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Resiliência financeira de fundos de regimes próprios de previdência em municípios

RESUMO

O objetivo deste estudo é analisar as respostas a pressões e os padrões de resiliência financeira que emergem nos regimes próprios de previdência social (RPPS) municipais. A análise agrega à abordagem tradicional de resiliência financeira discutindo a vulnerabilidade que emerge da interação entre patrocinador e RPPS, estimulada muitas vezes pelo efeito lock-in da regulação federal que restringe o espaço para respostas transformativas. O tema de resiliência financeira tem sido aplicado como governos reagem a crises, mas não aplicado aos fundos de pensão. Contudo, o objetivo de longo-prazo desses fundos justaposto às pressões de curto prazo induz os gestores à posição paradoxal ao tentarem assimilar as pressões. O impacto do artigo para fundos de pensão e para a regulação está na proposição de que a crescente vulnerabilidade dos regimes RPPS vem do fraco cinturão de governança que protege tais fundos, e que a correção desta questão seria necessária e válida para qualquer reforma que venha a ser feita na política de previdência social no país . Em um mixed-methods sequencial, foram realizadas entrevistas com gestores de fundos, consultores e representantes da Secretaria de Previdência (SPREV) do Ministério da Fazenda, para levantar as respostas usualmente dadas pelos fundos para assimilar as pressões financeiras que surgem. Em seguida, quatro respostas típicas foram analisadas com dados contábeis e financeiros para detectar o nível de uso dessas respostas em mais de 1,8 mil fundos de 2014 a 2016. A partir da frequência das respostas adotadas por cada fundo, foi proposto o padrão de resiliência financeira predominante e como os gestores dos fundos reagem à vulnerabilidade gerada pela ação da prefeitura. Foi observado que as prefeituras acomodam pressões orçamentárias interrompendo repasses ao fundo ou reduzindo alíquotas, e com isso aumentam a vulnerabilidade do fundo. Os gestores dos fundos por sua vez usam a carteira de investimentos para pagar benefícios, reforçando a vulnerabilidade. Esse é um padrão fraco de resiliência financeira, que reforça a vulnerabilidade dos fundos. Discute-se ao final que tal padrão surge devido a falhas de governança e ao efeito lock-in proposto em Pike, Dawley & Tomaney (2010)Pike, A., Dawley, S., & Tomaney, J. (2010). Resilience, adaptation and adaptability. Cambridge Journal of Regions, Economy and Society, 3(1), 59-70., que reduz o espaço de gestores darem soluções mais transformadoras e ativas em busca de sustentabilidade financeira.

Palavras-chave
resiliência financeira; equilíbrio financeiro; regime próprio de previdência social (RPPS); previdência municipal; atuária

ABSTRACT

The objective of this study was to analyze the responses and the repetitive pattern of financial resilience which emerge within the civil servants’ pension funds (RPPS, in Portuguese) of local governments in Brazil. The analysis extends the traditional financial resilience approach discussing the emergence of vulnerability from the sponsor and RPPS interaction, often stimulated by the lock-in effect from the federal regulation, which constrains the space for transformative responses. Financial resilience is a concern usually applied to governments’ response to crises, but not for pension funds. However, the long-term objective of such funds when juxtaposed to short-term pressures conduce a paradoxical standpoint for fund’s managers absorbing the pressures. The impact of this article to the pension funds and the regulatory field is the proposition that the growing vulnerability of RPPS regimes comes from the insufficient governance belt protecting them, which would be a necessary and applicable remedy to any pension funds reform the country decides to take . It was applied a sequential mixed-method approach, starting by interviews with fund managers, actuarial consultants and representatives of the Ministry of Finance's Pension Secretariat (SPREV), to identify the usual responses to emerging financial pressures which affect the funds’ financial performance. Secondly, four from the identified typical responses were selected and analyzed through financial and accounting data to detect the response for about 1,8 thousand funds from 2014 to 2016. Based on the frequency of the adopted responses by each fund, it was proposed a recurrent financial resilience pattern, and how the managers’ responses vary according to the vulnerability provoked by the City Hall’s decisions. It was observed that the City Halls accommodate budgetary pressures failing to transfer or downsizing the contributions to the fund, increasing the fund’s vulnerability. The managers consequently respond subjoining the reserves to pay pensioners, reinforcing the fund’s vulnerability. Such response is a weak resilience pattern, which reinforces the funds’ vulnerability due to governance gaps and the lock-in effect proposed by Pike, Dawley & Tomaney (2010)Pike, A., Dawley, S., & Tomaney, J. (2010). Resilience, adaptation and adaptability. Cambridge Journal of Regions, Economy and Society, 3(1), 59-70., which constrains the local agents’ capacity to perceive and find solutions more transformative and actives looking for financial sustainability.

Keywords
financial resilience; financial sustainability; civil servants’ pension funds (RPPS); municipal pensions; actuarial

1. INTRODUÇÃO

A política previdenciária pública brasileira é padronizada para o país e se aplica a todas as relações de trabalho, incluindo o setor público nos níveis estadual e municipal. Além de manter dois sistemas previdenciários públicos contributivos - regime geral de previdência social (RGPS) e regime próprio de previdência social (RPPS) -, a política ampla de previdência inclui regras específicas para contratação voluntária de previdência privada (previdência complementar). Os RPPS no Brasil (incluindo os de estados e municípios) cobrem em torno de 10 milhões de segurados e, em 2018, capitalizaram mais de R$ 200 bilhões (Secretaria de Previdência do Ministério da Fazenda [Sprev], 2017Secretaria de Previdência do Ministério da Fazenda. (2017). Nota Técnica SEI n. 1/2017/CODAE/CGACI/SRPPS/SPREV-MF. Retrieved from http://sa.previdencia.gov.br/site/2017/09/INDICADOR-DE-SITUA%C3%87%C3%83O-PREVIDENCI%C3%81RIA-ISP-RPPS-NOTA-T%C3%89CNICA-CODAE-CGACI-SRPPS-SPREV-MF-1-2017-1.pdf.
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).

Sistemas previdenciários, como contratos sociais complexos, têm limitada capacidade de cumprir os direitos das gerações de segurados no futuro (Afonso & Zylberstajn, 2017Afonso, L. E., & Zylberstajn, H. (2017). Uma avaliação dos impactos distributivos da Proposta de Emenda Constitucional 287/2016 sobre os benefícios programáveis de aposentadoria do RGPS. In XVII USP International Conference in Accounting (p. 1-20). São Paulo, SP.). Reformas paramétricas e estruturais em diversos países procuram recuperar estes sistemas que, em geral, são soluções de difícil negociação social (Holzmann et al., 2005Holzmann, R., Hinz, R. P., von Gersdorff, H., Gill, I., Impavido, G., Musalem, A. R., Palacios, R., Robolino, D., Rutkowski, M., Schwarz, A., Sin, Y., & Subbarao, K. (2005). Old-age income support in the twenty-first century: An international perspective on pension systems and reform. Washington, DC: World Bank.). Apesar das reformas estruturais feitas por diversos países, incluindo da América Latina (Mesa‐Lago, 2001Mesa‐Lago, C. (2001). Structural reform of social security pensions in Latin America: Models, characteristics, results and conclusions.International Social Security Review,54(4), 67-92., 2006Mesa-Lago, C. (2006). Private and public pension systems compared: An evaluation of the Latin American experience. Review of Political Economy, 18(3), 317-334.), os fundos previdenciários continuam vulneráveis. Na Europa, por exemplo, alguns governos retrocederam nas reformas previdenciárias e acabaram confiscando saldos de fundos de pensão de universidades, estatais ou privados para cumprir suas obrigações de curto prazo, com a promessa de cumprir o pagamento futuro de benefícios, e em outros países os fundos foram simplesmente encerrados (Casey, 2014Casey, B. H. (2014). From pension funds to piggy banks: (Perverse) consequences of the stability and growth pact since the crisis. International Social Security Review, 67(1), 27-48.).

Em geral, o debate na literatura internacional se dá no nível do sistema geral de governos centrais. Rara exceção é o estudo de Foltin (2018)Foltin, C. (2018). An examination of state and local government pension underfunding - Implications and guidance for governance and regulation. Research in Accounting Regulation, 30(2), 112-120. , que mostra os problemas em fundos de pensão de governos estaduais nos Estados Unidos da América. O foco do presente artigo é nos fundos públicos de previdência municipal (RPPS) que cobrem os servidores públicos civis concursados contratados pelos governos municipais, os quais são os mantenedores desses fundos. Atualmente, existem no Brasil mais de dois mil municípios com regimes próprios de previdência, os quais migraram seus servidores, então cobertos pelo RGPS, para esses regimes formados e administrados localmente (Sprev, 2018). Nos municípios onde não há RPPS, os servidores públicos continuam cobertos pelo RGPS.

Os parâmetros definidos na legislação nacional, assim como as escolhas locais e a forma como os fundos são administrados, de forma combinada, contribuem para o déficit atuarial dos RPPS, superior a 10% do produto interno bruto (PIB), com ativos totais insuficientes para conferir sustentabilidade financeira ao sistema (Nogueira, 2012Nogueira, N. G. (2012). O equilíbrio financeiro e atuarial dos RPPS: de princípio constitucional a política pública de Estado. Brasília, DF: Ministério da Previdência Social.). As fragilidades na gestão dos RPPS, observadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em municípios de maior porte [Tribunal de Contas da União (TCU), 2016Tribunal de Contas da União. (2016). TC 008.368/2016-3. Retrieved from https://portal.tcu.gov.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId=8A8182A258925333015892550E24051C&inline=1.
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], podem ser um cenário generalizado nos demais municípios. Os RPPS, enquanto organizações ligadas às prefeituras municipais, estão sujeitos às pressões que emergem localmente na estreita relação com a prefeitura, e contam com a atuação de prefeito, vereadores, gestores de fundos e seus conselheiros para solucionar tais pressões sem aumentar a vulnerabilidade futura do fundo. Tais pressões podem ser originadas, por exemplo, em uma crise econômica que gera pressão orçamentária e fiscal no mantenedor, ou mesmo pelo contínuo descolamento entre a capitalização do fundo e a evolução demográfica da massa de segurados. Ao darem soluções a essas pressões, gestores e mantenedores desses fundos podem estar tornando os fundos ainda mais vulneráveis no futuro.

O objetivo desta pesquisa é analisar as respostas a pressões financeiras que emergem nos fundos de RPPS municipais e o padrão de resiliência financeira predominante nesses fundos. Analisou-se e propôs-se que os governos locais têm pouco espaço para dar respostas às pressões financeiras que emergem nesses fundos, o que de certa forma restringe o padrão de resiliência que emerge. Já que as diretrizes gerais da política de previdência são estabelecidas pela regulação nacional, na prática, resta aos gestores municipais apenas ajustes de natureza paramétrica, que introduzem alterações no plano previdenciário sem mudar sua forma de financiamento (Mascarenhas, Oliveira & Caetano, 2004Mascarenhas, R., Oliveira, A., & Caetano, M. (2004). Análise atuarial da reforma da previdência do funcionalismo público da União (Vol. 21). (Coleção Previdência Social). Brasília, DF: Ministério da Previdência Social/Secretaria de Políticas de Previdência. ).

Os ajustes paramétricos, além de não serem capazes de eliminar o déficit das contas previdenciárias, possuem alto custo político porque, em alguma medida, as ações a serem adotadas interferem nos interesses dos servidores municipais ativos e aposentados, que têm sindicatos e associações como principais stakeholders. Para evitar desgaste político com esses atores, os vereadores eventualmente transferem para os prefeitos a responsabilidade de adotar as medidas necessárias. Quando não têm o apoio do Legislativo local, os prefeitos, pressionados pelos servidores e tendo que atender aos limites de gastos impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000. (2000, 4 de maio). Retrieved from http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp101.htm.
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), dão respostas ainda menos efetivas e acabam por ampliar a vulnerabilidade dos fundos previdenciários.

Para analisar a questão, adotou-se o framework de resiliência financeira de Barbera et al. (2017)Barbera, C., Jones, M., Korac, S., Saliterer, I., & Steccolini, I. (2017). Governmental financial resilience under austerity in Austria, England and Italy: How do local governments cope with financial shocks? Public Administration, 95(3), 670-697., em que os governos locais de diferentes países apresentam padrões de resiliência que emergem de condições organizacionais e das vulnerabilidades percebidas pelos gestores. Agregou-se ao framework o impacto do efeito de lock-in proposto em Pike et al. (2010)Pike, A., Dawley, S., & Tomaney, J. (2010). Resilience, adaptation and adaptability. Cambridge Journal of Regions, Economy and Society, 3(1), 59-70., que limitaria a capacidade dos agentes locais em encontrar soluções para o contexto local, usando alternativas padronizadas e restritas.

Adotou-se uma abordagem em mixed-methods sequencial (Mele & Belardinelli, 2018Mele, V., & Belardinelli, P. (2018). Mixed methods in public administration research: Selecting, sequencing, and connecting. Journal of Public Administration Research and Theory, 29(2), 334-347. ), a partir da análise da regulação e de entrevistas feitas com gestores, conselheiros e consultores desses fundos e técnicos da Sprev, e as respostas típicas utilizadas pelos fundos foram identificadas. Em seguida, aplicou-se o framework teórico para captar as respostas de gestores dos fundos e da prefeitura com dados financeiros e contábeis dos regimes próprios de 2014 a 2016. Com base no mesmo framework, analisaram-se os cenários de vulnerabilidade gerados pelas respostas das prefeituras e como estes estão associados ao padrão de resiliência financeira fatalista e powerless que emerge recorrentemente nos fundos de previdência municipal no Brasil.

A proposta dos padrões de resiliência é feita pela combinação das respostas típicas identificadas no caso dos RPPS em questão: (i) redução das alíquotas de contribuição previdenciária; (ii) interrupção do pagamento de benefício previdenciário; (iii) interrupção de contribuições e repasses; (iv) uso da carteira de investimentos; e (v) aumento das alíquotas de contribuição previdenciária.

2. FRAMEWORK DE RESILIÊNCIA FINANCEIRA

O conceito de resiliência tem diferentes sentidos e normalmente é retratado, na literatura, como resultado de uma variedade de dimensões (Barbera et al., 2017Barbera, C., Jones, M., Korac, S., Saliterer, I., & Steccolini, I. (2017). Governmental financial resilience under austerity in Austria, England and Italy: How do local governments cope with financial shocks? Public Administration, 95(3), 670-697.; Bhamra, Dani & Burnard, 2011Bhamra, R., Dani, S., & Burnard, K. (2011). Resilience: The concept, a literature review and future directions. International Journal of Production Research, 49(18), 5375-5393.; Darnhofer, 2014Darnhofer, I. (2014). Resilience and why it matters for farm management. European Review of Agricultural Economics, 41(3), 461-484.; Linnenluecke, 2017Linnenluecke, M. K. (2017). Resilience in business and management research: A review of influential publications and a research agenda. International Journal of Management Reviews, 19(1), 4-30.; Denhardt & Denhardt, 2010Denhardt, J., & Denhardt, R. (2010). Building organizational resilience and adaptive management. In Denhardt, J., & Denhardt, R. Handbook of adult resilience. New York, NY: The Guilford Press.), como conceito abrangente e multifacetado (Irigaray, Paiva & Goldschmidt, 2017Irigaray, H. A. R., de Paiva, K. C. M., & Goldschmidt, C. C. (2017). Resiliência organizacional: proposição de modelo integrado e agenda de pesquisa. Cadernos EBAPE . BR, 15(Especial), 390-408.).

Esse conceito envolve a capacidade de reduzir riscos e de se adaptar rapidamente a um choque externo, como uma crise econômica, e continuar operando mesmo em condições adversas (Hood, 1991Hood, C. (1991). A public management for all seasons? Public Administration, 69, 3-19.). Em uma perspectiva organizacional, organizações resilientes podem desenvolver novas capacidades e habilidades para explorar as oportunidades que surgem (Coutu, 2002Coutu, D. L. (2002). How resilience works. Harvard Business Review, 80(5), 46-56.; Irigaray, Paiva & Goldschmidt, 2017Irigaray, H. A. R., de Paiva, K. C. M., & Goldschmidt, C. C. (2017). Resiliência organizacional: proposição de modelo integrado e agenda de pesquisa. Cadernos EBAPE . BR, 15(Especial), 390-408.). Tais organizações reconhecem essas janelas de oportunidade e alteram ou reinventam suas estratégias antes que as circunstâncias as forcem a fazê-lo (Barbera et al., 2017Barbera, C., Jones, M., Korac, S., Saliterer, I., & Steccolini, I. (2017). Governmental financial resilience under austerity in Austria, England and Italy: How do local governments cope with financial shocks? Public Administration, 95(3), 670-697.; Gunderson & Holling, 2002Gunderson, L. H., & Holling, C. S. (Eds.) (2002). Panarchy: Understanding transformations in human and natural systems. Washington, DC: Island Press.; Hamel & Välikangas, 2003Hamel, G. V., & Välikangas, L. (2003). The quest for resilience. Harvard Business Review, 81(9), 52-63.). Uma recorrente discussão é o que forma ou gera um padrão de resiliência organizacional ou seus aspectos específicos, como a resiliência financeira.

Barbera et al. (2017)Barbera, C., Jones, M., Korac, S., Saliterer, I., & Steccolini, I. (2017). Governmental financial resilience under austerity in Austria, England and Italy: How do local governments cope with financial shocks? Public Administration, 95(3), 670-697. propõem um framework que descreve padrões de resiliência financeira definida como “a habilidade da organização em antecipar, absorver ou reagir a choques que afetariam suas finanças” (p. 675). Os autores analisaram governos locais de diferentes países e propuseram fatores que moldam tal habilidade. Identificaram, indutivamente, cinco padrões de resiliência entre aqueles governos: autorregulados (self-regulators), adaptados-restritos (constrained adapters), adaptados-reativos (reactive adapters), fatalistas-arrogantes (contented fatalists) e fatalistas-abnegados (powerless fatalists). Tais padrões resultam da interação das condições organizacionais que ao longo do tempo emergem das vulnerabilidades da organização e das respostas elaboradas por essa para assimilar as pressões financeiras (Tabela 1).

O ponto central na questão de resiliência financeira seria a relação entre vulnerabilidade percebida, capacidade de antecipação de choques ou pressões e capacidade de reação a eles. Vulnerabilidades percebidas são o quanto a organização se considera exposta aos diversos choques, crises, tensões, que seriam ameaças ao seu desempenho regular, ameaças essas existentes na interface entre o ambiente e a organização (Barbera et al., 2017Barbera, C., Jones, M., Korac, S., Saliterer, I., & Steccolini, I. (2017). Governmental financial resilience under austerity in Austria, England and Italy: How do local governments cope with financial shocks? Public Administration, 95(3), 670-697.; Hendrick, 2011Hendrick, R. M. (2011). Managing the fiscal metropolis: The financial policies, practices, and health of suburban municipalities. Washington, DC: Georgetown University Press.; McManus, Seville, Brunsdon & Vargo, 2007McManus, S., Seville, E., Brunsdon, D., & Vargo, J. (2007). Resilience management: A framework for assessing and improving the resilience of organizations. Retrieved from http://cpor.org/ro/ResilienceMgmtResearch(2007).pdf.
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). Capacidade de antecipação (anticipatory capacity) é a disponibilidade de ferramentas, instrumentos, técnicas e habilidades que permitem aos gestores identificarem e gerenciarem melhor suas vulnerabilidades ante as possíveis pressões financeiras antes que essas apareçam. Já a capacidade de reação (coping capacity) inclui os recursos e as habilidades para assimilar as consequências dos choques (Barbera et al., 2017Barbera, C., Jones, M., Korac, S., Saliterer, I., & Steccolini, I. (2017). Governmental financial resilience under austerity in Austria, England and Italy: How do local governments cope with financial shocks? Public Administration, 95(3), 670-697.).

Tabela 1
Padrões de resiliência financeira de governos locais em Barbera, Jones, Korac, Saliterer e Steccolini ( 2017 Barbera, C., Jones, M., Korac, S., Saliterer, I., & Steccolini, I. (2017). Governmental financial resilience under austerity in Austria, England and Italy: How do local governments cope with financial shocks? Public Administration, 95(3), 670-697. )

As capacidades de ação ou resposta podem assumir diferentes formas: buffering capacities (criação de reservas de recursos ou redundâncias de processos que ajudam na absorção do impacto de um choque sem alterar a forma como a organização opera); adapting capacities, como active coping capacities (adaptar processos com mudanças incrementais, mas sem alterar os princípios, cultura e os valores subjacentes) ou reactive coping capacities (que perigosamente perpetuam soluções temporárias que aumentam a vulnerabilidade); e transforming capacities (transformar processos e forma de operação com mudanças radicais, incluindo estruturas, objetivos e valores) (Barbera et al., 2017Barbera, C., Jones, M., Korac, S., Saliterer, I., & Steccolini, I. (2017). Governmental financial resilience under austerity in Austria, England and Italy: How do local governments cope with financial shocks? Public Administration, 95(3), 670-697.; Béné, Wood, Newsham & Davies, 2012Béné, C., Wood, R. G., Newsham, A., & Davies, M. (2012). Resilience: New utopia or new tyranny? Reflection about the potentials and limits of the concept of resilience in relation to vulnerability reduction programs [Working Paper]. Institute of Development Studies.; Darnhofer 2014Darnhofer, I. (2014). Resilience and why it matters for farm management. European Review of Agricultural Economics, 41(3), 461-484.; Davoudi, Brooks & Mehmood, 2013Davoudi, S., Brooks, E., & Mehmood, A. (2013). Evolutionary resilience and strategies for climate adaptation.Planning Practice & Research,28(3), 307-322.). As capacidades de antecipação adaptativas e transformadoras podem vir a reduzir as vulnerabilidades percebidas, mas, ao final, podem se mostrar inadequadas e aumentar a vulnerabilidade em outros aspectos ao longo do tempo (Barbera et al., 2017Barbera, C., Jones, M., Korac, S., Saliterer, I., & Steccolini, I. (2017). Governmental financial resilience under austerity in Austria, England and Italy: How do local governments cope with financial shocks? Public Administration, 95(3), 670-697.; Davoudi, Brooks & Mehmood, 2013Davoudi, S., Brooks, E., & Mehmood, A. (2013). Evolutionary resilience and strategies for climate adaptation.Planning Practice & Research,28(3), 307-322.; Meier & O'Toole, 2009Meier, K. J., & O’Toole, L. J., Jr. (2009). The dog that didn’t bark: How public managers handle environmental shocks.Public Administration,87(3), 485-502.; Wildavsky, 1988Wildavsky, A. B. (1988).Searching for safety. New York, NY: Routledge.).

Contudo, o framework de Barbera et al. (2017)Barbera, C., Jones, M., Korac, S., Saliterer, I., & Steccolini, I. (2017). Governmental financial resilience under austerity in Austria, England and Italy: How do local governments cope with financial shocks? Public Administration, 95(3), 670-697. não trata de restrições normativas às respostas dos atores. Seguindo a abordagem de economia geográfica, Pike et al. (2010)Pike, A., Dawley, S., & Tomaney, J. (2010). Resilience, adaptation and adaptability. Cambridge Journal of Regions, Economy and Society, 3(1), 59-70. propõem que agentes locais podem não conseguir responder adequadamente por estarem sujeitos a efeitos lock-in, travas decorrentes de políticas nacionais centralmente desenvolvidas. Tais políticas reduziriam a adaptabilidade de agentes adequarem soluções às condições locais. Essas travas viriam em forma de reduzida autonomia e recursos reduzidos para agentes locais implantarem soluções. A influência chegaria também no campo normativo, em que valores e padronização de estratégias limitariam as soluções dadas pelos agentes locais. Aplicando esse conceito no contexto dos regimes de previdência municipais, os gestores de fundos, prefeitos e vereadores estão normativamente limitados pela política de previdência nacional e pelo mandato legal de seus cargos. Considerando esse espaço de atuação, desenharão soluções para se preparar e lidar com eventuais pressões financeiras.

A sobrevivência dos fundos é baseada na garantia de que o governo mantenedor do fundo compensará qualquer necessidade de recursos para pagamento de benefícios. Isso traz implicações significativas, entre elas a negociação de acordos com associações de servidores, vereadores, conselheiros e gestores dos fundos que amenizem as pressões impostas pelo contexto local. Para isso, em um padrão de resposta mais transformador e proativo, os agentes locais considerariam as políticas nacionalmente determinadas pela Sprev e refletiriam sobre suas fontes de vulnerabilidade e o nível de riscos a que estão expostos. Tal análise permitiria aos gestores compreender suas capacidades de antecipação e de reação aos choques, visando à absorção ou recuperação dos efeitos do choque que afetam suas finanças ao longo do tempo (Barbera et al., 2017Barbera, C., Jones, M., Korac, S., Saliterer, I., & Steccolini, I. (2017). Governmental financial resilience under austerity in Austria, England and Italy: How do local governments cope with financial shocks? Public Administration, 95(3), 670-697.).

3. METODOLOGIA

A análise identifica as respostas usualmente adotadas no contexto dos RPPS pelas prefeituras e gestores dos fundos para absorver as pressões financeiras ou fiscais e o padrão recorrente de resiliência financeira desses fundos, aplicando o framework teórico de Barbera et al. (2017)Barbera, C., Jones, M., Korac, S., Saliterer, I., & Steccolini, I. (2017). Governmental financial resilience under austerity in Austria, England and Italy: How do local governments cope with financial shocks? Public Administration, 95(3), 670-697.. A metodologia proposta em um mixed-methods sequencial (Mele & Belardinelli, 2018Mele, V., & Belardinelli, P. (2018). Mixed methods in public administration research: Selecting, sequencing, and connecting. Journal of Public Administration Research and Theory, 29(2), 334-347. ) é composta por duas etapas: (i) uma abordagem indutiva com entrevistas para identificação das respostas típicas adotadas pelos RPPS; e (ii) a aplicação do framework teórico para identificação do padrão de resiliência presente nos RPPS, com uso de dados contábeis e financeiros dos fundos.

Realizaram-se entrevistas com 35 gestores e conselheiros de RPPS, de diversos portes e regiões do país, além de consultores e representantes da Sprev. As entrevistas foram realizadas entre os meses de janeiro e abril de 2018, quando se discutia a reforma da previdência pelo Governo Michel Temer. O protocolo das entrevistas com gestores de fundos incluía questões como “quais as ações gestores e conselho do RPPS podem tomar para manter o equilíbrio financeiro e atuarial do RPPS?”, “quais os principais desafios enfrentados?”, e “como são resolvidas as tensões e pressões financeiras?”. As entrevistas foram gravadas com a permissão de todos os gestores. A partir das entrevistas com gestores, conselheiros, consultores e representantes do órgão regulador, e com a experiência de um dos autores que atua com o governo federal no tema há 15 anos, elaborou-se a tabela de respostas típicas adotadas pelos RPPS para lidar com pressões orçamentárias (Tabela 2). Em seguida, selecionaram-se quatro das respostas típicas que poderiam ser captadas com dados financeiros e contábeis dos fundos. Captamos a presença das respostas a partir de uma base de dados financeiros e contábeis dos mais de dois mil fundos de previdência municipais existentes em 2017 obtidos com a Sprev. O número de RPPS analisados no período de 2014 a 2016 varia de 1.556 a 1.889 fundos. A variação do número de RPPS, dependendo das respostas analisadas, deu-se devido à disponibilidade de dados relativos a essas informações da própria base de dados da Sprev.

Consideraram-se apenas os fundos previdenciários vigentes no período. Desconsideraram-se os fundos financeiros para esta análise. Pela chamada “segregação de massa” (resposta #3, Tabela 3), os RPPS dividiram seus segurados em dois tipos de fundos: previdenciários e financeiros. No fundo financeiro, as contribuições mensais devem ser suficientes para pagar os benefícios dos segurados já aposentados, não existe capitalização. Já nos fundos previdenciários, os recursos são capitalizados para pagamento de benefícios futuros quando os segurados se aposentarem. Focaram-se os fundos previdenciários, que deveriam ser menos suscetíveis a pressões de curto prazo em relação aos financeiros.

O período em análise contempla os três últimos anos com dados completos disponíveis e os três últimos anos do mandato 2013-2016 de prefeitos e capta a pressão fiscal gerada pela crise econômica originada em 2014. Algumas análises usam dados mensais, outras bimestrais, dependendo da frequência de prestação de contas daquela informação pelo RPPS ao órgão regulador e fiscalizador (Sprev).

As respostas selecionadas para análise quantitativa coincidem com os seguintes tipos propostos pelo framework em Barbera et al. (2017)Barbera, C., Jones, M., Korac, S., Saliterer, I., & Steccolini, I. (2017). Governmental financial resilience under austerity in Austria, England and Italy: How do local governments cope with financial shocks? Public Administration, 95(3), 670-697. (entre parêneteses): (i) interrupção de contribuições e repasses (powerless coping); (ii) diminuição das alíquotas de contribuição previdenciária (powerless coping); (iii) aumento das alíquotas de contribuição previdenciária (active coping); (iv) uso da carteira de investimentos (powerless coping); e (v) atraso no pagamento de benefícios previdenciários (fatalist). Para cada resposta construímos dois tipos de medidas: uma de intensidade (escala contínua) e outra de presença da resposta (escala binária).

3.1. Intensidade das Respostas (Escalas Contínuas)

3.1.1. Interrupção de contribuições e repasses (#6, Tabela 2)

Analisaram-se apenas as contribuições patronais repassadas de 2014 a 2016 e não foram consideradas as contribuições descontadas do holerite dos servidores. Os dados são mensais, portanto, não eram esperadas grandes variações, pois esse valor deveria flutuar com a entrada e a saída orgânica de servidores na carteira. A medida foi construída calculando-se a variação da contribuição no mês em relação ao valor da contribuição depositada pela prefeitura no mês anterior (em variação percentual). O indicador de interrupção da contribuição é apresentado em três faixas: variações acima de 10%; acima de 25%; ou acima de 50%. Os casos acima de 50% mostram casos extremos. Cobriu-se o período de 36 meses em 1.889 RPPS com dados disponíveis, de 2013 a 2016. A frequência de interrupções foi observada por casos, mínimo de zero e máximo de 36 interrupções mensais no período, para cada RPPS.

3.1.2. Aumento ou redução de alíquotas de contribuição previdenciária

A variação das alíquotas foi calculada com base naquela informada pelo RPPS em relação à anteriormente vigente (em variação percentual). As alíquotas de 1.559 fundos foram comparadas com dados disponíveis praticados no último trimestre de 2016 e de 2015, para cada grupo de contribuição previdenciária: aposentados; servidores ativos; patronal; e pensionistas. O aumento (#11) e a redução das alíquotas (#7) foram medidos pela variação percentual, respectivamente positivo e negativo em relação a 2015.

3.1.3. Uso da carteira de investimentos para pagar benefícios (#2)

Captou-se a variação do saldo bimestral informado pelo fundo em relação ao período anterior (em variação percentual). Novamente as mudanças e flutuações deveriam ser suaves, sem grandes sobressaltos, sobretudo sem saques de alto valor, dado que o pagamento de benefícios previdenciários normalmente é feito tendo como base o ingresso de recursos no ano corrente. Casos em que o saldo anterior foi superior ao saldo atual (queda de reservas) foram apontados como “uso intempestivo da carteira”. A frequência do uso da carteira no mesmo período de 36 meses foi analisada bimestralmente. Assim, a carteira do fundo foi sacada entre zero a 18 bimestres em cada um dos 1.878 RPPS com dados disponíveis.

3.1.4. Atraso no pagamento das aposentadorias (#1)

Comparou-se o pagamento da aposentadoria do mês com o do mês anterior (variação percentual). Não é esperada queda de um mês para outro, exceto na eventual transferência da natureza do benefício ou no caso de morte do servidor. Não foram considerados os meses de janeiro, pois, se comparados a dezembro, seriam maiores em função do 13º salário pago em dezembro, o que daria a falsa ideia de atraso do pagamento em janeiro. Novamente, o indicador de atraso do pagamento no mês é apresentado em três faixas: variações acima de 10%; acima de 25%; ou acima de 50%. Cobriu-se o período de 36 meses em 1.880 RPPS com dados disponíveis de 2013 a 2016. A frequência de atrasos, variando de zero a 36 atrasos mensais para cada RPPS, foi observada.

3.2. Presença das Respostas (Escala Binária)

Para analisar quais municípios (prefeituras e RPPS) apresentavam uso regular das cinco medidas observadas, transformaram-se as variáveis de cada resposta em escala binária. Considerou-se que tanto RPPS ou prefeitura usam regularmente uma resposta em relação aos demais casos se o número de períodos em que a resposta é usada está nos dois quartis superiores em relação aos demais observados (para todas as respostas #1, #2 e #6). Se o caso em questão está nos quartis superiores daquela resposta, a variável assume valor 1 para aquele RPPS ou prefeitura, se não, 0. Assim, o uso de uma resposta por um RPPS ou prefeitura é relativo ao uso da mesma resposta pelos demais municípios. Especificamente para o ajuste em alíquotas (#7 e #11), a presença da resposta assume valor 1 para aquela prefeitura que alterou a alíquota patronal informada para 2016 em relação àquela informada para 2015. Nessa análise, considerou-se apenas a alíquota patronal, por ser a que afeta diretamente o fluxo de caixa da prefeitura sem afetar o holerite de servidores ou aposentados.

3.3. Análises

Para todas as respostas, apresenta-se graficamente como a intensidade observada variou com a idade do fundo e com o porte do município. Observa-se que as respostas são similares para diversos portes e idades de fundos, o que foi confirmado posteriormente por testes de média (não apresentados aqui). O porte dos municípios foi analisado segregando-se os casos em até 10 mil habitantes, entre 10 e 50 mil habitantes, entre 50 e 100 mil habitantes e em mais de 100 mil habitantes.

Em seguida, comparou-se como a presença de respostas nos diversos RPPS está associada à vulnerabilidade gerada por duas respostas da prefeitura (interrupção de repasses e redução de alíquotas). Para isso, configuraram-se quatro cenários de vulnerabilidade que emergem da resposta da prefeitura: aumento da vulnerabilidade de curto ou longo prazo, redução da vulnerabilidade no longo prazo ou nível de vulnerabilidade não afetada, dado que a prefeitura não tomou qualquer ação. Os RPPS foram distribuídos em uma matriz de cenários de vulnerabilidade pelas respostas dos gestores. Analisou-se a recorrência dos padrões que aparecem no período de 2014 a 2016. Por fim, realizaram-se testes de média para analisar os efeitos dos cenários de vulnerabilidade gerados pelas respostas da prefeitura e como as duas respostas à disposição dos gestores dos fundos estão associadas a esses cenários.

4. REGULAÇÃO FEDERAL E O ESPAÇO PARA GESTÃO LOCAL

Sistemas de seguridade social e previdenciários são reformados por mudanças de duas naturezas e envergadura: reformas estruturais e reformas paramétricas (Mesa-Lago, 2001Mesa‐Lago, C. (2001). Structural reform of social security pensions in Latin America: Models, characteristics, results and conclusions.International Social Security Review,54(4), 67-92.). Reformas paramétricas provocam alterações no plano de benefícios previdenciários, procuram melhorar a sustentabilidade financeira de previdências públicas no longo prazo, alterando idade de aposentadoria e alíquotas de contribuição. Já as reformas estruturais alteram a forma de financiamento dos benefícios previdenciários (por exemplo, mudando o regime de repartição simples para o de capitalização), portanto, são mais radicais, como aquelas feitas no Chile, na Argentina e no Uruguai (Mesa-Lago, 2006Mesa-Lago, C. (2006). Private and public pension systems compared: An evaluation of the Latin American experience. Review of Political Economy, 18(3), 317-334.). No caso das reformas paramétricas, usualmente adotadas no Brasil (Mesa-Lago, 2001Mesa‐Lago, C. (2001). Structural reform of social security pensions in Latin America: Models, characteristics, results and conclusions.International Social Security Review,54(4), 67-92., 2006Mesa-Lago, C. (2006). Private and public pension systems compared: An evaluation of the Latin American experience. Review of Political Economy, 18(3), 317-334.), a maior parte dos parâmetros é definida no nível federal, ficando os ajustes finos para os regimes no nível local.

Apesar de o direito de estados e municípios legislar concorrentemente sobre previdência social (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, inciso XII, art. 24Constituição da República Federativa do Brasil. (1988, 05 de outubro). Retrieved from http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
), a regulação federal acaba restringindo a autonomia dos gestores municipais e configura o efeito lock-in proposto em Pike et al. (2010)Pike, A., Dawley, S., & Tomaney, J. (2010). Resilience, adaptation and adaptability. Cambridge Journal of Regions, Economy and Society, 3(1), 59-70., pois restringe e condiciona a capacidade de adaptar soluções às pressões ao contexto local, o que afeta o padrão de resiliência.

As leis e os normativos que regulam os RPPS são editados pela Sprev e por outros órgãos federais. Essas leis delegam alguns pontos específicos para serem decididos localmente, como a definição da alíquota dentro de seus limites mínimo e máximo.

A regulação federal define que a criação de um RPPS municipal se dá com um projeto de iniciativa do prefeito, aprovado por lei local, e que tal projeto deve estar suportado por estudo de viabilidade atuarial (art. 1, inciso I, Lei n. 9.717, de 27 de novembro de 1998Lei n. 9.717, de 27 de novembro de 1998. (1998, 27 de novembro). Dispõe sobre regras gerais para a organização e o funcionamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal e dá outras providências. Retrieved from http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9717.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEI...
), demonstrando se o município tem condições de garantir os pagamentos dos benefícios previstos no plano previdenciário. Define, ainda, que o RPPS seja administrado por uma única “unidade gestora de RPPS”, constituída sob a forma de fundo especial, autarquia ou fundação pública. Tal unidade é registrada no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) na Receita Federal do Brasil (art. 2º, V, Portaria MPS n. 402, de 10 de dezembro de 2008Portaria MPS n. 402, de 10 de dezembro de 2008. (2008, 11 e 12 de dezembro). Retrieved from http://sa.previdencia.gov.br/site/2017/07/PORTARIA-MPS-n%C2%BA-402-de-10dez2008-atualizada-at%C3%A9-19jul2017.pdf.
http://sa.previdencia.gov.br/site/2017/0...
, e Orientação Normativa MPS/SPS n. 2, de 31 de março de 2009Orientação Normativa MPS/SPS n. 2, de 31 de março de 2009 (2009, 02 de abril). Retrieved from http://www.recursoshumanos.sp.gov.br/aposentadoria/ORIENTACAO%20NORMATIVA%20MPS_SPS%20N%2002%20DE%2031%20DE%20MARCO%20DE%202009%20-%20DOU%20DE%2002_04_2009.pdf.
http://www.recursoshumanos.sp.gov.br/apo...
).

Pela regulação, dois tipos de desempenho mostram a viabilidade dos fundos: o resultado financeiro e o resultado atuarial. Em fundos capitalizados, como os que serão analisados aqui, basicamente as receitas das diversas contribuições, como a patronal (pago pelo empregador - prefeitura), a do servidor (descontado do holerite) e as de investimento das reservas, são acumuladas para pagar benefícios futuros quando esses servidores se aposentarem (para outros detalhes ver legislação previdenciária aplicada). O longo prazo é captado pelo resultado atuarial superavitário, os fundos equilibrados são os que conseguem compor, ao longo dos anos, reservas para suprir o fluxo futuro de pagamento de aposentadorias daqueles segurados. O curto prazo é captado pelo resultado financeiro, que mostra se as receitas correntes são suficientes para pagar as despesas correntes no ano ou se o Tesouro Municipal deverá cobrir a diferença. Resultados atuariais deficitários implicarão em aportes adicionais ao fundo no futuro ou correção dos parâmetros do plano. Consequentemente, na dinâmica dos fundos capitalizados, a pressão financeira se origina da (i) interrupção das contribuições ao fundo e consequente uso das reservas e (ii) do crescimento das despesas sem o devido ajuste das receitas de contribuições que serão insuficientes para fazer frente às despesas.

Para manter tal ajuste fino, a regulação federal prescreve, entre outros pontos: (i) a forma de criação do fundo e tipos de benefícios a serem concedidos; (ii) os limites mínimo e máximo e proporções entre tipos de alíquotas; (iii) as alternativas para investimento dos recursos do fundo; (iv) a forma da prestação de contas; e (v) as sanções para o descumprimento da legislação. Quanto aos benefícios, o rol de possibilidades é determinado pelo RGPS, pois os RPPS municipais não podem conceder benefícios distintos dos previstos no regime geral, apenas se a própria Constituição Federal permitir (art. 5º da Lei n. 9.717, de 27 de novembro de 1998 e atualizaçõesLei n. 9.717, de 27 de novembro de 1998. (1998, 27 de novembro). Dispõe sobre regras gerais para a organização e o funcionamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal e dá outras providências. Retrieved from http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9717.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEI...
).

A lei determina uma série de parâmetros em relação às proporções das alíquotas, como, por exemplo, que a alíquota de contribuição previdenciária dos servidores municipais não pode ser inferior à alíquota de contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União (art. 3º da Lei n. 9.717, de 27 de novembro de 1998 e atualizaçõesLei n. 9.717, de 27 de novembro de 1998. (1998, 27 de novembro). Dispõe sobre regras gerais para a organização e o funcionamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal e dá outras providências. Retrieved from http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9717.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEI...
). A contribuição da parte patronal também não pode ser inferior ao valor da contribuição do servidor ativo, nem superior ao dobro dessa contribuição (art. 2º da Lei n. 9.717, de 27 de novembro de 1998 e atualizaçõesLei n. 9.717, de 27 de novembro de 1998. (1998, 27 de novembro). Dispõe sobre regras gerais para a organização e o funcionamento dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos militares dos Estados e do Distrito Federal e dá outras providências. Retrieved from http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9717.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEI...
). Atualmente, a alíquota dos servidores pode variar de 11 a 14% e a patronal de 11 a 28%.

A regulação federal também determina em quais ativos financeiros o fundo pode aplicar eventuais sobras de contribuições e repasses previdenciários. A alocação dos recursos deve seguir as possibilidades dadas pela Resolução do Banco Central do Brasil n. 3.992/2011Resolução do Banco Central do Brasil n. 3.992/2011. Autoriza a renegociação de operações de investimento, de custeio e de Empréstimo do Governo Federal (EGF) contratadas por orizicultores e suinocultores, e a concessão da Linha Especial de Crédito (LEC) para suínos. Retrieved from https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Resolu%C3%A7%C3%A3o&numero=3992
https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinan...
e suas atualizações, o que gera a concentração em títulos públicos federais de baixo risco e retorno (Roriz, 2018Roriz, A.V. (2018). Há perdas por ineficiência nas carteiras de investimentos dos regimes próprios de previdência municipais? (Master’s Dissertation). Universidade Federal de Goiás, Goiânia.).

Em termos de prestação de contas, os gestores de RPPS devem enviar, periodicamente, informações para o Sistema de Informações dos Regimes Públicos de Previdência Social (CADPREV). Irregularidades em relação à legislação e gestão dos fundos ou falha na prestação de contas levam à perda temporária do certificado de regularidade previdenciária (CRP).

Em termos de sanções, a medida que cabe ao regulador Sprev é suspender o CRP, inscrevendo o município mantenedor do RPPS no Serviço Auxiliar de Informações para Transferências Voluntárias (CAUC) e, assim, reduzir as chances de o governo local receber transferências voluntárias e celebrar contratos e convênios com o governo federal. Como a maior parte dos municípios tem pressões orçamentárias e depende dessas transferências do governo federal para executar suas políticas locais, a perda do CRP pode trazer grandes implicações para o equilíbrio das contas municipais. Porém, é comum os gestores locais manterem o CRP sob ação de recursos judiciais, o que reduz a força da coerção do regulador (TCU, 2015Tribunal de Contas da União. (2015). TC 009.285/2015-6. Retrieved from https://portal.tcu.gov.br/data/files/5F/B0/AD/16/212055105DDA9F451A2818A8/009.285-2015-6%20_situa__o%20atuarial%20e%20financeira%20RPPS%20de%20Estados%20e%20Munic_pios_.pdf. Tribunal de Contas da União. (2015). TC 009.285/2015-6. Retrieved from https://portal.tcu.gov.br/data/files/5F/B0/AD/16/212055105DDA9F451A2818A8/009.285-2015-6%20_situa__o%20atuarial%20e%20financeira%20RPPS%20de%20Estados%20e%20Munic_pios_.pdf.
https://portal.tcu.gov.br/data/files/5F/...
).

A Sprev também completa a regulação da matéria via portarias. Um exemplo de regulação complementar foi a permissão da segregação de massas, adotada por 10% dos RPPS. Nessa medida, o passivo atuarial passou a ser dividido em dois planos - previdenciário e financeiro -, a partir da definição de uma data de corte. Enquanto o plano financeiro é composto pelos servidores mais antigos e financiado pelo tesouro municipal (repartição simples), o plano previdenciário comporta os servidores mais jovens e suas contribuições são acumuladas na forma de ativos financeiros (capitalização) para pagar futuras aposentadorias. Tal medida protegeria, a partir daquela data, a carteira previdenciária, porém gerou uma pressão de curto prazo no plano financeiro que deixou de contar com os recursos do plano previdenciário para pagar os benefícios, pois as contribuições do plano previdenciário, a partir de então, foram segregadas, assim como suas reservas, para pagamento apenas dos benefícios futuros dos inscritos naquele plano. Na prática, alguns fundos revertem de forma indevida os recursos capitalizados para o pagamento dos benefícios no plano financeiro.

Outro exemplo de regulação complementar foi o parcelamento de débitos previdenciários lançado em 2017 pela Sprev. Nesse parcelamento, a prefeitura poderia repassar contribuições em atraso em até 200 parcelas (Lei n. 13.485, de 2 de outubro de 2017Lei n. 13.485, de 2 de outubro de 2017. (2017, 27 de novembro). Dispõe sobre o parcelamento de débitos com a Fazenda Nacional relativos às contribuições previdenciárias de responsabilidade dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e sobre a revisão da dívida previdenciária dos Municípios pelo Poder Executivo federal; altera a Lei no9.796, de 5 de maio de 1999; e dá outras providências. Retrieved from http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13485.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_At...
). Na prática, essa medida pode ter estimulado a interrupção das contribuições e repasses previdenciários e sujeitou os RPPS a recorrentes parcelamentos. Por fim, a Sprev ainda tem iniciativas, como a demanda pelo recadastramento de servidores ativos, aposentados e pensionistas, visando a melhorar o mapeamento do perfil da massa de segurados e reduzir o risco de pagamentos indevidos.

Com a regulação federal e complementar, a Sprev procura garantir um padrão mínimo de desempenho para esses fundos via normatização e monitoramento. Contudo, a mesma regulação federal reduz as alternativas de ação para o nível local - câmara de vereadores, prefeito e gestores dos fundos têm pouco espaço para negociar respostas suficientes às pressões financeiras. Na presença de crises financeiras e políticas em governos locais, os prefeitos acabam dependendo de alguma ajuda do governo federal para se manterem (Gerigk & Clemente, 2011Gerigk, W., & Clemente, A. (2011). Influência da LRF sobre a gestão financeira: espaço de manobra dos municípios paranaenses extremamente pequenos.Revista de Administração Contemporânea,15(3), 513-537.) e os RPPS desses municípios ficam suscetíveis a respostas que aumentam a vulnerabilidade do fundo.

5. RESPOSTAS TÍPICAS NA PREVIDÊNCIA EM MUNICÍPIOS

Baseados nas entrevistas, foram identificadas 12 respostas típicas que surgem da interação entre a prefeitura e o RPPS (Tabela 2).

Como os fundos são ligados às prefeituras, em alguns casos quase não existe separação entre a prefeitura e o RPPS, mesmo esse sendo organizado em forma de autarquia (Aquino & Lima, 2018Aquino, A. C. B., & Lima, D. V. (2018). Crashing the piggy bank: The mayor’s powerless responses by the misuse of public pension funds. In 7 th LAEMOS Colloquium: Organizing for resilience: Scholarship in unsettled times. Buenos Aires.). Relações de confiança e amizade entre prefeitos e gestores de fundos indicados politicamente para a função e passividade do conselho do RPPS são algumas das razões que favorecem a influência do prefeito na gestão do fundo (Aquino & Lima, 2018Aquino, A. C. B., & Lima, D. V. (2018). Crashing the piggy bank: The mayor’s powerless responses by the misuse of public pension funds. In 7 th LAEMOS Colloquium: Organizing for resilience: Scholarship in unsettled times. Buenos Aires.). Nessas condições, a prefeitura usaria (indevidamente) as reservas do RPPS como fonte de recursos para pagar as despesas de benefícios atuais e deixar de recolher as contribuições temporariamente para resolver seu próprio fluxo de caixa. Assim, a prefeitura não repassa a contribuição e o RPPS assimila o atraso na receita, acessando suas reservas para pagar benefícios. Esse desequilíbrio de fluxo de caixa, de curto ou longo prazo, gera pressão financeira e demanda respostas para acomodar tais pressões, como, por exemplo, pagando benefícios com aplicações financeiras.

Tabela 2
Respostas para pressões financeiras em municípios da interação entre regimes próprios de previdência social (RPPS) e prefeitura

Na Tabela 2, a coluna “origem” indica quem tem mandato legal para implantar a resposta, se é o RPPS ou a prefeitura. Algumas respostas precisam da aprovação no Legislativo, mas, uma vez aprovada, a pressão financeira decorrente da adoção da resposta irá surgir. Das 12 respostas listadas, apenas cinco dependem exclusivamente da decisão do gestor do RPPS, e a única transformativa (#12) poderia até ser proposta pelo RPPS, mas essencialmente depende de articulação do prefeito com a Câmara Municipal.

Segregaram-se as respostas pela origem para identificar como a pressão financeira é transferida da prefeitura para o RPPS ou como a prefeitura pode estar usando o RPPS como parte de sua estratégia de reação à crise. Nossos respondentes listaram sete respostas típicas adotadas pelas prefeituras que têm implicações no RPPS. Dado seu reduzido espaço de atuação, os gestores locais da prefeitura e do RPPS podem adotar respostas à pressão financeira que são mais uma adaptação de curto prazo, paliativas (p. ex., reactive adapters, contented fatalists e powerless fatalists), com baixa capacidade de antecipação e de solução definitiva do problema. Dado que o desenho da política previdenciária é feito no Governo Federal, resta aos gestores locais atuarem junto ao Congresso Nacional para alteração da regulação da política nacional ou usarem o máximo de espaço de ação, delegada ao nível local, para tentar o equilibro financeiro do fundo.

Algumas respostas apenas atenuam as pressões financeiras do atual governo, gerando vulnerabilidade para futuros governos e para servidores que financiarão ou se aposentarão pelo sistema. A única medida transformadora (transformative) está sob a responsabilidade da prefeitura, de enviar e obter apoio da Câmara Municipal para a adoção da previdência complementar, o que pode ter alto custo político para prefeitos e vereadores com sindicatos e servidores. Nessa medida, a massa de segurados recorreria à iniciativa privada e o equilibro financeiro seria alcançado evitando-se o aumento da participação do Tesouro Municipal no sistema.

As outras respostas vindas da prefeitura são motivadas para acomodar a pressão financeira no seu próprio caixa (powerless coping), acabam por afetar diretamente o RPPS e transferem a pressão financeira para ele, como é o caso da interrupção das contribuições (#6) e redução de alíquotas de contribuição (#7). Ao interromper repasses e contribuições, reduzem-se, de forma temporária, duas despesas, mas o fundo é pressionado a usar reservas de forma indevida. A prefeitura também pode defender a redução da alíquota patronal para diminuir o impacto no caixa da prefeitura, aumentando a vulnerabilidade do fundo, que deixa de capitalizar os recursos necessários para o pagamento de benefícios previdenciários no longo prazo. Outra resposta fraca da prefeitura é a venda/transferência de ativos para capitalizar o RPPS (#8), mas que não necessariamente resolve o equilíbrio do fundo no longo prazo.

A prefeitura também pode ter respostas que demandam certa mobilização para acomodar a pressão, mas sem antecipar as novas pressões que estão surgindo (reactive coping). Entre essas, podem-se citar o parcelamento de débitos previdenciários e a extinção do RPPS. O parcelamento de débitos previdenciários (#9) em um primeiro momento pode se revelar boa medida, por permitir que parte dos recursos que não foram pagos tempestivamente pela prefeitura ingresse para o fluxo de caixa dos RPPS. Mas, na prática, a prefeitura não consegue manter os repasses e contribuições do ano corrente junto com o pagamento da parcela de anos anteriores, o que acaba por estimular novos atrasos. Por fim, a mais traumática é a extinção do RPPS (#10). Além de não recuperar o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema, ainda deixa a prefeitura vulnerável à pressão do RGPS, que assume o pagamento dos benefícios desses servidores. Todas essas medidas dependem da aprovação do Legislativo local.

Em termos de respostas proativas (active coping), que antecipam medidas sem implicar em vulnerabilidade e ônus para outros stakeholders, a prefeitura pode atuar para aumentar as alíquotas previdenciárias (#11), visando a reequilibrar financeira e atuarialmente o RPPS. Seu efeito é de médio e longo prazo e em geral envolve necessidade de negociação política. Assim, essa ação não é parte de uma postura fatalista, pois envolve certa capacidade de antecipação e reflexão de cenários futuros.

Por sua vez, o RPPS recebe pressões vindas de fatos exógenos à administração pública, como alteração das características demográficas dos segurados atuais e futuros, o que altera o cálculo atuarial e, portanto, cria vulnerabilidade futura do fundo, mas também endógenos, originados na própria administração pública local (p. ex., respostas #6, #7). O gestor do RPPS pode adotar algumas medidas, como usar a carteira para pagar benefícios (#2), levando à descapitalização do fundo, ou, ainda, deixar de fazer os pagamentos dos benefícios previdenciários em dia (#1), a mais fatalista das respostas.

O RPPS ainda teve a chance de optar pela segregação de massa (#3), que em um primeiro momento trouxe alívio para as contas municipais, permitindo que a alíquota patronal fosse mantida dentro do percentual mínimo definido pela legislação previdenciária. Mas, com o passar dos anos, a divisão de planos feita na segregação de massas resultou em maiores aportes de recursos da prefeitura para o RPPS, o que tem levado esses municípios a reverterem o procedimento (Sprev, 2015Secretaria de Previdência do Ministério da Fazenda. (2015). Nota Técnica n. 3/2015/DRPSP/SPPS/MPS. Retrieved from http://sa.previdencia.gov.br/site/2016/07/NOTA-TECNICA-03-2015.pdf.
http://sa.previdencia.gov.br/site/2016/0...
). Por fim, o RPPS tem duas respostas proativas (active coping) que antecipam soluções sem implicar em vulnerabilidade e ônus para outros stakeholders, como o recadastramento de ativos e inativos (#4) e compensação previdenciária (#5).

6. RESPOSTAS ADOTADAS E PADRÕES DE RESILIÊNCIA DOS FUNDOS

A seguir, analisaram-se cinco respostas típicas, duas originadas do gestor do RPPS: (#1) interrupção do pagamento de benefícios; (#2) uso da carteira para pagar benefícios; e outras três originadas da prefeitura: (#6) interrupção de repasses e contribuições; (#7) redução das alíquotas de contribuição; e (#11) aumento das alíquotas de contribuição.

A Tabela 3 refere-se às respostas mensuradas em sua intensidade (escala continua) e na presença das respostas (escala binária) em cada caso.

Tabela 3
Descritiva das respostas e de casos

Iniciando pelas respostas da prefeitura, analisou-se a “interrupção das contribuições e repasses” (powerless coping). Essas respostas, como discutido adiante, afetarão o nível de vulnerabilidade do fundo. Mesmo a prefeitura prevendo uma alíquota mínima de contribuição de 11% (patronal e servidor), conforme legislação federal definida e aprovada em lei local, nem sempre as alíquotas são repassadas integralmente para os cofres dos RPPS. Na Figura 1, cada ponto é um fundo, de acordo com a idade do fundo e em quantos períodos (zero a 36 meses) houve alguma interrupção do repasses pela prefeitura para o fundo. A interrupção foi captada em níveis de variação dos valores mensais (10, 25 e 50%) (vide Metodologia).

Nota-se, na Figura 1, forte presença de interrupções na ordem de 50% do valor repassado mensalmente, em que prefeituras interrompem a contribuição com frequência de 20 dos 36 meses (eixo vertical). Na perspectiva da resiliência financeira, a variabilidade no fluxo de repasses nessa ordem de valores gera grande instabilidade nos fluxos de caixa dos RPPS.

Figura 1
Número de repasses interrompidos aos fundos previdenciários para variações de 10, 25 e 50%

A interrupção dos repasses não está associada à idade do fundo ou ao porte do município mantenedor. Além disso, para alguns fundos, essa não é uma ocorrência isolada, dada a elevada frequência. Tal prática, nesses municípios, pode estar sendo considerada, pelo prefeito, por gestores e por conselheiros do fundo, uma alternativa adequada, possível e justificável para compensar o fluxo de caixa da prefeitura.

A prefeitura pode, ainda, alterar as alíquotas de contribuição, aumentando-as (active coping) ou reduzindo-as (powerless coping). A Figura 2 apresenta como as alíquotas variaram de 2015 para 2016 (eixo horizontal) e o valor da alíquota de 2016 (eixo vertical). Cada um dos quadrantes apresenta a mesma análise da contribuição para cada um dos grupos de alíquota: patronal (pago pelo mantenedor do fundo), aposentados, servidores ativos e pensionistas. A alíquota mínima definida pela legislação é de 11%. Apesar de haver poucos casos de alíquota inferior a 11% para aposentados, servidores ativos e pensionistas em 2016, a variação é baixa nesse grupo de alíquotas.

Figura 2
Ajustes de alíquotas por tipo de contribuição, 2016-2015

Contudo, para a alíquota patronal, observa-se que a presença de alíquotas praticadas abaixo de 11% não é rara exceção e, também, que há significativa variação dessas alíquotas. O eixo horizontal varia de uma redução de 20 pontos percentuais em relação à alíquota praticada em 2015 (-20) a um aumento de 20 pontos percentuais (+20). Observam-se casos de aumento e redução de alíquotas no período.

Para os 1.559 fundos previdenciários analisados, 238 tiveram sua alíquota patronal aumentada no período (com média de 2 pontos de aumento) e nove desses fundos foram de alíquotas de 11% para mais de 20% (aumento superior a 9%) (Tabela 4). Essa ação de adaptação (active coping) mostra que tanto o prefeito quanto os vereadores empreenderam capital político para corrigir as contribuições. O aumento das alíquotas previdenciárias (patronal e servidor) também é uma medida que pode contribuir para a formação de reservas e ajudar na repactuação intergeracional do contrato previdenciário com a massa de segurados. Essa reação mostra certa responsividade para corrigir eventual perda de sustentabilidade financeira, equilibrando o fundo no médio e no longo prazo.

Em contrapartida, parte dos municípios adotou uma resposta fraca (powerless), reduzindo a alíquota de contribuição patronal. Por se tratar de regime previdenciário, ela pode estar motivada pela diminuição do desembolso mensal da prefeitura. Mais de 290 fundos tiveram a alíquota patronal reduzida sem que houvesse redução nas demais alíquotas (Tabela 4). Com isso, a prefeitura transfere sua dificuldade de fluxo de caixa corrente para o resultado financeiro do fundo em períodos futuros. Na perspectiva da resiliência financeira, tal ação prejudica tanto a capacidade financeira do próprio RPPS (que deixa de receber as contribuições necessárias para manter o equilíbrio financeiro e atuarial ou deixa de constituir reservas) como a resiliência financeira da prefeitura (cujos futuros prefeitos assumirão contribuições patronais maiores no longo prazo).

Tabela 4
Alíquotas e suas variações

Passando para as respostas do gestor do RPPS, analisou-se o “uso indevido da carteira de investimentos” (powerless coping). Como forma de compensar a insuficiência de receita de contribuições pelas alíquotas insuficientes (gerada pela resposta #7 ou pela falta da resposta #11) ou pela interrupção das contribuições (gerada pela resposta #6), o gestor do fundo não tem outra saída a não ser sacar valores das contas de investimento para pagar benefícios. Porém, como se trata de fundo previdenciário, esses valores deveriam estar reservados para pagamentos futuros.

A redução no saldo da carteira não seria uma situação normal nos fundos previdenciários (exceto se o fundo estiver em extinção). Se o fundo está equilibrado, as receitas de contribuições, de certa forma, reporiam o uso do saldo para pensões e aposentadorias pagas pela carteira, não havendo queda abrupta de saldo.

Na Figura 3, cada ponto é um fundo, de acordo com sua idade e em quantos períodos (zero a 18 bimestres) houve algum potencial saque da carteira de investimentos. Dos quase 1.900 fundos analisados, apenas 283 não sacaram valores da carteira em nenhum momento, 1.240 usaram de uma a quatro vezes e 355 sacaram em cinco ou mais bimestres (em 15 bimestres, ou seja, a cada seis meses um saque) (Figura 3). Na perspectiva da resiliência financeira, o uso indevido e antecipado das reservas aumenta a vulnerabilidade do fundo, por gerar incerteza sobre a capacidade de cumprir obrigações futuras e por institucionalizar práticas de curto prazo, reduzindo a capacidade dessas organizações de construir proteções e competências para lidar com futuras adversidades financeiras.

Figura 3
Uso da carteira de investimentos de fundos previdenciários

A ação mais fatalista encontrada que parte do gestor do RPPS é o “atraso no pagamento das aposentadorias” (fatalist), ou seja, não pagar benefícios na data devida. Na Figura 4, cada ponto é um fundo, de acordo com sua idade e em quantos períodos (zero a 36 meses) houve alguma interrupção ou atraso no pagamento de aposentadorias. O atraso foi captado em níveis de variação dos valores mensais (10, 25 e 50%) (vide Metodologia).

Na Figura 4, observa-se que, em um período de 36 meses, de um a cinco períodos houve queda de mais de 50% no valor pago. As variações de 10% poderiam ser decorrentes de mortes e mudança da natureza do benefício (para pensão), mas considerou-se que 50% é uma disfunção. Analisando-se as limitações da métrica proposta para fundos pequenos (menos segurados), nos casos em que um dos dois únicos aposentados falece, a variação será de 50%; em outro fundo, com 10 aposentados, se um falece naquele mês, a redução será de 10%. Esses casos são exceção e as variações observadas decorrem de eventos de outra natureza e não de substituição de aposentadoria por pensão. Tanto fundos jovens quanto mais maduros tiveram de um a cinco meses em que o benefício foi pago em atraso, ou seja, não foi pago no mês devido.

Figura 4
Número aposentadorias pagas em atraso nos fundos previdenciários para variações de 10, 25 e 50%

6.1. Em Busca dos Padrões de Resiliência

Para identificar padrões nos RPPS, entende-se que é primordial segregar as respostas de gestores dos fundos daquelas que emergem da prefeitura. Estas (6, #7 e #11) irão alterar o nível de vulnerabilidade que o fundo está envolvido, pois condicionam a demanda por respostas do gestor ao longo do período, o qual, com os conselheiros, deve dar soluções de acordo com suas possibilidades (p. ex., respostas #1 e #2).

A Tabela 5 refere-se à combinação da vulnerabilidade gerada pelas respostas da prefeitura com as respostas dadas pelo gestor do RPPS no período de 2014 a 2016. Os gestores dos fundos têm de lidar com a pressão originada na prefeitura que, ao procurar soluções para pressão orçamentária ou de seu fluxo de caixa, pode acabar transferindo parte dessa pressão para o fundo, aumentando sua vulnerabilidade no curto ou no longo prazo.

Tabela 5
Distribuição dos casos de acordo com vulnerabilidade gerada e resposta dos gestores dos regimes próprios de previdência social (RPPS)

De todos os fundos, 287 estão em um contexto em que a prefeitura tomou medidas de redução da vulnerabilidade do fundo no longo prazo e 605 não tiveram sua vulnerabilidade afetada por uma decisão da prefeitura. Os demais 996 (duas primeiras colunas da Tabela 5) sofreram pressão exógena vinda da prefeitura, aumentando a vulnerabilidade. A forma como esses gestores respondem a essa pressão compõe, com a postura da prefeitura, o padrão de resiliência.

As combinações apresentadas podem sugerir alguns padrões de resiliência descritos anteriormente na Tabela 1, para o período 2014 a 2016. Apenas 125 têm padrão superior de resiliência. Em Barbera et al. (2017)Barbera, C., Jones, M., Korac, S., Saliterer, I., & Steccolini, I. (2017). Governmental financial resilience under austerity in Austria, England and Italy: How do local governments cope with financial shocks? Public Administration, 95(3), 670-697., são os adaptados-restritos, pois a prefeitura tomou medidas preventivas para reduzir a vulnerabilidade no longo prazo, e os gestores não necessitaram responder com padrões fracos no período. Alguns desses 125 fundos podem ser um típico autorregulado com maior colaboração entre prefeitura, gestor do fundo e conselheiros. Mas, como não se captaram medidas transformativas com os dados financeiros, não se pôde identificá-los.

Os outros são casos de adaptados-restritos ou reativos e de fatalistas-arrogantes ou abnegados. Porém, para classificá-los mais precisamente, seriam necessárias mais informações de contexto em que as decisões estão sendo tomadas, como, por exemplo para diferenciar se os gestores dos fundos que tiveram sua alíquota aumentada pela prefeitura estão dando respostas fatalistas como estratégia para suportar o curto prazo até que as medidas corretivas façam efeito. Ou, ainda, se os 293 fundos em que não houve respostas do gestor, se são aqueles que estão financeiramente ajustados no curto prazo ou se o ajuste de alíquotas seria necessário e a prefeitura não antecipou a vulnerabilidade.

Independentemente dessa limitação, destaca-se que mais de 1.300 fundos estão envolvidos com algum tipo de resposta fatalista ou powerless de gestores e prefeitura, com potencial ou real aumento da vulnerabilidade para os próximos anos, ou seja, um padrão fraco de resiliência financeira. As tensões intertemporais entre perspectivas de curto e longo prazo em municípios, apresentadas em Aquino e Cardoso (2019)Aquino, A. C. B., & Cardoso, R. L. (2019) Accounting framework (re)interpretation to accommodate tensions from financial sustainability competing concepts. In Caruana, J., Brusca, I., Caperchione, E., Cohen, S., Manes Rossi, F. Financial sustainability of public sector entities. Basingstoke, Hants: Palgrave Macmillan., além de pressionar a estrutura contábil previdenciária como mostrado pelos autores, podem ser fortes indutoras desse padrão fraco de resiliência.

6.2. Efeitos da Vulnerabilidade Gerada Pela Prefeitura na Resposta de Gestores de Fundos

Gestores de fundos têm possibilidades restritas para lidar com pressões exógenas, como interrupção de repasses pela prefeitura. Em alguns casos, gestores de fundos podem ser envolvidos nas decisões do prefeito e da secretaria de finanças que impactarão o fluxo de caixa do fundo, mas nem sempre isso é observado (Aquino & Lima, 2018Aquino, A. C. B., & Lima, D. V. (2018). Crashing the piggy bank: The mayor’s powerless responses by the misuse of public pension funds. In 7 th LAEMOS Colloquium: Organizing for resilience: Scholarship in unsettled times. Buenos Aires.). Não se sugerem relações causais entre as respostas da prefeitura mantenedora e dos gestores de seus RPPS, mas apenas analisar a relação das cinco respostas.

A Tabela 6 apresenta a associação entre as respostas dadas pelos gestores, dependendo do contexto de vulnerabilidade gerado pela prefeitura. A primeira parte da tabela representa como as respostas estavam sendo dadas pelo gestor do fundo. No mesmo período, está associada a vulnerabilidade de curto prazo gerada pela interrupção de repasses pela prefeitura. O teste de média é feito para os três cenários de vulnerabilidade gerados pelo ajuste de alíquotas. A segunda parte da tabela mostra como as respostas variam com a mudança de cenários de ajuste de alíquotas, nos casos em que houve vulnerabilidade de curto prazo combinada (com interrupção de repasses) e nos casos em que não houve.

O uso da carteira de investimentos para pagamento de benefícios é prática recorrente e surge quando a prefeitura aumenta a vulnerabilidade de curto prazo no fundo. Em comparação com os casos em que a vulnerabilidade de curto prazo não surge, a diferença é significante para todos os cenários de ajustes de alíquotas, talvez por ser a resposta que tem menor custo político e reputacional para o gestor do fundo. Contudo, tal resposta amplia a vulnerabilidade do fundo quando se institucionaliza e passa a ser vista como forma corriqueira de solução.

Em contrapartida, o atraso no pagamento de benefícios não está associado à interrupção de repasses da prefeitura; sua ocorrência é baixa (a maior parte das ocorrências é limitada a um ou dois atrasados em 36 meses). A repercussão dessa resposta fatalista é altamente prejudicial politicamente ao prefeito, ficando como última alternativa a ser tomada.

A resposta do gestor do RPPS atrasando o pagamento de aposentadorias não varia com o aumento da alíquota em comparação com outras mudanças de alíquota, seja quando combinado com maior vulnerabilidade de curto prazo ou não (segunda parte da Tabela 6). Já com o aumento da alíquota, o gestor tende a usar mais a carteira para pagar benefícios quando não há interrupção de repasses. Nesses casos, o uso da carteira era feito para complementar o pagamento de benefícios até que a alíquota fosse corrigida. Assim, o efeito do aumento da alíquota foi imediato, dado o desequilíbrio financeiro.

Por fim, foram feitos testes de média para verificação do efeito do porte dos municípios e da idade dos fundos (não apresentados). Os testes confirmam o já observado na análise gráfica apresentada. Os padrões de resiliência e propensão ao uso das respostas analisadas não guardam relação com o porte dos municípios mantenedores e a idade dos fundos.

Tabela 6
Associação das respostas dos regimes próprios de previdência social (RPPS) em função das respostas da prefeitura

6.3. Possível Relação com a Governança dos Fundos

O típico padrão (fatalista + powerless), identificado como recorrente, é a combinação da resposta de uso da carteira de investimentos e atraso de pagamento de benefícios em resposta à interrupção de repasses pela prefeitura.

A predominância dessas respostas, e consequente ineficiência de gestão financeira e atuarial, pode estar associada a falhas de governança nos fundos. Em estudo com gestores de RPPS, Aquino e Lima (2018Aquino, A. C. B., & Lima, D. V. (2018). Crashing the piggy bank: The mayor’s powerless responses by the misuse of public pension funds. In 7 th LAEMOS Colloquium: Organizing for resilience: Scholarship in unsettled times. Buenos Aires.) mostraram a frágil governança de alguns RPPS, em que gestores com baixa autonomia em relação ao prefeito e sem suporte dos conselheiros não conseguiam evitar que a prefeitura considerasse o caixa do fundo como extensão do seu próprio caixa (Aquino & Lima, 2018Aquino, A. C. B., & Lima, D. V. (2018). Crashing the piggy bank: The mayor’s powerless responses by the misuse of public pension funds. In 7 th LAEMOS Colloquium: Organizing for resilience: Scholarship in unsettled times. Buenos Aires.).

O gestor do fundo, os conselheiros e os consultores não teriam condições de interferir na decisão do prefeito de interromper o repasse mensal. Contudo, a forma como reagem a essa ação pode variar desde um condescendente apoio até um questionamento formal e eventual alerta à Câmara Municipal e à associação de servidores. Da mesma forma, a redução de alíquotas aprovada na Câmara Municipal pode contar com maior ou menor ativismo do conselho do fundo, que pode estar mais ou menos inclinado a apoiar as ações orientadas ao curto prazo propostas pela prefeitura, dependendo do quão autônomo do prefeito for o gestor que preside o conselho.

Por fim, falhas de governança podem dar espaço a outras respostas que suscitam vulnerabilidade. Por exemplo, em vez de disseminar ações transformadoras, consultores e especialistas podem incentivar soluções para obter simples compliance à legislação, sem a efetiva entrega de resultados financeiro e atuarial, como suavizar os pressupostos do cálculo atuarial para reduzir as alíquotas de equilibro atuarial do fundo.

7. CONCLUSÃO E IMPLICAÇÕES

A sustentabilidade fiscal do governo mantenedor do fundo previdenciário e a sustentabilidade financeira do fundo previdenciário (solvência financeira e resultado atuarial) são interconectadas. Propôs-se que os governos locais têm pouco espaço para reparações do equilíbrio fiscal no curto prazo ou atuarial no longo prazo. A sustentabilidade dos fundos decorre de três condicionantes. A primeira parte significativa é dada pelos parâmetros gerais da legislação federal para política previdenciária, a segunda vem das microrreformas locais nas alíquotas e outra parte decorre da (in)eficiência de gestão dos fundos. A transformação das contas previdenciárias está no âmbito regulatório nacional, restando aos prefeitos e vereadores o que se chamou, aqui, de microrreformas, que, basicamente, são ajustes de alíquotas.

Ao analisar os padrões de resiliência dos fundos de RPPS, pela combinação do cenário de vulnerabilidade gerado pela decisão da prefeitura e respostas dos gestores, observou-se a predominância da interação de respostas de baixo padrão de resiliência, tanto pela prefeitura quando pelos gestores do fundo. Estes, por sua vez, têm poucas possibilidades de lidar com a vulnerabilidade gerada por algumas respostas das prefeituras, como interrupção de repasses, e, em geral, nesses casos, fazem uso da carteira de investimentos para cumprir com o pagamento de benefícios. Essa interação prefeitura-gestores de fundos em torno de baixos padrões de resiliência tende a aumentar a vulnerabilidade do fundo e transfere condições cada vez mais críticas às administrações futuras.

Não se encontraram diferenças nos padrões de resiliência e respostas de gestores e prefeituras em relação ao porte de municípios e idade dos fundos. Essa similaridade pode ser decorrente da baixa diversidade e qualidade das respostas observadas geradas pelo efeito lock-in em Pike et al. (2010)Pike, A., Dawley, S., & Tomaney, J. (2010). Resilience, adaptation and adaptability. Cambridge Journal of Regions, Economy and Society, 3(1), 59-70.. A redução das possibilidades de resposta daria a todos os municípios as mesmas chances de resolver a questão. O efeito lock-in nas respostas previdenciárias de municípios de diversos portes, suscitado aqui, merece estudo cuidadoso e aprofundado. Contudo, mesmo que, em todo o país, o espaço de resposta seja igual para todos os prefeitos e haja predominância de um padrão fraco de resiliência, alguns fundos não estão tendo sua vulnerabilidade aumentada por decisões da prefeitura, e seus gestores não lançam mão de respostas típicas de um baixo padrão de resiliência financeira, o que mostra certo diferencial de antecipação de ameaças e de governança nesses fundos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    06 Set 2018
  • Revisado
    01 Out 2018
  • Aceito
    23 Abr 2019
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