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Transdisciplinaridade: a busca pela unidade do conhecimento científico e tecnológico

RESUMO

Introdução:

Reflexões sobre a unidade do conhecimento tiveram lugar em diversos momentos da história. A ciência moderna, no entanto, traz em sua esteira a questão da especialização disciplinar, que causou profunda mudança na busca pelo conhecimento científico. A nova ordem disciplinar, cada vez mais especializada, dificultava a visão integrada da ciência e do conhecimento, levando a um distanciamento das várias realidades contidas em um mesmo problema ou circunstância e até mesmo desconsiderava a integração necessárias entre os saberes.

Objetivos:

Para compreender a relevância de buscar todos os aspectos de uma mesma situação, essa pesquisa tem como objetivo aprofundar as contribuições e entendimentos de alguns dos primeiros pensadores que trataram sobre a unidade do conhecimento, estendendo-se até Kurt Gödel, considerado o pai da transdisciplinaridade e ao Modo 2 de produção de conhecimento de Michael Gibbons.

Método:

Esse estudo consiste em uma pesquisa interpretativista, qualitativa, resultando em uma revisão crítica de literatura, que sintetizou as informações por meio de avaliação e discussão aprofundada sobre a unidade do conhecimento científico e tecnológico.

Resultados:

Unidade do conhecimento refere-se ao fato de que o conhecimento condicionado só pode alcançar sua integridade por meio do conhecimento incondicionado, este último não apenas um agregado contingencial, mas um sistema indispensável para a completa identidade do conhecimento condicionado.

Conclusão:

A transdisciplinaridade, Nesse aspecto, é a busca da unidade do conhecimento, além das fronteiras disciplinares, a fim de captar toda a complexidade da Realidade multidimensional e a multirreferencial do elemento condicionado.

PALAVRAS-CHAVE:
Unidade do conhecimento; Transdisciplinaridade; Conhecimento científico e tecnológico.

ABSTRACT

Introduction:

Reflections about the unity of knowledge have taken place at various times in history. Modern science, however, brings in its wake the issue of disciplinary specialization, which caused a profound change in the search for scientific knowledge. The new disciplinary order, increasingly specialized, hindered the integrated vision of science and knowledge, leading to a distancing from the various realities contained in the same problem or circumstance, and even disregarding the necessary integration among knowledges.

Objectives:

To understand the relevance of searching for all aspects of the same situation, this research aims to deepen the contributions and understandings of some of the first thinkers who dealt with the unity of knowledge, extending to Kurt Gödel, considered as the father of transdisciplinary, and to Mode 2 of knowledge production by Michael Gibbons.

Method:

This study consists of an interpretivist, qualitative research, resulting in a critical literature review, which synthesized the information through evaluation and in-depth discussion about the unity of scientific and technological knowledge.

Results:

Unity of knowledge refers to the fact that conditioned knowledge can only achieve its integrity through unconditioned knowledge, the latter not merely a contingent aggregate, but an indispensable system for the complete identity of conditioned knowledge.

Conclusion:

Transdisciplinary, in this respect, is the search for the unity of knowledge, beyond disciplinary boundaries, to capture the full complexity of the multidimensional and the multi-referential Reality of the conditioned element.

KEYWORDS:
Unity of knowledge; Transdisciplinary; Scientific and technological knowledge.

1 INTRODUÇÃO

Reflexões sobre unidade do conhecimento foram amplamente manifestadas em diversos momentos da história. Os primeiros registros partem dos filósofos da antiguidade, seguem na idade média, estão no iluminismo, nos fundamentos teóricos da mereologia do pensamento sistêmico e por toda a filosofia da ciência. O tema se intensifica a partir do século XVI com as ideias revolucionárias de alemães, franceses, ingleses e italianos sobre o conhecimento e o método científico que dará origem à ciência moderna, entre eles, Francis Bacon, Galileu Galilei, René Descartes, Blaise Pascal, John Locke, Isaac Newton, Gottfried W. Leibniz, David Hume e Immanuel Kant.

A ciência moderna, no entanto, traz em sua esteira a questão da especialização disciplinar, que causou profunda mudança na busca pelo conhecimento científico. A nova ordem disciplinar, cada vez mais especializada, dificultava a visão integrada da ciência e do conhecimento, levando a um distanciamento das várias realidades contidas em um mesmo problema ou circunstância e até mesmo desconsiderava a integração necessárias entre os saberes. Ao observar essa tendência, inúmeros movimentos e iniciativas surgiram externando a preocupação com a desintegração da unidade do conhecimento. Os iluministas, por exemplo, organizaram a Encyclopédie ou Dictionnaire Raisonné des Sciences, des Arts et des Métiersi i Diderot, Denis, & D'Alembert, Jean Le Rond. (1751-1772). Encyclopédie ou dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers: par une societé de gens de lettres. Paris: André Le Breton, Laurent Durand, Antoine-Claude Briasson, Michel-Antoine David. , coleção com 17 volumes, lançado entre 1751 e 1772 a fim de reunir, organizar e disseminar o conhecimento disponível. A despeito do grandioso empreendimento, a fragmentação da ciência ocorreu e permanece até hoje.

A partir dos anos 1990, no entanto, a discussão sobre a importância de buscar a unidade do conhecimento retorna e, potencializada pelo conceito de transdisciplinaridade apresentado nos anos 1970, surge a tese de que o tradicional modo de produção de conhecimento (Modo 1) deu lugar a uma nova maneira (Modo 2), mais apropriado a captar a complexidade da realidade pela pesquisa científica. Resumidamente, para os mentores da ideia, Gibbons et al. (1994)GIBBONS, M. et al.The new production of knowledge: the dynamics of science and research in contemporary societies. London: Sage, 1994. Disponível em: https://sk.sagepub.com/books/the-new-production-of-knowledge. Acesso em: 17 jun. 2022.
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, o Modo 1 atua em problemas majoritariamente acadêmicos de uma comunidade específica, ao contrário do Modo 2 que atua no contexto, onde quer que esteja; o Modo 1 é homogêneo e o Modo 2 é heterogêneo; o Modo 1 é hierárquico e constante e o Modo 2 é heterárquico e transitório; e o Modo 1 é disciplinar e o Modo 2 é transdisciplinar.

Para compreender a relevância de buscar todos os aspectos de uma mesma situação, essa pesquisa tem como objetivo aprofundar nas contribuições e entendimentos de alguns dos primeiros pensadores que trataram sobre a unidade do conhecimento, estendendo-se até Kurt Gödel, considerado o pai da transdisciplinaridade e ao Modo 2 de produção de conhecimento de Michael Gibbons.

Esse estudo consiste em uma pesquisa interpretativista, qualitativa, apoiada em revisão narrativa de literatura, baseada no consenso e na crítica dos autores sobre a produção científica disponível, que considera a experiência e avaliação dos especialistas, familiarizados com as evidências do conhecimento acumulado na área. O resultado é uma revisão crítica de literatura, que sintetizou as informações por meio de avaliação e discussão aprofundada sobre a unidade do conhecimento científico e tecnológico. As ideias aqui colocadas deram suporte à proposição de um método de pesquisa de coprodução transdisciplinar, apresentadas na obra Frameworks for scientific and technological research oriented by transdisciplinary co-production, de Alvares e Freire (2022)ALVARES, L. M. A. de R.; FREIRE, P. de S. Frameworks for scientific and technological research oriented by transdisciplinary co-production. London: Anthem Press, 2022. ISBN 9781839986840..

2 A PREOCUPAÇÃO COM A UNIDADE DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO E TECNOLÓGICO

2.1 A nova ciência descrita por Francis Bacon (1561-1626)

Francis Bacon (1561-1626) dedicou boa parte de sua energia intelectual para explicar a nova ciência do século 17. Em sua obra seminal Advancement of Learningii ii Bacon, Francis. (1605). The advancement of learning (of the proficience and advancement of learning, divine and humane). (VI volumes). Oxford: Leon Lieffield. ele argumenta que a lógica dedutiva (ou lógica aristotélica) da busca pela verdade e pelo conhecimento, originada na Antiguidadeiii iii A lógica aristotélica (ou o método dedutivo) para a compreensão da realidade e para a busca do conhecimento foi desenvolvida na antiguidade clássica e apresentada no Órganon, que grosso modo, diz respeito às seguintes obras de Aristóteles: Categorias, Da Interpretação, Analíticos Anteriores, Analíticos Posteriores (ou ambos apenas chamados de Analíticos pelo filósofo), Tópicos e Refutações Sofísticas (esse último é a seção final de Tópicos). O próprio pensador não usou o nome Órganon para se referir ao conjunto (que só foi agrupado sob esse nome na idade média). Aristóteles sequer as tratou como partes de uma obra única. Muitos pesquisadores associam ao conjunto também a obra Retórica, como confirmação de Tópicos (Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2017a). , era insuficiente ao desenvolvimento da ciência na era moderna. Bacon sistematizou o método indutivo, já utilizado largamente por seu contemporâneo Galileu (1564-1642) em uma combinação inovadora de experimentos e matemática, e mesmo antes desses expoentes da ciência e do método científico. Lakatos e Marconi (1991)LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. de A Metodologia científica. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1991. afirmam que “a indução, como técnica de raciocínio, já existia desde Sócrates e Platão”. (p.64).

Essas duas formas de raciocínio - a dedução e a indução - são métodos racionais para compreensão da ciência. Ao invés de apenas seguir livremente o pensamento, os métodos dedutivo e indutivo são baseados na reflexão, seguem um procedimento coerente, a partir de elementos da razão. O primeiro, batizado de silogismo por Aristóteles, parte de enunciados gerais (leis universais), para chegar à conclusão em um caso particular. Tem como objetivo explicitar o conteúdo das premissas. Sendo as premissas verdadeiras, a conclusão só pode ser uma verdade incontestável, uma vez que as informações já estavam nas premissas, mesmo implicitamente. Entretanto, como a conclusão é extraída das premissas, ela apenas confirma uma verdade, não existe novidade na informação gerada da análise, apesar de estar longe de ser óbvia. Esse tipo de raciocínio é muito utilizado na física e matemática, por exemplo.

O raciocínio dedutivo é considerado limitado por não ampliar a possibilidade de novas descobertas. Ele apenas confirma o que já se estima como verdade, emerge da demonstração do que já estava implícito nas premissas e em consequência, a ciência fica reduzida apenas aos conhecimentos originados nesse caminho em busca da verdade, em nome da segurança e a precisão. De maneira oposta, as premissas no raciocínio indutivo são as observações e experimentações particulares (as evidências) em direção às generalizações conceituais (conclusões) que podem ser verdadeiras ou não. As conclusões logradas são verdades não contidas nas premissas consideradas, elas trazem, portanto, novidade, criação, revolução.

Diferente do método dedutivo que chega a conclusões verdadeiras, se estiver baseada em premissas verdadeiras, as conclusões do método indutivo são apenas prováveis. Contudo, ela possibilita a extensão do conhecimento, pois o objetivo é sua ampliação e as novas descobertas. Ele perde em precisão, mas se todas as premissas forem verdadeiras, a conclusão provavelmente é verdadeira (mas não necessariamente verdadeira). A indução, em resumo, é a relação entre evidência observacional e generalização científica. Hoje a ciência reconhece outras abstrações das possibilidades de condução de uma pesquisa científica, cada qual apropriada ao tipo de investigação a ser realizada, como os métodos hipotético-dedutivo, dialético e fenomenológico.

Retomando Bacon, no segundo volume da publicação, intitulada emblematicamente como Novo Órganoniv iv Em latim: Novum Organum ,v v O Novo Órganon é a segunda parte (de um total de seis) de Advancement of Learning: Livro I “As Divisões das Ciências”; Livro II “O Novo Órganon ou Instruções Para a Interpretação da Natureza”; Livro III “Fenômenos do Universo ou uma História Natural e Experimental em Direção à Fundação da Filosofia; Livro IV “A Escada do Intelecto”; Livro V “Precursores ou Antecipações da Segunda Filosofia”; Livro VI “Segunda Filosofia ou Ciência Prática”. , ele organiza e propõe o raciocínio indutivo, apropriado à busca empírica do conhecimento, distinguido pelo compromisso claro com a observação e comprovação experimental como condição para o fato científico. Martin (1926)MARTIN, S. G. History of philosophy. Monist, Oxford, v.36, n.4, p.678-699, 1926. Disponível em: https://doi.org/10.5840/monist192636435. Acesso em: 17 jun. 2022.
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afirma que cientistas anteriores e contemporâneos de Bacon refletiam a ciência também na perspectiva da análise e do ensaio, mas concluíam pelo raciocínio dedutivo, enquanto o Novo Órganon defendia a validade formal do método indutivo de forma inovadora. Subjacente aos conceitos principais, a obra deixa claro o benefício do progresso da ciência para a sociedade e alerta para o estado de permanente evolução do conhecimento, ao afirmar que, “não se espera que uma coisa pode ser totalmente concluída no decorrer de uma vida, mas fornece para sucessores”. (Bacon, 1605, em edição incluída em Martin, 1926MARTIN, S. G. History of philosophy. Monist, Oxford, v.36, n.4, p.678-699, 1926. Disponível em: https://doi.org/10.5840/monist192636435. Acesso em: 17 jun. 2022.
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, p. 13).

Bacon está irremediavelmente ligado ao passado e ao presente, ele é o elo entre o renascimentovi vi Período da idade média entre 1348 a 1648, aproximadamente. e a era moderna. Contemporâneo de Galileu e de Descartes, estava entre os primeiros a entender a necessidade de estabelecer um novo caminho para a busca do verdadeiro conhecimento.

2.2 O método científico de René Descartes (1596-1650)

Francis Bacon (1561-1626) e René Descartes (1596-1650) são considerados fundadores da ciência moderna, Bacon como pioneiro do método experimental e Descartes com o rigoroso caminho em busca da verdade. O inglês tem na obra Novo Órganon, segundo volume da coleção Advancement of Learning, o ponto fulcral de seu pensamento, enquanto o francês registrou seus fundamentos em vários momentos distintos, que confirmam um a um a defesa da unidade de conhecimento, como por exemplo na obra Regras para a Direção do Espírito, escrita em 1628, mas só publicada postumamente em 1701 (em latim). Nesta obra Descartes cria o pressuposto teórico de que “é preciso acreditar que todas as ciências estão tão interconectadas que é muito mais fácil aprendê-las todas juntas do que separar umas das outras. Portanto, se alguém deseja seriamente investigar a verdade das coisas, não deve selecionar alguma ciência em particular” E ainda segue concluindo que, “deve-se simplesmente pensar em aumentar a luz natural da razão, não para que se resolva esta ou aquela dificuldade escolar, mas para que o intelecto mostre à vontade o que deve ser decidido nas situações particulares da vida”. (Descartes, 1998DESCARTES, R. Regula ad directionem ingenii (Rules for the direction of the natural intelligence): a bilingual edition of the cartesian treatise on method. Amsterdam: Rodopi, 1998., p. 69).

As circunstâncias que levam Descartes a sua produção intelectual era a incerteza acerca dos princípios que sustentavam a busca pelo conhecimento naquele período e como a investigação científica deveria acontecer. Então, ele escreve “Regras...”, um conjunto inacabado de três livros da qual apenas o primeiro foi publicado integralmente, com 12 regras, que se tornam, de fato, prelúdio para Discurso sobre o Métodovii vii O nome completo era “Discurso sobre o método para bem conduzir a razão na busca da verdade dentro da ciência” e foi escrito anonimamente como prólogo a três outros textos científicos. , de 1637 (em francês), a monumental contribuição do matemático, quando ele chega à conclusão cogito ergo sum:“estou pensando, portanto, existo” (Descartes , 1637 apud Maclean, 2006, p. 32).

A obra, ademais, sintetiza quatro regras, que o filósofo julga suficiente para estabelecer um método, diferente do que havia, suficiente para sustentar a lógica que ele revelou na busca pela verdade. São elas: (i) a evidência, nunca aceitar nada como verdade sem antes julgar indiscutivelmente que assim é, algo que não seria possível duvidar, evitando preconceito e conclusões prematuras; (ii) a análise, dividindo todas as dificuldades sob exame em tantas partes quanto possível, e tantas quantas fossem necessárias para resolvê-las da melhor maneira; (iii) a ordem, conduzindo os pensamentos em uma determinada ordem, começando com os objetos mais simples e fáceis de entender, e ascendendo gradualmente ao mais complexo; (iv) a enumeração, as longas cadeias de raciocínios na ordem certa para deduzir uma coisa da outra, “não pode haver nada tão remoto que não se possa eventualmente alcançá-lo, nem tão escondido que não se possa descobrir”.viii viii there can be nothing so remote that one cannot eventually reach it, nor so hidden that one cannot discover it. (p. 20)ix ix Descartes diz: “atrevo-me a afirmar que a observância escrupulosa dos poucos preceitos que escolhi me deram tanta facilidade em desvendar todos as questões [...] não só resolvi alguns que antes havia julgado muito difícil, mas [...] fui capaz de determinar, mesmo em relação às questões que eu não tinha resolvido, por quais meios e em que medida seria possível resolvê-los” (p.21). (I venture to claim that the scrupulous observance of the few precepts I had chosen gave me such ease in unravelling all the questions […] not only did I solve some which I had earlier judged very difficult, but […] I was able to determine, even in respect of those questions which I had not solved, by what means and to what extent it was possible to solve them). .

No prefácio à tradução em francês de Princípios de Filosofiax x DESCARTES, Renati. (1644). Principia philosophiae. Amstelodami: Ludovicum Elzevirium. (Principes de philosophie, em 1647, 3 anos depois do lançamento em 1644, em latim) ele apresentou uma imagem das relações de conhecimento em forma de árvore, analogia que remete à publicação de Ramon Llull de 1296, intitulada Árvore da Ciênciaxi xi LULLI, Raymundi (Illuminati Patris, Maioricensis). (1515). Arbor scientiae: venerabilis et caelitus. 2a. ed. Lyon: Guilhelmi Huyon & Constantini Fradin. (Llull, Ramon. Arbre de la ciència. 1a.ed. Rome: 1295-1296). Segundo Norman (2020), nenhum dos livros de Ramon Llull parece ter sido publicado antes do século XV, as edições da arbor scientiae, com suas famosas xilogravuras das árvores do conhecimento de Llull, começaram a aparecer no início do século XVI na edição impressa em Lyon em 1515. , onde cada ciência é representada por uma árvore com raízes, tronco, ramos, folhas e frutos. As raízes representam os princípios básicos de cada ciência, o tronco é a estrutura, os ramos, os gêneros, as folhas, as espécies e os frutos, o indivíduo, seus atos e suas finalidades. A representação de Llull, por sua vez, recebe influência dos filósofos gregos da antiguidade, sobretudo das classificações aristotélicas e inclusive da metáfora de uma árvore utilizada por Descartes, onde projeta que ”a filosofia como um todo é como uma árvore cujas raízes são metafísicas, cujo tronco é físico e cujos ramos, que saem deste tronco, são todas as outras ciências'.(Mattews, 1989, p. 87-88).

Matthews (1989)MATTHEWS, M. (Ed.). The scientific background to modern philosophy: selected readings. Indianapolis: Hackett Publishing, 1989. descreve o conjunto da obra de Descartes como uma “ filosofia sistemática” que abrange todos os ramos do conhecimento que, por sua vez, baseia-se “em alguns princípios inegáveis, e todo conhecimento seria deduzido deles, de modo que a metafísica, física, matemática, moral e política tudo seria coerente” A partir deste fundamento, Descarte conclui que “o conhecimento é um todo orgânico, em que todos os campos têm o mesmo método”, dando origem, portanto a metáfora da árvore. “Esta doutrina de um método único e abrangente, é contrário ao de Aristóteles, para quem os diferentes campos do conhecimento humano, todos têm seu próprio assunto e método apropriado. ” (p. 87-88).

Tudo é evidência do pensamento unificador de Descartes. Segundo Ariew (1992)ARIEW, R. Descartes and the tree of knowledge. Synthese, New York, v. 92, n. 1, p. 101-11, 1992. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/20117041. Acesso em: 17 jun. 2022.
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, “Desde seus primeiros escritos, os 'Pensamentos Privados', por exemplo, temos o sonho de Descartes de uma cadeia de ciências que não seria mais difícil reter do que uma série de números”xii xii From his earliest writings, the 'Private Thoughts' for instance, we have Descartes' dream of a chain of sciences that would be no more difficult to retain than a series of numbers. (p.111), ou a Regra 1 “uma negação explícita da doutrina de que as ciências deveriam ser distinguidos pela diversidade de seus assuntos, ‘todas as ciências sendo na verdade, apenas a sabedoria humana, que sempre permanece uma e idêntica consigo mesmo, por mais diferentes que sejam os objetos aos quais se aplica’ ”xiii xiii an explicit denial of the doctrine that the sciences should be distinguished by the diversity of their subjects, "all the sciences being in effect only human wisdom, which always remains one and identical to itself, however different are the objects to which it is applied". (p.111).

2.3 O todo e suas partes de Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716)

Gottfried Wilhelm Leibniz nasceu na Alemanha em 1646 pouco antes da morte de Descartes em 1650. O polímata se destacou em vários campos do conhecimento, dentre eles, a filosofia, onde registrou em diversos documentos sua percepção da realidade. Por exemplo em: “a verdadeira unidade, diferentemente de uma unidade abstrata, é que ela encerra uma variedade infinita ou um mundo de diversidades”xiv xiv Em Carta a Arnauld, de abril de 1687. (Cardoso, 2016CARDOSO, A. O universo monadológico: natureza, vida e expressão. In: LEIBNIZ, Gottfried Wilhelm. Monadologia. Lisboa: Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), 2016. Disponível em: https://research.unl.pt/ws/portalfiles/portal/2415323/Monadologia_FINAL.pdf. Acesso em: 17 jun. 2022.
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, p.20) ou “apercebi-me de que é impossível encontrar os princípios de uma verdadeira unidade na simples matéria [...] já que tudo aí é apenas coleção ou amálgama de partes ao infinito”xv xv Em Sistema Novo (1695). (Cardoso, 2016CARDOSO, A. O universo monadológico: natureza, vida e expressão. In: LEIBNIZ, Gottfried Wilhelm. Monadologia. Lisboa: Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), 2016. Disponível em: https://research.unl.pt/ws/portalfiles/portal/2415323/Monadologia_FINAL.pdf. Acesso em: 17 jun. 2022.
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, p.20) ou na colocação de Luca (2016LUCA, F. de. A relação entre cibernética e metafisica e suas consequências na vida social a partir da monadologia de G. W. Leibniz. Cadernos Espinosanos, Estudos Sobre o Século XVII, São Paulo, n. 34, 2016. (Número Especial Sobre Leibniz). Disponível em: https://www.revistas.usp.br/espinosanos/article/view/117009. Acesso em: 17 jun. 2022.
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, p. 18) sobre a ideia de Leibniz de que “a unidade do mundo é representada a partir de perspectivas, isto é, a partir de divisões que nós mesmos realizamos para melhor entender o todo”

Melhor explicando a compreensão de Leibniz sobre o todo e suas partes, Luca (2016LUCA, F. de. A relação entre cibernética e metafisica e suas consequências na vida social a partir da monadologia de G. W. Leibniz. Cadernos Espinosanos, Estudos Sobre o Século XVII, São Paulo, n. 34, 2016. (Número Especial Sobre Leibniz). Disponível em: https://www.revistas.usp.br/espinosanos/article/view/117009. Acesso em: 17 jun. 2022.
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, p. 18) entende que, ao

dispor sistematicamente as matérias, por um lado, pode ser indiscutivelmente melhor para aquisição de um conhecimento claro e distinto, pois se trata de uma resposta prática às nossas necessidades (indexes, taxonomias, sistemas de classificação), mas, por outro lado, o que não se deve perder de vista, é que todo esse corpo de ciências particulares é uno, contínuo, ininterrupto, ou seja, alcança melhor seu fluxo natural multiplicando as relações e conexões que se pode fazer entre os saberes.

Leibniz defende que uma verdade pode estar em várias realidades, conforme o ponto de vista adotado e que as divisões do conhecimento são arbitrárias, “não são consequência da própria natureza do conhecimento, mas sim do nosso arbítrio” (HIRATA, 2012HIRATA, C. Sistema em Leibniz e Descartes. Trans/Form/Ação, Marília, v.35. n.1, p.23-36, 2012. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0101-31732012000100003. Acesso em: 17 jun. 2022.
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, p. 24), pois nas palavras de Theophilusxvi xvi Theophilus é o personagem do livro “Os novos ensaios sobre o entendimento humano” que é uma refutação item a item à obra prima de John Locke “Um ensaio sobre o entendimento humano”. Os dois personagens do livro são os amigos Theophilus , representando o racionalismo de Leibniz e Philalethes, representando o empirismo de Locke. : “Essa divisão era famosa mesmo entre os antigos [...] Mas o principal problema sobre a divisão das ciências é que cada um dos ramos aparece para engolir os outros.”xvii xvii That division was a famous one even among the ancients. […] But the chief problem about that division of the sciences is that each of the branches appears to swallow the others. (LEIBNIZ, 2015LEIBNIZ, G. W. New essays on human understanding. [S.l, s.n.], 2015., p. 258)xviii xviii A obra foi concluída em 1704, mas só publicada em postumamente em 1764, em respeito a morte de Locke no mesmo 1704. .

A mereologiaxix xix Na filosofia e na matemática, a mereologia é a teoria das relações entre as partes e o todo. Estuda o comportamento das relações da parte para o todo e das relações de parte para parte dentro de um todo. Suas raízes estão nos primeiros dias da filosofia, começando com os pré-socráticos e continuando ao longo dos escritos de Platão, Aristóteles e Boethius. Pensadores da idade média também tratam do tema, como Peter Abelard, Tomás de Aquino, Raymond Lull, John Duns Scotus, Walter Burley, Guilherme de Ockham e Jean Buridan. Contemporaneamente, está nos trabalhos de Brentano e Husserl. (Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2016). apresentada na metafísica de Leibniz tem origem na obra de Aristóteles, cujo axioma parte-todo é conhecido por alguns como um princípio aristotélico (ATTEN, 2017ATTEN, M. van. A note on Leibniz’s argument against infinite wholes. British Journal for the History of Philosophy, London, v. 19, n. 1, p. 121-129, 2017. Disponível em: https://halshs.archives-ouvertes.fr/halshs-00775348/document. Acesso em: 17 jun. 2022.
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), devido às palavras “A relação daquilo que excede com aquilo que é excedido é numericamente indefinida, [...] enquanto o que excede, em relação ao que é excedido, é "tanto" mais algo mais”xx xx The relation of that which exceeds to that which is exceeded is numerically quite indefinite, […] whereas that which exceeds, in relation to that which is exceeded, is "so much" plus something more. (ARISTOTLE, 1989ARISTOTLE. Metaphysics. London: Harvard University Press, 1989., P. 1021a). Segundo Varzi (2016)VARZI, A. Mereology. Stanford: Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2016. Disponível em: https://plato.stanford.edu/entries/mereology/. Acesso em: 17 jun. 2022.
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, a relação parte-todo representa uma relação reflexiva (pois tudo faz parte de si mesmo), transitiva (porque qualquer parte de qualquer parte de uma coisa é ela mesma parte dessa coisa) e antissimétrica (já que duas coisas distintas não podem fazer parte uma da outra).

Para Burkhardt e Degen (1990)BURKHARDT, H.;DEGEN, Wo. Mereology in Leibniz’s logic and philosophy. Topoi, Ontário, v.9, n.1, p.3-13, 1990. Disponível em: https://doi.org/10.1007/BF00147625. Acesso em: 17 jun. 2022.
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, a relação parte-todo é um elemento essencial da filosofia leibniziana. Na obra Dissertatio de arte combinatoriaxxi xxi Leibnüzio, Gottfredo Guilielmo. (1666). Dissertatio de arte combinatoria. Lipsiae: Joh.Simon Fickium et Joh. Polycarp. Seuboldum. É a versão ampliada de sua tese doutoral. , Leibniz descreve a doutrina do todo e suas partes, com uma importante distinção: “ele separa a relação entre o todo e suas partes da relação entre as próprias partes, e ele dá a esses diferentes tipos de relações nomes diferentes”. Em Nouveaux Essais (LEIBNIZ, 2015LEIBNIZ, G. W. New essays on human understanding. [S.l, s.n.], 2015.), a expressão latina “dictum de omni et de nullo”xxii xxii disse de tudo e de nada é usada por Leibniz para ilustrar “que por um lado nem todo conteúdo é um todo e por outro lado todo verdadeiro é mais do que as partes, enquanto a coisa que contém e que está contido por ele são de certo modo iguais.”xxiii xxiii on the one hand not every containing thing is a whole and on the other hand every true whole is more than the parts, whereas the containing thing and that which is contained by it are in a certain way equal. (BURKHARDT e DEGEN, 1990BURKHARDT, H.;DEGEN, Wo. Mereology in Leibniz’s logic and philosophy. Topoi, Ontário, v.9, n.1, p.3-13, 1990. Disponível em: https://doi.org/10.1007/BF00147625. Acesso em: 17 jun. 2022.
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, p. 6).

2.4 As Raízes do Pensamento Sistêmico em Johann Heinrich Lambert (1728-1777)

As ideias de Bacon, Descartes e Leibniz levam ao desmembramento efetivo da ciência e da filosofia na era moderna. O empirismo e o método indutivo tomam lugar na busca do conhecimento científico e os anos vindouros trariam no século 18 a concepção de complexidade da ciência, com Johann Heinrich Lambert (1728-1777). Mais conhecido como físico e matemático, o paradigma de Lambert discorre sobre uma abordagem para estruturar a complexidade como um conjunto de elementos inter-relacionados, descritos como vários tipos de sistemas, como os sistemas de conhecimento científico, de crença, de culturas, de religiões, entre tantos (HARDORN, 2008).

Sua ciência de sistemas, descrita no Neues Organonxxiv xxiv Lambert, Johann Heinrich. Neues organon oder gedanken über die erforschung und bezeichnung des wahren und dessen unterscheidung vom irrtum und schein. Leipzig: Johann Wendler, 1764. , descreve como deveria ser a abordagem científica (tanto experimental quanto teórica) e constitui-se em fundamento do pensamento sistêmico. No documento, ele registra que o conhecimento humano é parcial e que para alcançá-lo no todo, deveria ser adotada uma abordagem interagente com o meio. Bullynck (2010)BULLYNCK, M. Johann Lambert’s scientific tool kit. Science in Context, Cambridge, v.23. n. 1, p.65-89, 2010. Disponível em: https://halshs.archives-ouvertes.fr/halshs-00663305/document. Acesso em: 17 jun. 2022.
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afirma que “quase todos os itens da produção científica de Lambert [...] são evidências de seu espírito sistemático e de sua versatilidade em mudar e adaptar os procedimentos às circunstâncias.”xxv xxv Nearly all items in Lambert's scientific output, especially those that are part of an ongoing series of investigations over the years, testify of his systematic spirit and of his versatility in changing and adapting procedures to the circumstances. (p.67).

Cabe ressaltar que, assim como Bacon, Lambert usou a palavra Órganon na sua publicação de como conduzir o trabalho científico, mas com o destaque que ela deveria ser usada e entendida como originalmente concebida, como uma coleção de ferramentas a serem empregadas, combinadas e montadas de acordo com o problema em questão. Lambert preocupava-se com o passo-a-passo do experimento científico, com o modus operandi, com rotinas e sub-rotinas, em parte retiradas de outros cientistas, em parte por ele desenvolvidas (BULLYNCK, 2010BULLYNCK, M. Johann Lambert’s scientific tool kit. Science in Context, Cambridge, v.23. n. 1, p.65-89, 2010. Disponível em: https://halshs.archives-ouvertes.fr/halshs-00663305/document. Acesso em: 17 jun. 2022.
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). E por essa razão, concebeu uma abordagem aberta de partes interagentes e interdependentes, “mapeando a geografia efêmera de pensar, pesquisar e encontrar. Isso é expresso na conclusão de um longo fragmento sobre como transformar analiticamente experimentos em um sistema”xxvi xxvi mapping the ephemere geography of thinking, searching and finding. This is voiced in the conclusion to a long fragment on how to analytically transform experiments into a system (p. 67).

2.5 O teorema da incompletude de Kurt Gödel (1906-1978)

Outro alicerce importante para o entendimento sobre a busca do conhecimento é o Teorema da Incompletude de Kurt Gödel (1906-1978). O cientista comprovou que a matemática é repleta de paradoxos, demonstrando claramente que há enunciados verdadeiros que não podem ser provados, mesmo que corretos, e que a consistência de um sistema não pode ser provada dentro do mesmo sistema. Esses teoremas revolucionaram a matemática e dilataram os fundamentos da busca do conhecimento, já que a compreensão da realidade ascendeu a outro nível.

Na prática, os teoremas levaram a comunidade científica a distinguir vários níveis de realidade, a um conhecimento cada vez mais profundo e abrangente e a certeza de que todos os conhecimentos são igualmente importantes, superando a preconceituosa hierarquização dos saberes. Nicolescu (1996aNICOLESCU, B. Godelian aspects of nature and knowledge. In: ALTMANN, G.; KOCH, W. A. (ed.). Systems: new paradigms for the human sciences. Paris: Universite Pierre et Marie Curie. Division de Physique Theorique, 1996a. Disponível em: https://doi.org/10.1515/9783110801194.385. Acesso em: 17 jun. 2022.
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, p. 9) nota que a estrutura godeliana dos níveis de realidade implica que é impossível construir uma teoria completa a partir de uma única perspectiva, ou seja, “um novo Princípio da Relatividade emerge da coexistência entre pluralidade complexa e unidade aberta: nenhum nível de Realidade constitui um lugar privilegiado do qual alguém é capaz de compreender todos os outros níveis de Realidade”.

A partir deste Princípio passa-se a reconhecer que “um nível de realidade é o que é porque todos os outros níveis existem ao mesmo tempo” e, dá-se origem “a uma nova perspectiva sobre religião, política, arte, educação e vida social. E quando nossa perspectiva sobre o mundo muda, o mundo muda. Na visão transdisciplinar, a realidade não é apenas multidimensional, também é multirreferencial (NICOLESCU, 1996aNICOLESCU, B. Godelian aspects of nature and knowledge. In: ALTMANN, G.; KOCH, W. A. (ed.). Systems: new paradigms for the human sciences. Paris: Universite Pierre et Marie Curie. Division de Physique Theorique, 1996a. Disponível em: https://doi.org/10.1515/9783110801194.385. Acesso em: 17 jun. 2022.
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).

Diferente do enfoque disciplinar, a multirreferencialidade e a multidimensionalidade do conhecimento leva à distinção de vários níveis de realidade e com essa visão, a abordagem passa da lógica clássica da disciplinaridade à transdisciplinaridade. Seja de qual for o ponto de vista, as proposições de Gödel precisam ser consideradas em qualquer estudo moderno sobre o conhecimento, é de fato, como assegura Nicolescu (1996b)NICOLESCU, B. La transdisciplinarité: manifeste. 1a. ed. Monaco: Éditions du Rocher, 1996b. Disponível em: https://bit.ly/3Q3liKt. Acesso em: 17 jun. 2022.
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“ao mesmo tempo o apogeu e o ponto de declínio do pensamento clássico ... já que a transformação veio do santo dos santos do pensamento clássico: o rigor matemático”xxvii xxvii marks at once the apex and the starting point of the decline of classical though […] holy of holies of classical thought: mathematical rigor. (p.8).

O Teorema da Incompletude não alcançou repercussão na década de 1930, e realmente, somente na aurora da mecânica quântica a estrutura gödeliana dos níveis de Realidade alcançou a dimensão de ser uma das mais importantes contribuições para a ciência, descortinando a abordagem transdisciplinar. Por esse motivo, Kurt Gödel é considerado o pai do pensamento transdisciplinar, cujo discussão só germinou quatro décadas depois, no histórico evento francês.

2.6 A Transdisciplinaridade

A contribuição de Jean Piaget e André Lichnerowicz à transdisciplinaridade tem início no evento de 1970xxviii xxviii cujos anais foram publicados em 1972. e se estenderam por algum tempo até cada qual abraçar suas principais áreas de interesse e pela qual ficaram conhecidos. O biólogo Piaget dedicou toda a vida a estudar o processo de aquisição de conhecimento, em especial pelas crianças. Lichnerowicz dedicou-se ao estudo da geometria diferencial e foi reconhecido por sua contribuição na área, incluindo ter presidido a Comissão Lichnerowicz, constituída para analisar o projeto pedagógico do ensino da matemática.

No início da década de 1970 ambos estavam envolvidos com as questões de ensino e aprendizagem das ciências e Piaget, particularmente, estava atento às iniciativas na comunidade científica de discussão disciplinar, incluindo o movimento Unidade da Ciênciaxxix xxix Unity of Science. da primeira metade século XX (1922 a 1936), fundado por um grupo de cientistas e filósofos que se reuniam regularmente na Universidade de Viena (por isso era chamado de Círculo de Viena, também conhecido como “Sociedade Ernst Mach”). O movimento sustentava que deveria haver um conjunto unitário de premissas físicas das quais as regularidades de toda a realidade poderiam ser derivadasxxx xxx Entre seus membros estavam Friedrich Waismann, Gustav Bergmann, Hans Hahn, Herbert Feigl, Karl Menger, Ludwig von Bertalanffy, Marcel Natkin, Olga Hahn-Neurath, Otto Neurath, Philipp Frank, Richard von Mises, Rose Rand, Rudolf Carnap, Theodor Radakovic, Tscha Hung, Victor Kraft, Hans Reichenbach, Kurt Gödel, Carl Hempel, Alfred Tarski, W. V. Quine, e A. J. Ayer (Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2017b). .

Durante o evento de 1970, essa visão estava contida nas reflexões de seu trabalho “L’épistémologie des relations interdisciplinaires”, assim como as distinções necessárias entre interdisciplinaridade e multidisciplinaridade, cujos resultados levaram-no, de fato, a lavrar o termo e ao primeiro conceito de transdisciplinaridade:

Finalmente, esperamos ver a sucessão das relações interdisciplinares a um estágio superior, que deve ser ‘transdisciplinar’, ou seja, que não se limite a reconhecer as interações e ou reciprocidades entre as pesquisas especializadas, mas que localize esses vínculos dentro de um sistema total sem limites estáveis entre as disciplinasxxxi xxxi Finally, we hope to see succeeding to the stage of interdisciplinary relations a superior stage, which should be "transdisciplinary", i.e., which will not be limited to recognize the interactions and or reciprocities between the specialized researches, but which will locate these links inside a total system without stable boundaries between the disciplines. (PIAGET, 1972PIAGET, J. L’épistémologie des relations interdisciplinaires. In: L’INTERDISCIPLINARITÉ: PROBLÈMES D’ENSEIGNEMENT ET DE RECHERCHE DANS LES UNIVERSITÉS, 1, 1970. Nice. Annales […]. Paris: Organisation de Coopération et de Développement Économiques; Centre pour la Recherche et l’Innovation dans l’Enseignement, 1972., p. 144).

Ao longo do Congresso, fica evidente que o educador entende a transdisciplinaridade como uma nova forma de relações disciplinares, mais integradora que a interdisciplinaridade, indo além e sendo mesmo resultado da interdisciplinaridade. Nicolescu (2006)NICOLESCU, B.. Transdisciplinarity: past, present and future. In: HAVERKORT, B.; REIJNTJES, C. (ed.). Moving worldviews: reshaping sciences, policies and practices for endogenous sustainable development. Holanda: Compas Editions, 2006. Disponível em: https://bit.ly/3oFT1y8. Acesso em: 17 jun. 2022.
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assinala que “a descrição é vaga, mas tem o mérito de apontar para um novo espaço de conhecimento sem limites estáveis entre as disciplinas.”xxxii xxxii This description is vague, but has the merit of pointing to a new space of knowledge “without stable boundaries between the disciplines” (p. 1).

Ao final do trabalho, no entanto, ele atribui a André Lichnerowicz o aprofundamento do conceito de transdisciplinaridade: “Quanto a especificar o que tal conceito pode abranger, seria obviamente uma questão de uma teoria geral de sistemas ou estruturas [...] cabe ao matemático nos contar mais e Lichnerowicz vai nos iluminar sobre esse futuro”xxxiii xxxiii Quant à préciser ce que peut recouvrir un tel concept, il s'agirait évi- demment d'une théorie générale des systèmes ou des structures [...] c'est au mathématicien à nous en dire davantage et Lichnerowicz nous éclairera sur cet avenir (PIAGET, 1972PIAGET, J. L’épistémologie des relations interdisciplinaires. In: L’INTERDISCIPLINARITÉ: PROBLÈMES D’ENSEIGNEMENT ET DE RECHERCHE DANS LES UNIVERSITÉS, 1, 1970. Nice. Annales […]. Paris: Organisation de Coopération et de Développement Économiques; Centre pour la Recherche et l’Innovation dans l’Enseignement, 1972., p. 171).

A abordagem de Lichnerowicz é, como esperada, matemática, já que essa é sua formação. Ele adota o conceito de isomorfismo para explicar a transdisciplinaridade. Na matemática, isomorfismo compreende reconhecer os fenômenos de um objeto em outros, isso é, se dois objetos são isomorfos, então qualquer propriedade que é preservada por um isomorfismo também é verdade para o outro objeto. Essa função pode ser usada para investigar problemas de um campo desconhecido a partir de outro cujos problemas estão esclarecidos. Portanto, para ele, a “transdisciplinaridade, consiste em tratar pelo mesmo modelo matemático (isomorfismo) disciplinas de natureza muito diferente, mas de acordo com as mesmas leis”xxxiv xxxiv « transdisciplinarité », elle consiste à traiter par le même modèle mathématique (isomorphisme) des disciplines de nature fort différente, mais obéissant aux mêmes lois (LICHNEROWICZ, 1980LICHNEROWICZ, A. Mathématiques et transdisciplinarité. Études Renaniennes, Colloque D, Paris, n. 43, p.22-32, 1980. Disponível em: https://www.persee.fr/doc/renan_0046-2659_1980_num_43_1_1233. Acesso em: 17 jun. 2022.
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, p. 22)xxxv xxxv O trabalho de 1980 retoma o publicada em 1973: Lichnerowicz, A. (1973). Mathématique, structuralisme et transdisciplinarité. In Rheinisch-Westfälischen Akademie der Wissenschaften (Ed.). Natur-, Ingenieur-und Wirtschaftswissenschaften. Wiesbaden (Alemanha): VS Verlag für Sozialwissenschaften. .

Para ele, o resultado deste entendimento é que independentemente do campo de conhecimento, existe uma homogeneidade da atividade teórica em toda a ciência e tecnologiaxxxvi xxxvi qui supposent et imposent une certaine transdisciplinarité , que “supõe e impõe uma certa transdisciplinaridade” (p. 31). Em uma definição simplificada, o matemático entende a transdisciplinaridade como um “ângulo de visão que vai muito além das disciplinas artificialmente limitadas como sujeitos do conhecimento”xxxvii xxxvii Angle de vue dépassant largement les disciplines artificiellement bornées em tant que matières des connaissance (p.31) e claramente manifesta sua preocupação com a educação superior por ignorar essa condição:

Em todo o mundo, nossas atuais universidades formam, ao que me parece, uma proporção muito grande de especialistas em disciplinas predeterminadas, portanto artificialmente limitadas, enquanto uma grande parte das atividades sociais, como o próprio desenvolvimento da ciência, requerem homens capazes tanto de ângulo de visão mais amplo e foco em profundidade em novos problemas ou projetos, transgredindo os limites históricos das disciplinas. Esses são os homens que também precisamos treinarxxxviii xxxviii A travers le monde nos universités présentes forment, me semblet-il, une proportion trop grande de spécialistes de disciplines pré- déterminées, donc artificiellement bornées, alors qu'une grande partie des activités sociales, comme le développement même de la science, demandent des hommes capables à la fois d'un angle de vue beaucoup plus large et d'une focalisation en profondeur sur des problèmes ou des projets nouveaux, transgressant les frontières historiques des disciplines. Ce sont ces hommes qu'il nous faut aussi former. . (LICHNEROWICZ, 1980LICHNEROWICZ, A. Mathématiques et transdisciplinarité. Études Renaniennes, Colloque D, Paris, n. 43, p.22-32, 1980. Disponível em: https://www.persee.fr/doc/renan_0046-2659_1980_num_43_1_1233. Acesso em: 17 jun. 2022.
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, p. 32).

As definições de Piaget e Lichnerowicz estão no campo epistemológico. O terceiro participante do evento que tratou do tema, Erich Jantsch, tem outra abordagem. Ele a definiu a partir de sistemas coordenados para um propósito comum (JANTSCH, 1972JANTSCH, E. Vers l’interdisciplinarité et la transdisciplinarité dans l’enseignement et l’innovation. In: L’INTERDISCIPLINARITÉ: PROBLÈMES D’ENSEIGNEMENT ET DE RECHERCHE DANS LES UNIVERSITÉS, 1, 1970. Nice. Annales […]. Paris: Organisation de Coopération et de Développement Économiques; Centre pour la Recherche et l’Innovation dans l’Enseignement, 1972.). Ele aventou que o conhecimento deveria ser organizado em sistemas hierárquicos orientados por objetivos e na articulação do projeto de tais estruturas, ele introduziu o conceito de transdisciplinaridade.

Ele percebe que sistemas multiníveis e multiobjetivo, a partir de uma coordenação transdisciplinar, seriam as estruturas ideias para o alcance completo do conhecimento científico. Desse ponto de vista, ele aufere à transdisciplinaridade, o caminho para o desenvolvimento científico. Klein (2009)KLEIN, J. Unity of knowledge and transdisciplinarity: contexts of definition, theory and the new discourse of problem solving. In: UNITY of knowledge (in transdisciplinary research for sustainability). Paris: UNESCO (EOLSS Encyclopedia of Life Support Systems Publications), 2009. (Vol. I). Disponível em: http://www.eolss.net/sample-chapters/c04/e6-49-01.pdf. Acesso em: 17 jun. 2022.
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afirma que dos pioneiros, o modelo de Jantsch tornou-se o mais influente. Foi adaptado como uma estrutura conceitual em diversos campos, a partir da estruturação de seu conceito de transdisciplinaridade a partir da Teoria Geral dos Sistemas e a Teoria da Organização. E, uma “nova relação entre ciência e sociedade ecoou nas críticas das noções tradicionais de ‘objetividade’ e ‘progresso’ "xxxix xxxix a new relationship between science and society echoed in critiques of traditional notions of ‘objectivity’ and ‘progress’. (KLEIN, 2009KLEIN, J. Unity of knowledge and transdisciplinarity: contexts of definition, theory and the new discourse of problem solving. In: UNITY of knowledge (in transdisciplinary research for sustainability). Paris: UNESCO (EOLSS Encyclopedia of Life Support Systems Publications), 2009. (Vol. I). Disponível em: http://www.eolss.net/sample-chapters/c04/e6-49-01.pdf. Acesso em: 17 jun. 2022.
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, s/p.). Jantsch, nas palavras de Klein (2009)KLEIN, J. Unity of knowledge and transdisciplinarity: contexts of definition, theory and the new discourse of problem solving. In: UNITY of knowledge (in transdisciplinary research for sustainability). Paris: UNESCO (EOLSS Encyclopedia of Life Support Systems Publications), 2009. (Vol. I). Disponível em: http://www.eolss.net/sample-chapters/c04/e6-49-01.pdf. Acesso em: 17 jun. 2022.
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:

Os efeitos seriam generalizados. Novos tipos de instituições seriam necessários e uma nova forma de educação capaz de fomentar a capacidade de julgamento em situações complexas e dinâmicas. Na ciência, tecnologia e indústria, o pensamento de longo alcance substituiria o pensamento de curto prazo. Nas cidades e no meio ambiente, os efeitos negativos da tecnologia seriam revertidos e uma abordagem sistêmica substituiria os modos lineares de resolução de problemas. A universidade também ganharia um novo propósitoxl xl The effects would be pervasive. New types of institutions would be needed and a new form of education capable of fostering the capacity for judgment in complex and dynamically changing situations. In science, technology and industry, long-range thinking would replace short-range thinking. In cities and the environment, negative effects of technology would be reversed, and a systems approach would replace linear modes of problem solving. The university would also gain a new purpose. (s./p.).

Para Nicolescu (2006)NICOLESCU, B.. Transdisciplinarity: past, present and future. In: HAVERKORT, B.; REIJNTJES, C. (ed.). Moving worldviews: reshaping sciences, policies and practices for endogenous sustainable development. Holanda: Compas Editions, 2006. Disponível em: https://bit.ly/3oFT1y8. Acesso em: 17 jun. 2022.
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, o mérito histórico de Jantsch foi destacar a necessidade de uma abordagem axiomática (ele imaginou disciplinas e interdisciplinas coordenadas por uma axiomática generalizada) para transdisciplinaridade e também pela introdução de novos valores neste campo do conhecimento.

2.6.1 O Modo 2 de produção de conhecimento de Michael Gibbons, Camille Limoges, Helga Nowotny, Simon Schwartzman, Peter Scott and Martin Trow de 1994

A pesquisa liderada por Michael Gibbons em 1994 chegou ao entendimento de que muitos problemas não estão dentro de um quadro disciplinar e de um modo tradicional da busca pelo conhecimento, que ele chamou de Modo 1, caracterizado pela homogeneidade e hierarquia. Ao contrário, os problemas que dão origem ao aprendizado são definidos e resolvidos em um contexto regido pelos interesses de uma comunidade específica. O novo modo é realizado de forma não hierárquica, heterogênea e envolve a interação próxima de muitos atores ao longo do processo de produção de conhecimento. Como resultado, a produção de conhecimento está se tornando mais socialmente responsável, mais reflexiva e afeta a ciência em níveis mais profundos de transformação. Essa nova forma de produção de conhecimento, chamada de Modo 2,

resulta de uma gama mais ampla de considerações. Esse conhecimento se destina a ser útil para alguém seja na indústria ou no governo, ou na sociedade em geral e este imperativo está presente desde o início. Conhecimento é sempre produzido sob um aspecto de negociação contínua e não será produzido a menos e até que os interesses dos vários atores sejam incluídos. Tal é o contexto de aplicação. [...] a produção de conhecimento no Modo 2 é o resultado de um processo em que se pode dizer que os fatores de oferta e demanda operam, mas as fontes de oferta são cada vez mais diversificados, assim como as demandas por formas diferenciadas de conhecimento especializadoxli xli results from a broader range of considerations. Such knowledge is intended to be useful to someone whether in industry or government, or society more generally and this imperative is present from the beginning. Knowledge is always produced under an aspect of continuous negotiation and it will not be produced unless and until the interests of the various actors are included. Such is the context of application. […] knowledge production in Mode 2 is the outcome of a process in which supply and demand factors can be said to operate, but the sources of supply are increasingly diverse, as are the demands for differentiated forms of specialist knowledge. (GIBBONS et al., 1994GIBBONS, M. et al.The new production of knowledge: the dynamics of science and research in contemporary societies. London: Sage, 1994. Disponível em: https://sk.sagepub.com/books/the-new-production-of-knowledge. Acesso em: 17 jun. 2022.
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, p. 4).

A fim de qualificar a forma específica de produção de conhecimento transdisciplinar do Modo 2, os autores identificaram quatro características distintas da transdisciplinaridade. Primeiro, ela “desenvolve uma estrutura distinta, mas em evolução, para orientar os esforços de resolução de problemas [...] gerado e sustentado no contexto da aplicação e não desenvolvido primeiro e depois aplicado a esse contexto por um grupo diferente de profissionais”xlii xlii it develops a distinct but evolving framework to guide problem solving efforts. […] generated and sustained in the context of application and not developed first and then applied to that context later by a different group of practitioners. (p 5). A solução, por conseguinte, não vai surgir apenas da aplicação de conhecimentos existentes que serão integrados à estrutura, mas também da experiência e criatividade do próprio contexto de aplicação. Depois de se chegar ao consenso, dificilmente o conhecimento resultante da solução poderá ser reduzido a partes disciplinares.

Segundo a solução compreende tanto recursos teóricos quanto empíricos, já que “o conhecimento transdisciplinar desenvolve suas próprias estruturas teóricas, métodos de pesquisa e modos de prática distintos [...] cumulativo”xliii xliii transdisciplinary knowledge develops its own distinct theoretical structures, research methods and modes of practice, […] cumulative […]. (p.5) cujo resultado não necessariamente seja o conhecimento disciplinar. Com efeito, os resultados cumulativos de um esforço para solução transdisciplinar de um problema, mesmo originado em uma situação específica, certamente poderá ir em diferentes direções além da academia e do contexto de aplicação, incluindo a emergência de conteúdos que podem não estar localizados no mapa disciplinar vigente.

Terceiro, a comunicação dos resultados começa durante o próprio processo de produção de conhecimento. Em seguida, o novo destino da comunicação são os novos contextos do problema. O Modo 2 destaca que tanto os problemas quanto a equipe responsável pela solução podem ser altamente transitórios e por isso é preciso salvaguardar as informações geradas, principalmente em redes de informação que “tendem a persistir e o conhecimento contido estará disponível para entrar em outras configurações”xliv xliv tend to persist and the knowledge contained in them is available to enter into further configurations. (p.5).

Quarto, “a transdisciplinaridade é dinâmica. É a capacidade de resolução de problemas em movimento”xlv xlv transdisciplinarity is dynamic. It is problem solving capability on the move. […] by the ever closer interaction of knowledge production with a succession of problem contexts. (p.5) , pois o Modo 2 é caracterizado pela interação cada vez maior da produção de conhecimento com o contexto do problema. Outro aspecto é que os resultados estão na maioria das vezes fora de um contexto disciplinar específico, pois os conhecimentos produzidos dessa forma não se moldam a nenhuma das disciplinas que contribuíram para sua solução.

2.6.2 A abundância do conceito para Julie Klein

Julie Klein (2013)KLEIN, J. The transdisciplinary moment(um). Integration Review, Bethel (Ohio), v.9, n.2, p.189-199, 2013. Disponível em: https://bit.ly/3zHpFpp. Acesso em: 17 jun. 2022.
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circunscreve cinco principais grupos de significado da transdisciplinaridade: aqueles voltadas às concepções de interdisciplinaridade, os relacionados à unidade do conhecimento, aos alinhamentos da pesquisa participativa e colaborativa, às novas formas de conhecimento contidos na transdisciplinaridade e sobre seu aspecto transgressor, que questiona a estrutura existente de conhecimento, cultura e educação. A autora destaca que, apesar das diferenças na abordagem, esses grupos estão em comunicação, na construção de uma “pluralidade estruturada de definições”xlvi xlvi structured plurality of definitions , expressão utilizada por Pohl (2010)POHL, C.; RIST, S.; ZIMMERMANN, A.; FRY, P.; et al Researchers’ roles in knowledge co-production: experience from sustainability research in Kenya, Switzerland, Bolivia and Nepal. Science and Public Policy, Oxford, v.37, n.4, p.267-281, 2010. Disponível em: https://doi.org/10.3152/030234210X496628. Acesso em: 17 jun. 2022.
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.

Na primeira abordagem, a concepção vai da disciplinaridade às restrições próprias da interdisciplinaridade e enfatiza que o prefixo trans leva à ideia de transcendência, síntese e integração. Para demonstrar o aspecto holístico do conceito, a autora traz a definição de transdisciplinaridade da OCDE como um “sistema comum de axiomas que transcende o escopo estreito das disciplinas individuais por meio de um síntese abrangentexlvii xlvii common system of axioms that transcends the narrow scope of individual disciplines through an overarching synthesis. ” (KLEIN, 2013KLEIN, J. The transdisciplinary moment(um). Integration Review, Bethel (Ohio), v.9, n.2, p.189-199, 2013. Disponível em: https://bit.ly/3zHpFpp. Acesso em: 17 jun. 2022.
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, p.190) em contraposição ao conceito de interdisciplinaridade da mesma OECD, mesmo que abrangente: “qualquer forma de interação, desde empréstimo de um método a um novo paradigma de pesquisa e educação”xlviii xlviii any form of interaction from simple borrowing of a method to a new paradigm for research and education (p.190).

Do grupo de definições que trazem o discurso da unidade do conhecimento, os conceitos associados são sobretudo de incerteza, diversidade, não linearidade, multidimensionalidade, heterogeneidade e relacionalidade suplantando os conceitos de certeza, universalidade, simplicidade, linearidade e unidimensionalidade. As dicotomias apresentadas são derivadas dos problemas criados pela fragmentação do conhecimento derivado da expansão do número de especialidades disciplinares, que ignora o axioma lógico da transdisciplinaridade, do terceiro termo incluído, onde todas as realidades coexistem e todas importam. A produção do conhecimento derivada, prontamente credita aos valores de interação, interseção e interdependência a nova lógica das abordagens unificadoras.

A abordagem que estimula a pesquisa colaborativa e a pesquisa participativa alude à cooperação, parceria e aprendizagem mútua. A pesquisa colaborativa é resultado da colaboração científica e tem se tornado cada vez mais frequente, uma vez que tem o potencial de solucionar problemas mais complexos e promover novas agendas políticas, econômicas e sociais. “A colaboração científica também é conhecida como pesquisa colaborativa”xlix xlix Scientific collaboration is also referred to as research collaboration. (SONNENWALD, 2007SONNENWALD, D. Scientific collaboration. Annual Review of Information Science and Technology, Hoboken (New Jersey), v.41, p. 643-681, 2007. Disponível em: https://doi.org/10.1002/aris.2007.1440410121. Acesso em: 17 jun. 2022.
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, p. 644) e pode ser definida como “a interação ocorrendo dentro de um contexto social entre dois ou mais cientistas que facilita o compartilhamento de significado e conclusão de tarefas no que diz respeito a objetivo mutuamente compartilhado e superordenadol l as interaction taking place within a social context among two or more scientists that facilitates the sharing of meaning and completion of tasks with respect to a mutually shared, superordinate goal. (p. 645). O fenômeno da colaboração não é novo, mas nos últimos anos se intensificou em todas as áreas do saber. Wray (2002)WRAY, K. B. The epistemic significance of collaborative research. Philosophy of Science, New York, v.69, n.1, p.150-168, 2002. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/10.1086/338946. Acesso em: 17 jun. 2022.
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aponta cinco razões para a ascensão da pesquisa colaborativa: (i) aumenta a qualidade da pesquisa; (ii) aumenta a coerência explicativa, especialmente quando envolve cientistas de disciplinas variadas, favorecendo “combinações conceituais que estabelecem novos marcos teóricos”; (iii) reduz a possibilidade de omissões ou esquecimentos de achados anteriores; (iv) acelera a obtenção de resultados; e, (v) desempenha papel importante na formação de jovens cientistas, em colaborações que reúnem mestres e aprendizes.

Já a pesquisa participativa, esta ficou evidente com as pesquisas ambientais e de sustentabilidade desenvolvidas na década de 1980 na Alemanha e Suíça. Refere-se a uma estratégia que enfatiza e explora o conhecimento local, com a participação e percepção de atores daquela realidade. Na participação, a ênfase está em um processo de “reflexão e ação, realizadas com e pelas pessoas locais, e não sobre elas”li li reflection and action, carried out with and by local people rather than on them. (CORNWALL e JEWKES, 1995CORNWALL, A. JEWKES, R. What is participatory research? Social Science & Medicine, Amsterdam , v.41, n.12, p.1667-1676, 1995. Disponível em: https://doi.org/10.2167/md073. Acesso em: 17 jun. 2022.
https://doi.org/10.2167/md073...
, p. 1667) e cuja principal diferença com a pesquisa convencional reside na localização do poder no processo de pesquisa, que pode ser abstraído na expressão "conhecimento para a açãolii lii Knowledge for action " ao invés de “conhecimento para compreensão”liii liii Knowledge for understanding (p. 1667).

Cornwall e Jewkes (1995)CORNWALL, A. JEWKES, R. What is participatory research? Social Science & Medicine, Amsterdam , v.41, n.12, p.1667-1676, 1995. Disponível em: https://doi.org/10.2167/md073. Acesso em: 17 jun. 2022.
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afirmam que essa modalidade envolve vários graus de participação, que podem ser organizados em quatro possibilidades: (i) contratual, quando as pessoas são contratadas pelos projetos a fim de tomar parte nas investigações; (ii) consultivo, quando as pessoas do contexto são consultadas sobre suas opiniões por pesquisadores antes das intervenções serem feitas; (iii) colaborativa, quando pesquisadores e pessoas do contexto trabalham juntos em projetos concebidos, iniciados e gerenciados por pesquisadores e (iv) colegiada, quando pesquisadores e pessoas do contexto “trabalham juntos como colegas com diferentes habilidades a oferecer, em um processo de aprendizagem mútua onde as pessoas locais têm controle sobre o processo”liv liv work together as colleagues with different skills to offer, in a process of mutual learning where local people have control over the process. (p. 1669).

São quatro questões relevantes que levam à pesquisa participativa, orientada estruturalmente pelo bem comum: (i) questões socialmente relevantes, (ii) necessidade de transcendência e integração de paradigmas disciplinares, (iii) conveniência de pesquisa participativa e a (iv) a busca pela unidade do conhecimento. A premissa subjacente é que os problemas sociais, derivados de uma sociedade cada vez mais complexa e interdependente, não estão isolados em disciplinas acadêmicas, ao contrário, “São fenômenos emergentes com dinâmica não linear, incertezas, altos riscos políticos na tomada de decisão e valores divergentes e conhecimento factual”lv lv They are emergent phenomena with non-linear dynamics, uncertainties, high political stakes in decision making, and divergent values and factual knowledge. (KLEIN, 2013KLEIN, J. The transdisciplinary moment(um). Integration Review, Bethel (Ohio), v.9, n.2, p.189-199, 2013. Disponível em: https://bit.ly/3zHpFpp. Acesso em: 17 jun. 2022.
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, p. 193), que exigem integração acadêmica para soluções advindas da ciência (Science of Team Sciencelvi lvi SciTS ).

O penúltimo grupo destaca as formas de conhecimento, sobretudo a interdependência do conhecimento do sistema: o conhecimento alvo e o conhecimento da transformação, que também são os princípios para o projeto pesquisa transdisciplinar apresentados por Hadorn et al (2008)HADORN, G. H. et al. Handbook of transdisciplinary research. Berlim: Springer, 2008. Disponível em: https://bit.ly/3cQyp3w. Acesso em: 17 jun. 2022.
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. Para eles, a transdisciplinaridade é a integração necessária em todo o sistema de conhecimento (conhecimento do sistema), a fim de lidar com as incertezas que também resultam da falta de conhecimento empírico ou teórico sobre um problema. O conhecimento alvo aborda a multiplicidade de situações sociais que levam a necessidade de definir especificamente um problema de pesquisa e suas partes interessadas da sociedade e da ciência, considerando que as respectivas participações devem levar ao desenvolvimento do conhecimento e práticas que promovam o bem comum (como também apontado pelo terceiro grupo de definições identificadas por Kockelmans, 1979KOCKELMANS, J. Why interdisciplinarity? In: KOCKELMANS, J. (ed.). Interdisciplinarity and higher education. Pennsylvania: Penn State Press, 1979. Disponível em: https://www.psupress.org/books/titles/0-271-02326-0.html. Acesso em: 17 jun. 2022.
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). O conhecimento de transformação são as tecnologias, regulamentos, práticas e relações que estão no contexto do projeto. Deve-se considerar a infraestrutura existente, relações de poder e preferências culturais para constituir o conhecimento de transformação.

Aqui vale destacar o posicionamento da infraestrutura do conhecimento de transformação com a revelada indústria do conhecimento. Relativamente recente, Ghassib (2012)GHASSIB, H. A theory of the knowledge industry. International Studies in the Philosophy of Science, London, v.26, n.4, p.447-456, 2012. Disponível em: https://doi.org/10.1080/02698595.2012.748499. Acesso em: 17 jun. 2022.
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analisa e entende a indústria do conhecimento, como outra indústria qualquer, a partir de: (i) locais de produção; (ii) produtores; (iii) instrumentos de produção; (iv) matérias-primas; (v) métodos de produção; e, (vi) produtos da produção. Esses são os alicerces que deixam entrever a infraestrutura necessária para sustentar o conhecimento de transformação. Cabe lembrar que Fritz Machlup, em sua obra de 1962lvii lvii Machlup, F. (1962). The production and distribution of knowledge in the United States. Princeton: Princeton University Press. já demonstrava a emergência da indústria do conhecimento (knowledge industries), por meio do mapeamento da sua produção e distribuição em alguns setores da economia nos Estados Unidos.

Também nesse grupo está a consciência da coprodução de conhecimento, “uma nova distribuição social de conhecimento está ocorrendo quando uma gama mais ampla de organizações e partes interessadas estão envolvidas, incluindo ONGs, empresas privadas e agências governamentais”lviii lviii a new social distribution of knowledge is occurring as a wider range of organizations and stakeholders are involved, including NGOs, private firms, and governmental agencies. (p. 196). Ou como apontado na extensão da obra de Gibbons et al. (1994)GIBBONS, M. et al.The new production of knowledge: the dynamics of science and research in contemporary societies. London: Sage, 1994. Disponível em: https://sk.sagepub.com/books/the-new-production-of-knowledge. Acesso em: 17 jun. 2022.
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lix lix Nowotny, Helga; Scott, Peter B.; Gibbons, Michael T. (2013). Re-thinking science: knowledge and the public in an age of uncertainty. Hoboken: John Wiley & Sons. ,

a contextualização dos problemas requer a participação na ágora do debate público, incorporando o discurso da democracia. Quando a perspectiva leiga e os conhecimentos alternativos são reconhecidos, ocorre uma mudança de apenas "conhecimento científico confiável" para a inclusão de "conhecimento socialmente robusto”, desmontando a dicotomia especialista acadêmico / leigo não acadêmicolx lx that contextualization of problems requires participation in the agora of public debate, incorporating the discourse of democracy. When lay perspective and alternative knowledges are recognized, a shift occurs from solely “reliable scientific knowledge” to inclusion of “socially robust knowledge,” dismantling the academic expert/ non-academic lay dichotomy. (KLEIN, 2013KLEIN, J. The transdisciplinary moment(um). Integration Review, Bethel (Ohio), v.9, n.2, p.189-199, 2013. Disponível em: https://bit.ly/3zHpFpp. Acesso em: 17 jun. 2022.
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, p. 196).

A robustez social é um termo amplamente usado para caracterizar a pesquisa transdisciplinar - a qualidade e aplicação dos resultados alcançados, a relevância, eficácia e acessibilidade da intervenção no sistema social. Nowotny, Scott e Gibbons (2013)NOWOTNY, H.; SCOTT, P.; GIBBONS, M. From reliable knowledge to socially robust knowledge. In: NOWOTNY, H.; SCOTT, P.; GIBBONS, M. (ed.). Re-thinking science: knowledge and the public in an age of uncertainty. 1a ed. Hoboken: John Wiley & Sons, 2013. salientam que a robustez não é um conceito absoluto, nem tampouco relativo. É um conceito relacional, depende das seguintes considerações: (i) a só pode ser julgada em contextos específicos, (ii) descreve um processo que no tempo certo pode atingir certa estabilidade, (iii) há uma distinção sutil entre robustez do conhecimento e sua aceitabilidade (por indivíduos, grupos ou sociedades), (iv) é produzida quando a for incorporada e aprimorada pelo conhecimento social, (v) o conhecimento socialmente robusto tem uma dimensão fortemente empírica.

Vale acrescentar que resultados socialmente robustos podem incluir aprendizagem mútua, consolidação da confiança entre os stakeholders, estabelecimento de novos relacionamentos, avanço no conhecimento e maior capacidade de trabalhar em equipe e articular objetivos comuns (POLK, 2011POLK, M. Institutional capacity-building in urban planning and policy-making for sustainable development: success or failure? Planning, Practice & Research, London, v.26, n.2, p. 185-206, 2011. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/02697459.2011.560461?cookieSet=1 Acesso em: 17 jun. 2022.
https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1...
).

O último grupo de conceitos revela a crítica à estrutura existente de conhecimento, cultura e educação e a necessidade de transformação. Além das questões ligadas às lutas por mudanças sociais, às questões de cultura sobre os limites de classe, gênero, raça, etnia e outras identidades e aos direitos humanos, em cujo núcleo estão os fundamentos da transdisciplinaridade (e até dos movimentos que rejeitam a disciplinaridade), o padrão aqui está relacionado com o distanciamento (e até separação) entre tradição e ciência, ocidente e não-ocidente, teoria e prática, e outras dicotomias que ignoram as variadas formas de conhecimento. O desafio da transdisciplinaridade aqui é a capacidade de superar as divisões que afetam a pesquisa, a prática e a aprendizagem, intensificar a consciência da heterogeneidade, incorporando formas de conhecimento antes excluídas e com isso, aumentar a relacionalidade do conhecimento.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Até a renascença, a ciência era fundada no corpus aristotelicum. No currículo universitário, a lógica dedutiva era ensinada de maneira generalizada. Os trabalhos do Órganon eram discutidos na filosofia, teologia, medicina e direito. Entretanto, a partir de meados do século XVI, surgem no cenário científico-filosófico da época aqueles que começam a distinguir entre a obsolescência da teoria das ciências adotada e a necessidade de uma metodologia científica, enfatizando o empirismo por meio do método indutivo.

A transição para o período moderno lançou as bases da nova ciência e a partir daí estavam postos os alicerces da busca pelo conhecimento científico e tecnológico e a separação definitiva da ciência e da filosofia. Seguiu-se ao método científico, as bases do pensamento sistêmico e a crítica sobre a divisão do conhecimento. O século XX adiciona novas questões à pretendida unidade do conhecimento, entre elas a distinção de várias realidades relacionadas ao mesmo elemento. A evolução da forma de perceber e buscar o verdadeiro conhecimento leva ao Movimento Unidade da Ciência, que por sua vez, terá impacto no estudo das relações disciplinares de Jean Piaget, Andre Lichnerowicz e Erich Jantsch, que culminariam nas primeiras definições de transdisciplinaridade.

O conteúdo desse artigo pretendeu trazer os eixos para a definição de unidade do conhecimentolxi lxi a definição aqui adotada também foi orientada pelo Princípio da Unidade Sistemática da Razão de Imannuel Kant (1724-1804), na Teoria de Validade Objetiva dos neokantianos (1870-I Guerra Mundial), na Teoria Geral dos Sistemas de Karl Ludwig von Bertalanffy (1901-1972) e na Consiliência de Edward O. Wilson (1998), cujo conteúdo será explorado em outra oportunidade. , concepção estruturante da transdisciplinaridade. As ideias apresentadas estão traduzidas nas seguintes palavras: unidade do conhecimento é o conceito que reconhece que devemos buscar a unidade sistemática e a integridade do conhecimento, já que a própria natureza da lógica e da razão reside na atividade de integrar proposições sob princípios cada vez mais gerais, a fim de sistematizar, unificar e completar o conhecimento obtido por meio do real entendimento. Significa unificá-lo cada vez mais à luz da ideia de um todo de conhecimento, de modo que as partes interagentes sejam exibidas de acordo com a conveniência. Como resultado, unificar o conhecimento significa reconhecer a multiplicidade de teorias, em várias áreas, que devem se completar para criar modelos explicativos cada vez mais integrados e eficientes de explicação do mundo. Entretanto, cabe destacar que o conhecimento parcialmente unificado pode progredir de maneira semelhante a uma lei para uma teoria final única, que nunca pode ser realmente alcançada, porque a tarefa do conhecimento é infinita, sempre haverá mais para entender e explicações mais profundas a dar.

Em outras palavras, unidade do conhecimento refere-se ao fato de que o conhecimento condicionado só pode alcançar sua integridade por meio do conhecimento incondicionado, este último não apenas um agregado contingencial, mas um sistema indispensável para a completa identidade do conhecimento condicionado.

O conceito de transdisciplinaridade, por sua vez, carrega consigo grande amplitude. Teve início na década de 1970 com os trabalhos de Jean Piaget e André Lichnerowicz investigando as relações disciplinares, buscando o avanço do conhecimento além da disciplina. Na mesma ocasião, Erich Jantsch indica a necessidade de organizar o conhecimento a partir de sistemas hierárquicos, em cuja intersecção, para coordenação, estaria a transdisciplinaridade. Nessa posição, o conceito de transdisciplinaridade, segundo o autor, avança em direção à solidariedade e ao propósito comum. Os fundamentos da transdisciplinaridade estão disseminados e suas sementes germinam nos avanços teóricos de Joseph Kockelmans em 1979.

Por muito tempo, esses foram os únicos marcos do conceito transdisciplinar, até que em 1994 Michael Gibbons e seu grupo desenvolveram o Modo 2 de produção de conhecimento, reforçando que os problemas não estão dentro de um quadro disciplinar e precisam ser tratados de uma maneira não hierárquica, heterogênea e com o envolvimento de muitos atores (acadêmicos e não acadêmicos) ao longo do processo. A transdisciplinaridade assim, aproxima-se dos problemas relevantes do cotidiano, tornando mais socialmente responsável, por um lado, e alcançando níveis mais profundos de transformação na ciência, por outro. Esse ciclo se encerra em 1996 com o Manifesto da Transdisciplinaridade de Basarab Nicolescu, apresentando os três axiomas fundamentais para a metodologia da transdisciplinaridade: o axioma ontológico, o axioma lógico e o axioma da complexidade, como forma de garantir que ela possa avançar e efetivamente contribuir nas várias esferas de seu potencial.

Nos anos de 2010, Christian Pohl e Julie Klein, entre outros, assimilam e interpretam os vários significados da nova forma de compreender o conhecimento, plural e contextualizado, e vai além, com um propósito social bem definido na busca pelo bem comum. Para eles, a transdisciplinaridade prossegue na direção das questões sociais relevantes, da coprodução do conhecimento e claro, da unidade do conhecimento. Neste trabalho, o longo espectro de significados foi abordado como um continuum, que nasce da questão disciplinar e finaliza na busca do bem comum.

As ideias apresentadas estão traduzidas nas seguintes palavras: transdisciplinaridade se estabelece como um conceito que reconhece que a estrutura física e cognitiva para compreender e buscar o conhecimento necessita de transformação, a fim de superar as divisões que desconsideram outras formas de conhecimento, aquelas que estão além dos limites disciplinares. Ela busca a unidade do conhecimento, nas partes interagentes imediatamente conectadas ao elemento condicionado e prossegue na medida do necessário, a fim de compreender a multidimensionalidade e a multirreferencialidade da Realidade, enlaçada implicitamente, na busca do bem comum. Como resultado, a transdisciplinaridade reforça a relação entre o todo e suas partes (não apenas a parte está no todo, mas o todo está na parte), permite manter a dualidade dentro da unidade (adota a premissa de que há duas lógicas que são ao mesmo tempo complementares e antagônicas, vitais para o funcionamento do sistema) e distingue os processos como sendo ao mesmo tempo produtos e produtores, numa perspectiva recursiva, de que tudo o que é produzido volta ao que o produz em um ciclo contrário à ideia de linearidade.

Em outras palavras, transdisciplinaridade é a busca da unidade do conhecimento, além das fronteiras disciplinares, a fim de captar toda a complexidade da Realidade multidimensional e a multirreferencial do elemento condicionado, a partir da aproximação com questões sociais relevantes, conferindo profundos níveis de transformação no ensino superior, com vista à coprodução do conhecimento científico voltado ao bem comum.

  • i
    Diderot, Denis, & D'Alembert, Jean Le Rond. (1751-1772). Encyclopédie ou dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers: par une societé de gens de lettres. Paris: André Le Breton, Laurent Durand, Antoine-Claude Briasson, Michel-Antoine David.
  • ii
    Bacon, Francis. (1605). The advancement of learning (of the proficience and advancement of learning, divine and humane). (VI volumes). Oxford: Leon Lieffield.
  • iii
    A lógica aristotélica (ou o método dedutivo) para a compreensão da realidade e para a busca do conhecimento foi desenvolvida na antiguidade clássica e apresentada no Órganon, que grosso modo, diz respeito às seguintes obras de Aristóteles: Categorias, Da Interpretação, Analíticos Anteriores, Analíticos Posteriores (ou ambos apenas chamados de Analíticos pelo filósofo), Tópicos e Refutações Sofísticas (esse último é a seção final de Tópicos). O próprio pensador não usou o nome Órganon para se referir ao conjunto (que só foi agrupado sob esse nome na idade média). Aristóteles sequer as tratou como partes de uma obra única. Muitos pesquisadores associam ao conjunto também a obra Retórica, como confirmação de Tópicos (Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2017a).
  • iv
    Em latim: Novum Organum
  • v
    O Novo Órganon é a segunda parte (de um total de seis) de Advancement of Learning: Livro I “As Divisões das Ciências”; Livro II “O Novo Órganon ou Instruções Para a Interpretação da Natureza”; Livro III “Fenômenos do Universo ou uma História Natural e Experimental em Direção à Fundação da Filosofia; Livro IV “A Escada do Intelecto”; Livro V “Precursores ou Antecipações da Segunda Filosofia”; Livro VI “Segunda Filosofia ou Ciência Prática”.
  • vi
    Período da idade média entre 1348 a 1648, aproximadamente.
  • vii
    O nome completo era “Discurso sobre o método para bem conduzir a razão na busca da verdade dentro da ciência” e foi escrito anonimamente como prólogo a três outros textos científicos.
  • viii

    there can be nothing so remote that one cannot eventually reach it, nor so hidden that one cannot discover it.
  • ix
    Descartes diz: “atrevo-me a afirmar que a observância escrupulosa dos poucos preceitos que escolhi me deram tanta facilidade em desvendar todos as questões [...] não só resolvi alguns que antes havia julgado muito difícil, mas [...] fui capaz de determinar, mesmo em relação às questões que eu não tinha resolvido, por quais meios e em que medida seria possível resolvê-los” (p.21). (I venture to claim that the scrupulous observance of the few precepts I had chosen gave me such ease in unravelling all the questions […] not only did I solve some which I had earlier judged very difficult, but […] I was able to determine, even in respect of those questions which I had not solved, by what means and to what extent it was possible to solve them).
  • x
    DESCARTES, Renati. (1644). Principia philosophiae. Amstelodami: Ludovicum Elzevirium.
  • xi
    LULLI, Raymundi (Illuminati Patris, Maioricensis). (1515). Arbor scientiae: venerabilis et caelitus. 2a. ed. Lyon: Guilhelmi Huyon & Constantini Fradin. (Llull, Ramon. Arbre de la ciència. 1a.ed. Rome: 1295-1296). Segundo Norman (2020), nenhum dos livros de Ramon Llull parece ter sido publicado antes do século XV, as edições da arbor scientiae, com suas famosas xilogravuras das árvores do conhecimento de Llull, começaram a aparecer no início do século XVI na edição impressa em Lyon em 1515.
  • xii
    From his earliest writings, the 'Private Thoughts' for instance, we have Descartes' dream of a chain of sciences that would be no more difficult to retain than a series of numbers.
  • xiii

    an explicit denial of the doctrine that the sciences should be distinguished by the diversity of their subjects, "all the sciences being in effect only human wisdom, which always remains one and identical to itself, however different are the objects to which it is applied".
  • xiv
    Em Carta a Arnauld, de abril de 1687.
  • xv
    Em Sistema Novo (1695).
  • xvi
    Theophilus é o personagem do livro “Os novos ensaios sobre o entendimento humano” que é uma refutação item a item à obra prima de John Locke “Um ensaio sobre o entendimento humano”. Os dois personagens do livro são os amigos Theophilus , representando o racionalismo de Leibniz e Philalethes, representando o empirismo de Locke.
  • xvii

    That division was a famous one even among the ancients. […] But the chief problem about that division of the sciences is that each of the branches appears to swallow the others.
  • xviii

    A obra foi concluída em 1704, mas só publicada em postumamente em 1764, em respeito a morte de Locke no mesmo 1704.
  • xix
    Na filosofia e na matemática, a mereologia é a teoria das relações entre as partes e o todo. Estuda o comportamento das relações da parte para o todo e das relações de parte para parte dentro de um todo. Suas raízes estão nos primeiros dias da filosofia, começando com os pré-socráticos e continuando ao longo dos escritos de Platão, Aristóteles e Boethius. Pensadores da idade média também tratam do tema, como Peter Abelard, Tomás de Aquino, Raymond Lull, John Duns Scotus, Walter Burley, Guilherme de Ockham e Jean Buridan. Contemporaneamente, está nos trabalhos de Brentano e Husserl. (Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2016).
  • xx
    The relation of that which exceeds to that which is exceeded is numerically quite indefinite, […] whereas that which exceeds, in relation to that which is exceeded, is "so much" plus something more.
  • xxi
    Leibnüzio, Gottfredo Guilielmo. (1666). Dissertatio de arte combinatoria. Lipsiae: Joh.Simon Fickium et Joh. Polycarp. Seuboldum. É a versão ampliada de sua tese doutoral.
  • xxii

    disse de tudo e de nada
  • xxiii

    on the one hand not every containing thing is a whole and on the other hand every true whole is more than the parts, whereas the containing thing and that which is contained by it are in a certain way equal.
  • xxiv

    Lambert, Johann Heinrich. Neues organon oder gedanken über die erforschung und bezeichnung des wahren und dessen unterscheidung vom irrtum und schein. Leipzig: Johann Wendler, 1764.
  • xxv
    Nearly all items in Lambert's scientific output, especially those that are part of an ongoing series of investigations over the years, testify of his systematic spirit and of his versatility in changing and adapting procedures to the circumstances.
  • xxvi

    mapping the ephemere geography of thinking, searching and finding. This is voiced in the conclusion to a long fragment on how to analytically transform experiments into a system
  • xxvii

    marks at once the apex and the starting point of the decline of classical though […] holy of holies of classical thought: mathematical rigor.
  • xxviii

    cujos anais foram publicados em 1972.
  • xxix

    Unity of Science.
  • xxx
    Entre seus membros estavam Friedrich Waismann, Gustav Bergmann, Hans Hahn, Herbert Feigl, Karl Menger, Ludwig von Bertalanffy, Marcel Natkin, Olga Hahn-Neurath, Otto Neurath, Philipp Frank, Richard von Mises, Rose Rand, Rudolf Carnap, Theodor Radakovic, Tscha Hung, Victor Kraft, Hans Reichenbach, Kurt Gödel, Carl Hempel, Alfred Tarski, W. V. Quine, e A. J. Ayer (Stanford Encyclopedia of Philosophy, 2017b).
  • xxxi

    Finally, we hope to see succeeding to the stage of interdisciplinary relations a superior stage, which should be "transdisciplinary", i.e., which will not be limited to recognize the interactions and or reciprocities between the specialized researches, but which will locate these links inside a total system without stable boundaries between the disciplines.
  • xxxii

    This description is vague, but has the merit of pointing to a new space of knowledge “without stable boundaries between the disciplines”
  • xxxiii

    Quant à préciser ce que peut recouvrir un tel concept, il s'agirait évi- demment d'une théorie générale des systèmes ou des structures [...] c'est au mathématicien à nous en dire davantage et Lichnerowicz nous éclairera sur cet avenir
  • xxxiv

    « transdisciplinarité », elle consiste à traiter par le même modèle mathématique (isomorphisme) des disciplines de nature fort différente, mais obéissant aux mêmes lois
  • xxxv

    O trabalho de 1980 retoma o publicada em 1973: Lichnerowicz, A. (1973). Mathématique, structuralisme et transdisciplinarité. In Rheinisch-Westfälischen Akademie der Wissenschaften (Ed.). Natur-, Ingenieur-und Wirtschaftswissenschaften. Wiesbaden (Alemanha): VS Verlag für Sozialwissenschaften.
  • xxxvi

    qui supposent et imposent une certaine transdisciplinarité
  • xxxvii

    Angle de vue dépassant largement les disciplines artificiellement bornées em tant que matières des connaissance
  • xxxviii

    A travers le monde nos universités présentes forment, me semblet-il, une proportion trop grande de spécialistes de disciplines pré- déterminées, donc artificiellement bornées, alors qu'une grande partie des activités sociales, comme le développement même de la science, demandent des hommes capables à la fois d'un angle de vue beaucoup plus large et d'une focalisation en profondeur sur des problèmes ou des projets nouveaux, transgressant les frontières historiques des disciplines. Ce sont ces hommes qu'il nous faut aussi former.
  • xxxix

    a new relationship between science and society echoed in critiques of traditional notions of ‘objectivity’ and ‘progress’.
  • xl
    The effects would be pervasive. New types of institutions would be needed and a new form of education capable of fostering the capacity for judgment in complex and dynamically changing situations. In science, technology and industry, long-range thinking would replace short-range thinking. In cities and the environment, negative effects of technology would be reversed, and a systems approach would replace linear modes of problem solving. The university would also gain a new purpose.
  • xli
    results from a broader range of considerations. Such knowledge is intended to be useful to someone whether in industry or government, or society more generally and this imperative is present from the beginning. Knowledge is always produced under an aspect of continuous negotiation and it will not be produced unless and until the interests of the various actors are included. Such is the context of application. […] knowledge production in Mode 2 is the outcome of a process in which supply and demand factors can be said to operate, but the sources of supply are increasingly diverse, as are the demands for differentiated forms of specialist knowledge.
  • xlii

    it develops a distinct but evolving framework to guide problem solving efforts. […] generated and sustained in the context of application and not developed first and then applied to that context later by a different group of practitioners.
  • xliii

    transdisciplinary knowledge develops its own distinct theoretical structures, research methods and modes of practice, […] cumulative […].
  • xliv

    tend to persist and the knowledge contained in them is available to enter into further configurations.
  • xlv
    transdisciplinarity is dynamic. It is problem solving capability on the move. […] by the ever closer interaction of knowledge production with a succession of problem contexts.
  • xlvi

    structured plurality of definitions
  • xlvii

    common system of axioms that transcends the narrow scope of individual disciplines through an overarching synthesis.
  • xlviii

    any form of interaction from simple borrowing of a method to a new paradigm for research and education
  • xlix

    Scientific collaboration is also referred to as research collaboration.
  • l
    as interaction taking place within a social context among two or more scientists that facilitates the sharing of meaning and completion of tasks with respect to a mutually shared, superordinate goal.
  • li
    reflection and action, carried out with and by local people rather than on them.
  • lii
    Knowledge for action
  • liii

    Knowledge for understanding
  • liv
    work together as colleagues with different skills to offer, in a process of mutual learning where local people have control over the process.
  • lv
    They are emergent phenomena with non-linear dynamics, uncertainties, high political stakes in decision making, and divergent values and factual knowledge.
  • lvi
    SciTS
  • lvii

    Machlup, F. (1962). The production and distribution of knowledge in the United States. Princeton: Princeton University Press.
  • lviii

    a new social distribution of knowledge is occurring as a wider range of organizations and stakeholders are involved, including NGOs, private firms, and governmental agencies.
  • lix
    Nowotny, Helga; Scott, Peter B.; Gibbons, Michael T. (2013). Re-thinking science: knowledge and the public in an age of uncertainty. Hoboken: John Wiley & Sons.
  • lx
    that contextualization of problems requires participation in the agora of public debate, incorporating the discourse of democracy. When lay perspective and alternative knowledges are recognized, a shift occurs from solely “reliable scientific knowledge” to inclusion of “socially robust knowledge,” dismantling the academic expert/ non-academic lay dichotomy.
  • lxi
    a definição aqui adotada também foi orientada pelo Princípio da Unidade Sistemática da Razão de Imannuel Kant (1724-1804), na Teoria de Validade Objetiva dos neokantianos (1870-I Guerra Mundial), na Teoria Geral dos Sistemas de Karl Ludwig von Bertalanffy (1901-1972) e na Consiliência de Edward O. Wilson (1998), cujo conteúdo será explorado em outra oportunidade.
  • Disponibilidade de dados e material:

    Não é aplicável.
  • Financiamento: Não é aplicável.

REFERÊNCIAS

  • ALVARES, L. M. A. de R.; FREIRE, P. de S. Frameworks for scientific and technological research oriented by transdisciplinary co-production London: Anthem Press, 2022. ISBN 9781839986840.
  • ARIEW, R. Descartes and the tree of knowledge. Synthese, New York, v. 92, n. 1, p. 101-11, 1992. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/20117041 Acesso em: 17 jun. 2022.
    » https://www.jstor.org/stable/20117041
  • ARISTOTLE. Metaphysics London: Harvard University Press, 1989.
  • ATTEN, M. van. A note on Leibniz’s argument against infinite wholes. British Journal for the History of Philosophy, London, v. 19, n. 1, p. 121-129, 2017. Disponível em: https://halshs.archives-ouvertes.fr/halshs-00775348/document Acesso em: 17 jun. 2022.
    » https://halshs.archives-ouvertes.fr/halshs-00775348/document
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    19 Jun 2022
  • Aceito
    21 Jul 2022
  • Publicado
    29 Jul 2022
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