte dos demais gestores, o que serviu apenas para abalar o atual sistema, já que nenhuma mudança pôde ser implementada (Granlund, 2001Granlund, M. (2001). Towards explaining stability in and around management accounting systems. Management Accounting Research, 12 (2), 141-166.).

Cobb, Helliar, e Innes (1995)Coob, I., Helliar, C., & Innes, J. (1995). Management accounting change in a bank. Management Accounting Research, 6 (2), 155-175. mostram, em sua pesquisa, que as mudanças ocorridas no sistema de contabilidade gerencial de um banco ocorreram devido à participação efetiva do líder do projeto. Quando houve a reunião das forças que potencializaram a mudança no sistema de contabilidade gerencial, os líderes do projeto atuaram como os responsáveis pela implementação, exercendo um papel fundamental. A atuação dos líderes foi a de levar adiante as mudanças e sustentá-las mesmo diante das resistências encontradas no processo. O papel do líder também é destacado na pesquisa de Vaivio (1999)Vaivio, J. (1999). Exploring a non-financial management change. Management Accounting Research, 10 (4), 409-437.. Nesta pesquisa, o autor demonstra que a alteração no sistema de informação contábil, com a implementação de medidas não financeiras, foi sustentada em um primeiro momento pela iniciativa do líder.

Na pesquisa realizada por Zoni, Dossi, e Morelli (2012)Zoni, L., Dossi, A., & Morelli, M. (2012). Management accounting system (MAS) change: field evidence. Asia-Pacific Journal of Accounting & Economics, 19 (1), 119-138., cujo objetivo era explorar as fases e características do processo de mudança no sistema de contabilidade gerencial, o papel do líder é destacado em um dos casos. No primeiro caso evidenciado pela pesquisa, os autores destacam o papel do líder na condução das ações necessárias para viabilizar o processo de mudança. Mencionam que a falta de liderança do departamento financeiro pode ser um dos fatores responsáveis pelo fracasso do processo.

Portanto, percebe-se que a aceitação das rotinas está condicionada à acolhida do projeto de mudança pelos demais gestores envolvidos, e também pela acolhida e desempenho do líder, responsável por levar o projeto adiante. Com base nisso, foram definidas duas subcategorias de análise para esse fator de resistência, denominadas "acolhida do projeto" e "aceitação dos líderes". A essas subcategorias de análise seriam relaciona dos os trechos das entrevistas relacionados à acolhida do projeto de mudança, bem como à aceitação dos líderes do projeto, por parte das pessoas envolvidas no processo de mudança. Assim, trechos das entrevistas relacionados a problemas com a acolhida do projeto ou a aceitação do líder caracterizariam o fator de resistência aceitação de rotinas.

2.7 Decoupling ou Loose Coupling.

Decoupling é usualmente considerado como o resultado, talvez inconsciente, de uma escolha organizacional sobre alguma técnica que não foi totalmente implementada ou então como o resultado de uma resistência à mudança (Dambrin et al., 2007Dambrin, C., Lambert, C., & Sponem, S. (2007). Control and change - analyzing the process of institutionalization. Management Accounting Research, 18 (2), 172-208.). O loose coupling ocorre quando práticas contábeis que são introduzidas para encontrar requerimentos institucionais são utilizadas de uma maneira cerimonial (Scapens, 2006Scapens, R. W. (2006). Understanding management accounting practices: a personal journey. The British Accounting Review, 38 (1), 1-30.). O uso cerimonial significa que a prática é utilizada apenas por se tratar de uma exigência, mas não cumpre com sua finalidade. O procedimento não é adotado integralmente pelos agentes envolvidos (Dambrin et al., 2007Dambrin, C., Lambert, C., & Sponem, S. (2007). Control and change - analyzing the process of institutionalization. Management Accounting Research, 18 (2), 172-208.).

Loose coupling é o termo utilizado para denotar diferenças entre regras formais com o objetivo de assegurar legitimidade externa e a prática diária atual na organização (Siti-Nabiha & Scapens, 2005Siti-Nabiha, A. K., & Scapens, R. W. (2005). Stability and change: an institutionalism study of management accounting change. Accounting, Auditing and Accountability Journal, 18 (1), 44-73.; Lukka, 2007Lukka, K. (2007). Management accounting change and stability: loosely coupled rules and routines in action. Management Accounting Research, 18 (1), 76-101.; Cruz, Major, & Scapens, 2009Cruz, I., Major, I., & Scapens, R. W. (2009). Institutionalization and practice variation in the management control of a global/local setting. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 22 (1), 91-117.). Uma alternativa para entender o sentido do termo loose coupling é através de seu antônimo. O antônimo de loose coupling é a "adoção ativa", que ocorre quando a implementação e a internalização estão completas. A implementação deve considerar comportamentos e ações, e a internalização ocorre quando os envolvidos percebem a prática como valiosa e tornam-se comprometidos com esta prática (Kostova & Roth, 2002Kostova, T., & Roth, K. (2002). Adoption of an organizational practice by subsidiaries of multinational corporations: institutional and relational effects. Academy of Management Journal, 45 (1), 215-233.; Dambrin et al., 2007Dambrin, C., Lambert, C., & Sponem, S. (2007). Control and change - analyzing the process of institutionalization. Management Accounting Research, 18 (2), 172-208.).

O loose coupling é uma forma de demonstrar resistência à implementação de uma prática de contabilidade gerencial. Na perspectiva da velha economia institucional, haverá um loose coupling entre regras e rotinas quando a rotina não é realizada em conformidade com as regras. Para esse fator de resistência, foi atribuída a subcategoria de análise denominada "procedimento que não é seguido". Trechos das entrevistas que caracterizassem a não observância total ou parcial de procedimentos definidos por conta da instalação da mudança no sistema gerencial configurariam a presença desse fator de resistência.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Foram selecionados dois casos para a pesquisa, denominados "empresa A" e "empresa B", pois apresentam algumas características extremas que os diferenciam e assim enriquecem a geração de resultados (Yin, 2010Yin, R. K. (2010). Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman.). Exemplo disso é que a empresa A não conseguiu implementar um sistema integrado de gestão, enquanto que a empresa B conseguiu implementar um sistema integrado de gestão. A empresa A atua no mercado há aproximadamente um século, enquanto que a empresa B atua no mercado há aproximadamente uma década.

A utilização de casos extremos permite um maior aprendizado com os fenômenos observados, enriquecida pelas possíveis variações apresentadas nas categorias de análise (Cooper & Morgan, 2008Cooper, D., & Morgan, W. (2008). Case study research in accounting. Accounting Horizons, 2 (22), 159-178.). Casos que apresentem situações e conclusões contrastantes aumentam sua validade externa (Yin, 2010Yin, R. K. (2010). Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman.). As empresas foram escolhidas, também, pelo fato de os autores terem acesso às organizações (Eisenhardt, 1989Eisenhardt, K. M. (1989). Building theories from case study research. The Academy of Management Review, 14 (4), 532-550.; Tessier & Otley, 2012Tessier, S., & Otley, D. (2012). From management controls to the management of controls. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 25 (5), 1-33.), bem como estarem cientes de que as empresas passaram ou estavam passando por mudanças em seu sistema de contabilidade gerencial que envolviam a adoção de sistema integrado de gestão.

Para a elaboração do constructo da pesquisa foi necessária a identificação das categorias e subcategorias de análise. O constructo da pesquisa direciona a elaboração das entrevistas e questionários que devem estar amparados pela triangulação com outras técnicas, como a observação e a análise de documentos (Eisenhardt, 1989Eisenhardt, K. M. (1989). Building theories from case study research. The Academy of Management Review, 14 (4), 532-550.). A etapa da identificação das categorias e subcategorias de análise foi realizada com a codificação. A codificação "envolve a identificação e o registro de uma ou mais passagens de texto ou outros itens dos dados, como partes do quadro geral que, em algum sentido, exemplificam a mesma ideia teórica e descritiva" (Gibbs, 2009Gibbs, G. Análise de dados qualitativos. Porto Alegre: Artmed, 2009., p. 60). O constructo da pesquisa é apresentado na Tabela 1.

Na Tabela 1, observa-se o constructo da pesquisa. O constructo é composto pelos objetivos e pelas categorias e subcategorias relacionadas ao objetivo. Entende-se que, para o objetivo ser atingido, é necessário obter evidências nas empresas pesquisadas a respeito das categorias e subcategorias relacionadas no constructo. Cada categoria e subcategoria relacionada no constructo foi obtida mediante pesquisa relacionada na coluna que destaca os autores.

O método de coleta de dados utilizado para este trabalho foi a entrevista semiestruturada. Nas duas empresas, optou-se por entrevistar os gestores de nível gerencial. Entende-se, como gestores de nível gerencial, aqueles responsáveis pelas áreas de contabilidade/controladoria, finanças, recursos humanos, vendas, produção, engenharia, controle de qualidade, pesquisa e desenvolvimento, tecnologia de informação e administração. Cabe destacar que a maioria dos gestores entrevistados vivenciou o período da mudança no sistema de contabilidade gerencial. Entretanto, na empresa A, dos nove gestores entrevistados, dois vivenciaram o processo de mudança de forma parcial e dois foram contratados após o processo de mudança. Na empresa B, dos sete gestores, apenas um foi contratado após o processo de mudança. Decidiu-se por entrevistar todos os gestores, pois julgou-se que, mesmo nos casos em que os gestores não participaram ativamente do processo, eles poderiam contribuir na descrição do contexto socioinstitucional, questões ligadas aos conhecimentos e habilidades necessárias à operação do sistema ERP, nível de participação dos gestores nas decisões e relações de poder. Também se decidiu por entrevistar o(s) diretor(es) da organização, visto que suas contribuições enriqueceriam os dados coletados, principalmente no que se refere à história da organização e ao processo de mudança na contabilidade gerencial.

Atendendo à recomendação para pesquisas que utilizam o procedimento do estudo de caso, foi selecionada uma empresa para compor o estudo de caso piloto (Yin, 2010Yin, R. K. (2010). Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman.). A principal preocupação era averiguar se o roteiro de entrevista estava estruturado de forma adequada, para que se pudesse obter dos entrevistados respostas passíveis de serem analisadas, que pudessem ser relacionadas às categorias de análise. Os resultados do estudo de caso piloto revelaram que as questões que compõem o roteiro de entrevista mostraram-se adequadas aos objetivos da pesquisa.

Para garantir a confiabilidade dos dados, as entrevistas foram gravadas, com aquiescência dos entrevistados. Ao todo foram realizadas 16 entrevistas nas duas empresas pesquisadas que totalizaram aproximadamente 9 horas de gravação. As entrevistas foram realizadas no decorrer dos meses de março, abril e maio de 2012. A Tabela 2 mostra os gestores entrevistados em cada uma das empresas e o tempo de gravação das entrevistas.

Tabela 2
Áreas entrevistadas e tempo de entrevista

Após a realização das entrevistas, estas foram transcritas e submetidas à avaliação do entrevistado, para sua validação. Após a validação, aplicou-se a técnica da análise de conteúdo (Bardin, 1997Bardin, L. (1997). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70.). Todas as entrevistas foram criteriosamente analisadas e os trechos que mantinham relação com as categorias e subcategorias de análise foram destacados. Segundo Gibbs (2009)Gibbs, G. Análise de dados qualitativos. Porto Alegre: Artmed, 2009., todas as passagens identificadas no texto escrito que estejam relacionadas à mesma coisa deverão ser relacionadas ao mesmo código (categoria de análise).

Com base nas categorias e subcategorias de análise, foi analisado cada um dos dois casos utilizados nesta pesquisa, a fim de revelar os padrões oriundos de cada situação apresentada. Neste estágio, foram realizadas ligações entre os dados coletados nas entrevistas, na observação de documentos (planilhas Excel, avisos de circulação interna, textos em jornais regionais), em entrevistas não estruturadas com pessoas ligadas ao nível operacional, fornecedores, consultores que auxiliaram as organizações na implementação dos sistemas, objetivando uma triangulação dos dados, a fim de se obter validade e consistência na análise. Por fim, para cada categoria de análise foi elaborado um gráfico que continha os trechos retirados das entrevistas ligados a cada subcategoria de análise.

4 APRESENTAÇÃO DOS CASOS E ANÁLISE DOS RESULTADOS

Para a realização desta pesquisa, duas empresas foram selecionadas. Atendendo à solicitação das empresas, e conforme compromisso estabelecido no protocolo de estudo de caso, a identidade delas não será revelada. Entretanto, para contextualizar a pesquisa, na Tabela 3 constam algumas informações sobre as organizações, a fim de caracterizá-las.

Tabela 3
Caracterização das empresas selecionadas para a pesquisa

Na Tabela 3, buscou-se oferecer um panorama sobre as empresas que foram pesquisadas para a elaboração deste estudo. Algumas informações não foram divulgadas, pois não se obteve autorização de divulgação por parte das empresas. Mesmo assim, percebe-se que as empresas selecionadas constituem-se em empresas com capacidade para atender ao mercado nacional e internacional. Cada empresa opera em um setor específico. O tempo de atuação difere significativamente entre as organizações. A mudança no sistema de contabilidade gerencial, por meio da implementação do sistema integrado de gestão não foi efetivada na empresa A, e efetivada na empresa B. Percebe-se que as características mostradas na Tabela 3 qualificam os casos como de características extremas, adequados para enriquecer as considerações da pesquisa (Scapens, 1990Scapens, R. W. (1990). Researching management accounting practice: the role of case study methods. British Accounting Review, 22 (3), 259-281.; Yin, 2010Yin, R. K. (2010). Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman.).

Caracterizados os casos, a seguir apresenta-se o contexto encontrado em cada uma das empresas.

4.1 Síntese da Análise dos Resultados da Empresa A.

A proposta que este estudo aborda é a de que existem pressões que oferecem resistência ao processo de mudança. Essas pressões foram caracterizadas por sete fatores de resistência, levantados da literatura existente sobre o tema e descritos na seção 2.

O caso da empresa A é particularmente rico, pois revela uma situação em que houve a descontinuação de um projeto de implementação de um sistema integrado de gestão. Dentre os sete fatores de resistência, seis deles foram identificados pelas evidências coletadas nas entrevistas: insegurança, confiança, inércia, conhecimento, aceitação de rotinas e decoupling. Dentre esses, destacou-se o fator confiança, que está ligado ao apoio de consultores externos para a implementação do sistema integrado de gestão, e também na utilização de especialistas internos à organização aptos a auxiliar no processo de implementação do novo instrumento de gestão. Evidências mostram que a empresa nomeou e capacitou uma pessoa da própria instituição para auxiliar no processo de implementação do sistema integrado de gestão. Entretanto, a consultoria oferecida pela empresa fornecedora do sistema integrado de gestão não estava capacitada para tal tarefa, o que, efetivamente, contribuiu de forma mais decisiva para a não implementação do sistema integrado de gestão.

Esse fato impediu que a empresa fornecedora ganhasse a confiança de parte dos gestores da organização, no sentido de garantir que o sistema, verdadeiramente, proveria a empresa das necessidades acordadas na negociação de aquisição. Alguns trechos das entrevistas mostram a falta da presença do fator confiança, como na opinião do Gestor 3 em que destaca que a implementação do módulo de contabilidade era executada por especialistas em tecnologia da informação que não possuíam conhecimentos na área contábil e fiscal. Segundo o Gestor 3, "(...) vinha o pessoal da TI mesmo para implantar um sistema de contabilidade sem saber nada de parte fiscal, débito, crédito". O Gestor 8 também afirma que o módulo de recursos humanos não tinha o apoio de uma consultoria executada por um especialista na área. Não havia conhecimento das pessoas responsáveis pela implementação do sistema integrado de gestão a respeito do funcionamento de uma indústria como a representada neste estudo. Segundo as palavras do Gestor 8:

(...) pessoas que estavam ali não estavam preparadas. Assim como que eu acredito, quando uma consultoria vai fazer a implantação de um sistema ERP dentro de uma empresa, vamos supor a área de RH, ela tem que pegar um consultor da parte de RH, pessoa que entende de leis, que entende de normas, que entenda de o que vai colocar ali. As pessoas que vieram dar consultoria não estavam preparadas para dar o suporte que a gente precisa na área de RH.

Pelos relatos, observa-se que a consultoria foi inadequada no que se refere aos consultores que se mostravam sem capacitação adequada para auxiliar na implementação do sistema. A subcategoria consultoria relevou que não havia um ambiente adequado para satisfazer uma condição psicológica de confiança, fazendo dessa categoria um dos fatores de resistência ao processo de implementação do sistema integrado de gestão.

Na análise do caso da empresa A, alguns fatores de resistência aparecem com maior ênfase. Destaca-se aqui o fator confiança. O processo de mudança no sistema de contabilidade gerencial difere de organização para organização. Diferenciação essa que não se caracteriza apenas pelos fatores de resistência encontrados. Adicionado a isso, a pesquisa revelou que, nesse caso, o processo de mudança na contabilidade gerencial envolveu uma intensidade maior ou menor para cada fator de resistência. Portanto, existe uma dosagem particular, única, em cada organização para cada fator analisado, independente de qual seja o processo de mudança, o que diferencia o processo, tornando-o único. Em algumas organizações o fator confiança pode se destacar como aquele que mais influenciou o processo de resistência. Em outra organização, pode prevalecer a influência de outros fatores de resistência. Dificilmente haverá processos de resistência com uma mesma configuração, seja na mesma empresa ou em empresas diferentes.

Destaca-se também o fator ambiente em que a mudança é proposta. O ambiente deve mostrar-se favorável à mudança. No caso da empresa A, ao mesmo tempo em que acontecia o projeto de implementação de um novo sistema integrado de gestão, a empresa passava por uma mudança, indo de uma administração realizada pelos sócios para uma administração conduzida por um profissional contratado para a função, e adequando-se a uma mudança significativa nos seus processos operacionais, exigida pelos órgãos regulamentadores. Isso significa que a empresa adequava-se a contingências ambientais. Situação similar ocorre na pesquisa de Vaivio (1999)Vaivio, J. (1999). Exploring a non-financial management change. Management Accounting Research, 10 (4), 409-437., em que o processo de implementação de medidas de gerenciamento não financeiras acaba relegado a um segundo plano devido a problemas considerados mais urgentes e decorrentes de uma fusão realizada entre as empresas envolvidas. O processo de gerenciamento por medidas não financeiras é retomado em uma situação em que o ambiente mostra-se incerto e competitivo, forçando os gestores a buscar uma ampliação no sistema de controle da empresa.

Nesse sentido, o fenômeno, bem como o fato de o projeto de implementação ter sido descontinuado, podem também ser analisados sob o ponto de vista de outras teorias, como a teoria contingencial. Quando o ambiente não é favorável à mudança, ela não ocorre. Portanto, também o ambiente pode constituir-se em um fator de resistência a mudanças no sistema de contabilidade gerencial. Isso mostra que a realidade pode ser observada sob diversos ângulos, com diferentes entendimentos de acordo com os distintos objetivos apresentados em cada pesquisa.

4.2 Síntese da Análise dos Resultados da Empresa B.

A resistência que surge em um processo de mudança não pode ter sua importância diminuída. A resistência pode atingir um nível capaz de abortar um processo de mudança de contabilidade gerencial. A resistência ocorre em qualquer processo de mudança e entender como se manifesta auxilia na compreensão do fenômeno.

Categorias que caracterizam resistências foram identificadas durante a pesquisa. Destaca-se que o novo sistema integrado de gestão está implementado na empresa, sendo utilizado normalmente. Os fatores de resistência, embora presentes, não mostraram força suficiente para inviabilizar o processo de mudança. A categoria insegurança e a categoria decoupling mostraram-se responsáveis pelos principais focos de resistência. Nas evidências coletadas pela pesquisa, fica claro que o processo de mudança mostrou-se desafiador. Havia no processo uma expectativa em relação ao funcionamento do novo sistema, bem como em relação às alterações que este pleitearia na execução de algumas funções. Evidências mostraram também que, entre os gestores, havia um sentimento de que o trabalho aumentaria por conta da mudança no sistema de contabilidade gerencial.

Pelos depoimentos dos Gestores 4 e 7, nota-se que havia uma expectativa quanto ao funcionamento do novo sistema. Nas palavras do Gestor 7, "(...) a resistência acontece mesmo quando se está dentro do projeto, o medo, a insegu rança de que aquilo vai funcionar. Se esta mudança vai proporcionar o bem". Para o Gestor 4, "(...) todo mundo fica um pouco angustiado, porque muitas empresas comentam que o sistema (nome do sistema) é um sistema que amarra bastante o modo da empresa operar".

Uma vez que a empresa já possuía um sistema implementado, criou-se uma expectativa por parte dos envolvidos sobre a probabilidade de o novo sistema substituir com sucesso o antigo. Relatos dos Gestores 3, 4 e 5 descrevem o período da mudança no sistema de contabilidade gerencial como um período de sobrecarga. As atuais rotinas deveriam ser mantidas e, além disso, as mesmas pessoas deveriam também se envolver na implementação do novo sistema. Logo, gerou-se um clima de estresse, decorrente dos prazos estipulados para a implementação, da expectativa em torno do funcionamento e do sucesso do processo de substituição do sistema integrado de gestão.

Esse estresse, e parte da resistência, foram atribuídos ao medo de que o novo sistema pudesse substituir tarefas que estavam sendo executadas manualmente por funcionários da organização. Segundo depoimentos do Gestor 7 e do Gestor 5, pairava certo receio, entre os funcionários, de que o novo sistema pudesse vir a substituir pessoas. Nas palavras do Gestor 5, "(...) mas no início o pessoal tinha medo de que reduzisse o número de empregados". Entretanto, isso não ocorreu na empresa. Conforme os depoimentos, algumas funções realmente foram suprimidas com a implantação do sistema, mas como a empresa já apresentava um quadro enxuto de pessoal, as pessoas que executavam essas funções acabaram sendo remanejadas para outras atividades, evitando-se, dessa forma, demissões.

Houve, portanto, um quadro que pode ser configurado como desafiador para a gestão, envolvido em um processo complexo. De qualquer forma, percebe-se que sempre existe uma expectativa quando ocorre uma mudança no sistema de contabilidade gerencial. Essas expectativas traduzem-se em possíveis focos de resistência. Logo, a resistência presente em um processo de mudança não pode ser entendida como um fator que deva ser desconsiderado. Se não houver estratégias para a mitigação das resistências, o processo de mudança pode fracassar, comprometendo recursos e a própria continuidade da organização.

No que se refere à insegurança identificada na subcategoria volume de trabalho, diversos gestores demonstraram que houve, de fato, uma preocupação por parte dos envolvidos quanto ao esforço adicional que a implementação do novo sistema integrado de gestão demandaria. Já havia um sistema integrado implementado na organização. Migrar do atual sistema de gestão para outro gerou a expectativa de que haveria aumento do volume de trabalho. Vê-se, face ao depoimento do Gestor 3 que, no início, houve contratações adicionais decorrentes do projeto. Na época, por ocasião da implementação do sistema integrado de gestão, montou-se o departamento de tecnologia da informação, que teria como uma das suas atribuições a coordenação das atividades que envolveriam a substituição do atual sistema pelo novo. Nas palavras do Gestor 3, "(...) o que a gente sabia é que em um primeiro momento até iria ter aumento de mão de obra. E de fato a gente aumentou".

O aumento do volume de trabalho gera alterações na rotina diária das pessoas. Essas alterações constituem motivos para configurar a insegurança, que figura como um dos fatores de resistência. Portanto, devido ao que foi observado durante o trabalho de coleta de dados na organização, evidências mostram que boa parcela da resistência ao processo de implementação do novo sistema integrado de gestão decorreu da insegurança ontológica. De qualquer forma, não atingiu um patamar suficiente para oferecer resistência a ponto de impedir a implementação da nova prática de gestão.

A resistência mostrou-se mais latente no quesito decoupling. Segundo depoimento dos gestores, percebeu-se que, no início do processo, os novos procedimentos decorrentes do processo de mudança não foram prontamente seguidos. Os procedimentos antigos, aos quais os gestores estavam acostumados, prevaleciam em detrimento dos novos, que exigiam que as pessoas deixassem uma zona de conforto a que estavam habituadas, abandonassem antigas rotinas, para substituí-las por novas, até então desconhecidas. O Gestor 5 menciona que houve resistências, já esperadas, no início do processo de implementação do novo sistema integrado de gestão. Nas palavras do Gestor 5, "(...) é natural que as pessoas estejam acostumadas com suas planilhas e fazem isso diariamente e isso está um pouco no automático, no cérebro. (...) Mas hoje a resistência maior é com o hábito".

Essas resistências estavam ligadas ao hábito das pessoas ao procederem de uma forma e, a partir daquele momento, necessitarem proceder de uma nova forma, desconhecida, diferente. Portanto, entende-se que, naquele tempo, as pessoas conheciam um procedimento que precisou ser alterado ou substituído. Isso aparece também no depoimento do Gestor 7, quando menciona que algumas pessoas estavam acostumadas a trabalhar em planilha eletrônica utilizando o software Excel e, em um primeiro momento, não queriam utilizar o novo sistema. Segundo o Gestor 7, "(...) é difícil, principalmente porque o pessoal está acostumado a usar o Excel e não quer usar o sistema". Havia, então, um novo procedimento que não estava sendo seguido.

Entretanto, nenhuma dessas categorias representativas dos fatores de resistência, nem a união delas, foi suficiente para impedir o processo de mudança no sistema de contabilidade gerencial. Causas para isso foram atribuídas, de acordo com a opinião dos gestores, ao fato de a empresa possuir pouco tempo de vida e, portanto, os funcionários envolvidos no projeto constituírem contratos recentes. Funcionários com pouco tempo de trabalho na organização não conseguiram, na opinião dos gestores, enraizar suas rotinas a ponto de oferecer uma resistência mais forte. Também devido a esse tempo curto de atividade na empresa, na opinião dos entrevistados, os gestores possuíam espírito empreendedor e mostravam-se mais simpáticos a empreender maiores esforços para que projetos diversos, incluindo aqueles que envolviam mudanças nos sistemas de contabilidade gerencial, atingissem seus objetivos.

Outras categorias de resistência tiveram seu impacto mitigado devido à estratégia adotada pela direção da empresa. A ampla utilização de consultoria externa, aliada à contratação de um líder com experiência e conhecimento, acrescentou confiança aos envolvidos no processo de mudança. Existência de confiança durante o processo de gestão é fundamental para eliminar focos de resistência. Outra categoria de resistência que foi administrada no processo de implementação do novo sistema integrado de gestão foi a aceitação de rotinas.

Cuidados por parte da direção da organização em oferecer informação suficiente, a fim de tornar o processo de mudança claro para todos os envolvidos, inclusive para o público externo, foram responsáveis pela acolhida amistosa ao projeto de mudança do sistema de contabilidade gerencial. A qualificação da equipe do nível gerencial, devido à experiência que esses gestores obtiveram em experiências e qualificações advindas de empregos anteriores, também foi identificada como um dos fatores que mitigaram possíveis focos de resistência.

Outros fatores de resistência como a insegurança ontológica e a aceitação das rotinas não foram fortes o suficiente para impedir a implementação do novo sistema. Ainda persistem focos de resistência, principalmente ligados à carência de conhecimentos e habilidades diagnosticados no nível operacional.

De acordo com os gestores, esforços para dotar o nível operacional com conhecimento e atitude perante o novo sistema de gestão são necessários para que se possa extrair dele todo o benefício que pode oferecer, pois que os focos de resistência prevalecem mesmo após terem sido vencidos e a mudança instalada. O fato de o sistema integrado de gestão ter sido institucionalizado não necessariamente elimina todos os fatores de resistência. Portanto, o processo de institucionalização de sistemas de contabilidade gerencial pode evoluir durante o decorrer do tempo, até o ponto em que todos os focos de resistência retornem a um estágio latente. Fator esse que varia de empresa para empresa, de situação para situação.

4.3 Análise e Discussão dos Fatores de Resistência no Processo de Mudança.

Os fatores de resistência não podem ser relegados a um segundo plano ou considerados com um fator irracional no processo. Pesquisas destacam a presença dos fatores de resistência no processo de mudança das práticas de contabilidade gerencial (Scapens & Roberts, 1993Scapens, R. W., & Roberts, J. (1993). Accounting and control: a case study of resistance to accounting change. Management Accounting Research, 4 (1), 1-32.; Granlund, 2001Granlund, M. (2001). Towards explaining stability in and around management accounting systems. Management Accounting Research, 12 (2), 141-166.). Nas informações que constam na Tabela 4, percebe-se que cada empresa apresentou um conjunto de fatores de resistência específicos, e de origem decorrente de pressões internas.

Tabela 4
Fatores de resistência à mudança nos sistemas de contabilidade gerencial nas empresas pesquisadas

O objetivo da Tabela 4 não é estabelecer uma comparação, e sim informar quais foram os fatores de resistência identificados no caso da empresa A e da empresa B. Não se pretende com a Tabela 4 transmitir a ideia de que a mudança não ocorreu na empresa A pelo fato de ela ter apresentado um número maior de fatores de resistência do que a empresa B.

No caso da empresa A, a primeira tentativa de implementação de um novo sistema integrado de gestão não atingiu seu objetivo. Foram identificadas seis categorias de resistência. Entretanto, a categoria confiança apresentou maior vigor frente às demais, o que não significa que a categoria confiança foi a única responsável pela não implementação do novo sistema integrado de gestão.

Todas as categorias contribuíram, mas destaca-se, na análise do caso da empresa A, a categoria confiança, principalmente devido à intensidade de evidências coletadas durante as visitas à empresa. A atuação de pessoas especialistas é fundamental para assegurar confiança no processo e absorver a incerteza (Busco et al., 2007Busco, C., Quattrone, P., & Riccaboni, A. (2007). Management accounting issues in interpreting its nature and change. Management Accounting Research, 18 (2), 125-149.). A utilização de consultores contribui para reduzir a incerteza no processo de mudança nos sistemas de contabilidade gerencial. Esses dotam com racionalidade as novas práticas gerenciais, evitando que sejam marginalizadas e acabem como foco de conflito na organização (Busco et al., 2006Busco, C., Riccaboni, A., & Scapens, R. W. (2006). Trust for accounting and accounting for trust. Management Accounting Research, 17 (1), 11-41.).

No caso da empresa A, a atuação da consultoria oferecida pela empresa fornecedora do sistema não foi suficiente para mitigar a incerteza presente no processo de mudança e assegurar confiança às pessoas envolvidas no projeto. Esse fator, aliado aos demais fatores, constituiu um corpo de resistência ao processo de implementação do novo sistema de controle de gestão que obteve força suficiente para frustrar o processo de implementação.

Na pesquisa realizada por Jermias (2006)Jermias, J. (2006). The influence of accountability on overconfidence and resistance to change: a research framework and experimental evidence. Management Accounting Research, 17 (4), 370-388., destaca-se a confiança atribuída pelas pessoas ao sistema por elas adotado. A confiança nos sistemas adotados contribui para a institucionalização deles. Quanto maior a confiança menor será a resistência ao processo de mudança. A confiança é avalizada principalmente por consultorias especializadas e profissionais experts, como mencionado na pesquisa de Busco et al. (2006)Busco, C., Riccaboni, A., & Scapens, R. W. (2006). Trust for accounting and accounting for trust. Management Accounting Research, 17 (1), 11-41..

Zoni et al. (2012)Zoni, L., Dossi, A., & Morelli, M. (2012). Management accounting system (MAS) change: field evidence. Asia-Pacific Journal of Accounting & Economics, 19 (1), 119-138. abordam o tema confiança no processo de mudança no sistema de contabilidade gerencial. Nesse caso, a confiança no processo de mudança foi gerada por um grupo de profissionais experts em tecnologia da informação.

No caso da empresa B, o novo sistema integrado de gestão foi implementado, pois os fatores de resistência não obtiveram força suficiente para barrar o processo de mudança. Durante o processo de mudança do sistema de contabilidade gerencial, dois fatores de resistência agiram com maior intensidade: o fator insegurança e o fator decoupling ou loose coupling. A insegurança é comum nos processos de mudança nos sistemas de contabilidade gerencial (Granlund, 2001Granlund, M. (2001). Towards explaining stability in and around management accounting systems. Management Accounting Research, 12 (2), 141-166.). Os gestores temem pela efetividade no novo sistema de gestão considerando que ele vai modificar o modo como realizam o seu trabalho (Granlund, 2001Granlund, M. (2001). Towards explaining stability in and around management accounting systems. Management Accounting Research, 12 (2), 141-166.).

A insegurança aparece, também, na pesquisa de Busco et al. (2006)Busco, C., Riccaboni, A., & Scapens, R. W. (2006). Trust for accounting and accounting for trust. Management Accounting Research, 17 (1), 11-41., na qual se constata que, a partir do momento em que os gestores adotam comportamentos repetitivos e rotinizados, há um sinal de que existe um clima de segurança. Quando se inicia o processo de mudança de um novo sistema de gestão, esse clima de segurança é quebrado, abrindo espaço para a insegurança, que se constitui como um dos fatores de resistência. Na empresa B, o sentimento de insegurança acompanhou todo o processo de mudança do sistema de controle de gestão, até o momento em que os gestores puderam constatar que o novo sistema integrado de gestão realmente funcionava, atendendo às necessidades da empresa.

O decoupling ou loose coupling foi um dos fatores de resistência destacados na análise do caso da empresa B. No início do processo, a prática de procedimentos antigos ainda prevalecia perante os novos procedimentos. Os gestores optavam por manter seus controles da maneira como sempre foram realizados, em detrimento dos novos procedimentos que se faziam necessários diante da proposta de mudança do sistema integrado de gestão. O decoupling era praticado levando em conta a preferência dos gestores em manter as práticas de gestão que eram realizadas antes de iniciado o processo de mudança (Dambrin et al., 2007Dambrin, C., Lambert, C., & Sponem, S. (2007). Control and change - analyzing the process of institutionalization. Management Accounting Research, 18 (2), 172-208.; Steen, 2011Steen, M. V. D. (2011). The emergence and change of management accounting routines. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 24 (1), 502-547.).

O decoupling é um processo que deve ser entendido como um fator de resistência interna (Siti-Nabiha & Scapens, 2005Siti-Nabiha, A. K., & Scapens, R. W. (2005). Stability and change: an institutionalism study of management accounting change. Accounting, Auditing and Accountability Journal, 18 (1), 44-73.). Nem sempre o decoupling estará presente decorrente de fatores externos, como preconizado pela abordagem institucional da nova sociologia institucional. Na pesquisa realizada por Dambrin, Lambert, e Sponem (2007)Dambrin, C., Lambert, C., & Sponem, S. (2007). Control and change - analyzing the process of institutionalization. Management Accounting Research, 18 (2), 172-208., existe a situação de decoupling, entendida como uma forma de resistência à mudança, que se origina a partir de desconformidades entre o discurso organizacional e novos ideais e técnicas de controle.

Os fatores de resistência identificados nas empresas pesquisadas também aparecem em outras pesquisas. Na pesquisa realizada por Guerreiro, Frezatti, Lopes, e Pereira (2005)Guerreiro, R., Frezatti, F., Lopes, A. B., & Pereira, C. A. (2005). O entendimento da contabilidade gerencial sob a ótica da teoria institucional. Organizações & Sociedade, 12 (35), 91-105., os autores concluem que mudanças nos sistemas de contabilidade gerencial devem superar obstáculos como a insegurança gerada nos indivíduos envolvidos. Atribuem o baixo grau de implementação prática de mudanças nos sistemas de contabilidade gerencial a um desalinhamento entre as expectativas dos indivíduos e também pela desconformidade com as normas sociais de comportamento institucionalizadas na organização. Esses fatores citados por Guerreiro et al. (2005)Guerreiro, R., Frezatti, F., Lopes, A. B., & Pereira, C. A. (2005). O entendimento da contabilidade gerencial sob a ótica da teoria institucional. Organizações & Sociedade, 12 (35), 91-105. podem ser relacionados às categorias de aceitação de rotinas e insegurança utilizadas nesta pesquisa.

Fatores de resistência relacionados ao processo de mudança no sistema de contabilidade gerencial foram encontrados na pesquisa de Vicente, Pinto, e Major (2011)Vicente, C. C. S., Pinto, J. C. C., & Major, M. J. (2011). Mudanças nas práticas de controlo de gestão em Portugal. Contabilidade & Gestão – OTOC, 10 (1), 9-40., além de identificar como fator inibidor da mudança uma cultura empresarial conservadora, os autores destacaram também o fator inerente à adaptação a novas tecnologias. Adaptação a novas tecnologias envolve a necessidade de novos conhecimentos. Além disso, a adaptação a novas tecnologias pode despertar insegurança nas pessoas envolvidas. Portanto, os resultados encontrados na pesquisa realizada por Vicente et al. (2011)Vicente, C. C. S., Pinto, J. C. C., & Major, M. J. (2011). Mudanças nas práticas de controlo de gestão em Portugal. Contabilidade & Gestão – OTOC, 10 (1), 9-40. estão, de certa forma, alinhados com os resultados encontrados nesta pesquisa.

Um dos contextos que merecem uma discussão mais aprofundada envolve a situação encontrada na empresa B. No caso da empresa B, o antigo sistema integrado de gestão foi substituído por um novo sistema. Entretanto, isso não significa que todos os fatores de resistência ao processo de mudança foram vencidos. Pelo contrário, alguns dos fatores de resistência ainda prevalecem e demandam esforços para que sejam mitigados, como no caso da falta de conhecimento.

Pelos depoimentos coletados nota-se que, por mais que a equipe esteja preparada, ainda faltam investimentos para a capacitação do nível operacional em termos de conhecimento e postura frente ao novo sistema de gestão. Na opinião dos entrevistados, esse é um ponto que deve ser superado para que a organização possa usufruir de forma completa de todos os benefícios que o novo sistema oferece. Analisando o fenômeno da mudança nos sistemas de contabilidade gerencial sob essa perspectiva, conclui-se que o processo de mudança não termina quando o novo sistema de controle de gestão é implementado.

No caso citado, entende-se que o processo de mudança não está completo e carece de ações que conduzirão a organização ao uso mais eficiente e eficaz do novo instrumento. Insegurança a respeito dos benefícios que o novo instrumento proporcionará à organização permanece no ambiente. Dúvidas sobre o ganho de valor que a organização obteve ou obterá com a implementação da mudança somente poderão ser dirimidas com o tempo e, mesmo assim, sem uma mensuração objetiva.

Entende-se que o processo de mudança envolve um ápice em que os fatores de resistência se apresentam com uma maior intensidade. Se nesse ápice os fatores de resistência não revelarem força suficiente para impedir o processo de mudança, então a mudança será implementada. Entretanto, esse fato de os fatores de resistência perderem força não significa sua eliminação. Entende-se que os fatores de resistência estarão sempre presentes na organização, entretanto, na maior parte do tempo estarão em estado latente.

Os fatores de resistência compõem o contexto socioinstitucional das organizações. O início do processo de mudança constitui o gatilho que se encarrega de despertar os fatores de resistência, que aumentam sua intensidade na medida em que o processo de mudança avança. Em alguns casos, a intensidade dos fatores de resistência é tamanha que acaba por descontinuar o processo de mudança.

Esse contexto ocorreu na empresa A. A partir do momento em que o processo de implementação do sistema integrado de gestão foi descontinuado, os fatores de resistência foram perdendo intensidade, voltando a um estágio inicial de latência. Percebe-se que, nesse caso, os fatores de resistência não foram eliminados, eles continuam no contexto socioinstitucional da empresa. Certamente, manifestar-se-ão novamente em uma nova tentativa de implementação de um sistema integrado de gestão.

No caso da empresa B, percebe-se que os fatores de resistência se manifestaram, não necessariamente com a mesma intensidade como aconteceu na empresa A. Os fatores de resistência na empresa B não impediram a implementação do novo sistema integrado de gestão, e nem por isso foram eliminados. Houve um ponto em que os fatores de resistência atingiram uma intensidade máxima, mas não o suficiente para descontinuar o processo de implementação.

Com o tempo, esses fatores de resistência foram perdendo intensidade e voltando a uma situação original. Em tal caso, não se entende que esses fatores tenham sido eliminados. Apenas tendem a retornar a um estágio de latência, até que novo processo de mudança nos sistemas de contabilidade gerencial se instale. Assim sendo, compreende-se que os fatores de resistência compõem o contexto socioinstitucional e estão enraizados na natureza humana, fugindo de uma perspectiva econômico-racional.

Fatores de resistência enraizados na natureza humana são destacados por autores como Lawrance (1954)Lawrence, P. R. (1954). How to deal with resistance to change. Harvard Business Review, 32 (3), 49-57., Seo e Creed (2002)Seo, M., & Creed, D. W. E. (2002). Institutional contradictions, praxis, and institutional change: a dialectical perspective. The Academy of Management Review, 27 (2), 222-247. e Steen (2011)Steen, M. V. D. (2011). The emergence and change of management accounting routines. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 24 (1), 502-547.. Lawrence (1954)Lawrence, P. R. (1954). How to deal with resistance to change. Harvard Business Review, 32 (3), 49-57. relaciona a resistência à ação humana, mencionando que são pessoas que manifestam resistências quando percebem que mudanças sociais podem ocorrer devido a mudanças técnicas. Na percepção de Seo e Creed (2002)Seo, M., & Creed, D. W. E. (2002). Institutional contradictions, praxis, and institutional change: a dialectical perspective. The Academy of Management Review, 27 (2), 222-247., a mudança decorre da contradição, entretanto a contradição somente pode ser mediada pela práxis humana. Logo, se a resistência é inerente ao processo de mudança, percebe-se que há uma relação de interdependência entre a resistência e a práxis humana. É a práxis humana que operacionaliza os fatores de resistência. Zoni et al. (2012)Zoni, L., Dossi, A., & Morelli, M. (2012). Management accounting system (MAS) change: field evidence. Asia-Pacific Journal of Accounting & Economics, 19 (1), 119-138. mencionam que a resistência no processo de mudança ocorre por conta de diversos elementos que envolvem a intenção em promover a mudança. Além disso, destacam que a atuação dos indivíduos chave nas fases do processo de mudança é imprescindível para o processo de institucionalização. Essa abordagem oferecida pelos autores põe em evidência a participação humana no processo de mudança.

A mudança nos sistemas de contabilidade gerencial envolve a substituição de rotinas (Burns & Scapens, 2000Burns, J., & Scapens, R. W. (2000). Conceptualizing management accounting change: an institutional framework. Management Accounting Research, 11 (1), 3-25.). Rotinas decorrem da ação de múltiplos atores na organização (Steen, 2011Steen, M. V. D. (2011). The emergence and change of management accounting routines. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 24 (1), 502-547.). Diante disso, entende-se que a mudança desafia rotinas pré-existentes e com isso haverá resistências no processo (Scapens & Roberts, 1993Scapens, R. W., & Roberts, J. (1993). Accounting and control: a case study of resistance to accounting change. Management Accounting Research, 4 (1), 1-32.). Portanto, esses posicionamentos também contribuem com o entendimento de que a resistência reside no ser humano, pelo seu conjunto de crenças e valores incutidos pelo sistema social em que se encontra.

Outro fator que merece destaque é que, em cada empresa analisada, houve a identificação de um conjunto diferenciado de fatores de resistência. No caso da empresa A, dos sete fatores de resistência analisados, seis foram identificados, com exceção do poder institucional. No caso da empresa B, dos sete fatores de resistência analisados, cinco fatores foram identificados, com exceção do poder institucional e da inércia. Em ambas as empresas percebeu-se que alguns fatores de resistência surgiram com maior destaque ou intensidade. A intensidade de cada fator foi medida pelo número de trechos identificados nas entrevistas. Alguns fatores, como é o caso da confiança na empresa A, puderam ser relacionados a diversos trechos das entrevistas. Outros fatores não puderam ser relacionados a tantos trechos, comparativamente.

Portanto, essas evidências levam à percepção de que cada empresa possuirá um conjunto específico de fatores de resistência. Em cada conjunto, cada fator de resistência apresentará uma intensidade particular. Por exemplo, em algumas empresas prevalecerão fatores de resistência relacionados ao decoupling e à insegurança. Numa outra pode prevalecer o fator aceitação de rotinas. A combinação que comporá o conjunto de fatores, aliada à intensidade que cada fator possui em cada organização, tenderá a ser única para cada empresa analisada.

Portanto, quando analisados os fatores de resistência, observa-se que possuem um papel importante dentre os elementos que constituem o processo de mudança nos sistemas de contabilidade gerencial. No caso da empresa A, os fatores de resistência descontinuaram o processo de mudança. Fato esse que comprometeu recursos da empresa, causou desgastes entre os gestores, bem como dispêndio de tempo com todo o projeto. Não houve melhorias, pois a mudança não ocorreu.

Entender o papel dos fatores de resistência, no processo de mudança nos sistemas de contabilidade gerencial, maximiza a probabilidade de as organizações obterem sucesso no processo de mudança. Portanto, os resultados encontrados na análise dos fatores de resistência vêm ao encontro do pressuposto da pesquisa, em que o processo de mudança no sistema de contabilidade gerencial, por meio da implementação de um sistema integrado de gestão, enfrentará um conjunto particular de fatores representativos de pressões por resistências internas na organização, cada qual com sua intensidade, presentes permanentemente na empresa.

5 CONCLUSÃO

A resistência que ocorre durante o processo de mudança no sistema de contabilidade gerencial não pode ser ignorada. No caso da empresa A, a resistência manifestada durante o processo de implementação do sistema integrado de gestão reuniu força suficiente para interromper o processo de mudança. No caso da empresa B, o sistema integrado de gestão foi implementado e, neste caso, também foi identificada resistência ao processo, mas sem força suficiente para impedi-lo.

Neste estudo, a resistência ao processo de mudança foi abordada a partir de sete fatores. Percebeu-se que os fatores de resistência começam a contrapor o processo de mudança no mesmo momento em que se inicia o processo. Os fatores de resistência residem na natureza humana e estão permanentemente presentes no contexto socioinstitucional das organizações, mesmo que em um estado latente. Diversos são os fatores de resistência que surgem no processo, alguns com maior intensidade do que outros. Nem sempre os fatores de resistência apresentarão força suficiente para impedir o processo de mudança. Também, os esforços da gestão para mitigar os fatores de resistência durante o processo de mudança podem maximizar a probabilidade de implementar a mudança.

O pressuposto da pesquisa foi caracterizado por evidências coletadas no caso da empresa A e da empresa B. Em ambos os casos, dos sete fatores de resistência apenas o fator poder institucional não obteve evidências para sua caracterização. Recomenda-se a reaplicação desta pesquisa em outros contextos de mudança. Como foi destacado na pesquisa, em cada processo de mudança existirá um conjunto particular de fatores de resistência, com intensidades diferenciadas. Portanto, provavelmente fatores que não foram caracterizados nesta pesquisa, como é o caso do poder institucional, poderiam aparecer em outras situações. Alguns fatores de resistência obtiveram um maior número de evidências do que outros, indicando que alguns atuam com maior intensidade do que outros.

No caso desta pesquisa, entende-se que os fatores de resistência são despertados quando se inicia o processo de mudança, e podem abortar o processo de mudança quando reunirem força suficiente para tal. Caso a força exercida pelos fatores de resistência não seja suficiente para abortar o processo de mudança, então a mudança ocorrerá e os fatores de resistência tenderão a voltar a seu estado original (latência) conforme o passar do tempo. Vê-se, portanto, que, independentemente do êxito da mudança, os fatores de resistência não serão eliminados, mas que voltarão a seu estado latente até que novo processo de mudança tenha sido iniciado.

Finalizando, destaca-se o importante papel que a gestão da empresa possui para mitigar as resistências que surgem no processo de mudança. A bem sucedida implementação do sistema integrado de gestão na empresa B deve-se às estratégias empregadas para mitigar os fatores de resistência. Nesta pesquisa entendeu-se que a resistência está enraizada na natureza humana e, portanto, sempre haverá resistência em qualquer processo de mudança na contabilidade gerencial. Entretanto, visto que essa realidade restringe-se aos dois casos estudados neste artigo, recomendam-se pesquisas futuras que avaliem especificamente se a resistência é um elemento que sempre está presente no processo de mudança ou se, por outro lado, poderia existir um processo de mudança sem fatores de resistência. Para futuras investigações, sugere-se reaplicar esta pesquisa para outras empresas e utilizar a técnica de estudo de casos exploratórios, com o objetivo de identificar outros fatores de resistência que possam surgir em um processo de mudança nos sistemas de contabilidade gerencial.

  • *
    Os autores agradecem às organizações que permitiram a realização deste estudo, ao suporte do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e aos revisores anônimos da revista.
  • **
    Artigo apresentado no VII Congresso Anpcont, Fortaleza, CE, Brasil, junho, 2013.

References

  • Bardin, L. (1997). Análise de conteúdo Lisboa: Edições 70.
  • Bryman, A. (1984). Organization studies and the concept of rationality. Journal of Management Studies, 21 (4), 391-408.
  • Burns, J., & Scapens, R. W. (2000). Conceptualizing management accounting change: an institutional framework. Management Accounting Research, 11 (1), 3-25.
  • Burns, J., & Vaivio, J. (2001). Management accounting change. Management Accounting Research, 12 (4), 389-402.
  • Busco, C., Quattrone, P., & Riccaboni, A. (2007). Management accounting issues in interpreting its nature and change. Management Accounting Research, 18 (2), 125-149.
  • Busco, C., Riccaboni, A., & Scapens, R. W. (2006). Trust for accounting and accounting for trust. Management Accounting Research, 17 (1), 11-41.
  • Carruthers, B. G. (1995). Accounting, ambiguity, and the new institutionalism. Accounting, Organizations and Society, 20 (4), 313-328.
  • Coob, I., Helliar, C., & Innes, J. (1995). Management accounting change in a bank. Management Accounting Research, 6 (2), 155-175.
  • Cooper, D., & Morgan, W. (2008). Case study research in accounting. Accounting Horizons, 2 (22), 159-178.
  • Cruz, I., Major, I., & Scapens, R. W. (2009). Institutionalization and practice variation in the management control of a global/local setting. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 22 (1), 91-117.
  • Dambrin, C., Lambert, C., & Sponem, S. (2007). Control and change - analyzing the process of institutionalization. Management Accounting Research, 18 (2), 172-208.
  • Dechow, N., Granlund, M., & Mouritsen, J. (2007). Management control of the complex organization: relationships between management accounting and information technology. In C. S. Chapman, A. G. Hopwood, & M. D. Shields. (Orgs.). Handbook of Management Accounting Research (Vol. 2). Oxford, UK: Elsevier.
  • Dermer, J. D., & Lucas, R. G. (1986). The illusion of managerial control. Accounting, Organizations and Society, 11 (6), 471-482.
  • Eisenhardt, K. M. (1989). Building theories from case study research. The Academy of Management Review, 14 (4), 532-550.
  • Ferreira, A., & Otley, D. (2009). The design and use of performance management systems: an extended framework for analysis. Management Accounting Research, 20 (4), 263-282.
  • Gibbs, G. Análise de dados qualitativos Porto Alegre: Artmed, 2009.
  • Granlund, M. (2001). Towards explaining stability in and around management accounting systems. Management Accounting Research, 12 (2), 141-166.
  • Granlund, M., & Mouritsen, J. (2003). Introduction: problematizing the relationship between management control and information technology. European Accounting Review, 12 (1), 77-83.
  • Guerreiro, R., Frezatti, F., Lopes, A. B., & Pereira, C. A. (2005). O entendimento da contabilidade gerencial sob a ótica da teoria institucional. Organizações & Sociedade, 12 (35), 91-105.
  • Jeacle, I. (2003). Accounting and the construction of the standard body. Accounting Organization e Society, 28 (4), 357-377.
  • Jermias, J. (2006). The influence of accountability on overconfidence and resistance to change: a research framework and experimental evidence. Management Accounting Research, 17 (4), 370-388.
  • Kostova, T., & Roth, K. (2002). Adoption of an organizational practice by subsidiaries of multinational corporations: institutional and relational effects. Academy of Management Journal, 45 (1), 215-233.
  • Lawrence, P. R. (1954). How to deal with resistance to change. Harvard Business Review, 32 (3), 49-57.
  • Lukka, K. (2007). Management accounting change and stability: loosely coupled rules and routines in action. Management Accounting Research, 18 (1), 76-101.
  • Major, M., & Hopper, T. (2005). Managers divided: implementing ABC in a Portuguese telecommunications company. Management Accounting Research, 16 (2), 205-229.
  • Malmi, T. (1997). Towards explaining activity based costing failure: accounting and control in a decentralized organization. Management Accounting Research, 8 (4), 459-480.
  • Miller, D., & Friesen, P. H. (1980). Momentum and revolution in organizational adaptation. Academy of Management Journal, 23 (4), 591-614.
  • Moll, J., Burns, J., & Major, M. (2006). Institutional Theory. In Z. Hoque. (Ed.). Methodological issues in accounting research: theories, methods and issues London: Siramus.
  • Napier, C. J. (2006). Accounts of change: 30 years of historical accounting research. Accounting, Organizations and Society, 31 (4-5), 445-507.
  • Otley, D. T. (1999). Performance management: a framework for management control systems research. Management Accounting Research, 10 (4), 363-382.
  • Quattrone, P., & Hopper, T. (2001). What does organizational change mean? Speculations on a taken for granted category. Management Accounting Research, 12 (4), 403-435.
  • Ribeiro, J. A., & Scapens, R. W. (2006). Institutional theories in management accounting change: contributions, issues and paths for development. Qualitative Research in Accounting & Management, 3 (2), 94-111.
  • Scapens, R. W. (1990). Researching management accounting practice: the role of case study methods. British Accounting Review, 22 (3), 259-281.
  • Scapens, R. W. (1994). Never mind the gap: towards an institutional perspective on management accounting practice. Management Accounting Research, 5 (3/4), 301-321.
  • Scapens, R. W. (2006). Understanding management accounting practices: a personal journey. The British Accounting Review, 38 (1), 1-30.
  • Scapens, R., & Jazayeri, M. (2003). ERP systems and management accounting change: opportunities or impacts? A research note. European Accounting Review, 12 (1), 201-233.
  • Scapens, R. W., & Roberts, J. (1993). Accounting and control: a case study of resistance to accounting change. Management Accounting Research, 4 (1), 1-32.
  • Schein, E. H. (1992). Organizational culture and leadership Jossey-Bass Publishers: San Francisco.
  • Schein, E. H. (1993). How can organizations learn faster? The challenge of entering the Green Room. Sloan Manage Review, 34 (2), 85-92.
  • Scott, W. R. (2001). Institutions and organizations Thousand Oaks, CA: Sage.
  • Seo, M., & Creed, D. W. E. (2002). Institutional contradictions, praxis, and institutional change: a dialectical perspective. The Academy of Management Review, 27 (2), 222-247.
  • Siti-Nabiha, A. K., & Scapens, R. W. (2005). Stability and change: an institutionalism study of management accounting change. Accounting, Auditing and Accountability Journal, 18 (1), 44-73.
  • Steen, M. V. D. (2009). Inertia and management accounting change: the role of ambiguity and contradiction between formal rules and routines. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 22 (5), 736-761.
  • Steen, M. V. D. (2011). The emergence and change of management accounting routines. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 24 (1), 502-547.
  • Tessier, S., & Otley, D. (2012). From management controls to the management of controls. Accounting, Auditing & Accountability Journal, 25 (5), 1-33.
  • Vaivio, J. (1999). Exploring a non-financial management change. Management Accounting Research, 10 (4), 409-437.
  • Vicente, C. C. S., Pinto, J. C. C., & Major, M. J. (2011). Mudanças nas práticas de controlo de gestão em Portugal. Contabilidade & GestãoOTOC, 10 (1), 9-40.
  • Wagner, E. L., Moll, J., & Newell, S. (2011). Accounting logics, reconfiguration of ERP systems and the emergence of new accounting practices: a sociomaterial perspective. Management Accounting Research, 22 (3), 181-197.
  • Weick, K. E. (1976). Educational organization as a loosely coupled system. Administrative Science Quarterly, 21 (1), 1-19.
  • Yin, R. K. (2010). Estudo de caso: planejamento e métodos Porto Alegre: Bookman.
  • Zoni, L., Dossi, A., & Morelli, M. (2012). Management accounting system (MAS) change: field evidence. Asia-Pacific Journal of Accounting & Economics, 19 (1), 119-138.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sept-Dec 2014

Histórico

  • Recebido
    21 Fev 2013
  • Aceito
    25 Fev 2013
  • Revisado
    30 Jun 2014
Universidade de São Paulo, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Departamento de Contabilidade e Atuária Av. Prof. Luciano Gualberto, 908 - prédio 3 - sala 118, 05508 - 010 São Paulo - SP - Brasil, Tel.: (55 11) 2648-6320, Tel.: (55 11) 2648-6321, Fax: (55 11) 3813-0120 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: recont@usp.br