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Hipóstase e estagnação: uma leitura crítica do Recurso Extraordinário n. 134.509

HYPOSTASIS AND STAGNATION: A CRITICAL REVIEW OF EXTRAORDINARY APPEAL N. 134.509

Resumo

No presente artigo, analisamos o método adotado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) quando do julgamento do Recurso Extraordinário n. 134.509, o qual estabeleceu a não incidência do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) para aeronaves e embarcações, à luz da Teoria Estruturante do Direito (TED). Visando a criticar a decisão, adotamos a metodologia de estudo de caso, mediante análise documental do acórdão do recurso mencionado, com especial ênfase no voto do ministro Francisco Rezek, cujo entendimento foi acompanhado pela maioria. Adotando os pressupostos metodológicos da TED, identificamos que a decisão hipostasia o constituinte, pois acolhe o dogma da vontade do legislador, e desconsidera o contexto linguístico da expressão veículos automotores, o que conduziu o tribunal a desviar-se da questão que lhe foi colocada – a Constituição de 1988 autoriza a incidência de IPVA sobre (aeronaves e) embarcações? –, respondendo a indagação diversa: o constituinte de 1987 desejara autorizar a incidência de IPVA sobre (aeronaves e) embarcações?

Teoria Estruturante do Direito; interpretação constitucional; intenção legislativa; contexto; IPVA

Abstract

In this article, we analyze how the method adopted by STF when ruling on Extraordinary Appeal No. 134,509, which established the inapplicability of vehicle’s tax on aircraft and vessels, in light of the Structuring Theory of Law. In order to criticize the decision, we adopted the case study methodology, by analyzing the decision of the mentioned appeal, with particular emphasis on the opinion of Justice Francisco Rezek, whose position was followed by the majority. Adopting the methodological premises of the Structuring Theory of Law, we point out that the decision hypostasises the constitutional lawmaker, since it accepts the dogma of the legislator’s will, and disregards the linguistic context of the utterance motor vehicles, which led the court to deviate from the question raised – does the Constitution of 1988 authorize the incidence of vehicle’s tax on (aircrafts and) vessels? – to answer a different question: did the constitutional lawmaker of 1987 wish to allow IPVA on (aircrafts and) vessels?

Structuring Theory of Law; constitutional interpretation; legislative intention; context; vehicle’s tax

Ihr Worte, auf, mir nacht!,

und sind wir auch schon weiter,

zu weit gegangen, geht’s noch einmal

weiter, zu keinem Ende geht’s.1 1 “Vocês palavras, levantem-se, sigam-me!, / e quando já tivermos ido mais longe, / longe demais, iremos ainda / mais longe, isso não tem fim” (BACHMANN, 2020, p. 126-127).

Introdução

O objetivo deste artigo é analisar a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário (RE) n. 134.509 – no qual restou definido que o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) não alcança aeronaves e embarcações – à luz da Teoria Estruturante do Direito (TED). Adotando como abordagem o estudo de caso, viabilizado por meio de análise documental, buscamos evidenciar que a decisão está fundamentada em uma teoria da interpretação determinável – o intencionalismo2 2 O intencionalismo pode ser definido como a teoria segundo a qual “[…] a referência à opinião dos legisladores deve desempenhar um papel na interpretação de leis cujos textos deixam indistintas ou controvertidas as questões de significado, propósito ou aplicação” (WALDRON, 2000, p. 495). –, ainda que nem a teoria nem as razões que levaram à sua eleição pelo órgão julgador tenham sido explicitadas no voto que veiculou a tese vencedora. Sob a perspectiva da TED, a ausência de argumentação acerca do acolhimento da tese intencionalista e a própria eleição dessa teoria dentro do universo possível de teorias jurídicas à disposição do intérprete são problemáticas.

O posicionamento vencedor nesse processo derivou, sobretudo, das colocações do ministro Francisco Rezek, segundo as quais seria preciso complementar a interpretação gramatical realizada pelo ministro Marco Aurélio (que divergiu da tese vencedora) com uma investigação histórica do art. 155, III, da Constituição da República. Conquanto, em princípio, a afirmação esteja correta – a utilização dos cânones tradicionais de interpretação (denominados na TED “elementos metodológicos em sentido estrito”) deve-se dar sempre de forma integrada –, a conclusão derivada, isto é, de que a expressão veículos automotores comportaria apenas veículos terrestres, está embasada em duas premissas questionáveis em face da TED, mas igualmente questionáveis em face de uma concepção realista do trabalho legislativo3 3 Denominamos desse modo uma concepção do legislativo capaz de assimilar a sua natureza institucional e pluralista. Encontramos exemplos, além da própria TED, em autores positivistas. É o caso de Waldron (2000, p. 501-502, grifos no original), para quem, “[…] quando falamos de legislação, visamos ao trabalho de um congresso, um parlamento ou uma assembleia estadual, isto é, um corpo que compreende certo número de membros (geralmente centenas) de várias convicções políticas, eleitos como representantes pelo povo do estado ao qual a legislação será aplicada […] os legisladores são um corpo diversificado de pessoas, provenientes de grupos diferentes, em uma sociedade heterogênea e multicultural […], em outras palavras, não são transparentes um para o outro, da maneira como muitas vezes se considera que sejam os membros de uma Gemeinschaft firmemente unida ou uma ‘rede de camaradas’, e que existe muito pouco no que diz respeito a compreensões culturais e sociais compartilhadas entre eles, além da linguagem um tanto rígida e formal com que se dirigem uns aos outros nos debates legislativos”. e mesmo de determinada vertente do intencionalismo. Segundo o voto analisado, (i) em última instância, a expressão veículos automotores abrange significados tão distintos quanto animais de tração, seres humanos e aeronaves, razão pela qual (ii) o intérprete deve buscar na intenção do constituinte a real extensão semântica do dispositivo.

O argumento desenvolvido neste trabalho, por outro lado, parte das seguintes premissas: (i) a linguagem não é arbitrária, de modo que a expressão veículos automotores no contexto constitucional não admite tantos significados quanto os imaginados pelo ministro, pois (ii) o texto normativo está inserido em um contexto que limita o seu alcance, e (iii) o critério gramatical possui primazia diante do critério histórico ou genético, sobretudo nos casos em que a presumida vontade do legislador não seja diretamente perceptível em documentos (textos) históricos relativos ao texto analisado.4 4 Seria o caso, por exemplo, de discussões registradas nos anais da Constituinte em que se tivessem debatido a finalidade do texto projetado e o seu alcance. Argumentamos, então, que o rigor e a transparência do método empregado na decisão devem ser tão mais intensos quanto maior for a concisão do enunciado textual interpretado. É o caso dos dispositivos constitucionais que reenviam a conceitos extrajurídicos, os quais se caracterizam por sua “determinação mínima” (CANOTILHO, 2003CANOTILHO, Joaquim J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003., p. 1220). Exemplos paradigmáticos são os dispositivos que estabelecem o âmbito material de incidência dos impostos na Constituição de 1988 (arts. 153, 155 e 156). Buscamos, ainda, analisar de que modo a resposta dada pelo tribunal à questão que lhe foi colocada equivale a uma interpretação da Constituição conforme a vontade do constituinte, o que desnatura o princípio da legalidade e subestima a inovação semântica promovida pela Constituição de 1988. Ainda no contexto da TED, argumentamos que a utilização do critério histórico no presente caso padece de justificação e contraria as regras de prioridade estabelecidas por essa teoria. Finalmente, admitindo hipoteticamente a possibilidade de se identificar e atribuir uma intenção ao legislador – o que é incompatível com a teoria adotada neste artigo –, argumentaremos que a decisão em referência também pode ser criticada, mesmo sob a perspectiva do intencionalismo. Para tanto, confrontaremos o método empregado no voto com a teoria de Andrei Marmor (2005)MARMOR, Andrei. Interpretation and Legal Theory. Oxford/Portland: Hart, 2005. – um dos proponentes contemporâneos da tese intencionalista –, que, contudo, condiciona severamente o recurso à intenção quando da interpretação da Constituição.

O estudo de caso será operacionalizado com os instrumentos disponibilizados pela TED. A opção por analisar o caso à luz dessa teoria justifica-se, em primeiro lugar, por se tratar de uma abordagem alternativa àquelas dominantes na literatura tributária brasileira. O debate sobre a interpretação no direito tributário parece mover-se entre os polos do positivismo e do antipositivismo. No campo positivista, mesmo autores que admitem algumas das premissas do giro linguístico e dialogam com Wittgenstein acabam por recuperar os termos do debate anterior à virada pragmática, adotando premissas e traçando conceitos que supõem a existência de algo exterior ao texto. É o que se passa, por exemplo, com o conceito de “autonomia semântica”5 5 O autor assim define o conceito: “[…] the ability of symbols – words, phrases, sentences, paragraphs – to carry meaning independent of the communicative goals on particular occasions of the users of those symbols” (SCHAUER, 2002, p. 102). de Frederick Schauer (2002)SCHAUER, Frederick. Playing by the Rules: A Philosophical Examination of Rule-Based Decision-Making in Law and in Life. Oxford: Clarendon Press, 2002., que o autor desenvolve em sua teoria normativa, afirmando a possibilidade de uma norma ser “aplicada” sem que se recorra ao contexto. De outro lado, a recepção do pós-estruturalismo levou à criação de uma corrente antipositivista que enxerga a atividade jurídica – e, portanto, a decisão judicial – como uma atividade puramente ideológica e instrumental. Essa corrente pode ser exemplificada, para tomarmos outro autor norte-americano, pelo trabalho de Duncan Kennedy (1997)KENNEDY, Duncan. A critique of adjudication: fin de siècle. Cambridge: Harvard University Press, 1997.. Entre os extremos do positivismo contemporâneo – com seu apego às categorias herdadas da filosofia da consciência (cf. FRYDMAN, 2005FRYDMAN, Benoît. Le sens des lois: histoire de l’interpretation et de la raison juridique. Bruxelles/Paris: Bruylant/L.G.D.J., 2005., p. 534) e às oposições metafísicas6 6 A alternativa filosófica à metafísica pode ser denominada pensamento pós-moderno, como quer François Lyotard (1979), ou pós-metafísico, terminologia adotada por Jürgen Habermas (1992). (“conhecimento” versus “vontade”; “sujeito” versus “objeto”; “texto” versus “significado”) –, de um lado, e do antipositivismo, que tende ao irracionalismo, de outro, a TED apresenta-se como uma terceira via.

Ao mesmo tempo em que incorpora as premissas do giro pragmático e, portanto, abandona a ideia da “linguagem como um sistema normativo natural dado de antemão” (JOUANJAN, 1996JOUANJAN, Olivier. Présentation du traducteur. In: MÜLLER, Friedrich. Discours de la méthode juridique. Paris: PUF, 1996., p. 21), a TED busca assimilar à sua teoria da decisão as exigências do Estado democrático de direito, na condição de elementos dos jogos de linguagem praticados no sistema jurídico. Desse modo, fazer remissão a princípios como legalidade, Estado democrático de direito, segurança jurídica, entre outros, não significa invocar elementos estranhos e incapazes de resolver o problema da indeterminação da linguagem. Trata-se, na verdade, de uma aglutinação à teoria dos requisitos e condicionantes (textuais) estabelecidos pelo direito constitucional em vigor. É por essa razão que a hermenêutica ou a linguística não se confundem com a teoria da decisão jurídica aqui apresentada. Enquanto as primeiras dispõem de ampla margem especulativa, a última está sujeita a exigências normativas que a condicionam, pois a decisão no direito é um trabalho, ou um ato de linguagem, socialmente controlado (CHRISTENSEN, 2007CHRISTENSEN, Ralph. Teoria estruturante do direito. In: MÜLLER, Friedrich. O novo paradigma do direito: introdução à teoria e metódica estruturantes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007., p. 244; MÜLLER, 1996MÜLLER, Friedrich. Discours de la méthode juridique. Paris: PUF, 1996., p. 219).

Em vez de construir uma metodologia a partir de reflexões epistemológicas, Müller parte dos problemas concretos colocados pelo Estado democrático de direito, de sua práxis (MÜLLER, 1995, p. 543) e da história do constitucionalismo para fundamentar o método mais adequado ao trabalho jurídico (JOUANJAN, 1996JOUANJAN, Olivier. Présentation du traducteur. In: MÜLLER, Friedrich. Discours de la méthode juridique. Paris: PUF, 1996.), afinal, a preocupação mais urgente da TED é com a verificabilidade das decisões judiciais e não com a natureza da linguagem ou com a interpretação de textos em si. A escolha da TED justifica-se também pela sua proximidade com o direito brasileiro. Ao longo dos anos, tem-se desenvolvido expressiva literatura nacional em diálogo com essa teoria,7 7 Ver, a título de exemplo de diálogo crítico, os trabalhos de Lenio Streck (2011) e Marcelo Cattoni de Oliveira (2017). e o próprio Müller tem-se interessado pelo direito brasileiro, aplicando sua teoria à reflexão dos problemas nacionais em mais de uma ocasião.8 8 Vejam-se, por todos, Müller (1995, 2002). Finalmente, trata-se de aproximar a pesquisa em direito tributário da TED, que é raramente empregada nas análises desse subsistema.

Uma vez apresentada a teoria adotada em suas linhas gerais (seção 2) e considerando que o precedente em questão já procedeu à determinação das circunstâncias do caso e das hipóteses textuais aplicáveis, passamos à crítica das premissas e do método empregados no voto do ministro Rezek (seção 3). A crítica será dividida em duas instâncias: uma crítica da hipóstase do constituinte que é colocada em jogo pelo intencionalismo acolhido pelo ministro (seção 3.1) e uma crítica da desconsideração do contexto pragmático do dispositivo no voto em questão (seção 3.2). A partir dessa reconstrução do caso, concluímos que seria juridicamente defensável uma decisão que autorizasse a incidência de IPVA sobre a propriedade de aeronaves e embarcações, ao contrário do que decidiu a Corte. Por outro lado, o recurso à intenção do constituinte, nesse caso, parece de difícil justificação, mesmo diante de uma teoria da interpretação que concede autoridade à intenção dos legisladores.

1. O Recurso Extraordinário n. 134.509

O RE n. 134.509 é o mais relevante precedente do STF acerca da tributação da propriedade de embarcações e aeronaves. Nessa condição, foi adotado como fundamento nos REs n. 255.111 e 379.572. A questão enfrentada pelo tribunal naquele primeiro caso consistia em determinar se a legislação do Estado do Amazonas (especificamente o Decreto estadual n. 10.816/1987), que exigia o recolhimento de IPVA sobre embarcações, era constitucional.

O IPVA é um imposto de competência estadual, previsto no art. 155, III, da Constituição Federal.9 9 “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: [...] III – propriedade de veículos automotores” (BRASIL, 1988). O § 6º do mesmo dispositivo dispõe que as alíquotas mínimas do tributo deverão ser estabelecidas pelo Senado – o que até o momento não foi feito – e prevê a possibilidade de se definir alíquotas diferenciadas em razão do uso ou tipo do veículo. A hipótese de incidência do IPVA encontra-se no enunciado “ser proprietário de veículo automotor”.10 10 Para um aprofundamento, ver Mamede (2002). A expressão ser proprietário, como para qualquer imposto real, não deveria ser objeto de controvérsia relevante:11 11 Sobre o alcance do termo “propriedade” no IPVA, ver Silva (2018, p. 66). proprietário do veículo é aquele que, nos termos da lei civil, pode usar, gozar, dispor e reaver a coisa quando injustamente possuída. Consequentemente, contribuinte do IPVA será apenas aquele que detenha a propriedade do veículo e jamais o eventual titular da posse, como de resto se dá com os tributos reais. A controvérsia reside, então, na definição do que venham a ser veículos automotores no contexto da Constituição de 1988. Nesse sentido, pode-se sumarizar a questão colocada diante do tribunal no RE n. 134.509 da seguinte forma: a Constituição autoriza a incidência de IPVA sobre (aeronaves e) embarcações?

Convém ressaltar que o referido recurso extraordinário fora submetido ao STF diante de recurso apresentado pela Fazenda Pública do Estado do Amazonas em face de acórdão do Tribunal de Justiça daquele estado, no qual se afirmou a não incidência do IPVA sobre embarcações, por duas razões: (i) a imposição implicaria bitributação, uma vez que os proprietários de embarcações estão sujeitos ao pagamento de licença de trânsito de embarcação (taxa federal); e (ii) a expressão veículos automotores teria significado estrito, comportando apenas veículos de tração terrestre destinados ao tráfego em vias públicas. No STF, o processo foi relatado pelo ministro Marco Aurélio, que afastou a afirmação de bitributação, o que também não gera maiores discussões, tendo em vista a evidente e consolidada distinção teórica entre o fato gerador da licença de trânsito (tributo embasado no poder de polícia da União) e o fato gerador do IPVA (tributo não vinculado12 12 Sobre a classificação das espécies tributárias em vinculadas e não vinculadas, ver Giannini (1974) e, entre nós, Ataliba (2013). ). Analisando, contudo, o alcance da expressão veículos automotores, o ministro relator divergiu da decisão do tribunal inferior. Para o ministro Marco Aurélio, a resposta à questão a Constituição autoriza a incidência de IPVA sobre (aeronaves e) embarcações? é afirmativa. Para chegar a essa posição, o relator parte de uma comparação da Emenda Constitucional n. 27/1985, que introduziu no art. 23 da Constituição de 1969 dispositivo agregando à competência tributária dos estados a aptidão para instituir impostos sobre a propriedade de veículos13 13 “Art. 2º. O art. 23 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido dos seguintes dispositivos: ‘Art. 23. [...] III – propriedade de veículos automotores, vedada a cobrança de impostos ou taxas incidentes sobre a utilização de veículos’ [...]” (BRASIL, 1985). com a redação adotada pela Constituição de 1988. Segundo o ministro Marco Aurélio, além de demonstrar que a Constituição em vigor não acolheu a vedação prevista na Constituição de 1969 em relação à cobrança de taxas pela utilização de veículos, a comparação presta-se a esclarecer também que o dispositivo atual não introduz nenhuma restrição no significado de veículos automotores. Assim, “[...] a incidência abrange a propriedade de todo e qualquer veículo, ou seja, que tenha propulsão própria e que sirva ao transporte de pessoas e coisas” (BRASIL, 2002BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 134.509. Distrito Federal Recorrente: Estado do Amazonas. Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão: Ministro Sepúlveda Pertence. Brasília, 2002., p. 369). Compreender de outro modo, segundo o ministro, seria criar limitação onde a Constituição não o fez. Nos termos do voto vencido do relator, “inexistem aspectos a entender-se o alcance do preceito de forma limitada. O imposto nele previsto incide não só sobre a propriedade de veículos automotores terrestres, como também de natureza hídrica ou aérea” (BRASIL, 2002BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 134.509. Distrito Federal Recorrente: Estado do Amazonas. Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão: Ministro Sepúlveda Pertence. Brasília, 2002., p. 370).

O voto do ministro Rezek, apesar de concordar com o relator no que diz respeito à ausência de bitributação, divergiu radicalmente acerca do significado da expressão veículos automotores. Votando pela manutenção do acórdão do Tribunal de Justiça do Amazonas, o ministro dissidente fundamenta sua posição em cinco argumentos: (i) o IPVA sucede a Taxa Rodoviária Única (TRU),14 14 No mesmo sentido, ver Caliendo (2018). que abarcava apenas veículos terrestres; (ii) a maioria dos estados, após a Constituição de 1988, instituiu o IPVA apenas sobre veículos terrestres; (iii) a intenção do constituinte nunca fora alterar a hipótese de incidência da TRU quando da criação do IPVA para abarcar aeronaves e embarcações; (iv) a análise etimológica da expressão veículos automotores leva ao ridículo, pois o seu significado comporta não apenas aeronaves e embarcações, mas também semoventes e pessoas físicas; e, finalmente, (v) concluir pela possibilidade de se tributar aeronaves e embarcações acarretaria significativos problemas práticos: (i) uma vez que o registro desses bens não é de competência dos estados, mas sim da União, e o município do registro é empregado pela Constituição como critério para repartição municipal da receita do IPVA, não se saberia como proceder à distribuição de receitas (“[...] penso em como se afetarão navios e aviões aos municípios...” [BRASIL, 2002BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 134.509. Distrito Federal Recorrente: Estado do Amazonas. Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão: Ministro Sepúlveda Pertence. Brasília, 2002., p. 376]); e (ii) a medida geraria guerra fiscal entre os estados (“Municípios e Estados federados desejosos, de algum modo, de aumentar sua receita mediante a aplicação de tarifas reduzidas e outras coisas mais...” [BRASIL, 2002BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 134.509. Distrito Federal Recorrente: Estado do Amazonas. Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão: Ministro Sepúlveda Pertence. Brasília, 2002., p. 376]). Enfrentaremos aqui apenas os argumentos iii e iv, que constituem o cerne do voto em questão.

Em relação ao argumento iii, segundo o ministro Rezek, o intérprete do art. 155, III, da Constituição em vigor deve levar em consideração o modus operandi das constituintes nacionais, o que implicaria “perguntar-se sempre se o constituinte, caso quisesse que o legatário da velha e conhecida Taxa Rodoviária Única se tornasse um imposto capaz de alcançar aviões e navios, teria se omitido de fazer referência a embarcações e aeronaves” (BRASIL, 2002BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 134.509. Distrito Federal Recorrente: Estado do Amazonas. Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão: Ministro Sepúlveda Pertence. Brasília, 2002., p. 374). Indo além, seria necessário buscar nos anais da Assembleia Constituinte elementos que pudessem comprovar a intenção do constituinte de modificar o escopo do tributo. Na ausência desses elementos, o intérprete deverá concluir que “um imposto singelamente sucede a outro” (BRASIL, 2002BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 134.509. Distrito Federal Recorrente: Estado do Amazonas. Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão: Ministro Sepúlveda Pertence. Brasília, 2002., p. 375, grifo nosso). Não há, contudo, nada de singelo nessa presunção, como argumentaremos adiante. Para além das razões de ordem metodológica que abordaremos, é de se ressaltar que a TRU não consistia em tributo da espécie imposto, mas sim taxa. Logo, a continuidade alegada já é imediatamente uma ruptura, ao menos em relação à espécie tributária. Isso tem relevantes consequências normativas, pois cada espécie possui regulação jurídica própria.

Presume o voto vencedor que haja uma relação de continuidade entre o sistema tributário anterior à Constituição de 1988 e o sistema tributário atual. Essa presunção deverá ser afastada, segundo o voto, apenas quando o intérprete conseguir identificar elementos que pudessem comprovar a intenção do constituinte de modificar aquela parcela específica do antigo Sistema Tributário Nacional. Ora, em uma perspectiva diacrônica, seria mais acertado presumir sempre a ruptura com a ordem constitucional anterior e, apenas em situações excepcionais, nas quais se pudesse demonstrar o intuito expresso de recepcionar o sistema pretérito, desconstituir essa presunção. A Constituição em vigor representa um ponto de ruptura em relação à ordem jurídica anterior, inclusive porque a Assembleia que a projetou é o resultado da retomada da soberania popular após longo e sombrio período autoritário. Há, portanto, uma “descontinuidade material” (BARROSO, 1996BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996., p. 61) entre a ordem jurídica inaugurada em 1988 e aquela que lhe precedeu, o que não pode passar ao largo da interpretação constitucional. Cabe então ao intérprete, pelo contrário, demonstrar, em casos específicos, que há continuidade entre as ordens.

Sobre o argumento iv, é interessante notar o modo como o ministro Rezek formula o problema. Inicialmente afirma que a função do intérprete não é meramente identificar os significados das palavras,15 15 A afirmação está plenamente de acordo com a TED, ainda que o resultado dela derivado pelo ministro Rezek não o esteja. A esse respeito, afirma Müller (1996, p. 329): “L’objectif de toutes les procedures de travail au sein de l’éxecutif et de la justice ne consiste pas dans l’une ou l’autre forme de la ‘compréehension’ ou de la ‘réexécution’ de quelque chose donnée à l’avance, de quelque chose déjà exécutée. Il ne s’agit pas davantage d’une ‘ex-plication’ de quelque chose qui aurait été auparavant ‘in-scrit’ et qui serait, pour cette raison, à présent contenu dedans”. mas também analisar outros elementos pertinentes à interpretação. Entre esses elementos, podemos presumir que o ministro concede extremada importância ao critério histórico/genético, dada a ênfase que este recebe em seu voto: “A que textos sucede aquele que está sendo examinado? Do quê aquele tributo é legatário na marcha histórica da Constituição? O que existe no âmbito dos trabalhos preparatórios do texto constitucional a indicar uma intenção de mudança?” (BRASIL, 2002BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 134.509. Distrito Federal Recorrente: Estado do Amazonas. Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão: Ministro Sepúlveda Pertence. Brasília, 2002., p. 375). Mais do que uma valorização do critério histórico, verificamos no voto analisado o acolhimento da tese intencionalista.16 16 Segundo Marmor (2005, p. 23) – um dos defensores do intencionalismo na atualidade –, “a interpretação é essencialmente uma questão de atribuição de intenções”.

O entendimento do ministro Rezek foi acompanhado pela maioria do tribunal,17 17 Ausente justificadamente o ministro Nelson Jobim. que deliberou não conhecer do recurso por 9 votos (ministros Moreira Alves, Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence,18 18 O voto-vista do ministro Pertence não oferece material relevante para a análise aqui empreendida e, por isso, não será tratado neste trabalho. Celso de Mello, Carlos Velloso, Ilmar Galvão, Maurício Corrêa e Ellen Gracie) a 1 (ministro Marco Aurélio). A despeito de o STF não ter conhecido do recurso, o voto do ministro Rezek nos oferece a oportunidade de enfrentar questões relativas ao método empregado na decisão e, como mencionado, constitui o precedente relevante desse tribunal. Argumentaremos adiante, recorrendo à TED, que o método eleito para interpretar o art. 155, III, da Constituição da República, decorre de uma “interpretação da constituição em conformidade com as leis infraconstitucionais”.19 19 Reputa-se a expressão (“gesetzeskonform Verfassungsinterpretation”) a Leisner (1964), que identificou a sua ocorrência no direito alemão em monografia dedicada a esse fim. A expressão é recuperada por Canotilho (2003, p. 1234), que, assim como nós, apesar de não comungar do conceito de constituição de Leisner, vislumbra “o perigo da interpretação da constituição de acordo com as leis ser uma interpretação inconstitucional, quer porque o sentido das leis passadas ganhou um significado completamente diferente na constituição, quer porque as leis novas podem elas próprias ter introduzido alterações de sentido inconstitucionais. Teríamos, assim, a legalidade da constituição a sobrepor-se à constitucionalidade da lei”. O resultado alcançado pelo tribunal é questionável mesmo à luz de teorias que, ao contrário da TED, admitem que o intérprete busque na intenção do legislador o significado da norma, como demonstraremos adiante.

2. A Teoria Estruturante do Direito em linhas gerais

A TED nasceu com a publicação de Normstruktur und Normativität, de Friedrich Müller, em 1966. Inserida no amplo grupo das teorias jurídicas pós-positivistas (HERBERT, 1995HERBERT, Manfred. Rechtstheorie als Sprachkritik. Baden-Baden: Nomos, 1995., p. 207-208; HOFMANN, 2016HOFMANN, Hasso. The Development of German-Language Legal Philosophy and Legal Theory in the Second Half of the 20th Century. In: PATTARO, Enrico; ROVERSI, Corrado. A Treatise of Legal Philosophy and General Jurisprudence. Netherlands: Springer, 2016., p. 326), é uma refutação do positivismo legalista, doutrina cuja genealogia o autor remete ao construtivismo lógico e ao positivismo (MÜLLER, 1996MÜLLER, Friedrich. Discours de la méthode juridique. Paris: PUF, 1996., p. 99). Não se trata de uma teoria da interpretação – conquanto a TED compreenda uma teoria sobre a interpretação no direito –, mas sim de uma teoria mais abrangente. Esta se divide em quatro eixos: uma dogmática, uma metodologia jurídica (que inclui uma análise da interpretação jurídica), uma teoria da norma jurídica e uma teoria constitucional (JOUANJAN, 1996JOUANJAN, Olivier. Présentation du traducteur. In: MÜLLER, Friedrich. Discours de la méthode juridique. Paris: PUF, 1996., p. 5). Segundo Müller, a TED é uma teoria indutiva, porque parte da observação da prática jurídica para traçar suas conclusões. Pode ser classificada, então, como uma teoria sociológica. Seu objetivo, como escreve Olivier Jouanjan (2007JOUANJAN, Olivier. Nommer/Normer: de quelques aspects du rapport langage/droit du point de vue de la Théorie Structurante du Droit. In: JOUANJAN, Olivier; MÜLLER, Friedrich. Avant dire droit: le texte, la norme et le travail du droit. Québec: Les Presses de l’Université Laval, 2007., p. 58), “não é definir as condições universais a priori de conformidade substancial de uma decisão particular a um texto geral, mas refletir sobre as regras práticas que estruturam, em um Estado de direito contemporâneo, o processo de decisão”. Para alcançar esse objetivo, a TED adota uma observação crítica da prática dos agentes jurídicos (MÜLLER, 2007MÜLLER, Friedrich. Travail de textes, travail de droit: la question linguistique dans la Théorie Structurante du Droit. In: JOUANJAN, Olivier; MÜLLER, Friedrich. Avant dire droit: le texte, la norme et le travail du droit. Québec: Les Presses de l‘Université Laval, 2007., p. 24) para conciliá-la com os princípios estruturantes do Estado democrático de direito. Com isso, a TED afasta-se tanto de uma concepção realista da interpretação quanto de uma concepção idealista (CHRISTENSEN, 2007CHRISTENSEN, Ralph. Teoria estruturante do direito. In: MÜLLER, Friedrich. O novo paradigma do direito: introdução à teoria e metódica estruturantes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007., p. 236). Segundo o autor, a metodologia jurídica tem por função

[...] explicitar a estrutura de concretização da norma no caso particular, estrutura comum, em seu princípio, às diferentes funções de realização do direito (legislação, governo, administração, jurisdição, ciência): ela diz respeito ao trabalho prático dos titulares destas funções, ela desvenda conceitualmente, faz surgir a especificidade, o rendimento e os limites dos elementos de concretização, e determina suas inter-relações e seus assujeitamentos a certos imperativos do direito em vigor. (MÜLLER, 1996MÜLLER, Friedrich. Discours de la méthode juridique. Paris: PUF, 1996., p. 35)

Por essa razão, também poderia ser classificada como uma teoria construtivista, em oposição às teorias procedimentais.20 20 Conhecido exemplo de teoria procedimental encontramos nos trabalhos de Robert Alexy (2015). Não dispomos de espaço para analisar a TED em sua integralidade. Contudo, ao menos em relação à sua metodologia, acreditamos ser importante identificar, ainda que grosseiramente, os procedimentos básicos que a teoria aponta como necessários para concretizar uma norma jurídica. As operações realizadas pelo trabalhador do direito para construir (concretizar) a norma podem ser esquematizadas em quatro etapas.

Na primeira etapa, traçam-se as linhas gerais das “circunstâncias do caso” (Sachverhalt), isto é, os aspectos fáticos pertinentes ao problema enfrentado. Nesse estádio, como esclarece J. J. Canotilho (2003CANOTILHO, Joaquim J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003., p. 1120), o contexto do caso deve ser apresentado em seus termos sociológicos. Como ainda não foi burilado pela linguagem técnica do direito, trata-se da “versão profana” do problema jurídico que se coloca diante do operador do direito (MÜLLER, 1996MÜLLER, Friedrich. Discours de la méthode juridique. Paris: PUF, 1996., p. 346). Aqui, o intérprete, que não pode se desvencilhar de seus pré-conceitos jurídicos, vai iterativamente – “por meio de um vai e vem entre o caso e os textos de norma ao seu alcance” (MÜLLER, 1996MÜLLER, Friedrich. Discours de la méthode juridique. Paris: PUF, 1996., p. 150) – identificar hipóteses normativas aplicáveis, isto é, os textos de norma prima facie alusivos ao caso.

Na sequência, passa-se à interpretação dos “dados linguísticos” (Sprachdaten) relevantes para se obter o programa da norma (Normprogramm). Esse último corresponde à interpretação de todos os signos linguísticos aplicáveis ao caso (MÜLLER, 1996MÜLLER, Friedrich. Discours de la méthode juridique. Paris: PUF, 1996., p. 347) contidos nos dispositivos. Aqui, a interpretação se dá conforme as categorias tradicionais de Savigny, denominadas na literatura cânones: gramatical/filológica, histórica/genética e sistemática (MÜLLER, 1996MÜLLER, Friedrich. Discours de la méthode juridique. Paris: PUF, 1996., p. 353). Como um complemento habitualmente ignorado, nessa etapa o operador do direito deve buscar os métodos desenvolvidos pelos estudos da linguagem, pois é aí que se encontram plenamente firmados os instrumentos adequados à semantização. Os limites do campo da norma serão desenvolvidos, então, a partir dos limites textuais dos dispositivos selecionados pelo operador. A importância do texto, que o operador não pode elidir, é derivada da forma particular do Estado democrático de direito e, mais precisamente, de sua exigência de legalidade, e não de elementos extraídos da teoria do direito. Como veremos, segundo Müller (1996MÜLLER, Friedrich. Discours de la méthode juridique. Paris: PUF, 1996., p. 330), esse regime político obriga a conceder prioridade às funções limitadoras da interpretação que decorrem dos elementos gramatical e sistêmico, porque estes são os elementos mais próximos do texto. Aqui reside a diferença da abordagem proposta pela TED em relação às abordagens positivistas e antipositivistas mais ventiladas. Na TED, o método encontra-se comprometido com princípios constitucionais desde a partida. Por essa razão, a metódica do direito jamais se confundirá com a hermenêutica filosófica (MÜLLER, 1996MÜLLER, Friedrich. Discours de la méthode juridique. Paris: PUF, 1996., p. 40). Também por essa razão, Müller afirma, como visto, que o método no direito responde sempre a exigências constitucionais.

No terceiro estádio, temos a identificação dos dados fáticos e das estruturas sociais concretas aos quais o programa normativo reenvia o aplicador do direito. É nesse momento que se determina o campo da norma (Normbereich): conjunto dos elementos empíricos aos quais a norma se refere. Como esses dados são extraídos da realidade social, devem ser buscados empiricamente (MÜLLER, 1996MÜLLER, Friedrich. Discours de la méthode juridique. Paris: PUF, 1996., p. 371). Tendo em vista a falta de treinamento do operador do direito para tanto, deve-se recorrer aos estudos empreendidos nas demais ciências sociais (MÜLLER, 1996MÜLLER, Friedrich. Discours de la méthode juridique. Paris: PUF, 1996., p. 356), mas a “responsabilidade pela formulação do problema” jurídico (CHRISTENSEN, 2007CHRISTENSEN, Ralph. Teoria estruturante do direito. In: MÜLLER, Friedrich. O novo paradigma do direito: introdução à teoria e metódica estruturantes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007., p. 242) permanece, em qualquer caso, com o operador do direito. Esses elementos empíricos serão sistematicamente posicionados em relação aos elementos do programa normativo anteriormente identificados. Por “sistematicamente”, devemos entender que a sua versão em linguagem jurídica, isto é, a sua filtragem pela lente do operador, dá-se de forma dirigida ou metódica. Assim, o trabalho com o campo normativo é o trabalho de uma “inclusão controlada da realidade social” (CHRISTENSEN, 2007CHRISTENSEN, Ralph. Teoria estruturante do direito. In: MÜLLER, Friedrich. O novo paradigma do direito: introdução à teoria e metódica estruturantes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007., p. 242) na norma que virá a ser.

É apenas após o desenrolar dessas “etapas controláveis” (kontrollierbaren Schritten) (MÜLLER, 1966MÜLLER, Friedrich. Normstruktur und Normativität: Zum Verhältnis von Recht und Wirklichkeit in der juristischen Hermeneutik, entwickelt an Fragen der Verfassungeinterpretation. Berlin: Duncker & Humblot, 1966., p. 87) que se pode falar propriamente na concretização de uma norma. Produto da interação entre programa normativo e campo normativo, a norma é constituída por “uma medida de ordenação linguisticamente formulada (ou captada através de dados linguísticos); [...] e um conjunto de dados reais selecionados pelo programa normativo” (CANOTILHO, 2003CANOTILHO, Joaquim J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003., p. 1221). Finalmente, sendo o caso, procede-se ao derradeiro nível da concretização, qual seja, a individualização da norma para determinar uma resposta adequada a um caso jurídico real (norma de decisão). É nessa última etapa que a norma abstrata torna-se vinculante em relação a um caso específico (CANOTILHO, 2003CANOTILHO, Joaquim J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003., p. 1221).

2.1. A interpretação do direito segundo a TED

Influenciado pela hermenêutica e pela desconstrução,21 21 Para um panorama da desconstrução na teoria da interpretação jurídica, ver Magalhães e Magalhães (2017). além do giro pragmático, a TED recusa os pressupostos que orientam o debate contemporâneo sobre a interpretação jurídica. Pelo menos desde Kelsen, o debate está organizado entre dois polos: o cognitivismo, segundo o qual a interpretação é um ato de conhecimento, e o voluntarismo, que afirma que a interpretação é um ato de vontade. O cognitivismo é criticado porque nenhum texto é capaz de “fornecer a regra fixa e a priori de seu uso futuro nos casos futuros” (MÜLLER, 2007MÜLLER, Friedrich. Travail de textes, travail de droit: la question linguistique dans la Théorie Structurante du Droit. In: JOUANJAN, Olivier; MÜLLER, Friedrich. Avant dire droit: le texte, la norme et le travail du droit. Québec: Les Presses de l‘Université Laval, 2007., p. 29, grifos no original). No paradigma inaugurado pelo giro pragmático (ou argumentativo), o sentido de um texto jamais poderá ser dado previamente à interpretação. Desse modo, o significado não é descoberto no texto, mas construído a partir do texto no curso de um processo de comunicação.22 22 Essa afirmação relaciona-se a uma tese fundamental do giro pragmático que não temos condição de analisar aqui, qual seja, a de que a linguagem é a única via possível de acesso à forma e à estrutura do pensamento. A esse respeito, ver Frydman (2005, p. 533).

Por outro lado, ao recusar a tese cognitivista, a TED não se curva ao voluntarismo; a alternativa à tese cognitivista não é o arbítrio. Em um plano mais geral, porque a própria linguagem não é arbitrária,23 23 Müller fundamenta a afirmação recorrendo a Wittgenstein e Derrida. Para uma visão compreensiva de seu argumento, ver Müller (2007). e no âmbito mais específico do direito, porque este possui uma “racionalidade relativa” (MÜLLER, 2007MÜLLER, Friedrich. Travail de textes, travail de droit: la question linguistique dans la Théorie Structurante du Droit. In: JOUANJAN, Olivier; MÜLLER, Friedrich. Avant dire droit: le texte, la norme et le travail du droit. Québec: Les Presses de l‘Université Laval, 2007., p. 29) que torna a atribuição de sentido à lei (a construção de normas) um procedimento “cientificamente controlável e normativamente controlado (antes de mais nada pelos imperativos da democracia e do Estado de direito)” (MÜLLER, 2007MÜLLER, Friedrich. Travail de textes, travail de droit: la question linguistique dans la Théorie Structurante du Droit. In: JOUANJAN, Olivier; MÜLLER, Friedrich. Avant dire droit: le texte, la norme et le travail du droit. Québec: Les Presses de l‘Université Laval, 2007., p. 29). A impossibilidade de univocidade de conceitos ou, dito de outro modo, a impossibilidade de que haja a cada vez uma decisão correta24 24 A divergência de Dworkin (1978) a esse respeito é bastante conhecida. não autoriza a conclusão de que o intérprete decide sempre a seu talante. Se o texto não é o ponto estável de uma linguagem cujo sentido deve ser encontrado pelo intérprete, tampouco é um dispositivo inerte que permitiria sua completa manipulação, fora das regras dos jogos de linguagem.

Segundo Müller (2007MÜLLER, Friedrich. Travail de textes, travail de droit: la question linguistique dans la Théorie Structurante du Droit. In: JOUANJAN, Olivier; MÜLLER, Friedrich. Avant dire droit: le texte, la norme et le travail du droit. Québec: Les Presses de l‘Université Laval, 2007., p. 24), o texto de norma é um espaço onde se dá o trânsito de interpretações concorrentes formuladas por “homens (oficialmente investidos para este fim) colocados em contextos sociais concretos”. O valor semiótico dos dispositivos legais é complementado pelas normas que determinam o jogo de linguagem que conhecemos pelo nome de sistema jurídico (MÜLLER, 2007MÜLLER, Friedrich. Travail de textes, travail de droit: la question linguistique dans la Théorie Structurante du Droit. In: JOUANJAN, Olivier; MÜLLER, Friedrich. Avant dire droit: le texte, la norme et le travail du droit. Québec: Les Presses de l‘Université Laval, 2007., p. 29). O fato de a linguagem ser um sistema aberto impede o estabelecimento de significados fixos e não permite determinar uma resposta correta. Contudo, a racionalidade do direito exige a definição de critérios para que a decisão seja considerada válida ou adequada. Correta será, então, nesse sentido estrito, a interpretação que mais se aproxime do consenso – que é sempre instável – no contexto estratégico em que se dão as decisões jurídicas. Na TED, os critérios para estabelecimento de decisões “corretas” remetem à legalidade e são recuperados dos denominados “elementos de interpretação”, amplamente empregados nos sistemas jurídicos de tradição continental. Na reapropriação que a TED faz desses critérios, contudo, estes não se encontram todos no mesmo plano. Novamente, a razão para tanto não será buscada em considerações puramente teóricas, mas envolve uma leitura da Constituição e do Estado democrático de direito. Nessa leitura, goza de centralidade o princípio da legalidade, porque esse princípio é fundamental nas constituições que adotam essa forma política. Assim, se o intérprete chega à norma (MÜLLER, 1996MÜLLER, Friedrich. Discours de la méthode juridique. Paris: PUF, 1996., p. 118), ou seja, se ele a constrói de alguma maneira, ele o faz a partir do texto. Essa é a peculiaridade desse sistema político, que exige que o poder seja exercido sempre mediatamente e nunca na forma de força pura (MÜLLER, 1995MÜLLER, Friedrich. Direito, linguagem e violência: elementos de uma teoria constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1995., p. 33; 1996, p. 184). O meio para o exercício do poder é justamente a linguagem. Vislumbra-se, assim, no Estado democrático de direito, uma aspiração à racionalidade que se materializa em sua estrutura textual25 25 “On voit là un nouvel aspect de la conception moderne de structure textuelle. L’État de droit se légitime par un effort de rationalité et celle-ci ne peut se développer que dans l’élément du langage. La légitimité repose au plus profond en ceci: procéder le moins possible par le recours à la pure violence et, le plus possible, par le recours à une violence (Gewalt) médiée par le langage (et donc plus formalisée et communiquée, plus contrôlable)” (MÜLLER, 2007, p. 36). (MÜLLER, 1996MÜLLER, Friedrich. Discours de la méthode juridique. Paris: PUF, 1996., p. 185). Essa aspiração concretiza-se normativamente também na exigência constitucional de que a decisão jurídica e, em última instância, o exercício do poder estatal derivem de um procedimento26 26 Como visto, Müller (1966, p. 87) emprega a expressão “etapas controláveis” (kontrollierbaren Schritten). intersubjetivamente controlável (requisito de transparência) e universalizável (requisito de metodicidade).

Como metodologia, a TED possui vasta aplicação no direito brasileiro, abrindo-se à reflexão em diferentes campos. Para os fins deste trabalho, duas conclusões são especialmente relevantes. A primeira relaciona-se à influência da teoria do discurso contemporâneo na TED, que rompe o paradigma da representação para reconhecer na linguagem uma dimensão ativa e criadora (FAIRCLOUGH, 1995FAIRCLOUGH, Norman. Discourse and Social Change. Cambridge: Polity Press, 1995., p. 63), daí ser uma teoria construtivista. Essa dimensão constitui socialmente práticas e significados (BAKHTIN, 1986BAKHTIN, Mikhail. Speech Genres and Other late Essays. Austin: University of Texas Press, 1986., p. 60), mas também constrange e delimita. Uma vez que os jogos de linguagem se ligam a formas de vida,27 27 “‘So you are saying that human agreement decides what is true and what is false?’– It is what human beings say that is true and false; and they agree in the language they use. That is not agreement in opinions but in form of life” (WITTGENSTEIN, 2009, p. 94e). torna-se problemático fixar significados a priori, e a interpretação abre-se ao contexto comunicativo. Isso implica reconhecer que o significado pretendido pelo redator de um dispositivo não é obtido de forma inteiramente livre e arbitrária. Pelo contrário, como em qualquer texto, um enunciado contido em uma lei (ou na Constituição, como é aqui o caso) possui, além do contexto, um referencial factual que orienta, senão restringe, o espaço disponível para a atribuição de significado. Esse referencial é denominado por Müller campo da norma (Normbereich), conjunto dos elementos empíricos aos quais a norma diz respeito e se refere.

Ainda que a normatividade não seja um predicado dos dispositivos, porque estes são, afinal, “incapazes de aportar uma solução obrigatória a um caso jurídico concreto” (MÜLLER, 1996MÜLLER, Friedrich. Discours de la méthode juridique. Paris: PUF, 1996., p. 186), os textos constituem o “ponto de partida [...] do processo de concretização” (MÜLLER, 1996MÜLLER, Friedrich. Discours de la méthode juridique. Paris: PUF, 1996., p. 186) e estabelecem o limite da interpretação possível. A organização política do Estado democrático de direito, sobretudo o princípio da legalidade,28 28 Como afirma Misabel Derzi (2008, p. 122), pode-se compreender a legalidade como um macroprincípio. impõe uma hierarquia em que é concedida prioridade ao critério gramatical e sistemático em caso de conflito com outros critérios. Quanto mais próximo do texto um critério de interpretação, maior será a sua prioridade em relação aos demais (CHRISTENSEN, 2007CHRISTENSEN, Ralph. Teoria estruturante do direito. In: MÜLLER, Friedrich. O novo paradigma do direito: introdução à teoria e metódica estruturantes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007., p. 243), e os critérios gramatical e sistêmico são justamente os que estão mais próximos do texto.

Os elementos de interpretação são indicadores contextuais (MÜLLER, 1996MÜLLER, Friedrich. Discours de la méthode juridique. Paris: PUF, 1996., p. 322). São “argumentos a favor e contra as possibilidades litigiosas de compreensão do texto de norma” (MÜLLER, 1996MÜLLER, Friedrich. Discours de la méthode juridique. Paris: PUF, 1996., p. 322). Um conflito entre elementos pode se dar quando um deles aponta uma solução para um caso específico e o outro, solução diferente. A hierarquização dos elementos – com base no direito constitucional positivo – visa a solucionar tais situações em consonância com as exigências constitucionais para garantir a legitimidade das decisões jurídicas. Müller sistematiza três possibilidades de conflito: (i) entre elementos não imediatamente relacionados aos textos de normas entre si; (ii) entre elementos não imediatamente relacionados aos textos de normas com elementos diretamente relacionados aos textos de normas; e (iii) entre elementos diretamente relacionados aos textos de normas entre si. Esse último gênero de conflito comporta outros três grupos: (iii.1) argumentos dogmáticos relacionados aos textos de norma contra elementos metodológicos e elementos do campo normativo; (iii.2) elementos do campo normativo contra elementos metodológicos em sentido estrito; e (iii.3) conflitos entre os elementos metodológicos em sentido estrito. Para os fins deste trabalho, apenas o último grupo interessa.29 29 Para uma visão aprofundada dos demais tipos de conflito, ver Müller (1996, p. 320). Em caso de conflito entre os critérios gramatical, sistêmico, histórico e genético (elementos metodológicos em sentido estrito), deve-se conceder prioridade aos dois primeiros, pois estão diretamente atrelados a textos de norma (que são aprovados por uma instância específica no contexto da separação de poderes que vigora no Estado democrático de direito30 30 Schauer (2009, p. 159, nota 25) aponta, a esse propósito, que a tradição britânica do common law vedava a referência judicial a registros dos debates parlamentares, mesmo quando se desejava determinar a intenção legislativa, tendo em vista que apenas o texto do estatuto era considerado cogente. ), ao passo que os últimos relacionam-se a textos que não são textos de norma (documentos históricos, anais legislativos, manifestações públicas sobre o processo legislativo, justificativas de proposições normativas, textos de norma revogados, etc.).

Questão relevante diz respeito à existência de uma racionalidade local específica de determinado subsistema jurídico a orientar uma metódica particular. A possibilidade é reconhecida pela TED.31 31 Sobre o tema, vejam-se as considerações de Müller (1996) acerca dos elementos dogmáticos e teóricos da interpretação. A esse respeito, afirma Derzi (2008DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008., p. 127) – analisando a distinção entre tipos e conceitos no direito brasileiro: “[...] em certos setores jurídicos (como no direito penal, no direito tributário e no direito civil, na parte relativa aos direitos reais) prevalecem os conceitos fechados, enquanto em outros (no direito civil, nas normas relativas a contratos e negócios jurídicos) encontra-se largo espaço aos tipos”. A questão alude à posição da segurança jurídica no subsistema analisado: quanto mais central esse princípio for, maior será o predomínio de conceitos fechados.32 32 A definição de conceitos fechados também se encontra em Derzi (2008). No âmbito da repartição de competências tributárias, a adoção de um pensamento conceitual leva à rigidez da distribuição de hipóteses autorizadoras da tributação na Constituição de 1988.33 33 “Essa rigidez tem como pedra básica a competência privativa, mola mestra do Sistema, o qual repele a bitributação e evita a promiscuidade entre tributos distintos. Conceitos como bitributação, invasão de competência, bis in idem, identidade ou diversidade entre espécies tributárias necessários ao funcionamento harmônico e aplicação das normas constitucionais não se aperfeiçoam por meio das relações comparativas ‘mais ou menos’ ou ‘tanto mais… quanto menos’ inerentes ao pensamento tipológico. Muito mais se ajusta às excludentes ‘ou… ou’ e às características irrenunciáveis e rígidas dos conceitos determinados” (DERZI, 2008, p. 137). O problema aqui é, entretanto, de outra ordem. Admitindo-se a rigidez do Sistema Tributário Nacional, como o fazemos, e reconhecendo que os dispositivos que determinam a hipótese de incidência dos tributos devem ser interpretados como se conceitos fossem, ainda restará a questão de saber se a locução veículos automotores exclui aeronaves e embarcações. Outro seria o caso se a controvérsia dissesse respeito à possibilidade de incluir na hipótese de incidência prevista no art. 155, III, da Constituição da República – por analogia, por exemplo – veículos não automotores (bicicletas, skates, patinetes, etc.). No caso, trata-se justamente de determinar a extensão do conceito fechado de veículos automotores.

3. Crítica do voto do ministro Rezek no Recurso Extraordinário n. 134.509

É possível depreender do voto proferido pelo ministro Rezek no acórdão analisado uma concepção particular do modo como deve se dar o trabalho jurídico, no que diz respeito tanto à academia quanto aos órgãos decisórios. Essa concepção está embasada em um entendimento criticável que aqui denominaremos, com Müller (1966MÜLLER, Friedrich. Normstruktur und Normativität: Zum Verhältnis von Recht und Wirklichkeit in der juristischen Hermeneutik, entwickelt an Fragen der Verfassungeinterpretation. Berlin: Duncker & Humblot, 1966., p. 21), dogma da vontade (Willensdogma), segundo o qual a interpretação deve buscar identificar a vontade seja do legislador, seja da lei.

3.1. A hipóstase do constituinte e o enfraquecimento da normatividade constitucional

Segundo o ministro, “o que se espera do doutrinador, quando escreve sobre direito tributário, não é que nos diga aquilo que pensa sobre o significado das palavras” (BRASIL, 2002BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 134.509. Distrito Federal Recorrente: Estado do Amazonas. Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão: Ministro Sepúlveda Pertence. Brasília, 2002., p. 375). Com efeito, a tarefa da doutrina não é opinar sobre significados. No entanto, o que se espera do julgador quando se coloca diante dele controvérsia sobre a determinação de enunciados jurídicos? A partícula se na expressão “o que se espera” serve como índice de indeterminação de um sujeito que não é outro senão o sujeito constitucional ao qual o juiz se submete no Estado democrático de direito e que constitui a “instância global da atribuição de legitimidade democrática” (MÜLLER, 2003MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. São Paulo: Max Limonad, 2003., p. 60). Nesse contexto, o que se exige do judiciário diante de uma controvérsia sobre um enunciado constitucional não é realmente que nos revele o que significam aquelas palavras, mas que decida, em conformidade com a Constituição, o que aquelas palavras significam diante daquele caso específico.

A controvérsia indica justamente um excesso de significado, o que em última instância aponta para a indeterminação da linguagem. No acórdão aqui analisado, confrontam-se dois significados possíveis para a locução veículos automotores, um que comporta aeronaves e embarcações e outro que as exclui. O problema, portanto, é de abundância, e não de escassez de sentido. No conceito de interpretação que encontramos no voto do ministro Rezek, o que se espera do julgador é que busque a intenção do constituinte e que resgate essa intenção por meio de uma análise histórica. É exatamente esse o método desvelado na afirmação: “[...] tentei saber, mediante pesquisa sobre a realidade objetiva, o que está acontecendo, qual a trajetória histórica da norma, e o que neste momento sucede sob o pálio da regra constitucional” (BRASIL, 2002BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 134.509. Distrito Federal Recorrente: Estado do Amazonas. Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão: Ministro Sepúlveda Pertence. Brasília, 2002., p. 376). A questão acerca do que venha a ser essa realidade objetiva está por responder. Em todo caso, na metodologia implicitamente articulada pelo ministro, a esquematização da trajetória histórica do dispositivo deve conduzir o intérprete da expressão veículos automotores a analisar “os sucessivos textos constitucionais recentes” (BRASIL, 2002BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 134.509. Distrito Federal Recorrente: Estado do Amazonas. Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão: Ministro Sepúlveda Pertence. Brasília, 2002., p. 374), no intuito de identificar se, “em qualquer momento, tenha sido intenção do constituinte brasileiro autorizar aos Estados” (BRASIL, 2002, p. 374) tributar embarcações e aeronaves por meio do IPVA. Tem-se aqui a utilização do critério genético. Essa abordagem se justificaria em face das peculiaridades históricas do processo de elaboração de constituições no Brasil: “Os conhecedores do modo nacional de se produzirem textos constitucionais hão de perguntar-se sempre se o constituinte, caso quisesse que o legatário da velha e conhecida Taxa Rodoviária Única se tornasse um imposto capaz de alcançar aviões e navios, teria se omitido de fazer referência a embarcações e aeronaves” (BRASIL, 2002BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 134.509. Distrito Federal Recorrente: Estado do Amazonas. Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão: Ministro Sepúlveda Pertence. Brasília, 2002., p. 374, grifo nosso).

Aqui se manifesta a figura do legislador demiurgo, agente cuja vontade é um topos pré-linguístico, anterior à formulação do dispositivo e retor desse último – “[...] se o constituinte, caso quisesse [...]” (BRASIL, 2002BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 134.509. Distrito Federal Recorrente: Estado do Amazonas. Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão: Ministro Sepúlveda Pertence. Brasília, 2002., p. 374, grifos nossos). Nesse esquema, o significado da norma torna-se uma função da vontade do legislador que a criou.34 34 Sobre o desenvolvimento histórico da noção de intenção na interpretação do direito, ver Frydman (2005, p. 367-400). O dogma da vontade revela uma fixação da teoria do direito – de bom grado abraçada pelo Judiciário – com a questão de saber quem fala por trás das palavras enunciadas35 35 Pode-se remeter aqui à asserção nietzscheana segundo a qual não há fazedor por trás do feito: “[...] es giebt kein „Sein“ hinter dem Tun, Wirken, Werden; „der Thäter“ ist zum Tun bloss hinzugedichtet, – das Thun ist Alles” (NIETZSCHE, 1887, § 13). no dispositivo jurídico. Consequentemente, a figura do autor é hipostasiada na forma do legislador ou do constituinte, como se algum paralelismo entre o autor singular de um texto e o procedimento legislativo fosse possível. Ao contrário da escrita literária, cuja subjetividade pode acirrar a discussão acerca da possibilidade de um sujeito anterior ao texto, a elaboração de textos de norma no Estado democrático de direito é um “complexo de atos, qualitativa e funcionalmente heterogéneos e autónomos, praticados por sujeitos diversos” (CANOTILHO, 2003CANOTILHO, Joaquim J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003., p. 871). Por essa razão, apenas conjecturalmente se pode admitir a ideia de uma vontade legislativa que é, de todo modo, insondável pelos meios empíricos36 36 No mesmo sentido, Waldron (2000). Para uma visão panorâmica dos argumentos em defesa do intencionalismo, ver Marmor (2005, p. 132-140). (GUASTINI, 2017GUASTINI, Riccardo. Interpretare, costruire, argomentare. In: VELLUZZI, Vito (org.). Filosofia del diritto positivo: lezioni. Turin: G. Giappichelli, 2017., p. 325). É de se notar que a afirmação é comungada mesmo por autores que se afastam da teoria aqui apresentada, a exemplo de Riccardo Guastini (2011GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milano: Giuffrè, 2011., p. 436), que afirma: “[…] é duvidoso que haja sentido em falar em intenção ou vontade em referência (não a indivíduos singulares, mas) a colegiados, uma vez que a intenção é um estado mental individual, e não parece próprio que existam estados mentais ‘colegiados’”. Da mesma maneira, a busca pela vontade (ou intenção) da lei também é problemática, pois depende da afirmação de um significado imanente ao texto, dado de antemão e que possa ser recuperado pelo intérprete (MÜLLER, 1996MÜLLER, Friedrich. Discours de la méthode juridique. Paris: PUF, 1996., p. 329).

Mesmo no âmbito da teoria literária, a atribuição de peso interpretativo a uma subjetividade originária e anterior ao texto é de longa data questionada.37 37 Nesse sentido, ao contrário do que supõe Waldron (2000, p. 536), o intencionalismo seria criticável à luz do giro pragmático, mesmo na hipótese de um texto legislativo produzido por um autor singular. Como pondera Roland Barthes (1984BARTHES, Roland. La mort de l’auteur. In: BARTHES, Roland. Le bruissement de la langue. Paris: Seuil, 1984., p. 61), a escritura (écriture) é neutra, no sentido de não admitir a sua colonização por um sujeito vetor de sentido. Acompanhando o filósofo, diríamos que o constituinte não pode ser compreendido, no Estado democrático de direito, como o antepassado do texto constitucional. Uma teoria da interpretação rigorosa e atualizada não pode assimilar a Constituição a um predicado do constituinte histórico ou, mais precisamente, da Assembleia Constituinte de 1987, cujos 559 membros divididos em treze partidos dificilmente poderiam ser considerados um sujeito homogêneo. Transposta para o universo do direito, a asserção de Barthes torna extremamente óbvia a incompatibilidade entre a doutrina de um significado último (signifié dernier), que teria sido depositado na Constituição por seus redatores, e uma teoria democrática da interpretação compatível com o princípio da soberania popular.38 38 Entre nós textualizado no parágrafo único do art. 1º da Constituição de 1988. Convém recordar com Guastini (2017GUASTINI, Riccardo. Interpretare, costruire, argomentare. In: VELLUZZI, Vito (org.). Filosofia del diritto positivo: lezioni. Turin: G. Giappichelli, 2017., p. 324) que o recurso à intenção do legislador (autorità normativa) implica a anuência com uma teoria imperativista do direito – o que equivale a ignorar, pelo menos, meio século de discussão teórica39 39 Encontramos um questionamento decisivo da teoria do direito como comando na obra de H. L. A. Hart (1994), The Concept of Law, cuja primeira edição data de 1961. – e uma deferência à vontade de um sujeito metafísico (o legislador).

Isso não significa afirmar que o direito dispense ficções fundacionais, sobretudo porque o constitucionalismo está calcado na ideia de que “o povo” é o autor da Constituição, o que possui relevantes implicações hermenêuticas.40 40 A esse respeito, ver Müller (2003). Diferentemente do dogma da vontade, porém, essa atribuição não configura uma hipóstase do autor. Pelo contrário, remetendo ao presente eterno da enunciação (BARTHES, 1984BARTHES, Roland. La mort de l’auteur. In: BARTHES, Roland. Le bruissement de la langue. Paris: Seuil, 1984., p. 64), o povo como dispositivo legitimador torna-se uma subjetividade aberta que modula a ênfase depositada no autor pelo dogma da vontade, deslocando-a para o intérprete.41 41 Sobre a pluralidade de intérpretes da Constituição, ver Peter Häberle (1997). Assim, esse último é inserido em um “âmbito material de responsabilidade e atribuição” (MÜLLER, 2003MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. São Paulo: Max Limonad, 2003., p. 62) perante o povo. No caminho adotado pelo voto do ministro Rezek, porém, o constituinte torna-se furtivamente uma instância superior à Constituição, pois a ele cabe a atribuição derradeira de sentido ao texto constitucional. Competiria ao constituinte (ou à sua intenção) ditar a última palavra acerca da Constituição, por meio da boca do juiz que a parafraseia.

Se retomarmos a questão submetida ao STF – a Constituição autoriza a incidência de IPVA sobre (aeronaves e) embarcações? –, notaremos que o voto do ministro Rezek não a responde diretamente. Afastando-se da análise semântica da locução veículos automotores, o voto dirigiu-se a questão diversa, qual seja se o constituinte (esta figura etérea) desejara tributar a propriedade de aeronaves e embarcações. A resposta negativa a essa segunda questão conduziu reflexamente à conclusão negativa acerca da primeira. Por certo, seguindo a argumentação ali traçada, podemos concluir que pouco importa que a Constituição abrigue literalmente a expressão veículos automotores e pouco importa que a sua semântica seja, como alegado no bojo do processo, compreensiva de outros veículos além daqueles de tração terrestre: se não se puder demonstrar que o constituinte desejou tributar também aqueles, a imposição será inconstitucional, segundo o ministro.

“O que existe no âmbito dos trabalhos preparatórios do texto constitucional a indicar uma intenção de mudança?” (BRASIL, 2002BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 134.509. Distrito Federal Recorrente: Estado do Amazonas. Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão: Ministro Sepúlveda Pertence. Brasília, 2002., p. 375). O questionamento transparece, ademais, uma presunção de estabilidade da ordem jurídica, que é reforçada pela asserção “um imposto singelamente sucede a outro” (BRASIL, 2002BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 134.509. Distrito Federal Recorrente: Estado do Amazonas. Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão: Ministro Sepúlveda Pertence. Brasília, 2002., p. 375). Hermeneuticamente, essa presunção é questionável, como visto, uma vez que a Constituição, ainda que inevitavelmente dê continuidade a determinadas estruturas e instituições recebidas do regime anterior, o que é uma questão factual,42 42 “Normalmente, una nuova costituzione si innesta sopra un ordinamento giuridico (un insieme di leggi, regolamenti, etc.) preesistente. Tuttavia, è ben raro che una nuova costituzione contenga una clausola di abrogazione espresso della legislazione precedente incompatibile” (GUASTINI, 2011, p. 377). Acresça-se a isso a preocupação de um autor intencionalista com o peso do tempo na busca pela intenção do legislador: “[…] the older the law is, the less attractive intentionalism becomes. The reasons for this are obvious: expertise changes over time, due to the accumulation of experience and the available evidence, to progress in various sciences, and the like. Thus the natural conclusion, that the older a law is the more suspicious one has to be of the relevance of the legislators’ intentions” (MARMOR, 2005, p. 138). é normativamente uma ruptura com a ordem jurídica que lhe antecedeu. Nesse sentido, se deve haver qualquer pressuposição, a prudência recomenda que ela seja no sentido da ruptura.43 43 Nesse sentido, o já citado trabalho de Barroso (1996, p. 61). Assim, não se deve buscar elementos que justifiquem, a cada caso, a ruptura da Constituição em vigor com a ordem pretérita. É a recepção de dispositivos passados que deve ser justificada.

Veja-se ainda que, a despeito das diversas questões que adornam o voto do ministro Rezek, perguntas relevantes não foram formuladas: ainda que o constituinte tivesse manifestado literalmente nos anais da Assembleia de 1987 o desejo de que o tributo não alcançasse senão veículos terrestres – o que não é o caso –, qual seria a relevância normativa dessa manifestação? E, ainda, diante da expressão contida no texto constitucional, como atribuir peso normativo a especulações históricas sobre a intenção do órgão colegiado que deliberou acerca da aprovação do texto? A referência à efetiva pesquisa histórica (incluindo obviamente uma abordagem de arquivo e o tratamento adequado das fontes) como condição para o estabelecimento da intenção do legislador é sublinhada por Marmor (2005MARMOR, Andrei. Interpretation and Legal Theory. Oxford/Portland: Hart, 2005., p. 137):

[…] a intenção legislativa não é facilmente acessível e determinável ao público em geral ou até mesmo à maioria dos advogados. A fim de encontrar a intenção legislativa relevante, normalmente é necessária uma grande quantidade de material sobre a história legislativa do diploma jurídico (statute); isto para não mencionar todos os obstáculos à extração da intenção legislativa do material histórico, ainda que este esteja disponível.

Veja-se, a esse respeito, que o voto vencedor não traz nenhuma referência concreta apta a demonstrar que a intenção presumida do constituinte seja realmente aquela apontada no voto. Isso é possível apenas porque o voto vencedor inverte o ônus da argumentação ao afirmar que o que se deve buscar são elementos aptos a identificar a ruptura entre a TRU e o IPVA. Dessa maneira, o silêncio do arquivo ou a ausência de comprovação desse desejo de ruptura nos documentos históricos (anais da Constituinte, por exemplo) autoriza a conclusão proposta no voto. Parece que, assim, a busca por uma intenção legislativa está fadada a confirmar a interpretação desejada pelo intérprete ou, nos termos colocados por Guastini (2011GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milano: Giuffrè, 2011., p. 436, grifos no original), “cada intérprete atribui à autoridade normativa aquela intenção que a ele, ou a ela, parece boa ou razoável”. Christensen (1989CHRISTENSEN, Ralph. Der Richter als Mund des sprechenden Textes: Zur Kritik des gesetzespositivistischen Textmodells. In: MÜLLER, Friedrich (org.). Untersuchungen zur Rechtslinguistik: Interdisziplin zur Rechtslinguistik: und des sprechenden Textes – Zur Kritik des gesetzespositivistischen Textmodells. Berlin: Duncker & Humblot, 1989., p. 56) argumenta no mesmo sentido ao afirmar que, com base no paradigma pragmático, não é possível determinar o significado a partir da intenção, mas apenas a intenção a partir do significado.44 44 “Daher kann man nicht von einer vorausdrücklichen Intention auf die Bedeutung des Textes schießen, sondern nur umgekehrt von der Bedeutung eines Textes auf die Intention.”

A consequência da decisão é, então, dupla: (i) restringe a competência tributária dos estados e, ao mesmo tempo, (ii) submete os estados – entes federativos concretos, no sentido fenomênico – ao constituinte – simulacro que corresponde à transposição do ideal metafísico do “falante soberano” (BUTLER, 1997BUTLER, Judith. Excitable Speech: A Politics of the Performative. New York: Routledge, 1997., p. 93) para o campo do direito. Os impactos políticos dessa decisão são claros no que diz respeito ao cerceamento do poder de tributar dos estados. São mais discretos, porém não menos relevantes, os aspectos relativos ao enfraquecimento da normatividade da Constituição, que – submetida à vontade dos mortos45 45 É conhecida a asserção de Thomas Jefferson (1958, p. 398): “The earth belongs always to the living generation”. – se vê imobilizada pelo expediente de lançar o critério histórico contra o critério gramatical, solução inadequada à luz da TED.

3.2. A relevância da pragmática no estudo do programa normativo

Todo texto de norma possui uma dimensão pragmática46 46 “Da sottolineare è che il rapporto fra interpretazione e applicazione non è una congiunzione occasionale ma è un nesso di inscindibilità: che nel diritto non vi sia applicazione senza interpretazione, può apparire chiaro, fino alla banalità; meno chiaro, ma altrettanto vero, è però anche l’inverso: che non c’è interpretazione senza applicazione a una fattispecie reale (come nell’interpretazione dei giudici) o potenziale (come nell’interpretazione della dottrina giuridica). L’essenza del diritto è in questo nesso, nel quale si manifesta il suo valore pratico” (ZAGREBELSKY; MARCENÒ, 2018, p. 83). (CANOTILHO, 2003CANOTILHO, Joaquim J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003., p. 1219). Essa dimensão, que não pode ser ignorada quando da concretização das normas, atribui peso aos processos de comunicação por meio dos quais se elaboram os enunciados normativos. A dimensão pragmática tanto do próprio direito – que visa a regular comportamentos e a restaurar o estado de coisas injustamente perturbado – quanto da linguagem obriga o intérprete a considerar os usos das expressões que apontam para o modo como os falantes relacionam-se com o mundo fenomênico. Esse modo será, afinal, a forma como o direito se relacionará com a realidade, o que compõe, no esquema metódico da TED, o campo da norma. Como o juiz não pode se colocar em um ponto arquimédico no que tange à linguagem, é preciso que a sua pré-compreensão seja evidenciada na decisão para que se sujeite ao controle social.

Duas consequências daí decorrem: (i) reconhecem-se os limites da cadeia de significados de um enunciado conforme o contexto comunicativo; e (ii) verifica-se, mais uma vez, a incompatibilidade da concretização do direito, segundo a teoria aqui adotada, com o dogma da vontade ou a busca por intenções. Isso porque, na acepção objetiva de vontade da norma ou na acepção subjetiva de vontade do legislador, o dogma da vontade vincula-se à ideia de que o texto é um recipiente de conteúdo (o significado). Esquematicamente, é essa mesma visão que se depreende do voto analisado: cabe ao intérprete identificar o conteúdo posto na expressão veículos automotores por um legislador fantasmático.47 47 Como mencionado anteriormente, o dogma da vontade relaciona-se à concepção imperativista do direito, o que também permite traçar a hipótese de que esse legislador, cuja função é atribuir o sentido último, é uma projeção (fantasia) do soberano absoluto na teoria do direito. É esse conteúdo, que é anterior à interpretação e independente do contexto, que deverá ser retirado dos tonéis que são as palavras, a cada vez, pelo intérprete.

Esse procedimento culmina na estagnação constitucional, uma vez que se bloqueia a possibilidade de atualização de seu texto, remetendo a uma força limitadora do critério histórico que não parece encontrar similar senão no originalismo norte-americano.48 48 Para uma história do originalismo, ver Johnathan O’Neill (2005). A confiança na existência de um autor soberano atrás da cadeia de significados é representativa da ignorância acerca do modo agonístico por meio do qual se estabelece o significado das proposições jurídicas. A semântica é um campo de batalha, e a opção por um significado supostamente validado pelo passado não liberta o juiz da sua responsabilidade no presente. Contrariamente, o que identificamos no voto em análise é uma inclinação “jurídico-teológica” que compreende a palavra do legislador como a palavra de Deus. Nesse quadro ideológico, a exegese deve buscar resgatar com deferência a “intenção do constituinte brasileiro” (BRASIL, 2002, p. 374). A atribuição de sentido parece converter-se, assim, em uma busca pela verdade que só pode ser compreendida no esquema de inteligibilidade da palavra mágico-religiosa de que nos fala Marcel Detienne (1988DETIENNE, Marcel. Os mestres da verdade na Grécia arcaica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988., p. 36).

Diametralmente, a TED aponta para o fato de que, por trás da Constituição, não há um autor (o constituinte), mas um procedimento (aquele adotado na Assembleia Constituinte).49 49 “Hinter dem Gesetz liegt als nichts als das gesamte parlamentarische Verfahren selbst” (LAUDENKLOS, 1997, p. 151). Ainda que se pudesse atribuir o texto constitucional a uma subjetividade singular – imaginemos uma constituição de gabinete, redigida por um eminente especialista –, o seu autor não teria condições de participar da luta pela atribuição de significado, pois, como apontam Gustavo Zagrebelsky e Valeria Marcenò (2018, p. 107), a disputa pela (da) interpretação se dá em um espaço inteiramente diferente. Nessa perspectiva, a busca por um significado originário equivale a recusar a “distância cultural” que há entre o intérprete e essa origem idealizada (ZAGREBELSKY, 2016ZAGREBELSKY, Gustavo. Le note tra le leggi. In: BRUNELLO, Mario; ZAGREBELSKY, Gustavo (org.). Interpretare: dialogo tra un musicista e un giurista. Bologna: Il Mulino, 2016., p. 37).

Por outro lado, realmente a interpretação de um enunciado é um jogo aberto que tende ao infinito. A esse respeito, o voto destaca corretamente acepções inadmissíveis no contexto linguístico do direito, mas o faz com a pretensão de convencer o interlocutor de que a análise semântica da expressão veículos automotores conduziria a resultados ridículos e, portanto, normativamente incorretos: “Dos animais mais lentos, na espécie dos moluscos, aos mais velozes; dos mais robustos, como a formiga que carrega vinte e cinco vezes o seu próprio peso, aos mais frágeis, todos nos incluiríamos no conceito de veículo automotor se ele devesse ser compreendido semanticamente. Já se viu que não é isso” (BRASIL, 2002BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 134.509. Distrito Federal Recorrente: Estado do Amazonas. Relator: Ministro Marco Aurélio. Relator para o acórdão: Ministro Sepúlveda Pertence. Brasília, 2002., p. 374).

Para além do tom pitoresco que agrega ao voto, o que possui alguma relevância estilística, o argumento é questionável na perspectiva da semântica prática. Dificilmente se poderia identificar, quer na linguagem comum, quer nos usos especializados do direito, o emprego da locução veículos automotores para denotar pessoas ou animais. Já nos primeiros anos de sua formação, um estudante de direito familiariza-se com os termos pessoa física ou natural e semoventes, termos técnicos no discurso jurídico e que não se associam de modo algum à expressão veículos automotores, ainda que em uma interpretação bastante elastecida (e que causaria estranheza ao falante leigo) se possa admitir que, em derradeira instância, pessoas e animais sejam veículos (dado que se movem) automotores (dado que não dependem de uma força externa para se deslocar). Esse significado é, contudo, alheio ao uso dessas expressões no contexto tanto jurídico como ordinário, e essa dissonância, que só pode ser identificada por meio de uma consideração da dimensão pragmática do texto de norma, faz com que a reductio ad absurdum empregada no voto do ministro Rezek se transmute em apelo ao ridículo. Nesse caso, a transformação de um expediente argumentativo válido – atrelado ao princípio da não contradição – em falácia é decorrência da desconsideração deliberada da dimensão pragmática da expressão veículos automotores. Na perspectiva da TED, a decisão analisada contém um exemplo de conflito entre critérios ou elementos metodológicos em sentido estrito. A ênfase no critério gramatical aponta para a solução proposta pelo ministro Marco Aurélio. Ao mesmo tempo, a ênfase no critério histórico ou genético permite concluir como o voto do ministro Rezek. Só é possível solucionar a controvérsia concedendo prioridade a um dos critérios. A solução proposta por Rezek contraria aquela que pode ser construída a partir da TED.

Entre o critério histórico e o gramatical, a TED orienta a prevalência do último, porque este se encontra mais próximo do texto de norma (MÜLLER, 1989MÜLLER, Friedrich. Fallanalysen zur juristischen Methodik. 2. ed. Berlin: Duncker & Humblot, 1989., p. 20). Ao confrontar a suposta intenção do constituinte com a literalidade do texto constitucional, o voto vencedor no RE n. 134.509 decide contra o texto de norma com base em textos que não são textos de norma. A incoerência desse procedimento, mais uma vez, segundo a TED, não pode ser denunciada recorrendo-se apenas a “concepções filosóficas […] de conceitos das ciências do espírito ou da teoria do direito” (MÜLLER, 1996MÜLLER, Friedrich. Discours de la méthode juridique. Paris: PUF, 1996., p. 335), mas remete ao direito constitucional positivo. No caso da Constituição de 1988, o princípio da legalidade vincula-se à forma textual da própria Constituição (que é analítica e rígida), o que aponta para a prevalência da solução indicada pelo critério mais próximo do texto.

Naturalmente, outras teorias poderiam justificar a prevalência do critério histórico nessas situações. Recai sobre essas teorias o ônus de demonstrar, para além de sua solidez científica, a sua adequação ao direito constitucional positivo brasileiro. Isso porque a questão não é estabelecer uma metodologia capaz de fornecer procedimentos a priori absolutamente seguros para a decisão jurídica – “[…] o que exagera a extensão da racionalidade possível em nome de um rigor cego aos elementos de avaliação e perde, ao mesmo tempo, a racionalidade realmente possível” (MÜLLER, 1996MÜLLER, Friedrich. Discours de la méthode juridique. Paris: PUF, 1996., p. 337) –, mas, sim, de fornecer proposições “o mais racionais possíveis e capazes de sustentar o trabalho jurídico”, como argumenta Müller (1996MÜLLER, Friedrich. Discours de la méthode juridique. Paris: PUF, 1996., p. 336), no contexto das regras que condicionam a racionalidade do direito. Nesse sentido, a solução proposta pela TED enfrenta a questão argumentando acerca da força normativa da legalidade em constituições super-rígidas, como a brasileira. À luz da TED, o método histórico deve ser utilizado para determinar o significado de enunciados normativos em conjunto com o método gramatical e nunca contra este. É por essa razão que a ausência de uma declaração de vontade por parte dos membros da Assembleia Constituinte ou as peculiaridades do modo nacional de se elaborar constituições não podem servir de esteio à interpretação contra a literalidade do texto constitucional.

Considerações finais

No direito, os problemas metodológicos são problemas constitucionais, pois o método equivocado pode conduzir a uma decisão inconstitucional. Daí a relevância da teoria do direito, seja como polícia crítica das decisões tomadas pelos tribunais, seja como meio para atualização científica desses mesmos tribunais. No acórdão aqui analisado, a adoção de um método hermenêutico rudimentar levou a uma decisão pouco justificável. Como buscamos evidenciar no presente artigo, no voto do ministro Rezek no RE n. 134.509, a pergunta dirigida ao STF – a Constituição de 1988 autoriza a incidência de IPVA sobre (aeronaves e) embarcações? – foi elidida por outra questão – a Assembleia Constituinte de 1987 desejara autorizar a incidência de IPVA sobre (aeronaves e) embarcações? Esse erro de paralaxe judicial foi provocado pela hipóstase do constituinte, levada a cabo pelo dogma da vontade do legislador e pela desconsideração do contexto em que se insere e da atualidade normativa da Constituição, ponto de ruptura com o ordenamento jurídico anterior e com seus conceitos. Uma leitura rigorosa do caso, à luz da TED, por outro lado, revelaria a atual extensão semântica da locução veículos automotores, o que não foi feito pelo STF, que, no voto analisado, admitiu o emprego do critério histórico como expediente para restringir o alcance do critério gramatical da interpretação, resultado que amesquinha o princípio da legalidade.

agradecimentos

O autor agradece ao professor Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira (UFMG), pelo esclarecedor debate acerca da Teoria Estruturante do Direito, e aos pareceristas anônimos da Revista Direito GV, pelos comentários e sugestões que resultaram na versão final deste texto. Eventuais erros e omissões são de responsabilidade do autor.

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  • 1
    “Vocês palavras, levantem-se, sigam-me!, / e quando já tivermos ido mais longe, / longe demais, iremos ainda / mais longe, isso não tem fim” (BACHMANN, 2020BACHMANN, Ingeborg. O tempo adiado e outros poemas. Tradução Claudia Cavalcanti. São Paulo: Todavia, 2020., p. 126-127).
  • 2
    O intencionalismo pode ser definido como a teoria segundo a qual “[…] a referência à opinião dos legisladores deve desempenhar um papel na interpretação de leis cujos textos deixam indistintas ou controvertidas as questões de significado, propósito ou aplicação” (WALDRON, 2000WALDRON, Jeremy. As intenções dos legisladores e a legislação não intencional. In: MARMOR, Andrei (org.). Direito e interpretação: ensaios de filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000., p. 495).
  • 3
    Denominamos desse modo uma concepção do legislativo capaz de assimilar a sua natureza institucional e pluralista. Encontramos exemplos, além da própria TED, em autores positivistas. É o caso de Waldron (2000WALDRON, Jeremy. As intenções dos legisladores e a legislação não intencional. In: MARMOR, Andrei (org.). Direito e interpretação: ensaios de filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000., p. 501-502, grifos no original), para quem, “[…] quando falamos de legislação, visamos ao trabalho de um congresso, um parlamento ou uma assembleia estadual, isto é, um corpo que compreende certo número de membros (geralmente centenas) de várias convicções políticas, eleitos como representantes pelo povo do estado ao qual a legislação será aplicada […] os legisladores são um corpo diversificado de pessoas, provenientes de grupos diferentes, em uma sociedade heterogênea e multicultural […], em outras palavras, não são transparentes um para o outro, da maneira como muitas vezes se considera que sejam os membros de uma Gemeinschaft firmemente unida ou uma ‘rede de camaradas’, e que existe muito pouco no que diz respeito a compreensões culturais e sociais compartilhadas entre eles, além da linguagem um tanto rígida e formal com que se dirigem uns aos outros nos debates legislativos”.
  • 4
    Seria o caso, por exemplo, de discussões registradas nos anais da Constituinte em que se tivessem debatido a finalidade do texto projetado e o seu alcance.
  • 5
    O autor assim define o conceito: “[…] the ability of symbols – words, phrases, sentences, paragraphs – to carry meaning independent of the communicative goals on particular occasions of the users of those symbols” (SCHAUER, 2002SCHAUER, Frederick. Playing by the Rules: A Philosophical Examination of Rule-Based Decision-Making in Law and in Life. Oxford: Clarendon Press, 2002., p. 102).
  • 6
    A alternativa filosófica à metafísica pode ser denominada pensamento pós-moderno, como quer François Lyotard (1979)LYOTARD, Jean-François. La condition postmoderne: rapport sur le savoir. Paris: Éditions de Minuit, 1979., ou pós-metafísico, terminologia adotada por Jürgen Habermas (1992)HABERMAS, Jürgen. Postmetaphysical Thinking: Philosophical Essays. Cambridge: MIT Press, 1992..
  • 7
    Ver, a título de exemplo de diálogo crítico, os trabalhos de Lenio Streck (2011)STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. São Paulo: Saraiva, 2011. e Marcelo Cattoni de Oliveira (2017)CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade. Contribuições para uma teoria crítica da Constituição. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2017..
  • 8
    Vejam-se, por todos, Müller (1995MÜLLER, Friedrich. Direito, linguagem e violência: elementos de uma teoria constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1995., 2002MÜLLER, Friedrich. Legitimidade como conflito concreto do direito positivo. Uma comparação atual entre as constituições alemã e brasileira. Revista da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul, v. 25, n. 56, 2002.).
  • 9
    “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: [...] III – propriedade de veículos automotores” (BRASIL, 1988BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da República, [1988]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 14 set. 2021.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
    ).
  • 10
    Para um aprofundamento, ver Mamede (2002)MAMEDE, Gladston. IPVA: Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002..
  • 11
    Sobre o alcance do termo “propriedade” no IPVA, ver Silva (2018SILVA, Paulo Roberto Coimbra. IPVA: Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores. 2. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2018., p. 66).
  • 12
    Sobre a classificação das espécies tributárias em vinculadas e não vinculadas, ver Giannini (1974)GIANNINI, Achille D. Istituzioni di diritto tributario. Milano: Giuffrè, 1974. e, entre nós, Ataliba (2013)ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. São Paulo: Malheiros, 2013..
  • 13
    “Art. 2º. O art. 23 da Constituição Federal passa a vigorar acrescido dos seguintes dispositivos: ‘Art. 23. [...] III – propriedade de veículos automotores, vedada a cobrança de impostos ou taxas incidentes sobre a utilização de veículos’ [...]” (BRASIL, 1985BRASIL. Emenda Constitucional n. 27, de 28 de novembro de 1985. Brasília: Presidência da República, [1985]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc_anterior1988/emc27-85.htm. Acesso em: 14 set. 2021.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/con...
    ).
  • 14
    No mesmo sentido, ver Caliendo (2018)CALIENDO, Paulo. Comentário ao artigo 155, III. In: CANOTILHO, Joaquim J. Gomes et al. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2018..
  • 15
    A afirmação está plenamente de acordo com a TED, ainda que o resultado dela derivado pelo ministro Rezek não o esteja. A esse respeito, afirma Müller (1996MÜLLER, Friedrich. Discours de la méthode juridique. Paris: PUF, 1996., p. 329): “L’objectif de toutes les procedures de travail au sein de l’éxecutif et de la justice ne consiste pas dans l’une ou l’autre forme de la ‘compréehension’ ou de la ‘réexécution’ de quelque chose donnée à l’avance, de quelque chose déjà exécutée. Il ne s’agit pas davantage d’une ‘ex-plication’ de quelque chose qui aurait été auparavant ‘in-scrit’ et qui serait, pour cette raison, à présent contenu dedans”.
  • 16
    Segundo Marmor (2005MARMOR, Andrei. Interpretation and Legal Theory. Oxford/Portland: Hart, 2005., p. 23) – um dos defensores do intencionalismo na atualidade –, “a interpretação é essencialmente uma questão de atribuição de intenções”.
  • 17
    Ausente justificadamente o ministro Nelson Jobim.
  • 18
    O voto-vista do ministro Pertence não oferece material relevante para a análise aqui empreendida e, por isso, não será tratado neste trabalho.
  • 19
    Reputa-se a expressão (“gesetzeskonform Verfassungsinterpretation”) a Leisner (1964)LEISNER, Walter. Von de Verfassungmäßigkeit der Gesetze zur Gesetzmäßigkeit der Verfassung: Betrachtung zur möglichen selbständigen Begrifflichkeit im Verfassungsrecht. Tübingen: Mohr, 1964., que identificou a sua ocorrência no direito alemão em monografia dedicada a esse fim. A expressão é recuperada por Canotilho (2003CANOTILHO, Joaquim J. Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003., p. 1234), que, assim como nós, apesar de não comungar do conceito de constituição de Leisner, vislumbra “o perigo da interpretação da constituição de acordo com as leis ser uma interpretação inconstitucional, quer porque o sentido das leis passadas ganhou um significado completamente diferente na constituição, quer porque as leis novas podem elas próprias ter introduzido alterações de sentido inconstitucionais. Teríamos, assim, a legalidade da constituição a sobrepor-se à constitucionalidade da lei”.
  • 20
    Conhecido exemplo de teoria procedimental encontramos nos trabalhos de Robert Alexy (2015)ALEXY, Robert. Theorie der juristischen Argumentation: die Theorie des rationalen Diskurses als Theorie der juristischen Begründung. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2015..
  • 21
    Para um panorama da desconstrução na teoria da interpretação jurídica, ver Magalhães e Magalhães (2017)MAGALHÃES, Juliana Neuenschwander; MAGALHÃES, José Antonio Rego. Law, Institutions, and Interpretation in Jacques Derrida. Revista Direito GV, v. 13, n. 2, p. 586-607, 2017..
  • 22
    Essa afirmação relaciona-se a uma tese fundamental do giro pragmático que não temos condição de analisar aqui, qual seja, a de que a linguagem é a única via possível de acesso à forma e à estrutura do pensamento. A esse respeito, ver Frydman (2005FRYDMAN, Benoît. Le sens des lois: histoire de l’interpretation et de la raison juridique. Bruxelles/Paris: Bruylant/L.G.D.J., 2005., p. 533).
  • 23
    Müller fundamenta a afirmação recorrendo a Wittgenstein e Derrida. Para uma visão compreensiva de seu argumento, ver Müller (2007).
  • 24
    A divergência de Dworkin (1978)DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. Cambridge: Harvard University Press, 1978. a esse respeito é bastante conhecida.
  • 25
    “On voit là un nouvel aspect de la conception moderne de structure textuelle. L’État de droit se légitime par un effort de rationalité et celle-ci ne peut se développer que dans l’élément du langage. La légitimité repose au plus profond en ceci: procéder le moins possible par le recours à la pure violence et, le plus possible, par le recours à une violence (Gewalt) médiée par le langage (et donc plus formalisée et communiquée, plus contrôlable)” (MÜLLER, 2007MÜLLER, Friedrich. Travail de textes, travail de droit: la question linguistique dans la Théorie Structurante du Droit. In: JOUANJAN, Olivier; MÜLLER, Friedrich. Avant dire droit: le texte, la norme et le travail du droit. Québec: Les Presses de l‘Université Laval, 2007., p. 36).
  • 26
    Como visto, Müller (1966MÜLLER, Friedrich. Normstruktur und Normativität: Zum Verhältnis von Recht und Wirklichkeit in der juristischen Hermeneutik, entwickelt an Fragen der Verfassungeinterpretation. Berlin: Duncker & Humblot, 1966., p. 87) emprega a expressão “etapas controláveis” (kontrollierbaren Schritten).
  • 27
    “‘So you are saying that human agreement decides what is true and what is false?’– It is what human beings say that is true and false; and they agree in the language they use. That is not agreement in opinions but in form of life” (WITTGENSTEIN, 2009WITTGENSTEIN, Ludwig. Philosophische Untersuchungen/Philosophical investigations. Tradução G. E. M. Anscombe, P. M. S. Hacker e J. Schulte. 4. ed. rev. Chichester: Wiley-Blackwell, 2009., p. 94e).
  • 28
    Como afirma Misabel Derzi (2008DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008., p. 122), pode-se compreender a legalidade como um macroprincípio.
  • 29
    Para uma visão aprofundada dos demais tipos de conflito, ver Müller (1996MÜLLER, Friedrich. Discours de la méthode juridique. Paris: PUF, 1996., p. 320).
  • 30
    Schauer (2009SCHAUER, Frederick. Thinking Like a Lawyer: A New Introduction to Legal Reasoning. Cambridge: Harvard University Press, 2009., p. 159, nota 25) aponta, a esse propósito, que a tradição britânica do common law vedava a referência judicial a registros dos debates parlamentares, mesmo quando se desejava determinar a intenção legislativa, tendo em vista que apenas o texto do estatuto era considerado cogente.
  • 31
    Sobre o tema, vejam-se as considerações de Müller (1996)MÜLLER, Friedrich. Discours de la méthode juridique. Paris: PUF, 1996. acerca dos elementos dogmáticos e teóricos da interpretação.
  • 32
    A definição de conceitos fechados também se encontra em Derzi (2008)DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008..
  • 33
    “Essa rigidez tem como pedra básica a competência privativa, mola mestra do Sistema, o qual repele a bitributação e evita a promiscuidade entre tributos distintos. Conceitos como bitributação, invasão de competência, bis in idem, identidade ou diversidade entre espécies tributárias necessários ao funcionamento harmônico e aplicação das normas constitucionais não se aperfeiçoam por meio das relações comparativas ‘mais ou menos’ ou ‘tanto mais… quanto menos’ inerentes ao pensamento tipológico. Muito mais se ajusta às excludentes ‘ou… ou’ e às características irrenunciáveis e rígidas dos conceitos determinados” (DERZI, 2008DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008., p. 137).
  • 34
    Sobre o desenvolvimento histórico da noção de intenção na interpretação do direito, ver Frydman (2005FRYDMAN, Benoît. Le sens des lois: histoire de l’interpretation et de la raison juridique. Bruxelles/Paris: Bruylant/L.G.D.J., 2005., p. 367-400).
  • 35
    Pode-se remeter aqui à asserção nietzscheana segundo a qual não há fazedor por trás do feito: “[...] es giebt kein „Sein“ hinter dem Tun, Wirken, Werden; „der Thäter“ ist zum Tun bloss hinzugedichtet, – das Thun ist Alles” (NIETZSCHE, 1887, § 13).
  • 36
    No mesmo sentido, Waldron (2000)WALDRON, Jeremy. As intenções dos legisladores e a legislação não intencional. In: MARMOR, Andrei (org.). Direito e interpretação: ensaios de filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000.. Para uma visão panorâmica dos argumentos em defesa do intencionalismo, ver Marmor (2005MARMOR, Andrei. Interpretation and Legal Theory. Oxford/Portland: Hart, 2005., p. 132-140).
  • 37
    Nesse sentido, ao contrário do que supõe Waldron (2000WALDRON, Jeremy. As intenções dos legisladores e a legislação não intencional. In: MARMOR, Andrei (org.). Direito e interpretação: ensaios de filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000., p. 536), o intencionalismo seria criticável à luz do giro pragmático, mesmo na hipótese de um texto legislativo produzido por um autor singular.
  • 38
    Entre nós textualizado no parágrafo único do art. 1º da Constituição de 1988.
  • 39
    Encontramos um questionamento decisivo da teoria do direito como comando na obra de H. L. A. Hart (1994)HART, Herbert L. A. The Concept of Law. 2. ed. Oxford/New York: Clarendon Press/Oxford University Press, 1994., The Concept of Law, cuja primeira edição data de 1961.
  • 40
    A esse respeito, ver Müller (2003)MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da democracia. São Paulo: Max Limonad, 2003..
  • 41
    Sobre a pluralidade de intérpretes da Constituição, ver Peter Häberle (1997)HÄBERLE, Peter. Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da Constituição – contribuição para uma interpretação pluralista e procedimental da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997..
  • 42
    “Normalmente, una nuova costituzione si innesta sopra un ordinamento giuridico (un insieme di leggi, regolamenti, etc.) preesistente. Tuttavia, è ben raro che una nuova costituzione contenga una clausola di abrogazione espresso della legislazione precedente incompatibile” (GUASTINI, 2011GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milano: Giuffrè, 2011., p. 377). Acresça-se a isso a preocupação de um autor intencionalista com o peso do tempo na busca pela intenção do legislador: “[…] the older the law is, the less attractive intentionalism becomes. The reasons for this are obvious: expertise changes over time, due to the accumulation of experience and the available evidence, to progress in various sciences, and the like. Thus the natural conclusion, that the older a law is the more suspicious one has to be of the relevance of the legislators’ intentions” (MARMOR, 2005MARMOR, Andrei. Interpretation and Legal Theory. Oxford/Portland: Hart, 2005., p. 138).
  • 43
    Nesse sentido, o já citado trabalho de Barroso (1996BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996., p. 61).
  • 44
    “Daher kann man nicht von einer vorausdrücklichen Intention auf die Bedeutung des Textes schießen, sondern nur umgekehrt von der Bedeutung eines Textes auf die Intention.”
  • 45
    É conhecida a asserção de Thomas Jefferson (1958JEFFERSON, Thomas. Thomas Jefferson to James Madison. In: BOYD, Julian P. (org.). The Papers of Thomas Jefferson. Princeton: Princeton University Press, 1958., p. 398): “The earth belongs always to the living generation”.
  • 46
    “Da sottolineare è che il rapporto fra interpretazione e applicazione non è una congiunzione occasionale ma è un nesso di inscindibilità: che nel diritto non vi sia applicazione senza interpretazione, può apparire chiaro, fino alla banalità; meno chiaro, ma altrettanto vero, è però anche l’inverso: che non c’è interpretazione senza applicazione a una fattispecie reale (come nell’interpretazione dei giudici) o potenziale (come nell’interpretazione della dottrina giuridica). L’essenza del diritto è in questo nesso, nel quale si manifesta il suo valore pratico” (ZAGREBELSKY; MARCENÒ, 2018ZAGREBELSKY, Gustavo; MARCENÒ, Valeria. Giustizia costituzionale. Bologna: Il Mulino, 2018., p. 83).
  • 47
    Como mencionado anteriormente, o dogma da vontade relaciona-se à concepção imperativista do direito, o que também permite traçar a hipótese de que esse legislador, cuja função é atribuir o sentido último, é uma projeção (fantasia) do soberano absoluto na teoria do direito.
  • 48
    Para uma história do originalismo, ver Johnathan O’Neill (2005)O’NEILL, Johnathan. Originalism in American Law and Politics: A Constitutional History. London: The Johns Hopkins University, 2005..
  • 49
    “Hinter dem Gesetz liegt als nichts als das gesamte parlamentarische Verfahren selbst” (LAUDENKLOS, 1997LAUDENKLOS, Frank. Rechtsarbeit ist Textarbeit: Einige Bemerkungen zur Arbeitsweise der »Strukturierenden Rechtslehre«. Kritische Justiz, v. 30, n. 2, p. 142-158, 1997., p. 151).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    17 Fev 2020
  • Aceito
    29 Jun 2021
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