Acessibilidade / Reportar erro

Autoafirmação racial de jovens negras no projeto Abaetê Criolo: caminhos para a equidade de gênero e de raça em contextos interseccionais a partir da Lei n. 10.639/2003

RACIAL SELF-AFFIRMATION OF BLACK YOUNG PEOPLE FROM LAW N. 10.639/2003: PATHWAYS TO GENDER AND RACE EQUITY IN INTERSECTIONAL CONTEXT

Resumo

Esta pesquisa possui como objeto o projeto Abaetê Criolo, grupo escolar que trabalha com atividades artísticas e estudo e pesquisa das temáticas antirracistas e de respeito à diversidade cultural na periferia de Fortaleza, nordeste do Brasil. Objetivou-se investigar como as alunas participantes do projeto manifestam suas identidades raciais, bem como a contribuição do Abaetê Criolo no processo de formação e autoafirmação de suas identidades. Para alcançarmos esses objetivos, o método utilizado foi a Análise de Discurso Crítica (ADC) de entrevistas de alunas participantes do projeto. Concluímos que, ao final de quatro anos de ações do grupo, formou--se e fortaleceu-se a efetividade da Lei n. 10.639/2003, fomentando a construção da identidade racial de jovens negras.

Lei n. 10.639/2003; identidade; mulher negra; interseccionalidade; igualdade

Abstract

This research has as its object the Abaetê Criolo project, a school group that works with artistic activities and study and research on anti-racist themes and respect for cultural diversity on the outskirts of Fortaleza, northeast of Brazil. The objective was to investigate how the students participating in the project manifest their racial identities, as well as the contribution of Abaetê Criolo in the process of forming and self-affirming their identities. To achieve these objectives, the method used was Critical Discourse Analysis (ADC) of interviews with students participating in the project. We concluded that, after four years of group actions, the construction and strengthened the effectiveness of law 10.639/03, promoting the construction of racial identity of young black women.

Law 10.639/2003; identity; black woman; intersectionality; equality

INTRODUÇÃO

A Lei n. 10.639/2003, alterada pela Lei n. 11.645/2008, instituiu a obrigatoriedade no currículo oficial das escolas, nos estabelecimentos de ensinos fundamental e médio, oficiais e particulares, do ensino de história e cultura afro-brasileira. Segundo a Lei n. 10.639/2003, é obrigatório, no conteúdo programático dos ensinos fundamental e médio dos estabelecimentos de ensino particulares e públicos, “o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica, política e cultural, pertinente à História do Brasil” ( BRASIL, 2003BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm. Acesso em: 5 set. 2019.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
).

Com o objetivo de efetivar a Lei n. 10.639/2003, criou-se o projeto Abaetê Criolo na Escola de Ensino Fundamental e Médio (EEFM) Polivalente Modelo de Fortaleza, capital do estado do Ceará. O Abaetê Criolo iniciou suas atividades em 2015, é um grupo de dança e estudo que trabalha com atividades artísticas e o estudo e a pesquisa das temáticas antirracistas e de respeito à diversidade cultural. Neste artigo, iremos analisar as representações discursivas das interlocutoras em relação ao gênero atravessado pela raça, ou seja, a significação de ser uma mulher negra.

Entendendo que essa significação gera dados que envolvem abstrações e subjetividades, a pesquisa qualitativa se apresenta necessária à compreensão do problema investigado. Elencamos como objetivo geral realizar uma Análise de Discurso Crítica (ADC) de entrevistas de alunas participantes do projeto Abaetê Criolo e investigar como estas representam suas identidades. Buscamos também analisar a contribuição do projeto Abaetê Criolo para o processo de formação e autoafirmação das identidades raciais das alunas participantes; identificar como o contato com a aplicação da Lei n. 10.639/2003, por meio do projeto Abaetê Criolo, influenciou no discurso e no modus vivendi das alunas participantes do projeto; e avaliar os mecanismos discursivos de constituição das identidades das participantes da entrevista, que produzem sentidos outros, em resposta aos sentidos ditos tradicionais e naturalizados.

Para alcançarmos esses objetivos, o método utilizado foi a ADC, que concebe a linguagem como prática social e procura compreender como o emprego de formas linguísticas contribui para o estabelecimento, a sustentação e/ou transformações nas relações de poder. O campo de pesquisa foi a Escola de EEFM Polivalente Modelo de Fortaleza, localizada no bairro José Walter, periferia da capital cearense.

A comunidade escolar que compõe a citada escola é formada, majoritariamente, por pessoas que habitam esse espaço social. Ou seja, são estudantes, pais, professores e funcionários de um bairro periférico de Fortaleza que, assim como a maioria dos moradores de periferias, têm suas problemáticas advindas das situações de desigualdades e injustiças sociais. As interlocutoras desta pesquisa estão inseridas nesse contexto social.

Quanto à identidade racial, as entrevistadas se autoidentificam como negras. Foram integrantes do grupo Abaetê Criolo, são ex-alunas e concluíram o ensino médio no ano de 2017, com 19 e 20 anos de idade. Os nomes apresentados na pesquisa são pseudônimos, a saber, Luiza e Ângela. A amostragem foi restrita a duas interlocutoras por se tratar da utilização da técnica de entrevista que possibilita a fala livre e considerar que, mesmo sendo reduzida, alcança uma representatividade do grupo maior estudado.

Freire (2011FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011. , p. 28) explica que “nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo”. Aqui podemos dizer que essa afirmação se fez verdadeira e se comprova nas experiências que podemos juntos vivenciar. O Abaetê Criolo fomentou um processo de reconhecimento, valorização e construção da identidade negra. É dessa experiência de participação no processo de construção de identidade que iremos tratar por meio da ADC de alunas participantes do grupo.

1. EDUCAÇÃO COMO RESISTÊNCIA NEGRA: ABAETÊ CRIOLO E A EFETIVAÇÃO DA LEI N. 10.639/2003

Dentro da discussão histórica de direitos fundamentais, o direito à educação é inscrito no contexto dos direitos sociais ( BONAVIDES, 2005BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 16. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. ). Esses direitos têm como escopo a realização do princípio da igualdade e realizam-se na dependência da ação estatal, ou seja, necessitam, como direitos de segunda dimensão que são ( GUERRA FILHO, 2005GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 4. ed. São Paulo: RCS Editora, 2005. ), de políticas públicas. O Estado, nessa dimensão, poderá atuar diretamente ou por meio de concessões ( GRAU, 2018GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros Editores, 2018. ). Desse modo, para ser efetivado, o direito à educação necessita, direta ou indiretamente, da prestação estatal.

No Brasil Império, não se falava de direito à educação, mas a Constituição de 1824, em seu art. 179, XXXII, já assegurava “a Instrucção primaria, e gratuita a todos os Cidadãos” ( BRASIL, 1824BRASIL. Constituição Politica do Imperio do Brazil (de 25 de março de 1824). Manda observar a Constituição Politica do Imperio, offerecida e jurada por Sua Magestade o Imperador. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm. Acesso em: 7 ago. 2020.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Con...
), sendo evidente, contudo, que cidadão, nesse contexto, eram apenas os homens brancos. É certo que as demais constituições ampliaram o acesso à educação, à exceção da Constituição de 1937. Desse modo, o direito à educação, que estritamente integra o constitucionalismo brasileiro desde 1934, de acordo com Martins (2019)MARTINS, Paulo de Sena. O direito à educação na Carta Cidadã. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 56, n. 221, p. 223-246, jan./mar. 2019. , recebeu novo conteúdo e instrumentos de sua efetividade na Constituição Federal de 1988.

A Constituição de 1988, conforme defende Martins (2018)MARTINS, Paulo de Sena. Constituinte, financiamento e direito à educação: a voz dos protagonistas. Educação & Sociedade, Campinas, v. 39, n. 145, p. 823-845, out./dez. 2018. , é a matriz dos avanços sociais nas três últimas décadas. A partir de 1988, portanto, deu-se a devida atenção ao tema educacional espraiando por vários pontos o tema. Expressamente, o direito à educação se insere, entre direitos sociais (art. 6 o ), como direito de todos e dever do Estado e da família (art. 205 e seguintes); no acesso ao ensino obrigatório e gratuito, como direito público subjetivo (art. 208, § 1 o ); e quando se assegura o direito à educação pela família, pela sociedade e pelo Estado, com absoluta prioridade à criança e ao adolescente (art. 227). É óbvio que essas normas atravessam inúmeras outras regras e princípios, pois é impensável realizar plenamente o direito à igualdade, à liberdade de expressão e de pensamento, bem como o desenvolvimento regional e a dignidade da pessoa humana sem o direito à educação.

A educação, nesse contexto, é uma dimensão fundante da cidadania, de acordo com Cury (2002)CURY, Carlos Roberto Jamil. Direito à educação: direito à igualdade, direito à diferença. Cadernos de Pesquisa, [s.l.], n. 116, p. 245-262, jul. 2002. , além de ser um elemento crucial para socialização e participação integral em uma economia capitalista. Entretanto, a educação formal tem desagregado e dificultado o sentimento de identificação por ter um sentido de exclusão que não consegue estabelecer uma relação entre o que é ensinado e as próprias experiências, como observa Souza (2008)SOUZA, Edileuza Penha de. A Lei n. 10.639/03 na escola – caminhos para os tambores de Congo. In: GOMES, Ana Beatriz Sousa; CUNHA JR., Henrique (orgs.). Educação e afrodescendência no Brasil. Fortaleza: Edições UFC, 2008. . Muitos alunos/as negros/as não se identificam como tal porque a negritude é constantemente silenciada ou relacionada a aspectos negativos, o que diminui sua autoestima e autoconfiança, uma vez que essas caracterizações vão sendo reproduzidas também na escola.

A escola, indubitavelmente, é um espaço de conflitos e construções sociais que envolve aspectos socioculturais, políticos, econômicos e raciais de diversidade ímpar, por isso é necessário que as intervenções práticas pedagógicas, de interesse para o currículo escolar, trabalhem contemplando os grupos oprimidos ( LIMA, 2008LIMA, Ivan Costa. Pedagogia interétnica em Salvador: trajetória, história e identidade negra. In: GOMES, Ana Beatriz Sousa; CUNHA JR., Henrique (org.). Educação e afrodescendência no Brasil. Fortaleza: Edições UFC, 2008. ). A ausência de políticas específicas para o negro no Brasil representa duas tendências correntes na cultura brasileira, conforme aponta Gomes (2018)GOMES, Camilla de Magalhães. Constituição e feminismo entre gênero, raça e direito: das possibilidades de uma hermenêutica constitucional antiessencialista e decolonial. História: Debates e Tendências, [s.l.], v. 18, n. 3, p. 343-365, set./dez. 2018.: a presença de uma visão universalista que pretende disfarçar o conflito racial por meio da existência da “democracia” racial/social ( FREYRE, 2006FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. São Paulo: Global, 2006. ) e a perspectiva eurocêntrica que se estabelece pela eliminação das representações afro-brasileiras e indígenas. A questão racial na escola, arremata Santomé (1995)SANTOMÉ, Jurjo Torres. As culturas negadas e silenciadas no currículo. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.). Alienígenas na sala de aula. Petrópolis: Vozes, 1995. p. 159-189. , reflete a relação entre currículo e culturas negadas e silenciadas.

O Direito, nas clivagens de raça, gênero e classe social, aponta para se observar sujeitos que eram invisibilizados, e isso é essencial, pois, como afirma Gomes (2018)GOMES, Camilla de Magalhães. Constituição e feminismo entre gênero, raça e direito: das possibilidades de uma hermenêutica constitucional antiessencialista e decolonial. História: Debates e Tendências, [s.l.], v. 18, n. 3, p. 343-365, set./dez. 2018. , para dar sentido ao Direito ou para definir seus “destinatários”, urge que se considere justamente quem são essas pessoas, levando o operador do Direito para longe do sujeito universal abstrato, como explica Douzinas (2009)DOUZINAS, Costas. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2009. . Embora a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, por exemplo, garanta a aplicação dos direitos humanos sem distinção de gênero, no passado, segundo Crenshaw (2002)CRENSHAW, Kimberlé. Documento para o Encontro de Especialistas em Aspectos da Discriminação Racial Relativos ao Gênero. Estudos Feministas, [s.l.], v. 10, n. 1, p. 171-188, jan. 2002. , os direitos das mulheres foram implementados de maneira marginal em um regime que pressupõe como universais as referências do homem heterossexual branco. Interessa então, nessas clivagens, a pessoa real, pois, como aduz Moreira (2019)MOREIRA, Adilson José. Pensando como um negro: ensaios de hermenêutica jurídica. São Paulo: Contracorrente, 2019. , tem-se que se afastar da mitologia liberal da igualdade formal que desconsidera as características das pessoas. Assim, não basta tratar da mesma forma pessoas que pertençam à mesma classe, pois, dentro de uma classe, clivagens de raça e, como veremos mais à frente, de gênero também imprimem desigualdades.

Lutando por uma isonomia material, o movimento negro, já antes da constituinte de 1987, reivindicava que a criança negra, na escola, tivesse uma educação que possibilitasse a afirmação da sua identidade. Ante alguns estudos que revelavam as discrepâncias entre a trajetória de estudantes brancos e negros ( HENRIQUES, 2001HENRIQUES, Ricardo. Desigualdade racial no Brasil: evolução das condições de vida na década de 1990. Rio de Janeiro: Ipea, 2001. ; SOARES e ALVES, 2003SOARES, José Francisco; ALVES, Maria Teresa Gonzaga. Desigualdades raciais no sistema brasileiro de educação básica. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 29, n. 1, p. 147-165, jan./jun. 2003. ), era preciso que a prática pedagógica antirracista fosse contínua, um trabalho realizado durante todo o período letivo. Esse descompasso, conforme explica Souza (2008)SOUZA, Edileuza Penha de. A Lei n. 10.639/03 na escola – caminhos para os tambores de Congo. In: GOMES, Ana Beatriz Sousa; CUNHA JR., Henrique (orgs.). Educação e afrodescendência no Brasil. Fortaleza: Edições UFC, 2008. , é oriundo do eurocentrismo da nossa sociedade, que silencia sobre as características da formação social brasileira. Essa centralidade cultural e política de ensino, em que estão imbricadas as instituições, dissemina estereótipos e ideologias que expressam formas próprias em torno do ato de educar e contribuem para que a escola cristalize ideias e práticas racistas e discriminatórias. Isso levou o Estado a reconhecer a importância de uma abordagem multicultural da educação e incluir na escola as temáticas de relações sociais. Para pensar uma educação nessa perspectiva, é preciso entender a escola, a um só tempo, como o local que estabelece uma relação de aproximação/afastamento da história e cultura negra.

A democracia, que, segundo Miguel (2017)MIGUEL, Luis Felipe. Consenso e conflito na democracia contemporânea. São Paulo: Editora Unesp, 2017. , deve ser entendida não como uma forma acabada de governo, mas como um projeto de enfrentamento das estruturas de dominação vigente, implica dissenso e não consenso. Daí, em vez da massificação das opiniões por meio da homogeneização dos grupos, existem sujeitos e particularismos politicamente relevantes, há uma ampliação do dissenso, há o pluralismo. Este é uma consequência lógica do regime democrático, pois um regime democrático deve gerir as reais e díspares correntes ideológicas, econômicas e políticas em curso na sociedade. No mesmo sentido, explica Häberle (2008HÄBERLE, Peter. Pluralismo y Constitución: estudios de teoría constitucional de la sociedad abierta. Madrid: Tecnos, 2008. , p. 110), “toda democracia, toda teoría social realista, así como toda teoría que se repute ‘científica’ (científica en cuanto a su proyección más realista en materia de derechos fundamentales), se encontrará necesariamente dentro del ámbito propio del ‘pluralismo’”.

Foi esse pluralismo social que possibilitou a organização do movimento negro em torno do currículo escolar. No movimento negro, bem como na democracia, há a participação de uma variedade imensa de opiniões que coabitam em um mesmo nicho. De acordo com Gonzales e Hasembalg (1982)GONZALEZ, Lélia; HASEMBALG, Carlos. Lugar de negro. Rio de Janeiro: Marco Zero 1982. e Gomes (2012a)GOMES, Nilma Lino. Movimento negro e educação: ressignificando e politizando a raça. Educação & Sociedade, Campinas, v. 33, n. 120, p. 727-744, 2012a. , o movimento negro tem ambiguidades, vive disputas internas e edifica consensos; é um ator coletivo, constituído por um conjunto variado de grupos e entidades políticas (e também culturais) distribuídos nas cinco regiões do país.

É possível dizer que, até a década de 1980, a luta do movimento negro, no que se refere ao acesso à educação, possuía um discurso mais universalista; porém, conforme explica Gomes (2012a)GOMES, Nilma Lino. Movimento negro e educação: ressignificando e politizando a raça. Educação & Sociedade, Campinas, v. 33, n. 120, p. 727-744, 2012a. , à medida que se foi constatando que as políticas públicas de educação, de caráter universal, ao serem implementadas, não atendiam a grande massa da população negra, o seu discurso e as suas reivindicações começaram a mudar. Foi nesse momento que as ações afirmativas emergiram como uma possibilidade e passaram a ser uma demanda real e radical, principalmente na modalidade de cotas. A sincronia entre o movimento democrático pulsante na sociedade no final dos anos 1980 e, segundo Santos (2015)SANTOS, Ivair Augusto Alves dos. Direitos humanos e as práticas do racismo. Brasília: Edições Câmara, 2015. , a celebração do centenário da abolição que se avizinhava permitiu que o movimento negro utilizasse isso em favor de suas pautas. Segundo Gomes (2012bGOMES, Nilma Lino. Relações étnico-raciais, educação e descolonização dos currículos. Currículo sem Fronteiras, [s.l.], v. 12, n. 1, p. 98-109, jan./abr. 2012b. , p. 102), “os ditos excluídos começam a reagir de forma diferente: lançam mão de estratégias coletivas e individuais”. O movimento negro se organiza e vai à constituinte, como aponta Santos (2015)SANTOS, Ivair Augusto Alves dos. Direitos humanos e as práticas do racismo. Brasília: Edições Câmara, 2015. , com demandas concretas para realização de sua cidadania. Assim, esses movimentos sociais imprimem a pluralidade social sobre o documento que vai reger suas vidas a partir de 1988. O Direito, então, aponta para se observar sujeitos que eram invisibilizados.

Vários movimentos ocorrem no país, no decorrer da década de 1990, ainda sobre o impulso plural da Constituinte de 1987, a favor da identidade, fazendo com que o poder público federal passe a desenvolver iniciativas no âmbito das questões raciais. A Constituição de 1988, no que passou a assegurar regras e princípios que fomentam inclusão social, possibilitou que, à sua esteira, fossem publicados leis e decretos que almejaram afiançar isonomia à comunidade negra. O pluralismo social democrático levou ao paço atores desejosos de inclusão e de igualdade. Uma das alavancas nesse processo, em consonância com Almeida e Souza (2013)ALMEIDA, Viritiana Aparecida de; SOUZA, Nelson Rosário de. Trajetória dos argumentos sobre as ações afirmativas: da Marcha Zumbi dos palmares à conferência de Durban. Sociologias Plurais, [s.l.], v. 1, n. 2, p. 271-290, ago. 2013. , é creditada à Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo, pela Cidadania e a Vida, em 20 de novembro de 1995, que reuniu cerca de dez mil negros e negras, em Brasília, reivindicando programas de ações para a superação do racismo no país. Para os historicamente impotentes, de acordo com Williams (1987)WILLIAMS, Patricia. Alchemical Notes: Reconstructing Ideals from Deconstructed Rights. Harvard Civil Rights – Civil Liberties Law Review, [s.l.], v. 22, n. 2, p. 401-433, 1987. , a concessão de direitos é símbolo dos aspectos de sua humanidade que são negados, tendo em vista que os direitos implicam um respeito que os localiza em uma categoria referencial de alteridade.

A partir dos anos 2000, a causa negra adquire mais força e os debates se intensificam dentro do governo federal. Com a preparação da participação do Brasil na III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU), conforme Almeida e Souza (2013)ALMEIDA, Viritiana Aparecida de; SOUZA, Nelson Rosário de. Trajetória dos argumentos sobre as ações afirmativas: da Marcha Zumbi dos palmares à conferência de Durban. Sociologias Plurais, [s.l.], v. 1, n. 2, p. 271-290, ago. 2013. , em Durban, na África do Sul, em 2001, a temática racial ficou mais evidente na agenda nacional. No processo de preparação para a conferência foram produzidos pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) diagnósticos inéditos da situação da população negra referenciando a magnitude, agora em números oficiais, das desigualdades raciais no Brasil ( JACCOUD, 2002JACCOUD, Luciana de Barros. Desigualdades raciais no Brasil: um balanço da intervenção governamental. Brasília: Ipea, 2002. ; PEREIRA e SILVA, 2012PEREIRA, Márcia Moreira; SILVA, Maurício. Percurso da Lei 10.639/03: antecedentes e desdobramentos. Linguagens & Cidadania, [s.l.], v. 14, p. 1-12, jan./dez. 2012. ).

Esse contexto demanda, segundo Gomes (2012b)GOMES, Nilma Lino. Relações étnico-raciais, educação e descolonização dos currículos. Currículo sem Fronteiras, [s.l.], v. 12, n. 1, p. 98-109, jan./abr. 2012b. , uma renovação do imaginário pedagógico e da relação entre os sujeitos da educação, e uma nova trincheira a ser disputada: os currículos. Diante do cenário e de algumas conquistas resultantes dessas lutas, finalmente, em 2003, é promulgada a Lei n. 10.639. O movimento negro vinha há tempos reivindicando seus direitos no campo da educação. A Lei n. 10.639/2003, que altera a Lei n. 9.394/1996, incluiu, no currículo oficial das escolas, o ensino de história e cultura afro-brasileira. É evidente que as leis por si sós não erradicam essas idealizações das pessoas, porém a Lei n. 10.639/2003 carrega o mérito de mexer com o dinamismo da escola, fazendo com que os agentes da educação repensem suas práticas.

A Lei n. 10.639/2003, alterada pela Lei n. 11.645/2008, que instituiu a obrigatoriedade, nos estabelecimentos de ensinos fundamental e médio, oficiais e particulares, do ensino de história e cultura afro-brasileira, de acordo com Almeida e Sanchez (2017)ALMEIDA, Marco Antonio Bettine de; SANCHEZ, Livia Pizauro. Implementação da Lei 10.639/2003 – competências, habilidades e pesquisas para a transformação social. Pro-Posições, Campinas, v. 28, n. 1, p. 55-80, 2017. , questiona o currículo oficial, já que é por ele que se escolhem as prioridades do que ensinar ou não na escola. Dada a obrigatoriedade de frequência à educação básica no Brasil, o currículo é espaço de construção política de representações oficialmente aceitas.

Segundo a Lei n. 10.639/2003, é obrigatório, no conteúdo programático, “o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil”. Afirma, ainda, essa lei que “os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileira”. Com a lei, a cultura negra deixa então de ser tratada como algo pontual e festivo e passa a ser uma questão de política e direito educacional.

A Lei n. 10.639/2003 surge da necessidade de divulgação e valorização do legado africano presente no país desde o século XVI, a fim de ampliar o ínfimo conhecimento que possuímos dessa cultura e lançar um novo olhar para a história africana e afro-brasileira e a sua participação na formação da sociedade brasileira. A inclusão dessas questões nos conteúdos escolares proporciona uma mudança positiva para a comunidade escolar, possibilita meios de identificação racial ao alunado negro e propicia que os demais alunos aprendam a conviver e respeitar as diversidades raciais ( PEREIRA e SILVA, 2012PEREIRA, Márcia Moreira; SILVA, Maurício. Percurso da Lei 10.639/03: antecedentes e desdobramentos. Linguagens & Cidadania, [s.l.], v. 14, p. 1-12, jan./dez. 2012. ). A riqueza do ambiente escolar no desenvolvimento do respeito às diversidades ressalta, como sustenta Munanga (2005)MUNANGA, Kabengele. Diversidade, identidade, etnicidade e cidadania. Movimento Revista de Educação, Rio de Janeiro, n. 12, set. 2005. , a educação como ferramenta que possibilita o questionamento e a desconstrução das hierarquias identitárias entre os grupos humanos. A Lei n. 10.639/2003, desse modo, serve de sustentáculo para políticas públicas que viabilizem a ruptura com estereótipos e homogeneizações, e permite, como defende Gonzalez (2019)GONZALEZ, Lélia. A democracia racial: uma militância. Entrevista à Revista Seaf. Arte & Ensaios, [s.l.], n. 38, jul. 2019. , que na prática a identidade possa ser construída, reconstruída, desconstruída, em um processo dialético.

A Lei n. 10.639/2003, conforme explica Barros e Albrecht (2019BARROS, Bruno Mello Correa de; ALBRECHT, Rita Mara. A discriminação racial no Brasil e a ascensão do povo negro: um olhar a partir dos princípios constitucionais na luta pela cidadania inclusiva. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 9, n. 1, p. 14-33, 2019. , p. 19), abre “nova porta para a sociedade inteira reavaliar as bases da fundação do Brasil como entidade histórica nos tempos modernos, e reconsiderar as relações étnico-raciais nele travadas”. Para Gusmão (2013)GUSMÃO, Neusa Maria Mendes de. A Lei 10.639/2003 e a formação docente: desafios e conquistas. In: DE JESUS, Regina de Fátima de; ARAÚJO, Mairce da Silva; CUNHA JR., Henrique (org.). Dez anos da Lei n. 10.639/03: memória e perspectivas. Fortaleza: Edições UFC, 2013. , a lei é mais que uma ação no universo escolar, atingindo, na realidade, a dimensão dos direitos humanos e o papel da educação nesse processo. A lei, ainda que tenha sido uma conquista do movimento negro, é um marco para a educação que representa um trabalho a favor de todos os brasileiros e brasileiras.

Nesse contexto e com o objetivo de possibilitar a efetivação da Lei n. 10.639/2003, surge, em 2015, o projeto Abaetê Criolo, um grupo de dança, de estudo e de pesquisa que trabalha com atividades artísticas nas temáticas antirracistas e de respeito à diversidade cultural na EEFM Polivalente Modelo de Fortaleza. O grupo nasceu da necessidade de reunir alunas e alunos que não se identificavam com as práticas esportivas, porém ansiavam por práticas corporais diferenciadas. O projeto, ante a inexistência de política pública específica, tem por escopo, por meio da dança, do estudo e da pesquisa, efetivar a Lei n. 10.639/2003.

2. INTERSECCIONALIDADE DO FEMININO NEGRO

A teoria política feminista tem como ponto de partida a desigualdade de gênero e é considerada uma corrente plural e diversificada. Segundo Miguel e Biroli (2014)MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia. Feminismo e política. São Paulo: Boitempo, 2014. , há o entendimento de que as relações de gênero perpassam a sociedade como um todo, repercutindo não somente junto às mulheres, haja vista que o gênero estrutura as experiências no mundo social. A premissa inicial do movimento feminista foi a busca por cidadania equânime entre mulheres e homens, contudo, isso implicava não só a igualdade perante a lei, mas sobretudo a reivindicação de reais condições para a existência dessa isonomia, bem como o questionamento das hierarquias sociais e do modo como as instituições funcionam.

Para hooks1 1 “bell hooks” é o pseudônimo de Glória Jean Watkin. É grafado em minúsculo por escolha da própria autora. A justificativa é o interesse de Watkin em dar mais atenção ao conteúdo desenvolvido em suas obras do que à sua pessoa. (2000), o feminismo é um movimento que pretende extinguir o sexismo, a exploração e a opressão sexista, visto que as ações e os pensamentos sexistas é que são o problema, disseminados seja por homem, mulher, criança, idoso, etc. Contudo, à medida que o feminismo se desenvolveu, seu enfoque foi direcionado para o esforço de criar justiça de gênero. Crenshaw (2012CRENSHAW, Kimberlé. Cartografiando los márgenes: interseccionalidad, políticas identitarias, y violencia contra las mujeres de color. In: PLATERO, Raquel (Lucas) (org.). Intersecciones: cuerpos y sexualidades en la encrucijada. Barcelona: Bellaterra, 2012. p. 87-122. , p. 89) explica que as experiências das mulheres negras “son frecuentemente el producto de la intersección de los patrones racistas y sexistas, de modo que ni feminismo ni el antirracismo incluyen estas experiencias”. Por isso que, para Gonzalez (1984)GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. In: SILVA, Luiz Antônio Machado et al. Movimentos sociais urbanos, minorias étnicas e outros estudos. Brasília: Anpocs, 1984. , o lugar da mulher negra na sociedade deve ser compreendido não dando prioridade à luta de classes, mas articulando-a com o racismo e o sexismo. Assim, o feminismo negro contribuiu com a compreensão das estratégias de reprodução das desigualdades sociais, pois possibilitou entender que a igualdade de gênero não pode corresponder ao silenciamento das mulheres quanto às desvantagens decorrentes das suas posições de classe e raça.

Nicholson (2000)NICHOLSON, Linda. Interpretando o gênero. Revista Estudos Feministas, [s.l.], v. 8, n. 2, p. 9-41, 2000. entende que algumas análises distorcem as experiências de opressões das mulheres negras, dado que negligenciam os contextos sociais de mulheres negras e brancas e suas experiências com o sexismo. Crenshaw (2012)CRENSHAW, Kimberlé. Cartografiando los márgenes: interseccionalidad, políticas identitarias, y violencia contra las mujeres de color. In: PLATERO, Raquel (Lucas) (org.). Intersecciones: cuerpos y sexualidades en la encrucijada. Barcelona: Bellaterra, 2012. p. 87-122. ressalta a importância das políticas identitárias para mulheres, mas destaca que elas são problemáticas quando ignoram as distinções intragrupais, visto que, em contextos de violência, omissões no trato dessas diferenças não observam “otras dimensiones de sus identidades, como son la raza o la classe” ( CRENSHAW, 2012CRENSHAW, Kimberlé. Cartografiando los márgenes: interseccionalidad, políticas identitarias, y violencia contra las mujeres de color. In: PLATERO, Raquel (Lucas) (org.). Intersecciones: cuerpos y sexualidades en la encrucijada. Barcelona: Bellaterra, 2012. p. 87-122. , p. 88). Inclusive é importante ressaltar que, no sentido de apreensão de consciência crítica, Gonzalez (2011)GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano. Caderno de Formação Política do Círculo Palmarino, n. 1, Batalha de Ideias. Brasil, 2011. compreende que a conscientização da opressão, no caso da população negra, ocorre a princípio pela raça e não pelo gênero. A identidade negra, como explica Gomes (2003)GOMES, Nilma Lino. Educação, identidade negra e formação de professores/as: um olhar sobre o corpo negro e o cabelo crespo. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 29, n. 1, p. 167-182, jan./jun. 2003. , é apenas uma das identidades da mulher negra.

A questão é reconhecer, de acordo com Crenshaw (2004CRENSHAW, Kimberlé. A intersecionalidade na discriminação de raça e gênero. In: VV.AA. Cruzamento: raça e gênero. Brasília: Unifem, 2004. p. 7-16. , p. 8), que “as experiências das mulheres negras não podem ser enquadradas separadamente nas categorias da discriminação racial ou da discriminação de gênero”. É por isso que hooks (2015)HOOKS, Bell. Mulheres negras: moldando a teoria feminista. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 16, p. 193-210, jan./abr. 2015. , por exemplo, chama a atenção para o fato de que o discurso feminista das mulheres brancas, hegemônico atualmente, reflete preconceitos de raça e classe. Daí, de acordo com Miguel e Biroli (2014)MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia. Feminismo e política. São Paulo: Boitempo, 2014. , o feminismo negro denunciar, em certa medida, o racismo existente no movimento feminista e a invisibilidade das condições das mulheres não privilegiadas. Para Ribeiro (2018)RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. , a situação das mulheres negras era totalmente diferente da das brancas, pois, enquanto as brancas litigavam pelo sufrágio ou pelo direito ao trabalho, as negras lutavam para serem consideradas seres humanos. O escopo do feminismo negro, dessa maneira, é desvelar que, em uma sociedade machista e racista, a mulher negra é submetida a opressões que não atingem igualmente as mulheres brancas ou os homens negros.

Já em 1969, Davis afirmava que qualquer debate social precisa pensar o lugar da mulher negra, situando-a como sujeito histórico dentro das categorias gênero e raça. Daí a necessidade do conceito de interseccionalidade, pois, segundo Oliveira e Costa (2020)OLIVEIRA, David; COSTA, Thalita Terto. A experiência do Abaetê Criolo como ação de enfrentamento a desigualdades de gênero e raça: uma análise de discurso sobre interseccionalidade e feminismo negro. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 10, n. 2, p. 212-228, 2020. , é imperioso tanto entender que as opressões produzem padrões de subordinação e de violências físicas e simbólicas que devem ser compreendidas em suas singularidades quanto perceber, segundo Crenshaw (2012)CRENSHAW, Kimberlé. Cartografiando los márgenes: interseccionalidad, políticas identitarias, y violencia contra las mujeres de color. In: PLATERO, Raquel (Lucas) (org.). Intersecciones: cuerpos y sexualidades en la encrucijada. Barcelona: Bellaterra, 2012. p. 87-122. , que as estratégias de intervenção estatal devem responder a essas interseccionalidades. A interseccionalidade busca capturar as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da subordinação, tratando “especificamente da forma pela qual o racismo, o patriarcalismo, a opressão de classe e outros sistemas discriminatórios criam desigualdades básicas que estruturam as posições relativas de mulheres, raças, etnias, classes e outras”, conforme sustenta Crenshaw (2002CRENSHAW, Kimberlé. Documento para o Encontro de Especialistas em Aspectos da Discriminação Racial Relativos ao Gênero. Estudos Feministas, [s.l.], v. 10, n. 1, p. 171-188, jan. 2002. , p. 177). Qualquer política que não observe essas singularidades será de utilidade limitada, de efeitos restritos e potencializará os efeitos de uma “colorblind intersectionality” ( CARBADO, 2019CARBADO, Devon. Colorblind Intersectionality. In: CRENSHAW, Kimberlé et al. (org.). Seeing Race Again: Countering Colorblindness across the Disciplines. Califórnia: University of California Press, 2019. p. 200-223. ), ou seja, invisibilizará essas discriminações de cargas múltiplas.

Feministas negras cunharam o conceito de interseccionalidade, segundo Akotirene (2019)AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. São Paulo: Sueli Carneiro; Polén, 2019. , a partir de experiências e reivindicações que não eram observadas pelo movimento feminista original, tampouco pelo movimento negro antirracista. A garantia de que todas as mulheres sejam beneficiadas, por exemplo, pela ampliação da proteção dos direitos humanos baseados no gênero exige, conforme expõe Crenshaw (2002)CRENSHAW, Kimberlé. Documento para o Encontro de Especialistas em Aspectos da Discriminação Racial Relativos ao Gênero. Estudos Feministas, [s.l.], v. 10, n. 1, p. 171-188, jan. 2002. , que se dê atenção aos distintos modos pelos quais o “gênero intersecta-se com uma gama de outras identidades e ao modo pelo qual essas intersecções contribuem para a vulnerabilidade particular de diferentes grupos de mulheres” ( CRENSHAW, 2002CRENSHAW, Kimberlé. Documento para o Encontro de Especialistas em Aspectos da Discriminação Racial Relativos ao Gênero. Estudos Feministas, [s.l.], v. 10, n. 1, p. 171-188, jan. 2002. , p. 174). A interseccionalidade joga luz sobre os limites do feminismo e do movimento negro ante as demandas das mulheres negras, haja vista que o primeiro reproduz o racismo, e o outro é centrado nas experiências do homem negro.

O conceito de interseccionalidade, como explica Oliveira e Costa (2020OLIVEIRA, David; COSTA, Thalita Terto. A experiência do Abaetê Criolo como ação de enfrentamento a desigualdades de gênero e raça: uma análise de discurso sobre interseccionalidade e feminismo negro. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 10, n. 2, p. 212-228, 2020. , p. 221), “busca dar instrumentalidade teórico-metodológica à indissociabilidade das estruturas do racismo, capitalismo e heteropatriarcado”. A interseccionalidade evidencia que há dimensões, nas condições de subordinação e marginalização sociocultural, que são desveladas quando elementos inicialmente isolados são combinados e vistos de forma simultânea ( MEDEIROS, 2019MEDEIROS, Rogério de Souza. Interseccionalidade e políticas públicas: aproximações conceituais e desafios metodológicos. In: PIRES, Roberto Rocha (org.). Implementando desigualdades: reprodução de desigualdades na implementação de políticas públicas. Rio de Janeiro: Ipea, 2019. p. 79-104. ). Assim, aumenta-se a complexidade da observação ao analisar temas como raça, gênero e classe, o que impede leituras superficiais sobre dominação e subordinação, bem como evita análises em que essas “avenidas identitárias” sejam percebidas apenas como aditivas das formas de opressão. Nos sistemas das relações de poder, são produzidos lugares sociais diferenciados para indivíduos e grupos que estão dentro deles.

Nesse caso, as mulheres negras trazem consigo identidades desempoderadas que as situam em desigualdades sociais distintas das que são experimentadas por pessoas brancas, segundo Collins (2017)COLLINS, Patricia Hill. Se perdeu na tradução? Feminismo negro, interseccionalidade e política emancipatória. Parágrafo, [s.l.], v. 5, n. 1, p. 6-17, jan./jun. 2017. . Para as mulheres negras, existe a peculiaridade de estarem em uma encruzilhada de opressões, de acordo com Oliveira e Costa (2020OLIVEIRA, David; COSTA, Thalita Terto. A experiência do Abaetê Criolo como ação de enfrentamento a desigualdades de gênero e raça: uma análise de discurso sobre interseccionalidade e feminismo negro. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 10, n. 2, p. 212-228, 2020. , p. 222), “pois sofrem racismo como o homem negro e o machismo como a mulher branca”. As mulheres brancas e os homens negros lideram ações de libertação que favorecem seus interesses, contudo, ao mesmo tempo, podem ser opressores ou oprimidos de outros grupos sociais. Isso se observa também quando não se realizam políticas públicas específicas para mulheres negras, pois, de acordo com Crenshaw (2012CRENSHAW, Kimberlé. Cartografiando los márgenes: interseccionalidad, políticas identitarias, y violencia contra las mujeres de color. In: PLATERO, Raquel (Lucas) (org.). Intersecciones: cuerpos y sexualidades en la encrucijada. Barcelona: Bellaterra, 2012. p. 87-122. , p. 98), ao “dividir las energías políticas en dos agendas políticas, agendas que a menudo son opuestas, se produce un desempoderamiento interseccional”, o qual o homem negro e a mulher branca não têm que enfrentar. Daí, explica Berth (2018)BERTH, Joice. O que é empoderamento? Belo Horizonte: Letramento, 2018. que, ante esse estado de coisas, a mulher negra são as sisters outsiders , ou seja, situam-se no “não lugar”.

Entretanto, essa percepção sobre as opressões que acometem a mulher negra não é compreendida por todas as mulheres negras, sobretudo pelas mulheres negras jovens. A falta de acesso às temáticas racistas nos mais distintos espaços sociais faz com que, muitas vezes, jovens negras não identifiquem situações de preconceito. Daí Moreira (2019)MOREIRA, Adilson José. Pensando como um negro: ensaios de hermenêutica jurídica. São Paulo: Contracorrente, 2019. afirmar que a igualdade no mundo atual deve estar preocupada com relações sociais igualitárias, já que a própria sociedade cria mecanismos de marginalização que perpetuam uma situação permanente de subordinação de minorias sociais. O Abaetê Criolo, nesse contexto, apresenta-se como uma ação feminista negra com o propósito de ser um corpo político dentro da escola que reclama a efetivação da Lei n. 10.639/2003 para atuar no fortalecimento da identidade racial da juventude escolar.

3. IDENTIDADE E AUTOAFIRMAÇÃO RACIAL DE JOVENS NEGRAS: CAMINHOS PARA EQUIDADE DE GÊNERO E RAÇA

Segundo Silva (2014)SILVA, Luzia Rodrigues da. A agenciação em foco: tensões e limites das professoras. In: MAGALHÃES, Izabel; CAETANO, Carmem Jená Machado; BESSA, Décio (orgs.). Pesquisas em análise de discurso crítica. Covilhã: UBI, LabCom, Livros LabCom, 2014. p. 55-78. , os discursos são resultado das diferentes experiências e perspectivas de mundo das pessoas, dos seus contextos sociais, das diversas relações constituídas e do lugar em que estão posicionadas. Gomes (2003GOMES, Nilma Lino. Educação, identidade negra e formação de professores/as: um olhar sobre o corpo negro e o cabelo crespo. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 29, n. 1, p. 167-182, jan./jun. 2003. , p. 172) questiona se, no contexto escolar, os educadores refletem sobre “as representações construídas em nossa sociedade sobre o negro, sua estética, sua ascendência africana e as formas como estas se misturam com situações de racismo, discriminação e preconceito racial”. É considerando isso que serão analisados os relatos de duas participantes do grupo Abaetê Criolo, Luiza e Ângela, procurando estabelecer relação com a construção de suas identidades como mulheres negras e a contribuição do grupo no processo de construção de autoidentificação e equidade.

Munanga (2012)MUNANGA, Kabengele. Negritude e identidade negra ou afrodescendente: um racismo ao avesso? Revista da ABPN, Goiânia, v. 4, n. 8, p. 6-14, jul./out. 2012. explica que, para estudarmos identidade negra, devemos entender que esta perpassa, necessária e absolutamente, pela negritude como categoria sócio-histórica e pela posição social dos negros e das negras em um universo racista. Ao ser questionada sobre o que significava ser uma pessoa negra, por exemplo, Luiza, uma das entrevistadas que participou do projeto Abaetê Criolo, afirma:

Pesado... [a pergunta]. Caramba [pausa]. Isso é pesado [...] É... é uma dificuldade, né, porque a gente, a gente sabe muito bem a desigualdade e tal, quando a gente se reconhece como uma pessoa negra, principalmente no Brasil a gente sabe por tudo que a gente vai passar, toda a luta que a gente tem que... assim né, a gente tem que lutar muito mais do que as outras pessoas, a gente tem que fazer muito mais do que as outras pessoas, a gente sabe que... qual a posição que a gente tá, que é lá embaixo. É isso.

Luiza fala “a gente tem que fazer muito mais do que as outras pessoas”. A interlocutora entende que, fazendo parte de uma população que historicamente sofre diversas formas de opressão, será preciso desenvolver mecanismos para superar o confinamento social de subalternidade ao qual, como pessoa negra, é submetida. A entrevistada não usa uma linguagem individualizada, utiliza a expressão “a gente” para exprimir seus pensamentos, assumindo uma identidade coletiva, no caso, a identidade negra.

Por não se tratar de uma categoria natural, mas sim social, a raça pode passar por mudança e negociação. Entretanto, o trecho da fala de Luiza “a gente sabe que... qual a posição que a gente tá, que é lá embaixo” emite a crença de identidades essencializadoras, que implica a existência de identidades estáticas, o que contraria Silva (2000)SILVA, Tomaz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.); HALL, Stuart; WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 73-102. e Munanga (2012)MUNANGA, Kabengele. Negritude e identidade negra ou afrodescendente: um racismo ao avesso? Revista da ABPN, Goiânia, v. 4, n. 8, p. 6-14, jul./out. 2012. , que informam que as identidades não são naturais, não são essências, são criações sociais e culturais, e que, portanto, podem ser transformadas.

Nossa interlocutora vai ao encontro do pensamento de Oliveira (2017)OLIVEIRA, Megg Rayara Gomes de. O diabo em forma de gente: (r)existências de gays afeminados, viados e bichas pretas na educação. 2017. 190 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2017. , que afirma que, apesar de as identidades serem culturais, resultado de sistemas simbólicos e discursivos, e, por isso, poderem passar por mudança e negociação, no Brasil o grupo racial branco permanece ocupando espaço de referência. A branquidade é assumida como natural e raramente é problematizada. Daí surge a concepção que o trecho demonstra sobre a incapacidade de mover--se e a permanência nesse local social.

Essas ideias corroboram as posições de Silva (2000)SILVA, Tomaz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.); HALL, Stuart; WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 73-102. ao expor que a raça é uma categoria aplicada a pessoas não brancas. As pessoas brancas são dispostas como centro, como norma, e dessa forma o poder é tratado como uma extensão da sua brancura. De fato, no Brasil, conforme Guimarães (2003)GUIMARÃES, Antônio. Como trabalhar com “raça” em sociologia. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 29, n. 1, p. 93-107, jan./jun. 2003. explica, as raças foram durante muito tempo uma categoria de posição social. As pessoas escravizadas foram chamadas de africanas e negras, duas identidades criadas na sociedade escravocrata em que a pessoa negra tinha seu espaço, e esse espaço era o de escravidão. A raça foi um dispositivo importante que dava sentido à vida social, pois alocava as pessoas em posições sociais. Na verdade, como demonstra o relato da nossa interlocutora, esse dispositivo continua a designar essas posições.

No seu relato sobre ser uma pessoa negra, Luiza realiza uma pequena pausa em sua resposta e, como que a refletir sobre o que disse, passa a apontar aspectos positivos sobre a negritude:

Ser negro é difícil, no Brasil principalmente, mas também não tem só suas desvantagens porque a gente sabe que é uma cultura maravilhosa e também sabemos que ela foi a que mais fez parte aqui para o crescimento do país, mesmo eles não admitindo, mas também não é só coisa ruim, também tem muitas coisas boas e que a gente não vê... porque não é falado sobre isso também.

Encontramos a utilização da expressão “mesmo eles não admitindo”; o pronome “eles” referencia que Luiza reconhece que existe um antagonismo entre o seu grupo social, população negra, e outro grupo que não admite os feitos realizados por aquele. Verifica-se a referência à diferença, ao outro, ao que eu não sou, portanto “eles”. Isso também vai ao encontro das explanações de Silva (2000)SILVA, Tomaz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.); HALL, Stuart; WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 73-102. quando elucida sobre os vetores de força que existem nas relações de poder que geram divisões entre “nós” e “eles”. Nessa classificação, inevitavelmente, teremos hierarquizações que irão privilegiar a identidade que é tida como norma.

Oliveira (2017)OLIVEIRA, Megg Rayara Gomes de. O diabo em forma de gente: (r)existências de gays afeminados, viados e bichas pretas na educação. 2017. 190 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2017. alude que, após o regime escravista e toda a desumanização sofrida pela população negra que demarcou o lugar do negro na sociedade, a negação do pertencimento racial negro passa a ser um elemento de afirmação social. Romper com a imagem inferior foi e continua sendo uma tarefa política que demanda contestação para criar possibilidades para emancipação do negro. Nesse contexto, definir-se como negro é uma atitude transgressora que põe em xeque a normatividade vigente. Assumir-se negro, no Brasil, é um processo difícil e, por vezes, doloroso, tendo em vista que os padrões estabelecidos e vistos como positivos são o branco. Se nos remetermos ao início do primeiro relato de Luiza quando responde “Pesado”, “Caramba”, percebemos esse processo. As expressões utilizadas manifestam uma sensação de incômodo, de peso, de algo doloroso que está intrínseco e que é difícil de ser externalizado. Esse comportamento reflete uma identidade que já foi submetida a processos dolorosos de relações sociais devido ao seu pertencimento racial. A concretização da equidade desse conjunto da população passa por assumir suas características e valorizá-las.

Sobre o significado pessoal de ser uma pessoa negra, no processo de empoderamento, analisemos a fala de Ângela, a nossa segunda interlocutora que participou do projeto Abaetê Criolo:

Ser uma pessoa negra hoje em dia... é muito bom, eu acho que é o meu diferencial que também está na minha identidade, é o meu diferencial, é o meu... (pausa) Ser uma pessoa negra no Brasil é ser batalhadora, é passar por dificuldades, é ser resistente, porque carrega muita resistência só em ser negro no Brasil, e é assim.

Ângela não coloca em sua fala o incômodo inicial demonstrado por Luiza. Apesar de também citar as dificuldades e as batalhas que precisam ser encaradas, trata o tema com mais leveza, demonstrando, inclusive, orgulho de sua negritude: “[...] é muito bom”, “é o meu diferencial”. O uso do adjetivo “diferencial” revela que Ângela considera que sua identidade se destaca entre outra posicionada como padrão e que essa qualidade, de alguma forma, a torna importante no seu contexto social. Isso denota um movimento para a equidade de gênero e raça, pois, para Berth (2018)BERTH, Joice. O que é empoderamento? Belo Horizonte: Letramento, 2018. , o empoderamento é um instrumento de emancipação política e social em que ocorre um processo de simbiose entre o indivíduo e o coletivo, no qual as minorias sociais são capazes de desenvolver estratégias para romper com a posição de subalternidade, por meio da supressão das estruturas opressoras.

A locução adverbial “hoje em dia” pode estar expressando que esse sentido de importância é um sentimento que não existia antes, mas que está presente atualmente em sua vida, e indica um caminho para a passagem da identidade de resistência para uma identidade projeto. A utilização dos pronomes “mim”, “meu”, “minha” e do processo mental “eu acho que é o meu diferencial”, manifesta, respectivamente, uma representação ativa de si e um sentimento de satisfação por sua “diferença”. Apesar de colocar sua fala em uma dimensão individual, o processo relacional “é” faz uma associação entre “ser uma pessoa negra” e “ser batalhadora”, “passar por dificuldades”, “ser resistente”, o que revela que Ângela se posiciona dentro da coletividade negra que está sujeita a precisar transpor desafios semelhantes. Mesmo apontando e entendendo a situação difícil, sua fala não demonstra peso ou sensação de inadequação, como se encontrasse força na resistência e no orgulho de sua identidade.

A fala de Ângela demonstra que ela sabe das condições históricas e individuais que a atingiam por ser negra, mas com um posicionamento de equidade e amor-próprio. Ao responder à pergunta sobre essa autoidentificação, temos como resposta:

Hoje significa muito mais do que há dois anos atrás, por exemplo, quando eu me olhava no espelho e eu não me via como negra, e eu não gostava do meu nariz, e eu não gostava da minha boca, não gostava, principalmente, do meu cabelo. Hoje em dia eu, depois do projeto [Abaetê Criolo] principalmente, a autodefinição... hoje eu me olho no espelho e eu gosto do que eu vejo, eu me identifico como negra e depois que eu me identifiquei como negra que eu vi mais beleza em mim, eu acho que a autodefinição, a autodescoberta né, foi o ponto principal no que eu sou hoje, foi assim... É libertador, é bom. [...] Depois que eu entrei no Abaetê Criolo, que eu tive experiência com outras meninas que passaram pela mesma coisa que eu passei, e que eu já me autodefinia, que eu já gostava do que eu via, que eu me considerava como negra, eu via que elas precisavam desse apoio, que elas precisavam de um apoio moral, que elas precisavam de uma referência... e estar em contato com quem ainda não se identifica, com quem ainda não se reconhece, ajuda, elas precisam disso, é coletivo, a gente precisa disso, a gente precisa se unir... o que eu quero de bom pra mim eu quero para as outras pessoas, e a partir do momento que eu vi que eu estava melhor, depois que eu me autodefini, senti necessidade também de mostrar isso para as pessoas, de elas também se autodefinirem. [...] Em relação a tudo, acho que socialmente também, quando a gente se reprime, quando a gente é reprimido fica... É totalmente diferente, antes eu não... Acho que eu não tinha nenhum... Poder não, é uma... Como se diz... Na sociedade, eu nunca fazia nada, era como se eu não vivesse, hoje em dia eu estou mais empoderada, eu estou colocando os meus direitos.

Existem alguns pontos que merecem ser destacados: “[...] eu não me via como negra, e eu não gostava do meu nariz, e eu não gostava da minha boca, não gostava, principalmente, do meu cabelo”. O entendimento da simbologia do corpo negro e dos sentidos da manipulação de suas diferentes partes, entre elas o cabelo, de acordo com Gomes (2003GOMES, Nilma Lino. Educação, identidade negra e formação de professores/as: um olhar sobre o corpo negro e o cabelo crespo. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 29, n. 1, p. 167-182, jan./jun. 2003. , p. 174), “pode ser um dos caminhos para a compreensão da identidade negra em nossa sociedade”. Ainda de acordo com a autora, “o cabelo tem sido um dos principais símbolos utilizados nesse processo, pois desde a escravidão tem sido usado como um dos elementos definidores do lugar do sujeito dentro do sistema de classificação racial brasileiro” ( GOMES, 2002GOMES, Nilma Lino. Trajetórias escolares, corpo negro e cabelo crespo: reprodução dos estereótipos ou ressignificação cultural. Revista Brasileira de Educação, [s.l.], n. 21, p. 40-51, set./out./nov./dez. 2002. , p. 43). Segundo Berth (2018)BERTH, Joice. O que é empoderamento? Belo Horizonte: Letramento, 2018. , o cabelo é o primeiro elemento que implica, sobretudo para as mulheres negras, o orgulho necessário para iniciar um processo de empoderamento. Porém, é importante também a aceitação de outros traços fenotípicos do rosto, corpo, além da cor da pele. Isso porque esses traços trazem as informações das origens africanas que também são constantemente alvo de depreciação. Então, quando Ângela, após um processo de “autodescoberta” que envolve ter tido a “experiência com outras meninas que passaram pela mesma coisa”, olha-se e afirma “eu gosto do que eu vejo, eu me identifico como negra”, devemos sim considerar essa reafirmação da beleza uma atitude de resistência. O processo mental “eu não gosto” redirecionado para o “eu gosto” carrega sentimentos que saíram da sensação de repúdio para a valorização de características próprias da população negra.

Gomes (2002GOMES, Nilma Lino. Trajetórias escolares, corpo negro e cabelo crespo: reprodução dos estereótipos ou ressignificação cultural. Revista Brasileira de Educação, [s.l.], n. 21, p. 40-51, set./out./nov./dez. 2002. , p. 42-43) atesta que “o olhar sobre o corpo negro na escola nos leva a considerar como professores/as e alunos/as negros e brancos lidam com dois elementos construídos culturalmente na sociedade brasileira como definidores do pertencimento étnico/racial dos sujeitos: a cor da pele e o cabelo”. Daí ser importante ressaltar a contribuição do projeto Abaetê Criolo no processo de Ângela, pois ela o coloca como um marco que desencadeou essas mudanças de perspectivas, vindo a concluir, a partir de sua experiência no grupo, que, assim como ela teve um apoio, outras meninas também irão precisar desse suporte. Isso remete a hooks (2015)HOOKS, Bell. Mulheres negras: moldando a teoria feminista. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 16, p. 193-210, jan./abr. 2015. , que diz que, em sua vida, não conheceu mulheres negras que não estivessem juntas, ajudando, protegendo e amando-se mutuamente.

A interlocutora apresenta uma agenciação e se coloca como alguém que pode fornecer o apoio para a coletividade. O processo mental “o que eu quero de bom pra mim eu quero para as outras pessoas” sugere marcas de reflexividade que, segundo Silva (2014)SILVA, Luzia Rodrigues da. A agenciação em foco: tensões e limites das professoras. In: MAGALHÃES, Izabel; CAETANO, Carmem Jená Machado; BESSA, Décio (orgs.). Pesquisas em análise de discurso crítica. Covilhã: UBI, LabCom, Livros LabCom, 2014. p. 55-78. , estão relacionadas à capacidade de reflexão sobre suas práticas e seu contexto social, desenvolvendo um reposicionamento, pois a reflexão pode levar à mudança. O desejo de querer o bem para outras pessoas estimula comportamentos de ação no mundo social. O trecho “é coletivo, a gente precisa disso, a gente precisa se unir” traz uma importante marca de construção da identidade projeto ( CASTELLS, 2006CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. Tradução Klauss B. Gerhardt. 5. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2006. ).

Podemos mostrar pela análise das falas tanto de Luiza quanto de Ângela que a estética é uma questão crucial para o percurso de autoidentificação, sobretudo para mulheres negras. Porém, o prosseguimento na formação da identidade negra não se esgota nesse aspecto, podendo vir a iniciar um processo subjetivo de equidade e, por conseguinte, de superação dos estigmas infligidos por uma sociedade racista. Quando Ângela realiza a fala que, para os pesquisadores, é a mais marcante entre todas as sessões das entrevistas, “Na sociedade, eu nunca fazia nada, era como se eu não vivesse, hoje em dia eu estou mais empoderada, eu estou colocando os meus direitos”, manifesta, principalmente pelo processo material “estou colocando”, que aprendeu o sentido de empoderamento, pois passou do nível inicial de se tornar consciente de sua situação de opressão e avançou para “colocar” os seus direitos. Por todo o contexto explicitado, entendemos que a expressão utilizada significa dizer que ela está na luta de, coletivamente, cobrar o que lhe é de direito, de se posicionar no mundo, de estar em uma posição de equidade. “É libertador”.

CONCLUSÃO

A escola é um local que reproduz o racismo que existe na sociedade; entretanto, é, ao mesmo tempo, local privilegiado para ações antirracistas. A Lei n. 10.639/2003 é uma política focal ante as políticas estruturantes do sistema de ensino e apresenta-se como tentativa de garantir uma educação que respeite e valorize a multiplicidade étnica e racial, o que irá refletir na garantia de acesso e permanência da população negra nos espaços escolares e no combate às práticas racistas. Apesar de sabermos que as leis não são capazes por si sós de erradicar das pessoas pensamentos internalizados provenientes dos sistemas sociais que os edificaram, a educação tem o potencial de questionar e desconstruir os mitos sobre superioridade e inferioridade introjetados pela cultura racista em que fomos socializados. A lei faz com que os atores escolares repensem suas práticas.

Nesse cenário, o grupo Abaetê Criolo se configura como uma experiência e um projeto escolar que, no contexto sociocultural da escola em que foi realizado, buscou garantir a efetivação da Lei n. 10.639/2003, que possibilita a construção de equidades de gênero e raça dentro da interseccionalidade de jovens negras. Ao final de quatro anos de ações do grupo, percebemos que conseguimos formar um corpo político que atuou diretamente na formação e no fortalecimento de vários aspectos referentes às lutas negras, principalmente no que se refere à construção da identidade racial das alunas participantes do projeto. Por meio da análise de discurso realizada com as integrantes do grupo, podemos concluir que o Abaetê Criolo participou de um processo que motivou mudanças em suas percepções identitárias e no modus vivendi das interlocutoras.

Nesse contexto, de lutas e de resistências plurais, o grupo Abaetê Criolo irrompe como um local de resistência feminista negra, enfrentando as rejeições do sistema racista, rompendo com o silêncio de vozes abafadas, participando da construção dessa identidade racial e fazendo ecoar a arte negra no espaço escolar periférico. As integrantes, por meio de seus relatos, mostraram que estão buscando redefinir suas posições na sociedade, o que, consequentemente, inicia um processo de transformação social que caracteriza uma identidade projeto e corrobora com Ribeiro (2018)RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. ao afirmar que pensar feminismo negro seria pensar em projetos políticos de emancipação e democráticos. Concluímos que o fortalecimento da identidade e da autoafirmação é uma chave estratégica na construção de equidade em contextos interseccionais. Por tudo isso, entendemos a experiência do Abaetê Criolo como um potente instrumento de luta para fortalecer o feminismo negro e, portanto, as lutas emancipatórias e democráticas.

REFERÊNCIAS

  • AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. São Paulo: Sueli Carneiro; Polén, 2019.
  • ALMEIDA, Marco Antonio Bettine de; SANCHEZ, Livia Pizauro. Implementação da Lei 10.639/2003 – competências, habilidades e pesquisas para a transformação social. Pro-Posições, Campinas, v. 28, n. 1, p. 55-80, 2017.
  • ALMEIDA, Viritiana Aparecida de; SOUZA, Nelson Rosário de. Trajetória dos argumentos sobre as ações afirmativas: da Marcha Zumbi dos palmares à conferência de Durban. Sociologias Plurais, [s.l.], v. 1, n. 2, p. 271-290, ago. 2013.
  • BARROS, Bruno Mello Correa de; ALBRECHT, Rita Mara. A discriminação racial no Brasil e a ascensão do povo negro: um olhar a partir dos princípios constitucionais na luta pela cidadania inclusiva. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 9, n. 1, p. 14-33, 2019.
  • BERTH, Joice. O que é empoderamento? Belo Horizonte: Letramento, 2018.
  • BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 16. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.
  • BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm Acesso em: 5 set. 2019.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm
  • BRASIL. Constituição Politica do Imperio do Brazil (de 25 de março de 1824). Manda observar a Constituição Politica do Imperio, offerecida e jurada por Sua Magestade o Imperador. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm Acesso em: 7 ago. 2020.
    » http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm
  • CANDAU, Vera Maria. Multiculturalismo e educação: desafios para a prática pedagógica. In: CANDAU, Vera Maria; MOREIRA, Antônio Flávio (org.). Multiculturalismo: diferenças culturais e práticas pedagógicas. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2010. p. 13-37.
  • CARBADO, Devon. Colorblind Intersectionality. In: CRENSHAW, Kimberlé et al. (org.). Seeing Race Again: Countering Colorblindness across the Disciplines. Califórnia: University of California Press, 2019. p. 200-223.
  • CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. Tradução Klauss B. Gerhardt. 5. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2006.
  • COLLINS, Patricia Hill. Se perdeu na tradução? Feminismo negro, interseccionalidade e política emancipatória. Parágrafo, [s.l.], v. 5, n. 1, p. 6-17, jan./jun. 2017.
  • CRENSHAW, Kimberlé. Cartografiando los márgenes: interseccionalidad, políticas identitarias, y violencia contra las mujeres de color. In: PLATERO, Raquel (Lucas) (org.). Intersecciones: cuerpos y sexualidades en la encrucijada. Barcelona: Bellaterra, 2012. p. 87-122.
  • CRENSHAW, Kimberlé. A intersecionalidade na discriminação de raça e gênero. In: VV.AA. Cruzamento: raça e gênero. Brasília: Unifem, 2004. p. 7-16.
  • CRENSHAW, Kimberlé. Documento para o Encontro de Especialistas em Aspectos da Discriminação Racial Relativos ao Gênero. Estudos Feministas, [s.l.], v. 10, n. 1, p. 171-188, jan. 2002.
  • CURY, Carlos Roberto Jamil. Direito à educação: direito à igualdade, direito à diferença. Cadernos de Pesquisa, [s.l.], n. 116, p. 245-262, jul. 2002.
  • DAVIS, Angela. Palestras sobre libertação. Transcrição da aula inaugural do curso de filosofia moderna na Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA – EUA) em 1969. Disponível em: http://rapefilosofia.blogspot.com/2015/07/texto-completo-de-angela-davis.html Acesso em: 15 maio 2020.
    » http://rapefilosofia.blogspot.com/2015/07/texto-completo-de-angela-davis.html
  • DOUZINAS, Costas. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2009.
  • FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
  • FREYRE, Gilberto. Casa-grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal. São Paulo: Global, 2006.
  • GOMES, Camilla de Magalhães. Constituição e feminismo entre gênero, raça e direito: das possibilidades de uma hermenêutica constitucional antiessencialista e decolonial. História: Debates e Tendências, [s.l.], v. 18, n. 3, p. 343-365, set./dez. 2018.
  • GOMES, Nilma Lino. Movimento negro e educação: ressignificando e politizando a raça. Educação & Sociedade, Campinas, v. 33, n. 120, p. 727-744, 2012a.
  • GOMES, Nilma Lino. Relações étnico-raciais, educação e descolonização dos currículos. Currículo sem Fronteiras, [s.l.], v. 12, n. 1, p. 98-109, jan./abr. 2012b.
  • GOMES, Nilma Lino. Educação, identidade negra e formação de professores/as: um olhar sobre o corpo negro e o cabelo crespo. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 29, n. 1, p. 167-182, jan./jun. 2003.
  • GOMES, Nilma Lino. Trajetórias escolares, corpo negro e cabelo crespo: reprodução dos estereótipos ou ressignificação cultural. Revista Brasileira de Educação, [s.l.], n. 21, p. 40-51, set./out./nov./dez. 2002.
  • GONZALEZ, Lélia. A democracia racial: uma militância. Entrevista à Revista Seaf. Arte & Ensaios, [s.l.], n. 38, jul. 2019.
  • GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano. Caderno de Formação Política do Círculo Palmarino, n. 1, Batalha de Ideias. Brasil, 2011.
  • GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. In: SILVA, Luiz Antônio Machado et al. Movimentos sociais urbanos, minorias étnicas e outros estudos. Brasília: Anpocs, 1984.
  • GONZALEZ, Lélia; HASEMBALG, Carlos. Lugar de negro. Rio de Janeiro: Marco Zero 1982.
  • GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros Editores, 2018.
  • GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 4. ed. São Paulo: RCS Editora, 2005.
  • GUIMARÃES, Antônio. Como trabalhar com “raça” em sociologia. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 29, n. 1, p. 93-107, jan./jun. 2003.
  • GUSMÃO, Neusa Maria Mendes de. A Lei 10.639/2003 e a formação docente: desafios e conquistas. In: DE JESUS, Regina de Fátima de; ARAÚJO, Mairce da Silva; CUNHA JR., Henrique (org.). Dez anos da Lei n. 10.639/03: memória e perspectivas. Fortaleza: Edições UFC, 2013.
  • HÄBERLE, Peter. Pluralismo y Constitución: estudios de teoría constitucional de la sociedad abierta. Madrid: Tecnos, 2008.
  • HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG, 2003.
  • HENRIQUES, Ricardo. Desigualdade racial no Brasil: evolução das condições de vida na década de 1990. Rio de Janeiro: Ipea, 2001.
  • HOOKS, Bell. Mulheres negras: moldando a teoria feminista. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 16, p. 193-210, jan./abr. 2015.
  • HOOKS, Bell. Feminism is for Everybody: Passionate Politics. Nova York: Routledge, 2000.
  • JACCOUD, Luciana de Barros. Desigualdades raciais no Brasil: um balanço da intervenção governamental. Brasília: Ipea, 2002.
  • LIMA, Ivan Costa. Pedagogia interétnica em Salvador: trajetória, história e identidade negra. In: GOMES, Ana Beatriz Sousa; CUNHA JR., Henrique (org.). Educação e afrodescendência no Brasil. Fortaleza: Edições UFC, 2008.
  • MARTINS, Paulo de Sena. O direito à educação na Carta Cidadã. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 56, n. 221, p. 223-246, jan./mar. 2019.
  • MARTINS, Paulo de Sena. Constituinte, financiamento e direito à educação: a voz dos protagonistas. Educação & Sociedade, Campinas, v. 39, n. 145, p. 823-845, out./dez. 2018.
  • MEDEIROS, Rogério de Souza. Interseccionalidade e políticas públicas: aproximações conceituais e desafios metodológicos. In: PIRES, Roberto Rocha (org.). Implementando desigualdades: reprodução de desigualdades na implementação de políticas públicas. Rio de Janeiro: Ipea, 2019. p. 79-104.
  • MIGUEL, Luis Felipe. Consenso e conflito na democracia contemporânea. São Paulo: Editora Unesp, 2017.
  • MIGUEL, Luis Felipe; BIROLI, Flávia. Feminismo e política. São Paulo: Boitempo, 2014.
  • MOREIRA, Antonio Flávio Barbosa; CÂMARA, Michelle Januário. Reflexões sobre currículo e identidade: implicações para a prática pedagógica. In: CANDAU, Vera Maria; MOREIRA, Antônio Flávio (orgs.). Multiculturalismo: diferenças culturais e práticas pedagógicas. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2010. p. 38-66.
  • MOREIRA, Adilson José. Pensando como um negro: ensaios de hermenêutica jurídica. São Paulo: Contracorrente, 2019.
  • MUNANGA, Kabengele. Negritude e identidade negra ou afrodescendente: um racismo ao avesso? Revista da ABPN, Goiânia, v. 4, n. 8, p. 6-14, jul./out. 2012.
  • MUNANGA, Kabengele. Diversidade, identidade, etnicidade e cidadania. Movimento Revista de Educação, Rio de Janeiro, n. 12, set. 2005.
  • NICHOLSON, Linda. Interpretando o gênero. Revista Estudos Feministas, [s.l.], v. 8, n. 2, p. 9-41, 2000.
  • OLIVEIRA, David; COSTA, Thalita Terto. A experiência do Abaetê Criolo como ação de enfrentamento a desigualdades de gênero e raça: uma análise de discurso sobre interseccionalidade e feminismo negro. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v. 10, n. 2, p. 212-228, 2020.
  • OLIVEIRA, Megg Rayara Gomes de. O diabo em forma de gente: (r)existências de gays afeminados, viados e bichas pretas na educação. 2017. 190 f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2017.
  • PEREIRA, Márcia Moreira; SILVA, Maurício. Percurso da Lei 10.639/03: antecedentes e desdobramentos. Linguagens & Cidadania, [s.l.], v. 14, p. 1-12, jan./dez. 2012.
  • RIBEIRO, Djamila. Quem tem medo do feminismo negro. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.
  • SANTOMÉ, Jurjo Torres. As culturas negadas e silenciadas no currículo. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.). Alienígenas na sala de aula. Petrópolis: Vozes, 1995. p. 159-189.
  • SANTOS, Ivair Augusto Alves dos. Direitos humanos e as práticas do racismo. Brasília: Edições Câmara, 2015.
  • SANTOS, Natália Neris da Silva. A voz e a palavra do movimento negro na Assembleia Nacional Constituinte (1987/1988): um estudo das demandas por direitos. 2015. 205 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Fundação Getulio Vargas, São Paulo, 2015.
  • SILVA, Luzia Rodrigues da. A agenciação em foco: tensões e limites das professoras. In: MAGALHÃES, Izabel; CAETANO, Carmem Jená Machado; BESSA, Décio (orgs.). Pesquisas em análise de discurso crítica. Covilhã: UBI, LabCom, Livros LabCom, 2014. p. 55-78.
  • SILVA, Tomaz Tadeu da. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, Tomaz Tadeu da (org.); HALL, Stuart; WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 73-102.
  • SOARES, José Francisco; ALVES, Maria Teresa Gonzaga. Desigualdades raciais no sistema brasileiro de educação básica. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 29, n. 1, p. 147-165, jan./jun. 2003.
  • SOUZA, Edileuza Penha de. A Lei n. 10.639/03 na escola – caminhos para os tambores de Congo. In: GOMES, Ana Beatriz Sousa; CUNHA JR., Henrique (orgs.). Educação e afrodescendência no Brasil. Fortaleza: Edições UFC, 2008.
  • WILLIAMS, Patricia. Alchemical Notes: Reconstructing Ideals from Deconstructed Rights. Harvard Civil Rights – Civil Liberties Law Review, [s.l.], v. 22, n. 2, p. 401-433, 1987.
  • 1
    “bell hooks” é o pseudônimo de Glória Jean Watkin. É grafado em minúsculo por escolha da própria autora. A justificativa é o interesse de Watkin em dar mais atenção ao conteúdo desenvolvido em suas obras do que à sua pessoa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    17 Set 2020
  • Aceito
    21 Mar 2022
Fundação Getulio Vargas, Escola de Direito de São Paulo Rua Rocha, 233, 11º andar, 01330-000 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799 2172 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revistadireitogv@fgv.br