RESUMO
Este estudo tem como objetivo analisar o casamento das contas discricionárias de ativos e passivos nas cooperativas de crédito brasileiras e sua evolução ao longo do tempo. A gestão de ativos e passivos para contas discricionárias e sua evolução ao longo do tempo não foram abordadas em estudos anteriores, que se concentraram principalmente em saldos de contas padronizados para analisar instituições financeiras, mas não todas cooperativas de crédito singulares brasileiras. As descobertas são particularmente relevantes para a academia, gestores e reguladores bancários ao fornecer insights sobre a gestão em contas discricionárias. Contribuindo para uma compreensão mais profunda e prática da gestão dos ativos e passivos no contexto nacional, com descobertas quanto à evolução positiva ao longo do tempo, porte e períodos de crises econômicas. O estudo pode impactar positivamente a gestão eficiente das cooperativas de crédito, minimizando riscos financeiros e promovendo a inclusão financeira em comunidades onde essas instituições desempenham um papel significativo. Foi utilizada correlação canônica na gestão de sete contas de ativos e nove contas de passivos, para avaliar 672 cooperativas de crédito singulares brasileiras, no período de 2014 a 2022, totalizando 5.361 observações. A gestão de ativos e passivos ocorre em média a vinte por cento das contas discricionárias nas cooperativas de crédito, permitindo seu gerenciamento ativo. Observou-se uma evolução positiva na dependência dessas contas ao longo do tempo. Ao analisar a influência do tamanho, identificou-se uma maior dependência das contas em cooperativas de crédito de menor porte. Durante períodos de crises econômicas, as diferenças na gestão foram mais evidentes, sendo possível que os gestores tenham adotado estratégias mais eficientes nesses períodos.
Palavras-chave:
estrutura de capital; cooperativas de crédito; correlação canônica
Abstract
This study aims to analyze the matching of discretionary asset and liability accounts in Brazilian credit unions and their evolution over time. Asset liability management for discretionary accounts and their evolution over time have not been addressed in previous studies, which have mainly focused on standardized account balances to analyze financial institutions, but not all Brazilian individual credit unions. The findings are particularly relevant to academia, managers and banking regulators by providing insights into discretionary account management. They contribute to a deeper and more practical understanding of asset liability management in the national context, with findings on the positive evolution over time, size and periods of economic crisis. The study can positively impact the efficient management of credit unions, minimizing financial risks and promoting financial inclusion in communities where these institutions play a significant role. Canonical correlation was used in the management of seven asset accounts and nine liability accounts to evaluate 672 Brazilian individual credit unions, from 2014 to 2022, totaling 5,361 observations. Asset liability management occurs, on average, in twenty percent of credit union discretionary accounts, allowing for their active management. A positive trend was observed in the dependence of these accounts over time. When analyzing the influence of size, greater dependence of the accounts was found in smaller credit unions. During periods of economic crisis, differences in management were more evident, and it is possible that managers adopted more efficient strategies during these periods.
Keywords:
capital structure; credit unions; canonical correlation
1 INTRODUÇÃO
As decisões das cooperativas de crédito sobre serviços fornecidos, bem como recursos levantados e investidos são guiados por seus modelos de negócios, refletidos em suas demonstrações financeiras (Stowe & Stowe, 2018). Com o passar do tempo, tornou-se mais sofisticado o modelo de negócio bancário e o sucesso dependente da qualidade da gestão dos ativos e passivos (Asset-Liability Management - ALM).
ALM trata da gestão simultânea dos dois lados do balanço patrimonial de uma instituição financeira, identificando as principais relações entre seus elementos para controle de riscos (DeYoung & Yom 2008; Owusu & Alhassan, 2021). Isso permite inferir quais contas de ativos as instituições financeiras têm propensão a associar com quais contas de passivos na sua estrutura de capital, refletindo uma parte importante da teoria financeira moderna (Stowe et al., 1980). No entanto, algumas contas não se enquadram como instrumentos de ALM por terem destinação específica (Fantin & Kondo, 2015), sendo o foco do estudo as contas discricionárias, gerenciadas ativamente nas cooperativas de crédito.
Mudanças nos modelos de negócios, alterações regulamentares e novos instrumentos de transferência de risco podem proporcionar às instituições financeiras margem de manobra na ALM. Assim, faz-se relevante a análise da evolução temporal dessa gestão, conforme abordado em DeYoung e Yom (2008) e Memmel e Schertler (2012).
Nessa perspectiva, busca-se responder a seguinte pergunta: Como ocorre o casamento das contas discricionárias de ativos e passivos nas cooperativas de crédito brasileiras e sua evolução ao longo do tempo? Assim, o presente estudo objetiva analisar o casamento das contas discricionárias de ativos e passivos nas cooperativas de crédito brasileiras e sua evolução ao longo do tempo. Considerou-se a ALM para contas de livre utilização, de 2014 a 2022. Para tanto, fez-se uso da correlação canônica, testada no setor bancário (Fraser et al., 1974; Simonson et al., 1983; DeYoung & Yom, 2008; Memmel & Schertler, 2012; Abou-El-Sood & El-Ansary, 2017).
Enquanto vários estudos examinaram a ALM em economias desenvolvidas (Francis, 1978; Simonson et al., 1983; DeYoung & Yom, 2008; Memmel & Schertler, 2012; Lysiak et al., 2022), as evidências empíricas das economias emergentes parecem parcimoniosas (Abou-El-Sood & El-Ansary, 2017; Owusu & Alhassan, 2021), sobretudo no Brasil (Alves & Moreira, 1996; Leão et al., 2012; Bittencourt & Bressan, 2016). Embora os economistas e o público tenham forte interesse nos intermediários financeiros, o conhecimento geral sobre cooperativas de crédito ainda é incipiente (Stowe & Stowe, 2018).
As cooperativas de crédito são instituições financeiras constituídas sob a forma de sociedade cooperativa. No cenário internacional, o cooperativismo de crédito se apresenta consolidado. Em 2018, os países europeus, origem dos bancos cooperativos, abrigavam 2.816 bancos cooperativos, operando 51.588 agências e empregando 712.700 pessoas, com ativos de 712,7 bilhões de euros (McKillop et al., 2020). Ainda, desempenham papel relevante no financiamento de pequenas e médias empresas na Finlândia, França, Alemanha e Países Baixos, enquanto que na Áustria, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Luxemburgo e Países Baixos possuem uma participação significativa do mercado bancário nacional (McKillop et al., 2020). No Brasil, o cooperativismo vem evoluindo consideravelmente (Bressan et al., 2017), oferecendo serviços financeiros a custos menores, em comparação com os praticados pelo sistema bancário (Bittencourt et al., 2017). Conforme Panorama do Sistema Nacional de Crédito Cooperativo (SNCC) (BCB, 2022), entre 2018 e 2022, a presença de cooperativas de crédito em municípios brasileiros aumentou de 47,3% para 55,3%. No mesmo período, os municípios atendidos pelo segmento bancário tradicional reduziram. Somente em 2022, enquanto 174 novos municípios passaram a ser atendidos por cooperativas, 85 municípios deixaram de receber atendimento de agências e postos de bancos. Em 2022, eram 799 cooperativas de crédito atendendo a 15,6 milhões de cooperados, com crescimento acima do restante do Sistema Financeiro Nacional (BCB, 2022).
Entre os resultados alcançados neste estudo, obteve-se evidência estatisticamente significante de que houve uma evolução positiva na dependência das contas de ativos e passivos ao longo do tempo, diferenciando-se do contexto bancário internacional (DeYoung & Yom, 2008; Memmel & Schertler, 2012). Essa dependência foi maior para cooperativas de crédito de menor porte, sendo que a adoção de estratégias de ALM mais eficientes tendem a ser adotadas durante as crises econômicas.
O estudo apresenta potenciais contribuições teóricas, práticas e sociais. No que tange aos aspectos teóricos, apesar de Alves e Moreira (1996), Leão et al. (2012) e Bittencourt e Bressan (2016) analisarem ALM em instituições financeiras, tais análises não contemplam todas as cooperativas de crédito singulares, não sendo identificados estudos nacionais com tal enfoque. Embora as mesmas constituam um setor promissor, faz-se ainda necessária a iniciativa de explorar a gestão das contas discricionárias de ativos e passivos e sua evolução ao longo do tempo, viabilizando o desenvolvimento de novas descobertas, como ocorre na literatura internacional (DeYoung & Yom, 2008; Memmel & Schertler, 2012). Em termos práticos, uma boa gestão de ativos e passivos pode minimizar o risco de encerramento das atividades das cooperativas de crédito, reduzindo os efeitos nefastos sobre seus membros e sobre a economia em geral (Carvalho et al., 2015). Ainda, pode auxiliar os gestores e reguladores das instituições na implementação de “processos, controles e ações pontuais”, utilizadas para ALM (Fantin & Kondo, 2015, p. 79). Fundamental para uma apropriada alocação de capital e recursos humanos para atividades que criam valor, bem como para o processo de controle de risco (Dermine, 2012). Fatores como custos envolvidos, complexidade do processo e diferenças nas necessidades de gestão fazem com que nem todas as cooperativas de crédito adotem ALM com o mesmo rigor. Desta forma, a ausência de ALM pode acarretar problemas de exposição excessiva ao risco da taxa de juros e ineficiência na gestão do balanço patrimonial. Alternativas à ALM, como derivativos de taxas de juros, securitização de ativos e empréstimos com taxas ajustáveis possibilitam gerenciar esse risco, reduzindo os custos envolvidos (DeYoung e Yom 2008; Memmel & Schertler, 2012). Quanto aos aspectos sociais, deve-se à importância das cooperativas de crédito, pelo papel que desempenham junto aos seus associados e a comunidade (Gollo & Silva, 2015). Também, tais cooperativas são consideradas importantes agentes de inclusão financeira, uma vez que atuam em regiões onde os bancos tradicionais não demonstram interesse em atuar (BCB, 2022).
2 REFERENCIAL TEÓRICO
Nessa seção, aborda-se inicialmente a literatura sobre ALM em instituições financeiras. Na sequência, apresentam-se as hipóteses do estudo relacionadas a evolução positiva da ALM ao longo do tempo, porte e períodos de crises econômicas.
2.1 Literatura Empírica sobre Gestão de Ativos e Passivos em Instituições Financeiras
O modelo de negócio das cooperativas de crédito define como investem seus ativos, arrecadam recursos e gerenciam operações, sendo o foco da ALM o risco de liquidez, que garante o atendimento às retiradas de depósitos e manutenção da estabilidade operacional.
A investigação empírica sobre ALM em instituições financeiras foi iniciada por Fraser et al. (1974). Utilizando-se da correlação canônica, objetivaram medir o grau de correlação e integração entre as variáveis dependentes e independentes, de 1969 a 1970. Identificaram como determinantes do desempenho os custos bancários, os depósitos e os empréstimos, que estavam sob o controle da administração dos bancos do Texas.
Desde então, estudos têm examinado a dependência nas relações entre ativos e passivos, como proposto por Simonson et al. (1983) para grandes bancos dos Estados Unidos no final do ano de 1979, que suporta a interdependência da escolha da carteira de ativos e passivos. DeYoung e Yom (2008) com foco nos bancos comerciais dos Estados Unidos de 1990 a 2005, encontraram evidências de que os ativos e passivos se tornaram mais independentes ao longo do tempo para os grandes bancos, mas não para os pequenos bancos. Ainda, Memmel e Schertler (2012) investigaram a relação de dependência ativo-passivo em três setores de bancos universais alemães (comercial, poupança e bancos cooperativos) de 1994 a 2007, constatando uma diminuição da dependência ao longo desse período.
Estudo envolvendo o tema ALM e a capacidade de bancos americanos de diferentes tamanhos em gerenciar suas carteiras de ativos e passivos, entre 1966 e 1971, foi objeto de análise em Francis (1978). Bancos de grande porte têm melhor ALM, mais retorno sobre os ativos, embora pagassem taxas de juros mais altas em seus passivos.
Ainda, o tema ALM em períodos de crise foi abordado em Tektas et al. (2005) que analisaram a ALM em bancos comerciais turcos de 1999 a 2000, focando em como diferentes estratégias gerenciais afetam o bem-estar financeiro durante crises. O modelo proposto possibilita previsões eficazes sobre ativos, passivos e situação financeira, ajudando na elaboração de planos de contingência e proporciona uma vantagem competitiva para os tomadores de decisão em diversos cenários econômicos. Abou-El-Sood e El-Ansary (2017) analisaram as interdependências entre as escolhas de portfólio de ativos e passivos em bancos islâmicos de 2002 a 2012, motivados por falências bancárias durante a crise financeira. Constatando que, a relação dos ativos e passivos variou entre o período da crise e o pós-crise.
No contexto de mercados emergentes, Owusu e Alhassan (2021) estudaram a relação entre ALM e a rentabilidade nos bancos de Gana, de 2007 a 2015. Verificou-se que a rentabilidade está relacionada aos itens do balanço, permitindo identificar quais ativos e quais passivos geram maior retorno. No Brasil, a literatura sobre ALM em instituições financeiras é limitada. Alves e Moreira (1996) inovaram ao expandir a análise da gestão do risco da taxa de juros, apresentando ferramentas úteis aos administradores dessas instituições. Leão et al. (2012), realizaram uma análise de ALM focando nos riscos de mercado e de liquidez, além de avaliar os resultados do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais S/A, durante períodos de estresse. Bittencourt e Bressan (2016) investigaram a relação entre ativos e passivos nas cooperativas de crédito do sistema Sicredi, revelando uma postura conservadora, com a maior parte dos ativos financiados pelo patrimônio líquido, o que indica uma redução da alavancagem. Contudo, tais estudos não abordam ALM em todas as cooperativas de crédito singulares brasileiras, não sendo identificados outros estudos nacionais com esse enfoque.
2.2 Desenvolvimento de Hipóteses
DeYoung e Yom (2008) abordam a evolução temporal na relação entre ativos e passivos, sugerindo que a introdução de novos instrumentos de gestão de risco reduziu a necessidade de uma ALM estrita baseada no matching de maturidade ou duration para controle do risco de juros nos bancos do Estados Unidos. Memmel e Schertler (2012) também testaram essa hipótese na Alemanha, indicando que a dependência entre ativos e passivos diminuiu ao longo do tempo.
No contexto das cooperativas de crédito brasileiras, estas se diferenciam dos bancos tradicionais ao focarem na intermediação financeira voltada para a captação e alocação de recursos conforme as necessidades da comunidade, considerando o papel que desempenham junto aos seus associados (Gollo & Silva, 2015; Bittencourt et al., 2017). Essa dinâmica pode promover uma maior sinergia entre ativos e passivos, resultando em melhorias na gestão de riscos. A implementação de novas regulamentações e práticas de governança, como os requisitos de capital estabelecidos por Basileia III, a gestão de liquidez e a transparência nas operações, pode ter elevado a consciência sobre a relevância de uma gestão eficiente. Isso pode resultar no aumento da dependência entre as contas discricionárias ao longo do tempo. Assim, a primeira hipótese (H1) pode ser enunciada como:
H1: Existe uma evolução positiva da dependência das contas discricionárias de ativos e passivos em cooperativas de crédito ao longo do tempo.
O tamanho da instituição financeira consiste em um fator que deve ser considerado ao determinar a ALM (Francis, 1978; DeYoung & Yom, 2008; Memmel & Schertler, 2012; Abou-El-Sood & El-Ansary, 2017). Conforme Francis (1978), bancos menores têm foco geográfico local, conferindo uma inflexibilidade no mix de depósitos e uma granularidade nos empréstimos individuais, limitando a ALM no balanço. DeYoung e Yom (2008) afirmam que bancos pequenos são menos capazes de praticar ALM em comparação aos grandes. Mas, pode-se também esperar encontrar relações de ativos e passivos mais fortes em bancos pequenos, que têm menor acesso a instrumentos de mitigação de risco, como derivativos. Esses bancos devem gerenciar diretamente o risco de taxa de juros em seus balanços, resultando em correlações mais fortes entre os prazos e a composição das contas. Cooperativas de crédito de pequeno porte enfrentam limitações no acesso a instrumentos de gestão de riscos, o que pode resultar em uma abordagem mais rígida na gestão da taxa de juros, aumentando a correlação entre os prazos e a estrutura de ativos e passivos (Dermine, 2012), sobretudo devido à estrutura financeira mais simples e integrada. Assim, a segunda hipótese (H2) pode ser enunciada como:
H2: A dependência das contas discricionárias de ativos e passivos é maior nas cooperativas de crédito de pequeno porte.
A importância do setor bancário dentro do sistema financeiro se torna ainda mais evidente em mercados emergentes, que são altamente vulneráveis a distorções econômicas (Tektas et al., 2005), sobretudo as provocadas em períodos de crises econômicas. Diferenças estruturais em mercados emergentes introduzem riscos de descasamento de moeda e prazo, portanto, os gerentes do banco precisam considerar uma ampla gama de cenários e gerenciar seus balanços de maneira otimizada, desenvolvendo uma estratégia eficiente de ALM (Tektas et al., 2005). Abou-El-Sood e El-Ansary (2017) identificaram que em períodos anteriores às crises, as dependências entre as carteiras de ativos e passivos bancários diferem em relação aos períodos de crises e períodos posteriores às crises. Consequentemente, faz-se relevante verificar se a dependência entre as contas discricionárias mudou para as cooperativas de crédito em períodos de crises econômicas, dado que tais períodos podem evidenciar maior resiliência das mesmas. Os períodos de crises econômicas, caracterizados por variações negativas no Produto Interno Bruto (PIB) (Iatridis & Dimitras, 2013; Filip & Raffounier, 2014), ocorreram em 2015 (-3,545), 2016 (-3,275) e 2020 (-3,276), no Brasil. Assim, a terceira hipótese (H3) pode ser enunciada como:
H3: A dependência das contas discricionárias de ativos e passivos é maior em períodos de crises econômicas nas cooperativas de crédito.
3 MÉTODO
3.1 Dados e Amostra
Os dados são dos balancetes financeiros de todas as cooperativas de crédito singulares disponibilizados no site do BCB, com valores atualizados para dezembro de 2022 pelo Índice Geral de Preço - Mercado (IGP-M). Os dados foram coletados em dezembro de cada ano, considerando os períodos de 2014 a 2022, com análises iniciadas em 2014 devido à implementação das normas de Basileia III. Optou-se por remover as cooperativas com dados para apenas três anos, aquelas cuja posição de ativo ou passivo excedia o total de ativos, e cooperativas classificadas como capital empréstimo, pois não possuem movimentação de conta corrente e depósitos. Foram analisadas 5.361 observações de 672 cooperativas de crédito.
3.2 Modelo Econométrico e Variáveis
Utilizou-se da técnica de correlação canônica como fundamento para as análises, seguindo DeYoung e Yom (2008), que descreve esta metodologia. As variáveis de ativos são representadas por X = [X1 , X2 ... Xp ] e as de passivo são representadas por Y = [Y1 , Y2 ... Yp ], expressas como proporção do total de ativos das cooperativas de crédito. Com base nessas variáveis, criam-se combinações “lineares de X e Y” (DeYoung & Yom, 2008, p. 281):
em que B' = [β1 , β2 ... βp ], e C' = γ1 , γ2 , ..., γp são vetores de parâmetros a serem estimados. Os parâmetros que compõem os vetores B' e C' são os coeficientes canônicos e as combinações lineares A e L são chamadas de variáveis canônicas (DeYoung & Yom, 2008). Os coeficientes canônicos são definidos para “maximizar a correlação canônica entre as variáveis canônicas A e L” (DeYoung & Yom, 2008, p. 281):
em que a e l representam diferenças médias para as variáveis A e L. Com p ≥ q, há até p maneiras de combinar variáveis de ativos e passivos (DeYoung & Yom, 2008). O processo de maximização gera p - 1 correlações canônicas distintas, baseadas em p - 1 combinações lineares e ortogonais entre A e L. O processo resulta em p - 1 correlações canônicas em vez de p, pois uma variável de ativo e uma de passivo são desconsideradas para evitar problema de singularidade na maximização. Para avaliar a significância estatística dessas p - 1 correlações canônicas, utilizou-se o teste F de Bartlett (1947).
O tamanho e a força da correlação canônica ajudam a identificar relações entre contas específicas de ativos e passivos. Por exemplo, uma forte correlação entre depósitos a prazo e a variável canônica L, e entre operações de crédito e a variável canônica A, indica que altos níveis de depósitos a prazo estão associados a grandes quantias de operações de crédito, desde que a correlação rAL seja forte. Ambos compartilham um fator comum rAL (DeYoung & Yom, 2008).
Nas cooperativas de crédito, as relações entre ativos e passivos podem ser analisadas através das cargas canônicas, que medem as correlações entre variáveis reais e suas variáveis canônicas (DeYoung & Yom, 2008). Por exemplo, um carregamento “canônico X1 com a primeira variável canônica A1 é a correlação entre X1 e A1” (DeYoung & Yom, 2008, p. 282):
Os primeiros coeficientes canônicos são β1 1 , β2 2 , ..., β1 p , para A1 , σx,11 é o desvio padrão de X1 , σx,12 é a correlação entre X1 e X2 , e assim por diante (DeYoung & Yom, 2008). De maneira similar, cargas canônicas podem ser calculadas para variáveis de passivo (por exemplo, Corr(X1 , L1)) ou para ordem superior (p > 1) de variáveis canônicas, por exemplo, Corr(X1 , A3)). Se a correlação canônica (3) entre ativos e passivos for forte e a carga canônica (4) para o ativo i e para o passivo k for forte, pode-se inferir uma relação entre o ativo i e o passivo k. As cargas canônicas também ajudam a determinar a “proporção da variância dos dados explicada pelas variáveis canônicas” (DeYoung & Yom, 2008, p. 282):
em que R2 A,j representa a proporção de variância das variáveis de ativo explicada pela variável canônica do ativo j (j = 1,...,p) (DeYoung & Yom, 2008). Essa medida indica a eficácia da variável canônica em capturar a variância nas variáveis X. Se apenas uma variável de ativo estiver fortemente associada à variável canônica, R2 A,j tende a ser baixo. A correlação canônica em (3) reflete a variância compartilhada entre combinações lineares de variáveis de ativos e passivos, não entre as variáveis originais. Assim, uma alta correlação canônica pode resultar de uma forte correlação entre apenas uma variável de ativo e uma variável de passivo, potencialmente superestimando a relação verdadeira. O coeficiente de redundância avalia a “capacidade média das variáveis de ativo (passivo) em explicar a variação nas variáveis de passivo (ativo) abordadas individualmente” (DeYoung & Yom, 2008, p. 282):
O termo, u2 j , é a correlação canônica quadrática j e reflete a proporção de variância na variável canônica do ativo j previsível a partir da variável canônica do passivo j (DeYoung & Yom, 2008). O termo, R2 A,j , indica a proporção da variância do ativo explicada pela j-ésima variável canônica. O produto desses dois termos avalia a proporção da variância do ativo explicada pela variável canônica do passivo j. A soma dos coeficientes de redundância para todas as correlações canônicas resulta em R2 A|L, que indica a proporção da variação ou redundância das variáveis de ativos explicada pelas variáveis de passivo.
As variáveis foram divididas em 16 contas, sendo 7 classificadas como ativos (variáveis dependentes) e 9 como passivos (variáveis independentes), conforme Tabela 1. A seleção das contas baseou-se em estudos do setor bancário (Simonson et al., 1983; DeYoung & Yom, 2008; Memmel & Schertler, 2012; Abou-El-Sood & El-Ansary, 2017). Por meio do estudo de Fantin e Kondo (2015), foi possível filtrar as contas discricionárias qualificadas como instrumentos de ALM. As contas foram adaptadas para as cooperativas de crédito, considerando apenas aquelas disponíveis no site do Banco Central do Brasil (BACEN). Salienta-se que, não há um método único para dividir os lados direito e esquerdo do balanço antes de aplicar a correlação canônica (DeYoung & Yom, 2008).
Conforme Fávero e Belfiore (2024), os principais testes estatísticos multivariados que avaliam, através da estatística F, a significância das dimensões canônicas são Wilks’ Lambda, Pillai’s Trace e Lawley-Hotelling Trace.
As hipóteses (H0) dos testes afirmam que os dois vetores de variáveis não são linearmente relacionados, ou seja, que as correlações canônicas são estatisticamente iguais a zero em um determinado nível de significância.
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Esta seção apresenta a estatística descritiva das contas de livre utilização de 672 cooperativas de crédito brasileiras, discute a evolução temporal, o impacto do tamanho e analisa os períodos de crises econômicas e ausência das mesmas.
4.1 Estatística Descritiva
As contas de livre utilização foram winsorizadas a 1%, para eliminar valores extremos e dados incorretos, identificado nos histogramas. A Tabela 2 apresenta cada conta expressa como percentual do total de ativos (DeYoung & Yom, 2008; Memmel & Schertle, 2012).
Durante o período analisado, a ALM foi aplicada, em média, a 25% das contas de ativos e 23% das contas de passivos discricionários, ou seja, que podem ser gerenciadas ativamente. Sobre tais contas, as cooperativas têm controle direto ou liberdade para ajustar, como por exemplo: conta caixa, que tem recursos financeiros disponíveis; conta depósitos à vista, que são “livremente movimentáveis” (Fantin & Kondo, 2015, p. 50); e, patrimônio líquido, que é dividido em quotas-partes e pode ser aumentado por integralização ou diminuído por resgate de quotas. O aumento por integralização dos resultados é também uma possibilidade.
Em contrapartida, em média 75% das contas de ativos e 77% das contas de passivos podem não permitir o gerenciamento direto e a “área de ALM não pode utilizar livremente” (DeYoung & Yom, 2008; Fantin & Kondo, 2015, p. 55). A conta poupança consiste em um exemplo de captação com destinação obrigatória (Fantin & Kondo, 2015).
A análise comparativa das posições de ativos e passivos indica que houve poucas oscilações de valores ao longo do tempo. As cooperativas de crédito detêm o saldo ativo mais elevado em operações de crédito, que apresentou crescimento superior ao do restante do Sistema Financeiro Nacional, entre 2018 e 2022 (BCB, 2022). Os menores saldos ativos foram observados em depósitos bancários, caixa e aplicações em depósitos interfinanceiros. O saldo passivo mais elevado foi verificado em depósitos a prazo, representando 48% do total de captações em 2022 (BCB, 2022), enquanto os menores saldos passivos foram identificados nas relações interdependências, obrigações por empréstimos e depósitos interfinanceiros.
A Tabela 3 apresenta os coeficientes de correlação de Pearson, para os testes de significância foi adotado o nível de 5%.
Observa-se que, os recursos livres têm correlação intermediária com depósitos a prazo e patrimônio líquido. As relações interfinanceiras apresentam correlação intermediária com repasses interfinanceiros e outros passivos, correlação elevada com depósitos à vista e patrimônio líquido, e está fortemente associada aos depósitos a prazo. As operações de crédito têm correlação elevada com os repasses interfinanceiros e estão fortemente associadas com: depósitos à vista; depósitos a prazo; patrimônio líquido; outros passivos. Os outros ativos têm correlação intermediária com recursos de aceites cambiais e estão fortemente associados com: depósitos à vista; depósitos a prazo; patrimônio líquido; outros passivos. O patrimônio líquido apresenta correlação intermediária com os recursos livres, alta correlação com as relações interfinanceiras e está fortemente associado às operações de crédito e outros ativos. Os passivos, no geral, apresentam correlações significativas com quase todas posições de ativos. Tais achados corroboram com a literatura bancária (Abou-El-Sood & El-Ansary, 2017).
Possíveis explicações para as cooperativas de crédito estão relacionadas à natureza do negócio, que consiste na intermediação financeira por meio da captação e destinação de recursos, sem a finalidade de maximização dos lucros (Bittencourt et al., 2017). Destaca-se ainda a gestão de riscos, que visa equilibrar os vencimentos e mitigar a exposição ao risco da taxa de juros (Memmel & Schertler, 2012; Simonson et al., 1983; De Young & Yom, 2008), bem como as normas regulatórias, como Basileia III, que asseguram a estabilidade financeira.
4.2 Evolução Temporal da Dependência das Contas de Ativos e Passivos
Os resultados das análises de correlações canônicas são apresentados na Tabela 4. Foram calculadas sete correlações canônicas, máximo permitido seguindo a forma como as contas do ativo e do passivo foram agrupadas. As variáveis do ativo e do passivo apresentam um grau relativamente elevado de dependência coletiva.
No ano de 2014, a primeira correlação canônica foi de 0,99, ou seja, o primeiro fator extraído dos dados das contas do ativo e o primeiro fator extraído dos dados das contas do passivo têm uma correlação linear de 0,99. A segunda correlação canônica foi de 0,94. Descendo em cada coluna, observa-se que as correlações canônicas diminuem em poder explicativo e significância estatística.
Na primeira coluna, o primeiro valor da estatística F de 213,93 (p-valor 0,000) rejeita a hipótese nula de que todas as sete correlações canônicas são nulas. O segundo valor da estatística F de 63,31 (p-valor 0,000) rejeita a hipótese para as correlações da segunda à sétima. Os pares canônicos do terceiro ao quinto têm valores significativos (exceto o quinto par canônico de 2019), enquanto os pares do sexto e sétimo não são significativos. Conclui-se que, no geral, cinco ou menos pares canônicos são suficientes para representar a ALM.
A Tabela 4 contém as correlações canônicas entre combinações lineares das variáveis de ativo e passivo, que podem ou não refletir relações sistemáticas entre estas variáveis. Para avaliar essas relações, têm-se o coeficiente de redundância na Tabela 5, que mede a variância compartilhada entre as variáveis independentes e dependentes, fornecendo um índice resumido da força média e da capacidade de uma variável preditora para explicar a variabilidade em um conjunto de variáveis dependentes (Abou-El-Sood & El-Ansary, 2017).
As variáveis canônicas do passivo explicam cerca de 5,02% da variação nas variáveis do ativo, enquanto as variáveis canônicas do ativo explicam aproximadamente 5,23% da variação nas variáveis do passivo. Tais resultados indicam primeiramente que, a causalidade tende a vir mais fortemente dos ativos para os passivos, sugerindo que as cooperativas de crédito buscam financiamento e definem tais estratégias após identificarem oportunidades de investimento, semelhante aos resultados de DeYoung e Yom (2008). Em segundo lugar, a pequena magnitude dos coeficientes de redundância e a relevância das duas primeiras cargas indicam que as fortes correlações canônicas na Tabela 4 resultam de um número relativamente reduzido de relações específicas entre contas discricionárias de ativos e passivos.
A Figura 1 mostra um aumento discreto, com possível convergência no nível de ligação de contas discricionárias, indicando que as cooperativas de crédito podem ter se tornado mais semelhantes ao longo do tempo. Os resultados se mostram compatíveis com a primeira hipótese (H1), que existe uma evolução positiva da dependência das contas discricionárias de ativos e passivos em cooperativas de crédito ao longo do tempo, refletindo melhorias nas práticas de gestão e adaptação às exigências regulatórias.
Os achados diferem dos de DeYoung e Yom (2008), que encontraram uma redução nos vínculos de ativos e passivos nos bancos comerciais dos Estados Unidos de 1990 a 2005, e de Memmel e Schertler (2012), que identificaram reduções em todos os setores de bancos alemães entre 1994 e 2007. Com o crescimento das cooperativas de crédito no Brasil (BCB, 2022), a ALM se tornou essencial, pois a ampliação das atividades e a diversificação de serviços aumentaram a complexidade do gerenciamento de riscos. A consolidação do setor e a evolução de instrumentos de risco intensificam a necessidade de uma abordagem mais precisa na ALM, que é fundamental para assegurar a estabilidade financeira e a eficiência das cooperativas.
4.3 Constatações sobre o Tamanho nas Dependências entre Contas de Ativos e Passivos
Considerou-se a análise das correlações canônicas conforme o porte das cooperativas de crédito, sendo a amostra dividida em quartis, primeiro quartil (menor porte) e quarto quartil (maior porte), conforme Tabela 6.
Na estatística do teste Wilks’ Lambda, foi rejeitada a hipótese H0: dois vetores de variáveis não são linearmente relacionados. O valor do teste Wilks’ Lambda foi baixo, sugerindo que as variáveis dependentes e independentes estão significativamente relacionadas. O p-valor foi inferior ao nível de significância (5%), portanto há relação significativa entre as variáveis dependentes e independentes. Os testes Pillai’s Trace e Lawley-Hotelling Trace geram resultados similares à significância estatística, o que é comum (Fávero & Belfiore, 2024). Ainda, as inferências são baseadas em pressupostos assintóticos.
O R² canônico do primeiro par de variáveis para cooperativas de menor porte (a) foi de 99,80%, superior ao R² canônico de cooperativas de maior porte (b), que foi de 98,20%. Os resultados sugerem que, para cooperativas de menor porte, as contas discricionárias são melhor explicadas pelos modelos canônicos, estando mais fortemente relacionadas e sendo mais previsíveis umas em relação às outras. Para cooperativas de menor porte, a proporção da variação nas variáveis de ativos previsíveis a partir das variáveis de passivos foi de 0,629. A proporção da variação nas variáveis de passivos a partir das variáveis de ativos foi de 0,641, conforme cálculo do índice de redundância. Para cooperativas de maior porte os índices de redundância são relativamente menores (0,500 e 0,521). Tais resultados podem refletir uma estrutura financeira mais diversificada nas cooperativas de maior porte, dificultando a explicação das variações entre contas discricionárias de ativos e passivos.
Na prática, cooperativas de menor porte podem ter uma estrutura financeira mais simples e coesa, podendo tornar a ALM mais eficaz. Otimizando também a alocação de capital e recursos (Dermine, 2012), dada às relações mais previsíveis das contas discricionárias. Para cooperativas de maior porte, a relação menos previsível entre as contas pode sugerir necessidades de estratégias de gestão mais diversificadas, bem como métodos mais avançados de controle de risco. Assim, os resultados se mostram mais compatíveis com a segunda hipótese (H2), que a dependência das contas discricionárias de ativo e passivo é maior nas cooperativas de crédito de pequeno porte.
Os resultados encontrados para as cooperativas de crédito brasileiras são maiores aos de bancos islâmicos, como mostrado por Abou-El-Sood e El-Ansary (2017). Para cooperativas de menor porte, o índice de redundância foi 0,629, em comparação com 0,450 para bancos islâmicos. Já as cooperativas de maior porte têm índice de 0,500, superior ao de 0,420 dos bancos islâmicos. Ainda, tais resultados para cooperativas de maior porte superam os achados para bancos comerciais americanos, Simonson et al. (1983) reportam índice de redundância de 0,320 e 0,370 para bancos grandes (ativos abaixo de US$ 1 bilhão) e 0,460 e 0,390 para bancos muito grandes (ativos acima de US$ 1 bilhão), enquanto que as cooperativas de maior porte apresentavam índices de 0,500 e 0,521. Em empresas não financeiras, o índice de redundância foi ainda menor (Stowe et al., 1980).
4.4 Resultados para Períodos de Crises Econômicas e Ausência das Mesmas
As correlações canônicas foram analisadas para períodos de crises econômicas e ausência das mesmas, conforme a Tabela 7. O R² canônico do primeiro par de variáveis nos períodos com crises (a) foi de 99,38%, superior ao R² canônico de 99,00% para períodos sem crises (b).
Os resultados podem indicar que em períodos com crises, os gestores das cooperativas podem gerenciar de maneira mais otimizada as contas discricionárias para manter o equilíbrio financeiro, refletindo possivelmente em uma maior capacidade de reagir às mudanças. Ainda, a relação entre tais contas pode se tornar mais previsível e clara.
Na prática, períodos de crises econômicas podem evidenciar maior resiliência das cooperativas, refletindo uma melhor alocação das contas discricionárias, o que pode contribuir para a estabilidade financeira e a adoção de estratégias eficientes de ALM (Tektas et al., 2005). Abou-El-Sood e El-Ansary (2017) também observaram diferenças de ALM em crises.
Os resultados se mostram consistentes com a terceira hipótese (H3), que a dependência das contas discricionárias de ativos e passivos é maior em períodos de crises econômicas nas cooperativas de crédito.
4.5 Outras Verificações de Robustez
Para aprofundar a análise da robustez, realizou-se a correlação canônica com contas que oferecem uma perspectiva macroeconômica da ALM, adaptadas de Bittencourt e Bressan (2016). A Tabela 8 apresenta a evolução temporal da dependência das contas macroeconômicas.
Foram calculadas quatro correlações canônicas, as variáveis macroeconômicas apresentam um alto nível de dependência coletiva, semelhante ao obtido nas contas de livre utilização. Em 2014, a primeira correlação canônica foi de 0,98, enquanto a segunda foi de 0,64. Observou-se uma diminuição nas correlações em termos de poder explicativo e significância estatística, descendo em cada coluna. Quanto ao valor da estatística F, três ou menos pares canônicos são suficientes para representar a ALM.
Ainda, tem-se um aumento discreto, mas não monotônico, na dependência destas contas. A variação do ativo explicada pelo passivo mostra, no geral, um aumento discreto ao longo dos anos. A variação do passivo explicada pelo ativo, embora apresente valores mais baixos, também tem uma tendência de recuperação em alguns anos, com valores mais altos em 2021 e 2022, respectivamente. Conforme a Figura 2, isso pode indicar que mesmo com algumas flutuações, há uma certa estabilidade ao longo do tempo, o que pode refletir uma evolução positiva da dependência, sendo reflexo de melhores práticas de gestão e adaptação regulatória.
Ao analisar as correlações canônicas conforme o porte, considerando as variáveis macroeconômicas, o R² canônico do primeiro par de variáveis para as cooperativas de menor porte (a) foi de 99,80, superior ao R² de 97,02% para cooperativas de maior porte (b). Os resultados obtidos com as contas de livre utilização, revelam-se semelhantes, sugerindo que a utilização de contas macroeconômicas não altera os resultados quanto ao porte das cooperativas.
Ainda, para as correlações canônicas nos períodos de crises econômicas e sua ausência, o R² do primeiro par de variáveis durante crises (a) foi de 98,78%, superior ao R² canônico do primeiro par de variáveis em períodos sem crises (b), que foi de 98,52%. Resultados semelhantes aos observados em contas de livre utilização. Isso sugere que os resultados permanecem consistentes tanto em períodos de crises quanto em períodos sem crises, independentemente da abordagem das contas macroeconômicas.
As análises com contas macroeconômicas e de livre utilização mostraram resultados homogêneos, podendo indicar consistência nas relações de ALM nas cooperativas. Isso sugere que a ALM pode ser eficaz na promoção da estabilidade na gestão de recursos e na minimização de riscos. Além disso, a adaptabilidade das cooperativas a diferentes contextos econômicos pode ressaltar sua resiliência (Tektas et al., 2005) e eficiência na administração financeira.
5 CONCLUSÃO
O estudo buscou analisar o casamento das contas discricionárias de ativos e passivos nas cooperativas de crédito brasileiras e sua evolução ao longo do tempo. Para isso, foram coletados dados de 672 cooperativas de crédito, de 2014 a 2022, totalizando 5.361 observações.
Os resultados apontam que a ALM pode ser aplicada em média a vinte por cento das contas discricionárias, com uma evolução positiva na dependência dessas contas em cooperativas ao longo do tempo, compatível com a primeira hipótese (H1). A expansão das atividades e a diversificação dos serviços podem demandar uma maior aplicação da ALM, devido à complexidade do gerenciamento de riscos, em contraste com o contexto internacional (DeYoung & Yom, 2008; Memmel & Schertler, 2012), que apresenta redução na dependência.
Quanto ao tamanho, sugere-se que a dependência das contas discricionárias de ativos e passivos pode ser maior para cooperativas de menor porte, compatível com a segunda hipótese (H2). Na prática, cooperativas menores podem possuir estrutura financeira mais simples, o que pode facilitar a gestão mais eficiente, o que permite a alocação de capital e recursos mais otimizada (Dermine, 2012), devido à maior previsibilidade nas relações entre contas discricionárias.
Ao considerar períodos de crises econômicas e sua ausência, identificou-se que é possível que os gestores tenham adotado estratégias mais eficientes de ALM nas crises, resultado consistente com a terceira hipótese (H3). Na prática, durante as crises as cooperativas podem demonstrar maior resiliência, otimizando a alocação das contas e adotando estratégias de ALM mais eficazes para manter a estabilidade financeira (Tektas et al., 2005).
Como limitação do estudo, não foi possível considerar o prazo de vencimento das contas, como proposto de DeYoung e Yom (2008) e Memmel e Schertler (2012), devido à indisponibilidade de contas discricionárias classificados em ativos e passivos de curto e longo prazo no site do BACEN. Além de não considerar a maturidade dos ativos e passivos, consequentemente também não foi considerado o risco associado às taxas de juros.
Estudos futuros poderiam explorar ALM das cooperativas de crédito em nível global. Também, pode-se considerar a maturidade de ativos e passivos e uso de mecanismos de hedge de taxa de juros para instituições financeiras.
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40
Este é um texto bilíngue. Este artigo também foi traduzido para o idioma inglês, publicado sob o DOI https://doi.org/10.1590/1808-057x20242151.en
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50
Este artigo deriva de uma tese de doutorado defendida pela autora Flávia Zancan, em 2025.
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Trabalho apresentado no 24º USP International Conference on Accounting e no 21º Congresso USP de Iniciação Científica em Contabilidade, São Paulo, SP, Brasil, julho de 2024.
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FINANCIAMENTO
Este estudo foi financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (Capes) - Código de Financiamento 001.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
04 Ago 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
03 Maio 2024 -
Revisado
21 Maio 2024 -
Aceito
21 Nov 2024



Nota: A linha preta corresponde à variação nos ativos explicada pelos passivos. A linha cinza corresponde à variação dos passivos explicada pelos ativos.Fonte: Elaborada pelos autores.
Nota: A linha preta corresponde à variação dos ativos explicada pelos passivos. A linha cinza corresponde à variação dos passivos explicada pelos ativos.Fonte: Elaborada pelos autores.