Open-access A recuperação da informação na Ciência da Informação: diversidade conceitual e evolução teórica

RESUMO

Introdução:  A recuperação da informação constitui-se como um elemento fundamental da ciência da informação, englobando processos técnicos, cognitivos e sociais voltados à identificação e disponibilização de informação relevante. A diversidade de concepções presentes na literatura reflete a evolução histórica do campo e a incorporação de novas tecnologias e abordagens.

Objetivo:  Este estudo buscou compreender a evolução e diversidade conceitual da recuperação da informação no âmbito da ciência da informação, a partir das contribuições teóricas de diferentes autores. Metodologia: Trata-se de uma pesquisa exploratória-descritiva, de abordagem mista, baseada em levantamento bibliográfico. Além de autores clássicos deste campo do conhecimento, utilizou-se a técnica Term Frequency-Inverse Document Frequency para identificar trabalhos relevantes que abordam ou expandem o conceito de recuperação da informação.

Resultados:  Percebe-se uma evolução conceitual que parte de enfoques técnicos voltados à eficiência dos sistemas, incorpora aspectos cognitivos e interativos e, mais recentemente, dimensões sociais e contextuais. Entre os autores, há consenso sobre a centralidade do usuário, a relevância da mediação informacional e a necessidade de tecnologias adaptáveis. Modelos com interoperabilidade, recuperação multimodal e uso de feedback iterativo são valorizados.

Conclusão:  A recuperação da informação, no âmbito da ciência da informação, configura-se como processo multifacetado, cuja efetividade depende da articulação entre fundamentos teóricos, recursos tecnológicos e compreensão contextual. Essa integração reforça seu papel estratégico na consolidação da área e na resposta às demandas complexas da sociedade da informação.

PALAVRAS-CHAVE
Recuperação da informação; Ciência da informação; Sociedade da informação.

ABSTRACT

Introduction:  Information retrieval is a fundamental element of information science, encompassing technical, cognitive, and social processes aimed at identifying and making relevant information available. The diversity of concepts present in the literature reflects the historical evolution of the field and the incorporation of new technologies and approaches.

Objective:  This study sought to understand the evolution and conceptual diversity of information retrieval in the field of information science, based on the theoretical contributions of different authors. Methodology: This is an exploratory-descriptive research study with a mixed approach, based on a bibliographic survey. In addition to classic authors in this field of knowledge, the Term Frequency-Inverse Document Frequency technique was used to identify relevant works that address or expand on the concept of information retrieval.

Results:  A conceptual evolution can be seen that starts from technical approaches focused on system efficiency, incorporates cognitive and interactive aspects, and, more recently, social and contextual dimensions. Among the authors, there is consensus on the centrality of the user, the relevance of information mediation, and the need for adaptable technologies. Models with interoperability, multimodal retrieval, and the use of iterative feedback are valued.

Conclusion:  Information retrieval, in the field of information science, is a multifaceted process whose effectiveness depends on the articulation between theoretical foundations, technological resources, and contextual understanding. This integration reinforces its strategic role in consolidating the field and responding to the complex demands of the information society.

KEYWORDS
Information retrieval; Information science; Information society.

1 INTRODUÇÃO

A presente pesquisa discute a conceituação da recuperação da informação (RI) no âmbito da ciência da informação (CI), a partir de diferentes definições propostas na literatura. Busca-se ampliar a compreensão da RI por meio da análise de estudos que abordam ou expandem esse conceito, considerando suas dimensões técnicas, cognitivas e sociais.

A CI é uma ciência recente e ainda em construção, que recebe de outros campos do conhecimento influências teóricas e conceituais para resolver os problemas da área (Oliveira, 2008). Para a existência e evolução da CI são atribuídas três características, são elas: a interdisciplinaridade, a ligação com a tecnologia da informação e a participação ativa, assim como outras disciplinas, na evolução da sociedade da informação. Este perfil interdisciplinar foi introduzido por disciplinas como a biblioteconomia, engenharia, ciência da computação, psicologia, filosofia, entre outras (Saracevic, 1996).

Contudo, é importante mencionar que o reconhecimento da interdisciplinaridade neste campo ocorre desde sua origem, mas sem aprofundamento da discussão em sua fase inicial (Pinheiro, 2005). É relevante destacar também que algumas dessas áreas tiveram uma maior contribuição. De acordo com Saracevic (1996), as disciplinas que mais contribuíram foram: biblioteconomia, ciência da computação, ciência cognitiva e comunicação. O autor salienta também a colaboração de engenheiros e empreendedores ao trabalhar o problema da explosão da informação, indicado por Vannevar Bush em 1945, que desencadeou nos anos 50 e 60 a origem de debates e definições sobre a RI, termo empregado pela CI para solução do problema da informação. Desde então, a ciência da informação vem desenvolvendo estudos sobre o termo para um melhor gerenciamento da informação.

Diante desse cenário, esta pesquisa busca compreender como diferentes estudos contribuem para a conceituação da RI na CI. Como objetivo geral, propõe-se identificar e analisar as definições de RI presentes na literatura, incluindo, de forma complementar, sua relação com aspectos interdisciplinares, o desenvolvimento tecnológico e com as demandas da sociedade da informação. Como objetivos específicos, propõe-se: mapear diferentes definições de RI, destacando seus principais elementos conceituais; analisar estudos que abordam ou expandem o conceito; e identificar convergências e divergências entre as perspectivas encontradas. Espera-se, assim, oferecer uma visão abrangente sobre a diversidade conceitual e evolução teórica da RI, bem como seu papel no fortalecimento da CI.

Em relação aos procedimentos metodológicos, o estudo configura-se como exploratório-descritivo, de abordagem mista, utilizando em sua operacionalização as pesquisas bibliográficas. O recorte específico levantado para produzir esta análise foi gerado a partir da escolha de textos abordados no conteúdo programático da disciplina “Estudos Avançados em Informação e Conhecimento (EAIC)”, ministrada no Programa de Pós-graduação em Gestão e Organização do Conhecimento (PPGGOC) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), incluindo autores clássicos do campo da RI, e também de pesquisa bibliográfica em três bases de dados com auxílio da técnica Term Frequency-Inverse Document Frequency (TF-IDF) para seleção dos trabalhos.

Neste contexto, para evidenciar a diversidade conceitual e a evolução teórica da RI, bem como suas contribuições para o fortalecimento da CI, a presente pesquisa foi estruturada em duas etapas. Inicialmente, busca-se conceituar e caracterizar o termo “recuperação da informação”, adotando uma abordagem fundamentada nas contribuições de renomados autores que têm se dedicado ao tema em diferentes contextos e períodos históricos. Nesse sentido, foram exploradas as perspectivas teóricas de Mooers (1951), Kochen (1974), Saracevic (1996, 1999), Capurro (2000, 2007) e Hjørland (2002, 2018), cujas obras representam importantes marcos no desenvolvimento conceitual da área. Em seguida, a pesquisa apresenta e analisa estudos relevantes que dialogam diretamente com essa temática, integrando-os à literatura previamente abordada e evidenciando as interseções entre diferentes enfoques teóricos e metodológicos.

2 A RECUPERAÇÃO DA INFORMAÇÃO E SUAS DEFINIÇÕES

A RI envolve armazenamento, organização e pesquisa de coleções, além disso, constitui-se em parte significativa do desenvolvimento tecnológico humano desde a escrita, ou ainda antes. Os primeiros sistemas de recuperação de informação legítimos foram os esquemas de organização de arquivos e bibliotecas, como os arquivos sumérios ou os desenvolvidos por Calímaco1 para a Biblioteca de Alexandria2. Desde então, foram diversas as transformações, com maior impulso ao desenvolvimento de sistemas automatizados de RI a partir do século XX, diante da necessidade de gerenciar quantidades cada vez maiores de informação em instituições de negócios e no desenvolvimento científico (Ferneda, 2012).

A RI é considerada a principal responsável pelo desenvolvimento da CI. Esta afirmação deve-se a suas inúmeras aplicações na "indústria da informação", termo usado para designar o conjunto de atividades voltadas para a produção, organização, distribuição e uso da informação. Entretanto, é relevante destacar que a RI não foi a única nesse processo, já que essa indústria informacional teve suas raízes nas décadas de 50 e 60, chegando aos serviços online nos anos 70 e desencadeando em uma configuração global na década de 80 (Saracevic, 1996, 1999).

Nesse contexto, ao longo dos anos a RI foi associando-se diretamente à necessidade humana de informação. Essa necessidade de recuperar informações promoveu pesquisas exploratórias sobre o assunto, além de estudos sobre a estrutura, o comportamento e a natureza da informação. A partir da década de 70 foi apresentada uma nova compreensão sobre o termo RI voltada para a interação com os usuários, refletindo a necessidade de discutir os princípios desse termo e seus aspectos teóricos (Saracevic, 1996).

A seguir estão relacionadas em ordem cronológica diferentes abordagens do termo “recuperação da informação”, a começar por Calvin Northrup Mooers, um dos pioneiros no campo da RI, que contribuiu significativamente para o desenvolvimento teórico e prático desta área. Segundo Mooers (1951), a recuperação da informação engloba os aspectos intelectuais da descrição de informações e suas especificidades para a busca, em adição a sistemas, técnicas ou máquinas empregadas para o exercício da operação.

Outro importante pesquisador neste campo, Kochen (1974) conceitua o sistema de conhecimento da RI em três partes: primeiro, com as pessoas em seu papel de processadores de informações, segundo pelos documentos em seu papel de suporte e terceiro os tópicos como representações. Neste caso, o interesse é o processo dinâmico e a interação no ciclo de vida dos três, considerando o tempo como uma variável comum entre eles. Segundo o autor, a recuperação da informação não poderia ser eficazmente abordada dentro dos limites de uma única disciplina.

Como já mencionado, Saracevic (1996) vê a recuperação da informação como o principal fator no desenvolvimento da CI, apresentando um conceito multifacetado, que abrange aspectos técnicos, cognitivos e interativos do processo de recuperação. O autor define a recuperação da informação como um processo de correspondência entre as necessidades de informação dos usuários e os documentos disponíveis em um sistema de informação.

O conceito para recuperação da informação de Rafael Capurro concentra-se em uma abordagem mais filosófica e ética em relação ao manejo e acesso à informação. Capurro (2000) defende que a RI deve ser vista como um processo de interpretação e atribuição de significado, no qual a relevância não é um atributo intrínseco dos dados, mas emerge do contexto e das necessidades do usuário. Destaca a importância de considerar os aspectos humanos e sociais na recuperação da informação, incluindo como a informação é utilizada e o impacto que ela tem nas práticas sociais e na vida dos indivíduos.

O autor enfatiza também a responsabilidade ética dos profissionais de informação em assegurar que os sistemas de recuperação da informação respeitem os direitos e a dignidade dos usuários, promovendo um acesso equitativo e justo à informação. Neste sentido, ele relata que,

[...] a Informação não é algo que comunica duas cápsulas cognitivas com base em um sistema tecnológico, visto que todo sistema de informação é destinado a sustentar a produção, coleta, organização, interpretação, armazenamento, recuperação, disseminação, transformação e uso de conhecimentos e deveria ser concebido no marco de um grupo social concreto e para áreas determinadas (Capurro, 2007, p. 10).

Por sua vez, Birger Hjørland (2002) aborda a RI a partir de uma perspectiva contextual e sociocultural. Ele critica as abordagens tradicionais que tratam a recuperação da informação como um processo puramente técnico e centrado em algoritmos, defendendo uma abordagem mais holística e interdisciplinar, considerando também a compreensão das práticas informacionais dos usuários e as estruturas epistemológicas das disciplinas envolvidas. Para o autor, a finalidade do sistema de RI é fornecer informações sobre uma solicitação, sendo esta, uma representação da necessidade informacional que o RI tenta satisfazer (Hjørland, 2018).

3 SISTEMAS DE RECUPERAÇÃO DA INFORMAÇÃO

A recuperação da informação necessita de artefatos para sua operacionalização, os quais, de maneira geral, são denominados sistemas de recuperação da informação. Cendón (2005) explica que, em uma conotação ampla, os sistemas de recuperação da informação consistem em encontrar a informação desejada em uma base de dados. Entretanto, na área de biblioteconomia e ciência da informação a expressão tem sido usada para representar busca de literatura científica (Lancaster, 1979; Warner, 1993 apud Cendón, 2005). Um sistema de recuperação da informação desse tipo pode ser representado por três grandes etapas, a saber, i) descrição e indexação, ii) vocabulário, iii) busca (Figura 1).

Figura 1
Etapas de um sistema de recuperação da informação

Nesse contexto, conforme Cendón (2005), uma possibilidade é classificar os principais tipos de sistema de informação de acordo com o tipo de dado que fornecem, como a seguir:

  • a) Base de dados referenciais: aquelas que incluem referências ou informações secundárias, as quais podem ser bibliográficas ou diretórios;

  • b) Base de texto de fontes: aquelas que incluem a informação completa ou os dados primários, as quais podem ser bases de texto completo, bases de dicionários, bases numéricas, bases de imagens, dentre outras.

Entretanto, não é possível falar em sistemas de recuperação contemporaneamente sem incluir os mecanismos de busca. Ao contrário dos antigos diretórios, com organização hierárquica, os mecanismos de busca colecionam o maior número possível de recursos através de robôs. Como suas bases de dados são extremamente grandes, permitem aos usuários localizar os itens desejados mediante buscas por palavras-chave, ou, uma sentença próxima da linguagem natural (Cendón, 2001).

Qualquer que seja o sistema, o objetivo, ou o tipo de dados a recuperar, a noção de “sistema de recuperação da informação” continua congregando um conjunto de teorias, práticas e tecnologias que ainda lhe garante lugar de destaque na pesquisa em ciência da informação.

4 METODOLOGIA

Como já apontado, trata-se de um estudo exploratório-descritivo, de abordagem mista, definida por Creswell (2016) como uma abordagem de investigação que associa os métodos qualitativos e quantitativos para melhor compreensão de um problema. Dessa forma, a coleta de dados foi organizada em duas etapas: 1) revisão preliminar da literatura sobre RI no contexto da CI, explorando estudos apresentados e discutidos no conteúdo da disciplina EAIC do PPGGOC da UFMG, bem como outros autores reconhecidos na área, e 2) coleta complementar, na qual foram empregadas técnicas de análise de texto para identificar outros trabalhos relevantes ligados ao tema (Figura 2).

Figura 2
Visão geral do procedimento utilizado para coleta de dados

Na primeira etapa realizou-se uma análise qualitativa dos estudos disponíveis, com o propósito de selecionar as principais referências dentro do domínio investigado. Esse processo permitiu identificar trabalhos relevantes que fundamentam a discussão sobre o tema.

Na segunda etapa a coleta de dados foi conduzida em três bases científicas relevantes na área: a Base de Dados em Ciência da Informação (BRAPCI), que reúne artigos publicados em periódicos especializados; a Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), que concentra a produção acadêmica de caráter stricto sensu; e o Portal de Periódicos da CAPES, que disponibiliza amplo acervo de publicações científicas nacionais e internacionais. Para a recuperação dos registros, adotou-se a expressão de busca ("recuperação da informação") AND ("ciência da informação"). Foram consideradas publicações a partir de 1962, com exceção da base CAPES, na qual o recorte temporal foi estabelecido a partir de 1969, em função da disponibilidade dos registros.

Foram inicialmente recuperados 1.041 trabalhos a partir das buscas realizadas nas três bases selecionadas. Em seguida, aplicaram-se os critérios de inclusão, que compreenderam: publicações redigidas em língua portuguesa, de acesso aberto, revisadas por pares e, especificamente no caso da BDTD, restritas a teses. Como critério de exclusão, foram descartados os trabalhos inacessíveis (ou sem resumos), impossibilitando sua análise, e, posteriormente, procedeu-se à eliminação de registros duplicados para assegurar a integridade do conjunto final.

Após essa etapa de refinamento, obteve-se um corpus composto por 363 trabalhos destinados à análise dos resumos. Desses, 247 foram aceitos por atenderem ao critério de abordar ou expandir o conceito de RI, configurando-se como contribuições relevantes ao escopo da pesquisa.

Para esse conjunto validado, foram identificados os termos mais frequentes presentes nos resumos (Figura 3). Esse levantamento teve como objetivo compará-los à expressão de busca utilizada, de modo a verificar a coerência temática e reforçar a validade do corpus analisado.

Figura 3
Termos frequentes dos trabalhos recuperados

A TF-IDF foi a técnica aplicada para a seleção final dos trabalhos. Trata-se de uma técnica amplamente utilizada na mineração de texto e recuperação da informação para avaliar a importância de uma palavra em um documento específico em relação a um conjunto de documentos. Neste caso, destaca palavras que são importantes para a semântica de um documento, mas que não aparecem frequentemente em outros.

Segundo Manning, Raghavan e Schütze (2008), a TF-IDF combina duas métricas: a frequência do termo (TF), que calcula quantas vezes uma palavra aparece em um documento, e a frequência inversa do documento (IDF), que mede a raridade da palavra em todo o corpus de documentos. É expressa conforme a Equação 1:

(1) TFIDF(t,d) = TF(t,d) IDF(t)

Em que,

  • a) TF(t,d) é a frequência do termo t no documento d;

  • b) IDF(t) é calculado como log(Ndf(t)), em que N é o número total de documentos e df(t) é o número de documentos que contém o termo t.

Para o conjunto previamente selecionado nas três bases, aplicou-se a TF-IDF utilizando os termos “interdisciplinaridade”, “tecnologia” e “sociedade”, a fim de identificar os trabalhos mais aderentes às três características essenciais à CI descritas por Saracevic (1996). Os resultados obtidos foram combinados por meio da soma dos valores atribuídos a cada termo, permitindo a criação de um ranking dos trabalhos mais significativos. Desta forma, 39 trabalhos apresentaram pontuação TF-IDF superior a zero, sendo selecionados os dez de maior pontuação para análise do texto completo. Na Figura 4 é apresentado o Diagrama de Fluxo PRISMA com os resultados obtidos em cada fase do processo de busca até a seleção final.

Figura 4
Diagrama de Fluxo PRISMA da revisão

5 RESULTADOS

A revisão preliminar permitiu identificar contribuições para a conceituação da RI de autores clássicos - Calvin Mooers, Manfred Kochen, Tefko Saracevic, Rafael Capurro e Birger Hjørland. Apesar das diferenças em suas abordagens, observam-se pontos de convergência que refletem elementos comuns na compreensão do fenômeno. Essas observações são sintetizadas no Quadro 1, que reúne os aspectos identificados em relação à diversidade conceitual da RI, divididos em linha teórica principal e contribuição para o conceito de RI.

Quadro 1
Abordagens sobre o conceito de RI dos autores clássicos selecionados

A análise comparativa dos autores selecionados revela diferentes perspectivas que, embora distintas em fundamentos teóricos, convergem para o reconhecimento da RI como um campo dinâmico, multifacetado e sensível ao contexto de uso. Neste sentido, Mooers (1951) inaugura a conceituação formal da RI, estabelecendo bases funcionais e operacionais que diferenciam claramente o armazenamento da recuperação e colocando a relevância como critério central. Essa visão pioneira, centrada na eficiência dos sistemas, fornece o alicerce sobre o qual as abordagens subsequentes se desenvolveram.

Na perspectiva de Kochen (1974), esta visão é ampliada ao incorporar aspectos cognitivos, reconhecendo que a eficácia da RI não se limita à arquitetura técnica, mas envolve também os processos mentais e a interação entre usuário e sistema. Essa perspectiva antecipa a necessidade de considerar o comportamento informacional como elemento estruturante dos sistemas de recuperação.

Neste contexto, Saracevic (1996, 1999) aprofunda a articulação entre dimensões técnicas, cognitivas e sociais, formalizando a relevância como fenômeno multifacetado e propondo tipologias que contemplam a relação entre necessidades informacionais, recursos disponíveis e contexto situacional. A contribuição do autor marca a transição de um paradigma centrado na tecnologia para um paradigma centrado no usuário.

Capurro (2000, 2007), por sua vez, desloca a discussão para um campo hermenêutico, no qual a informação é concebida como fenômeno interpretativo e situado. Essa abordagem enfatiza que a recuperação não é apenas um processo técnico de correspondência entre termos e documentos, mas um ato mediado por interpretações, significados e contextos culturais, expandindo o escopo semântico da RI.

Por fim, Hjørland (2002, 2018) propõe uma abordagem sociocognitiva e orientada por domínio, que integra as contribuições anteriores, mas avança ao destacar a influência das estruturas conceituais e valores das comunidades na organização e recuperação da informação. Essa perspectiva reitera a impossibilidade de neutralidade na RI e posiciona a relevância como dependente do enquadramento social e epistemológico.

O diálogo entre essas abordagens evidencia que a compreensão e a expansão do conceito de RI percorrem um caminho que vai da ênfase operacional e técnica (Mooers, 1951) à integração de aspectos cognitivos e interativos (Kochen, 1974; Saracevic, 1996, 1999), chegando à incorporação de dimensões interpretativas, culturais e sociais (Capurro, 2000, 2007; Hjørland, 2002, 2018), como representado na Figura 5. Tal evolução reforça que a RI, mais do que um conjunto de técnicas de busca, constitui um processo complexo de mediação informacional, cuja efetividade depende tanto da adequação tecnológica quanto da sintonia com os contextos epistemológicos e culturais dos usuários.

Figura 5
Evolução do conceito de RI pelas diferentes perspectivas dos autores

No Quadro 2 são apresentados os dez trabalhos complementares selecionados das bases científicas BRAPCI, BDTD e CAPES, como resultado da segunda etapa da coleta de dados. Estão relacionados em ordem decrescente pela pontuação obtida com a técnica TF-IDF, considerando assim a relevância dos termos "interdisciplinaridade", "tecnologia" e "sociedade" em cada trabalho em comparação aos demais trabalhos recuperados.

Quadro 2
Estudos complementares selecionados

A análise dos dez trabalhos revela que as contribuições para o conceito de RI estão intrinsecamente alinhadas às três características fundamentais que sustentam a existência e o desenvolvimento da CI, conforme delineado por Saracevic (1996).

No âmbito da interdisciplinaridade, ainda que não seja o eixo central de todos os estudos, percebe-se a incorporação de fundamentos oriundos de áreas como ciência da computação, linguística, ciência cognitiva e ciência de dados. Essa integração manifesta-se tanto na aplicação de modelos de representação e indexação que exploram a semântica e a organização do conhecimento, quanto na adoção de técnicas de mineração de dados e aprendizado de máquina, o que demonstra um diálogo contínuo entre diferentes campos para aprimorar os processos de recuperação.

A ligação com a tecnologia da informação aparece como elemento estruturante nas propostas analisadas. Os trabalhos exploram desde o desenvolvimento de algoritmos eficientes e mecanismos de indexação semântica até a unificação de modelos para recuperação multimodal, incluindo texto, imagem e áudio. As abordagens tecnológicas visam não apenas a otimização do desempenho dos sistemas, mas também sua adaptabilidade às mudanças nas demandas informacionais, incorporando feedback iterativo, interoperabilidade e integração de ontologias para favorecer a interoperabilidade semântica entre plataformas distintas.

Por fim, a participação ativa na evolução da sociedade da informação se expressa no reconhecimento da RI como instrumento estratégico para o acesso, filtragem e uso crítico da informação em contextos cada vez mais amplos e complexos. Diversos trabalhos ressaltam a centralidade do usuário e seu comportamento informacional, destacando a importância de interfaces adaptáveis, da mediação informacional e da avaliação contextual da relevância. Essa perspectiva posiciona a RI como parte essencial de um ecossistema informacional que sustenta práticas de gestão do conhecimento, produção científica e tomada de decisão em diferentes domínios sociais e organizacionais.

Neste contexto, a síntese dos trabalhos evidencia que a RI, concebida como um processo técnico, cognitivo e social, avança em consonância com a evolução da CI ao incorporar simultaneamente a sofisticação tecnológica, a integração de múltiplas áreas de conhecimento e a função social de ampliar e qualificar o acesso à informação. Esse alinhamento não apenas reforça a pertinência da RI no campo da CI, como também aponta para seu papel central no fortalecimento da sociedade da informação contemporânea.

6 CONCLUSÃO

Este estudo buscou compreender a evolução e diversidade conceitual da RI no âmbito da CI, a partir de contribuições teóricas de diferentes autores. Os resultados evidenciam a RI com uma trajetória de evolução conceitual marcada pela ampliação de seu escopo e pela incorporação de múltiplas perspectivas teóricas e metodológicas. Embora existam variações nas ênfases e nos contextos de aplicação, há consenso quanto à centralidade do usuário, à importância da mediação informacional e à necessidade de sistemas e modelos tecnologicamente adaptáveis.

É possível perceber que o desenvolvimento do conceito de RI acompanha as transformações tecnológicas e sociais, deslocando-se de uma visão predominantemente técnica e centrada na eficiência para incluir dimensões cognitivas, interativas e contextuais. Essa ampliação contribui para uma compreensão mais abrangente do fenômeno, reforçando sua relevância estratégica para a consolidação e o fortalecimento da CI.

Nesse sentido, a RI afirma-se como um processo multifacetado, cuja efetividade depende da articulação entre fundamentos teóricos sólidos, recursos tecnológicos adequados e sensibilidade às demandas e especificidades dos contextos informacionais. Esta articulação é indispensável para que a ciência da informação continue a responder, de forma consistente e inovadora, aos desafios impostos pela sociedade da informação.

Reconhecimentos:

Não aplicável.

  • 1
    Calímaco (310 a.C. - 240 a.C.), poeta, bibliotecário, gramático e mitógrafo grego.
  • 2
    Um dos maiores centros de produção do conhecimento na Antiguidade, estabelecida durante o século III a.C. no complexo palaciano da cidade de Alexandria, no Reino Ptolemaico do Antigo Egito.
  • Financiamento:
    Este estudo foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
  • Aprovação ética:
    Não aplicável.
  • Imagem:
    Extraída da plataforma Lattes.
  • JITA:
    BD. Information society
  • ODS:
    4. Educação de qualidade

Disponibilidade de dados e material:

Não aplicável.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Out 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    22 Jan 2025
  • Aceito
    15 Ago 2025
  • Publicado
    26 Ago 2025
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