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A moradia informal no banco dos réus: discurso normativo e prática judicial

The defense of housing rights in the case of informal settlements: discourse and practice

Resumos

O presente artigo, situado entre a sociologia e a teoria jurídica, enfrenta indagações em torno da efetividade da defesa do direito à moradia no Brasil, com foco em processos judiciais concretos que envolvem assentamentos informais: favelas, loteamentos irregulares e clandestinos, etc. Qual é o discurso normativo vigente em torno do direito à moradia? E qual é a história viva do direito à moradia nos tribunais brasileiros? São esses nossos questionamentos centrais. Contabilizados os resultados, em conclusão, revela-se uma enorme discrepância entre discurso e prática.

Direito à moradia; Assentamentos informais; Discurso e Prática


This paper, situated between law and sociology of law, deals with issues concerning the effectiveness of judicial defense of housing rights in Brazil, especially the legal proceedings involving informal settlements: slums, tenement dwellers etc. What is the legal discourse about housing rights? What is the live history of housing rights on brazilian courts? Those are our central questions. As result, we found a large distance between discourse and practice.

Housing rights; Informal settlements; (legal) Discourse and Practice


DIREITO E DESIGUALDADES NO SÉCULO XXI

A moradia informal no banco dos réus: discurso normativo e prática judicial

The defense of housing rights in the case of informal settlements: discourse and practice

João Maurício Martins de Abreu

Mestre em Sociologia e Direito pela UFF, Advogado, Professor Licenciado da Universidade Estácio de Sá (UNESA)

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rua da Quitanda, 199, gr. 210 Centro – 20.091-005 Rio de Janeiro – RJ – Brasil joaomauricio@cvpa.adv.br

RESUMO

O presente artigo, situado entre a sociologia e a teoria jurídica, enfrenta indagações em torno da efetividade da defesa do direito à moradia no Brasil, com foco em processos judiciais concretos que envolvem assentamentos informais: favelas, loteamentos irregulares e clandestinos, etc. Qual é o discurso normativo vigente em torno do direito à moradia? E qual é a história viva do direito à moradia nos tribunais brasileiros? São esses nossos questionamentos centrais. Contabilizados os resultados, em conclusão, revela-se uma enorme discrepância entre discurso e prática.

Palavras-chave: Direito à moradia; Assentamentos informais; Discurso e Prática.

ABSTRACT

This paper, situated between law and sociology of law, deals with issues concerning the effectiveness of judicial defense of housing rights in Brazil, especially the legal proceedings involving informal settlements: slums, tenement dwellers etc. What is the legal discourse about housing rights? What is the live history of housing rights on brazilian courts? Those are our central questions. As result, we found a large distance between discourse and practice.

Keywords: Housing rights; Informal settlements; (legal) Discourse and Practice.

INTRODUÇÃO

Neste artigo pretendemos sondar e analisar, de forma problematizada, o discurso normativo atualmente vigente em torno do direito à moradia em comparação com a prática judicial brasileira em relação aos assentamentos informais: processos judiciais contra favelas, ocupações de prédios públicos e privados, loteamentos irregulares e clandestinos. Estamos, portanto, no campo da efetividade concreta da defesa do direito à moradia, entre a norma jurídica e o fato social.

Desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), passando pelo Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), por disposições explícitas e implícitas de nossa Constituição Federal de 1988, assim como, mais recentemente, por uma série de leis infraconstitucionais, revela-se a construção, em tese, de uma considerável arquitetura jurídica protetiva do direito à moradia. Mas qual será a história viva desse direito nos tribunais brasileiros, quando são réus moradores de assentamentos informais? Eis o nosso problema central.

A aproximação do real é complexa e a defesa da metodologia que empregamos exigiria pouco menos da metade do espaço de um artigo. Em nossa dissertação de mestrado, onde a citada sustentação pode ser encontrada, percorremos o seguinte trajeto: (a) elegemos como paradigma e analisamos integralmente os autos de uma Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, em 1998, em face do Município de Belford Roxo, RJ, que objetivava a condenação do réu a promover o despejo forçado de um assentamento informal instalado, desde o início dos anos 1980, em via pública inconclusa e periférica do município; (b) justificamos a escolha desse caso concreto e não de outro, demonstrando sua representatividade da prática judicial brasileira e comparando-o com outras "fontes" de informação do real, como notícias de jornais, relatos de movimentos sociais, precedentes judiciais de outras ações civis públicas, e também de ações de reintegração de posse e reivindicatórias como pedidos assemelhados; (c) retiramos do caso concreto analisado em minúcias os aspectos generalizáveis, que poderiam ser encontrados em processos judiciais semelhantes. Este artigo incorpora parte substancial dos resultados de nossa dissertação e trata apenas dos citados aspectos generalizáveis para a prática judicial prevalecente, sem referência a particularidades do caso concreto pesquisado no mestrado.

A hipótese que nos conduz nessa comparação entre discurso normativo e prática judicial é uma especificação daquela sugerida por Boaventura de Souza Santos para o caso português, em clássico trabalho de Sociologia Jurídica, segundo a qual,

... quanto mais caracterizadamente uma lei protege os interesses populares e emergentes, maior é a probabilidade de que ela não seja aplicada. Sendo assim, a luta democrática pelo direito deve ser, no nosso país, uma luta pela aplicação do direito vigente, tanto quanto uma luta pela mudança do direito (Santos, 2001, p. 178).

Será que o direito à moradia, principalmente quando invocado em defesa das classes que habitam assentamentos informais, é devido e igualitariamente respeitado e ponderado nos tribunais brasileiros?

Partimos do pressuposto de que o homem e a mulher têm o direito, inerente à própria vida, de ocupar um lugar no espaço e firmar uma relação com ele; de que, normalmente, podem fazê-lo com o intuito de permanecer; e de que morar é um ato estritamente ligado à constituição de um espaço adequado, livre e íntimo para a vida cotidiana; um ato que concorre para a construção da identidade e para o desenvolvimento da personalidade do sujeito, pois, em torno do ato de morar, normalmente se estabelecem relações e vínculos sociais fundamentais para a vida, tais como a amizade e/ou a familiaridade com o ambiente em que se vive.1 1 Essas pressuposições encontram amparo em documentos internacionais sobre o chamado direito à moradia, dentre os quais figura a Recomendação n. 4 (1991) do Comitê Geral da ONU acerca do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966: "§7º. Na visão do Comitê, o direito a moradia não deveria ser interpretado em sentido restritivo que o equiparasse com, por exemplo, o abrigo obtido por ter apenas um telhado [sobre] a cabeça ou a visões que o equiparam a mercadoria. Ao contrário, deve ser visto como o direito de viver em algum lugar em segurança, paz e dignidade".

Consideramos discurso normativo o conteúdo propriamente dito da lei (em sentido amplo), bem como as correspondentes diretrizes interpretativas abstratamente sugeridas pela doutrina jurídica e/ou por órgãos autorizados – como o Comitê da Organização das Nações Unidas, ONU, no caso das declarações e tratados internacionais. O que caracteriza o discurso normativo, portanto, é o fato de ser construído em tese e em geral. Dele difere a prática judicial, corporificada nos processos judiciais instaurados em nossos tribunais, pois aqui estamos no âmbito da construção de atos e decisões que incidem – direta, imediata e coativamente – sobre casos concretos. Consideramos, por fim, a prática judicial prevalecente aquela refletida em decisões judiciais reiteradas que revelam uma tendência de nossos tribunais, formando o que se convencionou chamar no Brasil de "jurisprudência".

1 DO DISCURSO NORMATIVO VIGENTE

Este capítulo está dividido em duas partes. Na primeira, demonstraremos que existe há muito tempo proteção legal válida e apta a produzir efeitos em torno do direito à moradia, proteção essa cada dia mais vigorosa e ramificada. Na segunda, demonstraremos que o alcance interpretativo dessa proteção normativa finca-se numa concepção genérica e autônoma da moradia, que abrange os assentamentos informais – e nem poderia ser diferente.

1.1 A PROTEÇÃO LEGAL

Assim como numa tragédia grega anunciada, em que o homem, por ultrapassar sua medida (o métron), é punido com a cegueira da razão (a ate), abatendo-se sobre ele o destino cego (as garras da Moira), também a cultura jurídica formal-positivista, predominante durante boa parte do século XX no Ocidente, paga seu preço. Fica marcada na História como aquela que, em seu apego excessivo e servil à autoridade da norma jurídica como forma abstrata, e não conteúdo, desmereceu, no Direito, indagações sobre justiça e realidade social; aquela cultura que, buscando a pureza do Direito, desumanizou-o; que institucionalizou genocídios; aquela cultura que, portanto, foi punida com a cegueira da própria lógica que acreditava defender e aceitou, passiva e desorientada, o destino cego da humanidade, entre totalitarismos de direita e esquerda.2 2 Essas fortes afirmações encontram amparo, p.ex., em Villey, 2003, p. 185-186; Comparato, 2006, p. 361-363; Calamandrei: 2003, p. 179-197, esp. 181-184.

Como que a fazer um exame forçado de consciência, no pós 2ª Guerra, as nações firmaram unanimemente em 1948 a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da então recém-criada ONU.3 3 Documento adotado e proclamado pela Resolução n. 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas, com 48 (quarenta e oito) votos favoráveis e 8 (oito) abstenções. Sobre o tema, resumidamente, Piovesan, 2008, p. 3-13, 19-21. A Declaração, hoje sexagenária, visava fundar um ordenamento jurídico internacional centrado no valor fundamental e global da primazia da dignidade humana, isto é, na prevalência da ideia da pessoa como um fim em si mesma, como sujeito de direitos pelo simples fato de ser pessoa, e não coisa ou objeto, o que tornou não mais uma questão apenas de soberania a relação de um determinado Estado com seus nacionais. A despeito de algumas reticências de juristas importantes (Villey, 1969),4 4 As reservas não podem imobilizar nossa praxis. Por isso, preferimos seguir os passos de Boaventura de Souza Santos, que defende uma apropriação contra-hegemônica dos direitos humanos, a fim de não deixar o seu potencial emancipatório reprimido pelos estreitos limites do discurso neoliberal que tem sido dominante a respeito do assunto (Santos, 2007, esp. p. 34-35). podemos enxergar nesse documento um marco discursivo do compromisso humanista de ruptura com a cultura jurídica formalpositivista, que havia institucionalizado, em passado recente, a barbárie do nazismo.

Sobre o pilar da dignidade humana, a Declaração de 1948 condensa uma série de direitos mínimos, com pretensão de universalidade, que são reunidos em dois grupos: o dos direitos civis e políticos (vida, presunção de inocência, liberdade religiosa, sufrágio universal, etc.), e o dos direitos econômicos, sociais e culturais (alimentação, padrão de vida adequado, trabalho, repouso, instrução, etc.). Dentre os direitos humanos declarados e protegidos – mais especificamente, dentre os direitos humanos sociais – figura desde então o direito à moradia.

O artigo XXV da Declaração Universal dos Direitos Humanos, ao estabelecer um padrão de vida mínimo como direito de todo e qualquer cidadão, inclui como pré-requisito desse padrão, expressamente, o direito à moradia, equiparado a princípio com a habitação:5 5 Não obstante o termo utilizado no artigo ser "habitação" e não "moradia", como passou a ser de praxe nos documentos internacionais posteriores, adota-se aqui o termo "direito à moradia" porque as normas de Direito interno referem-se, principalmente, à defesa e provisão da "moradia" e também porque existe no Direito Civil brasileiro a figura jurídica do "direito real de habitação" (art. 1.225, VI do CC/2002), cujo conteúdo, muito restrito, não se confunde com o amplo espectro do direito à moradia.

... todos têm direito ao repouso e ao lazer, bem como a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos, e serviços sociais indispensáveis, o direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice, ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.

O que significa a inserção da moradia nesse rol de direitos, digamos, básicos? Qual a relação desse direito com os demais? Há hierarquia? Com base na Resolução 32/130 da ONU e no §5º da Declaração de Viena de 1992, a doutrina internacionalista esforça-se por realçar uma visão de indivisibilidade e interdependência entre todos os direitos citados, rechaçando hierarquias e afirmando que "a garantia dos direitos civis e políticos é condição para a garantia dos direitos sociais, econômicos e culturais e vice-versa. Quando um deles é violado, os demais também o são" (Piovesan, 2008, p. 10).6 6 Nesse sentido, a Resolução 32/130 da ONU, posteriormente reforçada pelo §5º da Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, estabelece: "todos os direitos humanos, qualquer que seja o tipo a que pertencem, se inter-relacionam necessariamente entre si, e são indivisíveis e interdependentes". Trata-se de uma perspectiva importante dos direitos humanos, porque não só relaciona visceralmente os valores da liberdade e da justiça social, como, mais do que isso, renuncia a um estéril questionamento sobre a precedência de um valor sobre o outro. Ambos se pressupõem.

O direito à moradia, portanto, não é tido, discursivamente, no plano internacional, como um objetivo distante a perseguir, um direito valorativamente inferior aos demais, mas como um direito cuja observância é, em si, pressuposto do respeito a todoo sistema global de proteção dos direitos humanos – tão importante quanto os direitos civis e políticos, tão importante quanto os demais direitos econômicos, sociais e culturais presentes na Declaração de 1948.

O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, em seu artigo 11,7 7 "Art. 11. Os Estados signatários do presente pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e para sua família, inclusive alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma contínua melhoria de suas condições de vida". expressamente reafirmou o reconhecimento de um direito à moradia universalmente assegurado, impondo aos Estados signatários que ratificassem, e a seus nacionais, o respeito e a observância progressiva daquele direito. O último documento foi ratificado pelo Estado brasileiro em 24 de janeiro de 1992, através do Decreto nº 591, introduzindo indubitavelmente o direito à moradia de modo explícito no plano normativo interno de nosso Direito. Assim, a partir dessa data não se pode seriamente questionar sobre a vigência de norma jurídica – vinculante ao Estado brasileiro, em todos os seus segmentos e funções – que reconheça e proteja dito direito à moradia de modo expresso. O que surgira em 1948 sob a aparência de mera declaração de direito se qualifica e ganha, agora, a força expressa e inequívoca de uma declaração normativa, uma declaração, em tese, dotada de força obrigatória e coativa.

Ainda assim, apenas em 15 de fevereiro de 2000, quase doze anos após a promulgação da Constituição Federal e oito anos após a conclusão do processo de ratificação do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a moradia passou a constar expressa, autônoma e formalmente do rol de direitos fundamentais de nossa Constituição. A Emenda de n. 26 alterou a redação original do artigo 6º para passar a enunciar o seguinte: "São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Muito embora autores das mais diversas vertentes sejam praticamente unânimes em considerar que o direito à moradia já estava implícito no rol de direitos fundamentais (Sarlet, 2004, p. 428; Silva, 2000, p. 317; Saule Jr., 2004, p. 167; Lira apud Godoy, 2006, p. 38-39; Melo, 2008, p. 67; Souza, 1008, p. 120-121), a inserção expressa, autônoma e formal representa um marco normativo importantíssimo no ordenamento jurídico brasileiro, porque gerou uma progressiva ramificação legislativa, no âmbito infraconstitucional, emanada dessa fonte comum, o que foi robustecendo o discurso normativo.

As normas constitucionais que preveem a vinculação da propriedade à sua função social;8 8 Cf. art. 5º, XXIII, arts. 170, III e 182, §2º, da Constituição. a necessidade de o salário-mínimo ser suficiente para custear as despesas com moradia;9 9 Cf. art. 7º, IV, da Constituição. a competência comum dos entes federativos para "promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento";10 10 É o que prevê o art. 23, IX, da Constituição. assim como o usucapião urbano11 11 Cf. art. 183 da Constituição. e rural12 12 Cf. art. 191 da Constituição para a posse continuada e incontestada sobre um terreno alheio, quando ali estabelecida a moradia do possuidor ou de sua família, são exemplos que remetem, incontestavelmente, à proteção implícita do direito à moradia no texto constitucional, independentemente da emenda 26. Além disso, mais do que implicitamente previsto no texto constitucional, o direito à moradia já gozava desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 do status até mesmo de direito fundamental, por ser decorrência lógica e social do princípio da dignidade humana, que impõe a satisfação das necessidades existenciais básicas da vida.

Mas foi somente após a Emenda 26, para ficar em três exemplos de caráter geral, que foi aprovado e promulgado o Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001; que foi editada a Medida Provisória 2.220 no mesmo ano de 2001; e que foi incluído, em 2007, no Código Civil o direito real de uso especial para fins de moradia.13 13 A Lei 11.481/2007 acrescentou ao art. 1.225 do CC/2002 um inciso XI e passou a estabelecer: "Art. 1.225. São direitos reais: (...) XI – a concessão de uso especial para fins de moradia".

O Estatuto da Cidade prevê uma série de instrumentos urbanísticos que concernem direta ou indiretamente ao direito à moradia e, em seu artigo 2º, I e XIV, expressamente aponta, como diretriz a ser seguida pelo desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, a garantia do direito à terra urbana e à moradia, assim como a regularização fundiária e a urbanização de áreas ocupadas por populações de baixa renda.14 14 "Art. 2º. A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; (...) XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais". O artigo 1º da Medida Provisória n. 2.220, por sua vez, estabelece requisitos para a concessão de uso especial para fins de moradia aos possuidores de imóveis públicos até a data de 30 de junho de 2001 que estivessem nessa condição há mais de cinco anos.

Não resta dúvida, portanto, da existência em tese de um considerável arcabouço normativo a proteger o direito à moradia.

1.2 O CONTEÚDO DEFENSIVO DO DIREITO À MORADIA

Qual é o alcance interpretativo da proteção legal da moradia? Qual é o seu significado? Mais especificamente: está inserida nessa proteção legal a chamada segurança jurídica da posse dos milhões de brasileiros que habitam assentamentos informais?

Ninguém na doutrina o nega – ao menos abertamente... Até porque uma tese contrária à aplicação do direito à moradia aos assentamentos informais imporia o pesado ônus de argumentar contra todas as diretrizes de conteúdo dos direitos humanos e fundamentais.

Com efeito, o parágrafo 8º da Recomendação n. 4 (1991) da ONU, por exemplo, haurido em apoio ao Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, apresenta a "segurança jurídica da posse" como o primeiro critério de monitoramento da efetividade do direito à moradia. Ou seja, sem segurança jurídica da posse, segundo a Recomendação, verifica-se uma violação ao direito à moradia. Aliás, a própria Recomendação n. 4 (1991) deixa expresso o seguinte comentário sobre esse critério de avaliação:

Segurança jurídica da posse: a posse adota uma variedade de formas, inclusive acomodação alugada (pública ou privada), alojamento cooperativo, arrendamento, moradia própria, moradia de emergência e assentamentos informais, inclusive ocupação da terra ou propriedade. Apesar do tipo de posse, todas as pessoas deveriam possuir um grau de segurança de posse que garantisse proteção legal contra despejo forçado (Piovesan, 2008, p. 152).

Em 1997 o Comitê Geral da ONU volta a tratar do tema e edita a Recomendação nº 7, que comenta a relação entre os chamados despejos forçados (notadamente dos assentamentos informais) e o direito à moradia. Segundo a diretriz de conteúdo ali expressa, caso não sejam concedidos meios de proteção legal e de defesa às pessoas, famílias e comunidades ameaçadas de remoção dos lugares ou terras que ocupam, a prática do despejo forçado contrariará frontalmente o direito à moradia.

O termo "despejos forçados" (...) é definido como o fato de fazer sair as pessoas, famílias ou comunidades de seus lugares e/ou terras que ocupam, de forma permanente ou provisória, sem oferecer-lhes meios apropriados de proteção legal ou de outra índole, nem permitir-lhes o acesso a eles. (...) O próprio Estado deve abster-se de levar a cabo os despejos forçados e garantir que se aplique a lei a seus agentes ou a terceiros (Piovesan, 2008, p. 155-157).

Existe, portanto, uma concepção genérica e autônoma da moradia que impõe a seguinte conclusão: não importa a espécie ou o meio pelo qual se acessa a moradia, se através da aquisição da propriedade, da locação imobiliária, "da compra da posse irregular", da ocupação de áreas públicas ou privadas; a constituição da moradia, independentemente da espécie de moradia, implica, imediatamente, a atração de todo o arcabouço normativo atualmente vigente em sua defesa – se legítima ou não, é questão para cada caso concreto e suas circunstâncias. Eis aí uma pequena síntese do que propaga o discurso normativo vigente.

2 ENTRE O DISCURSO E A PRÁTICA: PROBLEMAS EPISTEMOLÓGICOS

A consequência lógica do atual discurso normativo em torno do direito à moradia é tornar, no mínimo, problemática a questão da "legalidade/ilegalidade" da moradia constituída nos assentamentos informais. Daí o anacronismo de referências a assentamentos ilegais, em vez de informais. Não há mais ilegalidade preestabelecida em relação às formas de constituição da moradia. Por isso se justifica, neste momento histórico, o cotejo entre discurso normativo e prática judicial. Mas como compará-los?

Algumas escolhas e observações precisam ser feitas e, dentro do possível, explicadas.

A primeira escolha diz respeito ao próprio tipo de moradia enfocado: interessa-nos a moradia produzida em assentamentos informais e urbanos – favelas, loteamentos irregulares e clandestinos, ocupações de prédios públicos e privados, etc.16 16 O delicado conceito de favela aqui adotado – pela necessidade de alguma objetividade conceitual e pelo fato de, segundo parece, as dissidências em torno do tema não interferirem no que iremos defender – será aquele utilizado pelo IBGE, que toma o termo como sinônimo de aglomerado subnormal, isto é, conjunto de no mínimo 51 residências que ocupam terreno alheio (público ou privado), que estão organizadas de forma desordenada, com elevada densidade populacional e carência de serviços públicos essenciais (IBGE, 2000). Acesso em: 23 set. 2009). Para uma crítica dessa definição, Valladares, 2005, p. 149-150. Loteamento irregular, por sua vez, é aquele que, não se enquadrando no conceito de favela, não tem projeto aprovado na prefeitura, mas pode ser regularizado. Já o loteamento clandestino, fora mais uma vez o caso das favelas, é aquele feito por pessoas que não são proprietárias da área loteada e, por isso, não é passível de regularização. Por que visualizar a moradia nos assentamentos informais? Porque é aí que a moradia, como direito, vive seu drama social e coletivizado; é aí que os cidadãos encontram no direito à moradia a sua única trincheira jurídica contra os despejos forçados, enquanto os moradores-proprietários e os moradores-locadores de seus imóveis já têm amparo idôneo no estatuto da propriedade e do inquilinato.

A segunda escolha diz respeito ao aspecto do direito à moradia a ser realçado no discurso normativo vigente: trata-se do aspecto defensivo, isto é, da chamada eficácia negativa do direito à moradia. O drama da moradia nos assentamentos informais poderia ser abordado levando em conta o aspecto prestacional do direito à moradia, isto é, sua eficácia positiva, que consistiria, por exemplo, no direito a uma moradia adequada, considerando fatores como densidade de habitantes por cômodo, saneamento básico, acessibilidade ao mercado de trabalho e a serviços públicos básicos, etc. No entanto, tal abordagem esbarraria numa difícil discussão preliminar sobre os recursos disponíveis para atender àquelas demandas – além de não haver unanimidade na doutrina constitucionalista sobre a justicialidade desse aspecto prestacional dos direitos sociais, ou seja, sobre a possibilidade de exigi-los na Justiça. O mesmo não ocorre com o aspecto defensivo. Ninguém nega ou discute a vinculação imediata e inapelável do Estado e de seus órgãos a uma eficácia negativa inerente ao direito à moradia, ligada a um dever de abstenção do Estado, que não exige empenho de recursos ou algo que o valha, pois simplesmente proíbe, em tese, que qualquer cidadão seja privado arbitrariamente de sua moradia, ou impedido de obter uma (Silva, 2000, p. 318; Sarlet, 2004, p. 447).

A terceira e mais importante observação diz respeito às dissonâncias e re-significações inerentes ao trânsito que leva das normas jurídicas abstratas à prática judicial concreta, dificultando sobremaneira uma análise comparativa. A situação se agrava quando nosso foco se volta, como é o caso, para a defesa do direito à moradia apenas nos processos judiciais que envolvem assentamentos informais, pois não raro esses assentamentos se consolidam em confronto direto com outros direitos e interesses da mesma estatura normativa que a moradia, como o direito de propriedade (pública ou privada), o direito à ordem urbana, e o direito a um meio ambiente sadio. Comparar discurso e prática não seria cair no erro de avaliar realidades distintas sem ter o arrimo de uma medida comum?

Dependendo do que esperamos poder encontrar, a resposta deve ser negativa.

Está correta a afirmação de que a moradia estabelecida em assentamentos informais, por seu caráter muitas vezes desordenado, conflita com diversos outros direitos. Têm-se tornado corriqueiras na justiça brasileira as ações civis públicas em defesa da ordem urbana e do meio ambiente; as ações de reintegração de posse em defesa do direito de posse, do proprietário público ou privado; e as ações reivindicatórias do direito de propriedade. O intuito de todas elas é o despejo forçado de assentamentos informais, que se defendem com arrimo no direito à moradia. São casos difíceis de resolver. A eles não se aplica o método da subsunção, mas sim o da ponderação dos valores, bens e interesses em conflito, que não têm uma solução a priori para todos os litígios concretos que se põem.17 17 Sobre o tema, desde a década de 1960, anota o civilista alemão Karl Larenz, com grande influência no Brasil: "A 'ponderação de bens no caso concreto' é um método de desenvolvimento do Direito, pois que serve para solucionar colisões de normas – para as quais falta uma regra expressa na lei –, para delimitar umas das outras as esferas de aplicação das normas que se entrecruzam e, com isso, concretizar os direitos cujo âmbito, como o do direito geral da personalidade, ficou em aberto" (Larenz, 1997, p. 587). No Brasil, o tema tem grande relevância na literatura constitucionalista. Por todos, Sarmento, 2000. Dentre tais valores, bens e interesses a serem ponderados está, indubitavelmente, a preservação do direito à moradia.

Não podemos, portanto, esperar que a prática judicial brasileira, em todo e qualquer caso, dê prevalência ao direito à moradia que assiste aos assentados, em desfavor do meio ambiente, da ordem urbana e da propriedade; mas podemos esperar que, diante de casos concretos como os narrados, os atores dos processos judiciais ponderem, debatam e argumentem sobre todas as principais normas jurídicas envolvidas, sem preterir ou diminuir a incidência daquelas pertinentes ao direito à moradia.

Logo, não é uma perfeita identidade entre discurso e prática o pressuposto deste artigo. O que presumimos, e parece irrefutável, é que um direito humano e fundamental, declarado por normas cogentes e dotado de algumas diretrizes básicas de conteúdo não pode ter seu sentido esvaziado na prática do foro quando posto no banco dos réus. Para que outros direitos prevaleçam sobre a moradia informal, em um dado caso concreto, é necessário que isso seja objeto de judiciosa fundamentação; é necessário que sejam conferidas aos assentados as garantias do devido processo legal e da ampla defesa; e, o que é ainda mais importante, em qualquer hipótese deve preservar-se um núcleo mínimo do direito à moradia, inerente à dignidade humana. Se a moradia dos assentados não pode fixar-se em determinado local, deve fixar-se em outro, pois o homem e a mulher não podem viver sem morar.

Reconhecer a complexidade comparativa e as diferenças ontológicas entre discurso normativo e prática judicial não implica que atemos nossas mãos e paralisemos nosso cérebro. Afinal, as normas jurídicas e as interpretações que se constroem ao seu redor – ou seja, o discurso normativo – são concebidas justamente visando a conformação da prática judicial e da realidade social. Compará-los, consequentemente, é um dever.

3 DA PRÁTICA JUDICIAL PREVALECENTE

Destacamos três importantes traços gerais da prática judicial brasileira em relação à moradia constituída em assentamentos informais, traços esses que, sem razão para mistério, revelam um esvaziamento da efetividade concreta do discurso normativo em tese vigente.

Primeiro traço: a justiça brasileira é um dos agentes mais acionados para promover, com aparência de legitimidade jurídica, os despejos forçados de assentamentos informais – e costuma aceitar o encargo. É o que denunciam relatórios de movimentos sociais confederados (Fórum Estadual, 2008) e comunitários (Conca, 2009); é o que noticia a grande mídia, por conta das repercussões "no trânsito" que tais despejos forçados por vezes acarretam (Folha de S. Paulo, 2009), e a mídia ligada aos movimentos sociais, por conta da repercussão dos citados despejos "na vida" dos recém-lançados à rua (Agência Brasil de Fato, 2009).

Que processos judiciais são esses? São ações civis públicas, ações de reintegração de posse e reivindicatórias que, principalmente as duas primeiras, frequentemente obtêm liminar de despejo forçado sem oitiva dos assentados e, o mais grave, por vezes tramitam sem oferecer aos assentados ou a representantes que elejam participar do processo que os prejudica.

Para exemplificar, na metrópole do Rio de Janeiro estamos pensando no rumoroso caso da ação civil pública ajuizada em 2006 pelo Ministério Público estadual em face do Município carioca visando o despejo forçado de cerca de cinco mil pessoas, moradoras de sete comunidades pobres do Alto da Boa Vista. Embora houvesse assentados cinquentenários entre os que seriam despojados de suas moradias, menos de uma semana após a distribuição da ação, a liminar foi concedida pelo judiciário fluminense e só não foi efetivada porque as comunidades se mobilizaram e articularam politicamente, impedindo a retirada de qualquer morador. Os rumos do caso ainda estão incertos – a despeito de deferida a liminar. Na metrópole de São Paulo, pensamos no despejo forçado da Favela Real Parque, em dezembro de 2007, radicada na Marginal Pinheiros, na qual cerca de setenta famílias foram despojadas de sua moradia em ação de reintegração de posse promovida pela Empresa Metropolitana de Água e Esgoto; e pensamos, também, no despejo forçado da ocupação conhecida como "Olga Benário", em 2009, através de ação de reintegração de posse em que o judiciário paulista deferiu liminar em favor da empresa de ônibus Campo Lindo, milionária devedora do INSS, na qual: cerca de oitocentas famílias foram desalojadas.18 18 O caso da metrópole fluminense está brevemente relatado em Fórum Estadual de Luta pela Reforma Urbana/RJ. Relatório de situações de violação do direito à moradia digna no estado do Rio de Janeiro. Disponível em: http://cedes.iuperj.br/PDF/06agosto/anexos/relatorio-direito-a-moradia.pdf. Acesso em: 20 nov. 2008. Para mais detalhes, compêndio de reportagens e permanente atualização sobre o conflito. Disponível em: http://concacidadania.blogspot.com/. Acesso em: 20 set. 2009. Já para casos da metrópole de São Paulo, Remoção de favela provoca congestionamento recorde (Folha de São Paulo), e Moradores e PMs entram em confronto ( O Estado de São Paulo). Disponível em: www.sptrans.com.br/clipping_anteriores/2007/dezembro2007/clipping121207/pagina1.htm. Acesso em: 20 set. 2009. Ver também: Polícia despeja violentamente moradores de ocupação na Zona Sul – pelo menos 570 das 800 famílias despejadas, do acampamento Olga Benário, devem permanecer na rua (Agência Brasil de Fato). Disponível em: www.brasildefato.com.br/v01/agencia/nacional/policia-despeja-violentamentemoradores- de-ocupacao-da-zona-sul. Acesso em: 25 ago. 2009.

A ordinaridade com que se encontram tais casos na Justiça brasileira põe em cena uma questão fundamental: Será a via judicial um meio tecnicamente adequado e politicamente legitimado para ordenar a ocupação urbana?. A questão não é nova. José Eduardo Faria, em clássico trabalho cujo intuito era reavaliar o papel do judiciário no contexto de transformação social e democratização política vividos no Brasil do final da década de 1980, já indagava: "Estão os tribunais e os magistrados aptos, funcional e tecnicamente, para lidar com conflitos classistas e transgressões de massa envolvendo grupos, classes e coletividades?" (Faria, 1997, p. 95).

No que tange ao nosso tema, a questão parece ganhar maior relevo, e uma série de ramificações, no caso das ações civis públicas que se multiplicam e invocam argumentos de ordem ambiental e urbana para obter o despejo forçado. Estarão nossos procedimentos judiciais e nossos profissionais do Direito (não apenas os juízes) preparados para construir, democraticamente, uma decisão sobre a ordenação urbano-ambiental? Estarão eles preparados para construir uma decisão que seja fruto, não de audiências em apertadas salas, mas de verdadeiras assembleias deliberativas que reúnam os interessados em participar do processo; uma decisão que seja fruto, não de uma discussão juridicizada de posições simplesmente antagônicas, mas de um debate o mais amplo possível e que revele o real conflito social que subjaz à lide jurídica?

Ao considerar essas questões, não podemos perder de vista que o Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001, tem como um de seus fundamentos a gestão democrática da cidade, "por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos programas e projetos de desenvolvimento urbano" (art. 2º). E não se trata de mero vetor interpretativo, mas de verdadeira norma jurídica, tendo em vista o que explica a doutrina (Bucci, 2002, p. 323-324) e o que dispõem os artigos 43 e 45 do Estatuto:

Art. 43. Para garantir a gestão democrática da cidade, deverão ser utilizados, entre outros, os seguintes instrumentos:

I – órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e municipal;

II – debates, audiências e consultas públicas;

III – conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal;

IV – iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.

(...)

Art. 45. Os organismos gestores das regiões metropolitanas e aglomerações urbanas incluirão obrigatória e significativa participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade, de modo a garantir o controle direto de suas atividades e o pleno exercício da cidadania.

Algo parecido pode ser feito através de um processo judicial? Se procedimentos judiciais e profissionais do Direito não estão preparados para tanto, há algo altamente autoritário nesses processos. E é claro que não estão preparados. Em primeiro lugar, por uma questão genérica: a formação de nossos profissionais do Direito está predominantemente situada no interior de uma dogmática jurídica que abstrai o fundamento social dos conflitos judiciais, "coisificando-os" (Warat, 2002, p. 57-99; Faria, 1997, p. 100-102; Streck, 2003, p. 77-87). Em segundo lugar, por uma questão concreta: como já registramos e desenvolveremos a seguir, é comum os assentados sequer serem ouvidos no processo que visa o seu desalijo; as ações civis públicas em defesa dos "interesses difusos e coletivos", por exemplo, tramitam, com a chancela de nossos profissionais, à revelia daqueles mais direta e dramaticamente afetados: os assentados.

A ordenação urbano-ambiental não se faz levando em conta apenas categorias jurídicas.

O segundo traço de nossa prática judicial já foi antecipado: especialmente nas ações civis públicas ajuizadas contra a moradia constituída em assentamentos informais, os moradores diretamente afetados pela questão sub judice, os assentados, simplesmente não são chamados a participar do processo judicial – nem eles, nem qualquer representante de seus interesses –, integram a relação processual apenas o Ministério Público estadual e o município onde se localiza a comunidade cujo despejo forçado é almejado. Citem-se, apenas a título representativo dessa prática geral, os seguintes julgados: STJ, Ag. I. 204.814/DF, julgado em 1999; STJ, R.Esp. 189.278/RJ, julgado em 2000; STJ, R.Esp. 1.034.134/RJ, julgado em 2009; TJERJ, Ag. I. 2.200/95, julgado em 1996; TJERJ, Ap. Cível 2006.001.61756, julgada em 2007.

O que de mais corriqueiro argumentam esses julgados? Em resumo, reza a tese prevalecente o seguinte: em ações civis públicas, que visam à defesa de "interesses difusos e coletivos", incumbiria ao autor – normalmente, o Ministério Público – escolher com quem demandar, por força do princípio jurídico da solidariedade, isto é, do princípio que obriga, em iguais condições, todos os causadores do dano a repararem- no. Além dos moradores dos assentamentos informais, também seria causador do dano (ambiental ou à ordem urbana, p.ex.) o município que se omite e permite a constituição e o desenvolvimento de tais assentamentos. Esses municípios violariam a legislação urbanística e/ou se enquadrariam no conceito técnico de poluidor indireto do meio ambiente. Ademais, um argumento que aparece com muita frequência sustenta que a exigência da presença de todos os assentados no processo judicial inviabilizaria o próprio curso da ação e o alcance de seus objetivos, dadas as dificuldades da citação individual e da exata identificação dos assentados, muitas vezes numerosos.

Seguem excertos de acórdãos ilustrativos:

Ação Civil Pública. Ação proposta pelo Ministério Público em face de município objetivando a desocupação de via pública ocupada por favela. Sentença de procedência do pedido, ao fundamento de que as construções irregulares foram edificadas em logradouro público e não foram licenciadas, violando o Código de Obras do Município e sua legislação urbanística, além de enquadrarem-se no conceito de poluição, previsto no artigo 3º, III, c, da Lei Federal n. 6938/81. Recurso dos posseiros, na qualidade de terceiros prejudicados, e do município. Desprovimento dos recursos. Objetivando a ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público o cumprimento de obrigação de fazer ("devida pelo") ente público, ante a lesão perpetrada ao meio ambiente e à ordem urbanística local, não há litisconsórcio necessário entre o município e todas as demais pessoas que irregularmente ocupam a área pública, pois estas não podem ser condenadas a satisfazer a prestação positiva postulada na inicial (TJERJ. Ap. Cível 2006.001.61756. Rel. Des. Nametala Jorge. DJ 19/03/2007).

... Não prospera o inconformismo do Distrito Federal. Em se tratando, como é o caso, de ação civil pública intentada pelo Ministério Público para proteger o meio ambiente, não há de se falar na presença na lide, como litisconsortes passivos necessários, de todos os ocupantes da área que se pretende proteger, sob pena de se inviabilizar o curso da ação e o alcance dos seus objetivos (STJ. Ag. 204.814/DF. Rel. Min. José Delgado. DJ 09/02/1999).

Ora, com o devido respeito, tais argumentos, além de indiferentes à realidade social, invertem a lógica jurídica; eles mais revelam as inadequações dos hodiernos procedimentos judiciais para a resolução de casos como os indicados do que qualquer outra coisa. Se, como há muito afirmam os processualistas (Jacob apud Cappelletti e Garth, 1988, p. 69), o procedimento é o que "insufla vida aos direitos substantivos" para torná-los efetivos, há uma grande contradição nas objeções à participação dos assentados em processos tais, pois eles fazem prevalecer o procedimento sobre o direito substantivo à moradia.

Vale lembrar, em reforço, a lição lapidar de Luiz Guilherme Marinoni (2007), segundo a qual o que legitima a prestação jurisdicional através do processo judicial é, especialmente, (a) a participação efetiva no processo dos sujeitos que podem sofrer os efeitos diretos da sentença, facultando-lhes plenas oportunidades de interferir na formação da decisão final; assim como (b) a construção e estruturação de procedimentos concretamente adequados às situações de direito substancial carentes de tutela e aos direitos fundamentais materiais (como o é o direito à moradia).

Significa, então, afirmar que todos os assentados, que às vezes se contam aos milhares, deveriam ser pessoalmente citados para integrar o polo passivo das demandas que visam atingir seu direito à moradia, sob pena de o processo ser ilegítimo? Não. Significa, isto sim, que o procedimento que vem sendo adotado em muitas ações judiciais revela ínfima consideração com a efetividade da defesa do direito à moradia, ou seja, com a concretização prática do discurso normativo vigente. É, por isso, um procedimento inadequado e ilegítimo.

Ou se buscam alternativas procedimentais que permitam a abertura do debate processual, através de algum satisfatório meio de representatividade em juízo dos assentados, ou o direito à moradia, mesmo em seu aspecto meramente defensivo, será convertido em simples instrumento de retórica vazia. As class action do Direito norte-americano, por exemplo, que inspiraram nossa ação civil pública, permitem que uma ou mais pessoas ajam no processo como "portadores adequados" dos interesses da classe ou da categoria envolvida no litígio de caráter coletivo (Mancuso, 2001, p. 164-165), ultrapassando assim, através da idônea representatividade dos interesses em xeque, o falso argumento prático levantado no Brasil contra o litisconsórcio necessário.

Nada de parecido a esse instituto pode ser encontrado em nossas ações civis públicas. No entanto, negar o caráter imprescindível da representatividade dos assentados nesses processos judiciais é negar a sua própria condição de cidadãos; é negar até mesmo, em última instância, sua condição primeira de pessoas humanas, transformando- os em aviltante objeto de uma prestação: o despejo pelo poder público.

Ninguém detém poder legítimo para fazer de pessoas – seres dotados de desejo, vontade e razão – mera coisa inanimada!

Terceiro traço: segundo nossa prática judicial prevalecente, a perda da moradia dos assentados, quando de seu despejo forçado, não é indenizável.

Nas ações civis públicas em que ausentes os assentados (ou um representante destes), assim como nas liminares concedidas sem a oitiva dos assentados em ações de reintegração de posse, o direito à moradia não entra em cena no debate processual instaurado até a decisão de desalijo – até porque não tem quem o defenda. Figuram como "personagens únicos" as normas ambientais, as posturas urbanísticas e as normas do Código Civil acerca, por exemplo, da "melhor posse". É um debate processual mutilado. No entanto, quando os assentados intervêm no processo judicial, seja como réus ou como "terceiros prejudicados" (este é o caso das ações civis públicas), a questão da defesa da moradia e suas repercussões quase sempre emergem no debate processual. É dizer: mesmo que tarde, mesmo que a posteriori, o discurso normativo em torno do direito à moradia normalmente é invocado pelos assentados. A questão que se põe, então, é: Como a prática recebe e absorve o discurso?.

O traço geral que encontramos diz respeito à defesa subsidiária reiteradamente apresentada pelos assentados em suas petições, referente a um pedido de indenização pela perda de suas moradias em caso de julgamento favorável ao despejo forçado. A questão goza de grande dramaticidade, pois os processos judiciais não costumam deliberar sobre o destino dos assentados depois do desalijo; uma indenização poderia atenuar as dificuldades que teriam para produzir sua moradia em outro local. Mas, principalmente no STJ e em especial no que tange a assentamentos constituídos historicamente em áreas públicas, a indenização tem sido sistematicamente negada. Nesse sentido, vejam-se os seguintes acórdãos do STJ: R.Esp. 945.055/DF, julgado em 2009; R.Esp. 863.939/RJ, julgado em 2008; R.Esp. 699.374/DF, julgado em 2007. No TJERJ: Ap. Cível 2006.001.61756, julgada em 2007. Em sentido semelhante, com a diferença de tratar-se de área pública tombada, também no STJ, R.Esp. 808.708/RJ, julgado em 18/08/2009.

Com base em quê decidem os tribunais? Normalmente, com base em enrijecidas interpretações de Direito Civil, sem diálogo com a arquitetura jurídica do direito à moradia. Ou explicam que a moradia constituída, por exemplo, em área pública é mera detenção de bem fora do comércio; ou que, quando muito, é posse de má-fé, porque constituída sobre bem sabidamente alheio (público ou privado). Às vezes nossos tribunais acrescentam que as casas dos assentados a serem demolidas não geram vantagens ao proprietário (público ou privado) e concluem que não é devida indenização. Simples assim! Sobre o direito à moradia presencia-se de um trágico silêncio nesses julgados.

Vejamos dois casos exemplares.

No Recurso Especial 945.055/DF, julgado em 2009, o STJ se pronunciou sobre ação reivindicatória manejada contra o assentamento informal conhecido como "Chácaras da Colônia Agrícola IAPI – Região administrativa do Guará". Os assentados haviam estabelecido moradia ali e vinham trabalhando a terra havia mais de vinte anos. Além disso, chegaram a receber do poder público documento intitulado "Certificado para Regularização Fundiária". Invocando seu direito de propriedade sobre a área, a Companhia Imobiliária de Brasília Terracap ajuizou a citada ação e obteve êxito em primeira e segunda instâncias. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), todavia, reconheceu como direito dos assentados uma indenização pecuniária pela perda de suas moradias, dada a ciência e prolongada omissão e tolerância do Estado em relação à situação fática, equiparando juridicamente a ocupação exercida pelos assentados à posse de boa-fé do Direito Civil, que autoriza a citada indenização (Código Civil, arts. 1.219 e 1.255 do CC/2002). A companhia recorreu, então, ao STJ, pondo termo à controvérsia, acabou por reformar a decisão do TJDFT para negar qualquer direito de indenização. A ementa abaixo transcrita revela o límpido e rigoroso raciocínio técnico prevalecente.

ADMINISTRATIVO. OCUPAÇÃO DE ÁREA PÚBLICA POR PARTICULARES. CONSTRUÇÃO. BENFEITORIAS. INDENIZAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.

1. Hipótese em que o Tribunal de Justiça reconheceu que a área ocupada pelos recorridos é pública e não comporta posse, mas apenas mera detenção. No entanto, o acórdão equiparou o detentor a possuidor de boa-fé, para fins de indenização pelas benfeitorias. 2. O legislador brasileiro, ao adotar a Teoria Objetiva de Ihering, definiu a posse como o exercício de algum dos poderes inerentes à propriedade (art. 1.196 do CC). 3. O art. 1.219 do CC reconheceu o direito à indenização pelas benfeitorias úteis e necessárias, no caso do possuidor de boa-fé, além do direito de retenção. O correlato direito à indenização pelas construções é previsto no art. 1.255 do CC. 4. O particular jamais exerce poderes de propriedade (art. 1.196 do CC) sobre imóvel público, impassível de usucapião (art. 183, §3º, da CF). Não poderá, portanto, ser considerado possuidor dessas áreas, senão mero detentor. 5. Essa impossibilidade, por si só, afasta a viabilidade de indenização por acessões ou benfeitorias, pois não prescindem da posse de boa-fé (arts. 1.219 e 1.255 do CC). Precedentes do STJ. 6. Os demais institutos civilistas que regem a matéria ratificam sua inaplicabilidade aos imóveis públicos. 7. A indenização por benfeitorias prevista no art. 1.219 do CC implica direito à retenção do imóvel, até que o valor seja pago pelo proprietário. Inadmissível que um particular retenha imóvel público, sob qualquer fundamento, pois seria reconhecer, por via transversa, a posse privada do bem coletivo, o que está em desarmonia com o Princípio da Indisponibilidade do Patrimônio Público. 8. O art. 1.255 do CC, que prevê a indenização por construções, dispõe, em seu parágrafo único, que o possuidor poderá adquirir a propriedade do imóvel se "a construção ou a plantação exceder consideravelmente o valor do terreno". O dispositivo deixa cristalina a inaplicabilidade do instituto aos bens da coletividade, já que o Direito Público não se coaduna com prerrogativas de aquisição por particulares, exceto quando atendidos os requisitos legais (desafetação, licitação, etc.). 9. Finalmente, a indenização por benfeitorias ou acessões, ainda que fosse admitida no caso de áreas públicas, pressupõe vantagem, advinda dessas intervenções, para o proprietário (no caso, o Distrito Federal). Não é o que ocorre em caso de ocupação de áreas públicas. 10. Como regra, esses imóveis são construídos ao arrepio da legislação ambiental e urbanística, o que impõe ao Poder Público o dever de demolição ou, no mínimo, regularização. Seria incoerente impor à Administração a obrigação de indenizar por imóveis irregularmente construídos que, além de não terem utilidade para o Poder Público, ensejarão dispêndio de recursos do Erário para sua demolição. 11. Entender de modo diverso é atribuir à detenção efeitos próprios da posse, o que enfraquece a dominialidade pública, destrói as premissas básicas do Princípio da Boa-Fé Objetiva, estimula invasões e construções ilegais e legitima, com a garantia de indenização, a apropriação privada do espaço público.

12. Recurso Especial provido (STJ. 2ª Turma. R.Esp. 945.055/DF. Rel. Min. Herman Benjamin. Unânime. DJ 20/08/2009).

Embora menos técnico, o julgamento pelo TJERJ da Apelação Cível 2006.001.61756, datado de 2007, opera os mesmos efeitos do julgamento do STJ. Nele, o tribunal estadual se debruçou sobre ação civil pública proposta em 1998 pelo Ministério Público estadual em face do município de Belford Roxo, RJ, cujo objetivo era impor ao município a desobstrução de uma via pública inconclusa que havia sido ocupada para moradia por cerca de vinte famílias na década de 1980, demolindo as construções ali realizadas: ou seja, mais um despejo forçado. O pedido foi totalmente acolhido na sentença de primeira instância – sem a abertura prévia de contraditório aos assentados. Estes intervieram no processo apenas em segunda instância, como terceiros prejudicados, ocasião em que, em seu recurso, propugnaram pela defesa de sua moradia, arguiram que o poder público cobrava – e eles pagavam – há anos imposto territorial (IPTU) e, caso prevalecesse a sentença, reivindicaram direito de indenização. O Tribunal negou todos os pleitos dos assentados, equiparando- os a possuidores de má-fé, algo que tangencia a criminalidade, pelo fato de ser via púbica, ainda que inconclusa, a área em que suas moradias haviam sido edificadas. Como, segundo a letra do Código Civil, não cabe direito de indenização aos chamados possuidores de má-fé...

Ação Civil Pública. (...) Tendo em vista tratar-se de posse de má-fé, inexiste direito de indenização e retenção pelas acessões e benfeitorias existentes.19 19 Nesse ponto, a ementa faz referência implícita à interpretação a contrario sensu do art. 1.219 do CC/2002, segundo o qual apenas "[o] possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis". Não é crível que os invasores, por mais humildes que fossem, ignorassem que a sua posse estava irremediavelmente viciada. Afinal, ninguém constrói uma espécie de favela no meio da rua e não tem consciência de que está agindo em contrariedade às normas de convivência e do direito. Ninguém edifica uma casa no meio de uma via pública sem estar agindo de má-fé.20 20 Nesse ponto, a ementa faz referência implícita ao conceito, a contrario sensu, de possuidor de má-fé insculpido no caput do art. 1.201 do CC/2002, que enuncia: "É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa". Ainda mais no caso dos recorrentes, que desenvolveram sua posse ameaçando e amedrontando os vizinhos, que tiveram de assistir impotentes ao surgimento de uma favela a quatro metros de suas portas. Não estando, ademais, preenchidos os requisitos legais, inviável a concessão de uso especial de bem público (arts. 1º e 5º da Medida Provisória n. 2220/2001). Não há dúvida de que a posse deve atender a sua função social e que a invasão em causa é reflexo do conjunto de uma série de problemas sociais. Entretanto, essas questões devem ser resolvidas em harmonia com a Constituição e com as leis. A sentença não apresenta qualquer contradição, estando os prazos para seu cumprimento fixados em perfeita sintonia (TJERJ. 10ª Câmara Cível. Ap. Cível 2006.001.61756. Rel. Des. Nametala Jorge. Unânime. DJ 19/03/07)

Num concerto tão fechado e tão bem concatenado de conceitos e institutos de Direito Civil, principalmente acerca da posse, haverá espaço para a efetiva defesa do direito à moradia em juízo – ou seja, para a concretização prática do discurso normativo –, quando se impuser um confronto com esses mesmos conceitos e institutos tradicionais?

Não pretendemos discutir teses ou conceitos jurídicos em si, muito menos dentro do cerco dogmático tradicional. No entanto, não nos furtamos a registrar que é necessário promover uma profunda renovação do sistema codificado sobre institutos como a posse e a propriedade, declarando, inclusive, a inconstitucionalidade de alguns conceitos operacionais caducos, como o de posse de boa-fé (Código Civil, art. 1.201), quando a posse em questão houver sido instituída para fins de moradia: posse-moradia. Tal conceito é essencial, na sistemática do Código, para definir quando há ou não direito de retenção, de indenização, direito aos frutos, às benfeitorias, etc. (arts. 1.214-1.222), e efeitos de tal magnitude não podem, ainda hoje, estar à mercê do subjetivismo de o possuidor "ignorar" ou não o vício, ou obstáculo, que impede a aquisição da propriedade!

Tampouco nos furtamos a afirmar a necessidade de descolar o estudo da posse do estudo da propriedade, rompendo com o paradigma instaurado no Brasil pela teoria da posse do romanista alemão Rudolf Von Ihering (1818–1892), que é a fonte em que foi beber o legislador ao conceituar o possuidor no artigo 1.196 do Código Civil de 2002, repetindo o que já fizera o legislador de 1916 (art. 485).21 21 Para Ihering, "há, sempre, um certo paralelismo entre a posse e a propriedade. Isso significa que onde há propriedade é sempre possível a posse; onde não há propriedade, como no caso de coisas fora do comércio, não há também posse. Esse paralelismo (...) vem sempre demonstrar que a proteção possessória é concedida como complemento da propriedade e para assegurar-lhe o exercício" (Bessone, 1988, p. 252). Segundo essa teoria, grosso modo, a posse é a exteriorização da propriedade e, portanto, seria em função do conceito jurídico de propriedade que o estado de fato da posse (acessório e dependente) deveria ser pensado (Bevilaqua, 1956, p. 15-92; Bessone, p. 221-320). Devemos, ao contrário, defender a autonomia da posse e de sua tutela em relação à propriedade, antes de tudo por um princípio de realidade: a posse é que é real; ainda que muito importante, a propriedade descolada da posse é um título jurídico, um conceito. Além disso, no caso brasileiro, a propriedade imobiliária, rural ou urbana, não está disseminada pela população; afora a nossa histórica concentração de terras, desde a Lei do Império 601/1850 o contrato de compra e venda (ou seja, o mercado formal) é o meio por excelência da aquisição da propriedade, mas o mercado formal, que exige escritura pública e registro imobiliário (Código Civil, arts. 108 e 1.226), não é acessível a todos –, talvez nem mesmo à maioria (Abreu, 2009, cap. 1). Nesse sentido, vale ressaltar o fracasso de programas de disseminação do crédito imobiliário, como o Sistema Financeiro de Habitação, SFH, na tentativa de difundir o acesso à casa própria pelas classes mais pobres da população. Como demonstra recente pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, IPEA, para cada propriedade financiada pelo SFH entre 1964 e 1986 (foram 4,8 milhões de reais), foram constituídas ao menos três posses irregulares ou clandestinas em assentamentos informais (cerca de 15 milhões de reais) (Morais e Cruz, 2009). Nesse contexto, ao conceber a legalidade/ilegalidade da apropriação e ocupação do território brasileiro de modo enrijecido, referindo-se em última instância ao conceito central de propriedade, a dogmática jurídica tradicional e a prática judicial que a acolhe correm o mesmo risco do alienista de Machado de Assis, que se vê na contradição de, em certo momento, considerar "normal" apenas uma minoria da população.

Uma concepção da posse apartada da de propriedade permitiria, por exemplo, ultrapassar a rígida qualificação de meros detentores atribuída, por alguns acórdãos citados, aos moradores de assentamentos informais historicamente constituídos em áreas públicas, para negar-lhes o direito de indenização.

Diga-se, enfim, que o esforço de conferir autonomia de tratamento jurídico à posse frente à propriedade, utilizando-se principalmente do signo da função social de uma e outra, já vem sendo empreendido pela doutrina brasileira, e de forma contundente, podendo-se citar, apenas a título ilustrativo, a tese de Doutorado de Marcos Alcino de Azevedo Torres (2008) e os artigos interdisciplinares, de História e Direito, de Laura Beck Varela (2002a, 2002b, 2002c).

O que nos importa frisar é que, enrijecido o debate processual e preconcebido o conteúdo das teses e normas jurídicas, nenhum proveito gera aos assentados todo o longevo e importante discurso normativo construído em torno do direito à moradia; sua sorte, independentemente das circunstâncias de cada caso, estará previamente traçada – desde a Alemanha oitocentista, desde Ihering.

Afinal, onde está, na prática judicial retratada, a necessária ponderação com a "segurança jurídica da posse" dos assentados, que deveria ser enfrentada para atingirse uma decisão de "'despejo forçado"? Onde está a análise judiciosa do direito à moradia dos assentados, para explicar por que ele deve ceder frente a outros direitos e interesses? Onde está indicada a preocupação concreta com o destino dos assentados, após o despejo forçado? Não nas decisões judiciais – ao menos não na maioria delas! Não importa que os assentados tenham constituído sua moradia há anos, às vezes há mais de uma ou duas décadas; não importa que ajam sem clandestinidade ou violência; não importa a questão social e econômica subjacente; não importa que o poder público municipal tenha tolerado essa conduta prolongada por longos anos; não importa que o poder público tenha passado, até mesmo, a cobrar IPTU dos moradores do assentamento (TJERJ, Ap. Cível 2006.001.61756, 2007); tampouco importa que o próprio poder público tenha concedido aos assentados, no passado, documento que certificasse a "regularidade de sua ocupação" (STJ, R.Esp. 945.055/DF, 2009; STJ, R.Esp. 808.708/RJ, 2009); também não importa que o desalijo cause dano aos assentados, pela perda de suas moradias – o que importa, para negar-lhes uma indenização, como no R.Esp. 945.055/DF, é que as construções que edificaram em nada aproveitam ao poder público.

Casos judiciais que envolvem assentamentos informais são casos difíceis, em que não cabe o método da subsunção e não há uma resposta a priori, como já destacamos. Não estamos, contudo, defendendo uma prevalência invariável e absoluta do direito à moradia quando em confronto com outros direitos, bens e interesses fundamentais, mas sim que, a contar pelo discurso normativo vigente, as circunstâncias concretas supraenumeradas deveriam, obrigatoriamente, ser ponderadas nos processos judiciais em foco, garantindo-se um mínimo de efetividade que a moradia, como qualquer outro direito humano e fundamental, deve sempre preservar. Se a moradia não pode ser exercida em determinado lugar, e o assentamento informal precisa mesmo ser removido, ela deve ser exercida em outro lugar, que não turbe o acesso ao trabalho aos assentados. O re-assentamento adequado ou a indenização cabal formam o núcleo mínimo da defesa do direito à moradia. E não estamos sós em tal posicionamento.

A grande novidade da ordem jurídica brasileira, mas que ainda não foi totalmente compreendida, é que onde valores constitucionais forem incompatíveis e um tiver que prevalecer sobre o outro, medidas concretas [têm] que ser tomadas para mitigar ou compensar o valor afetado. É esse o espírito da mencionada MP n. 2.220/2001: se o direito de moradia dos ocupantes de assentamentos informais em terras públicas não puder ser exercido no mesmo local, devido a razões ambientais, o direito de moradia continua prevalecendo, devendo ser exercido em outro lugar adequado (Fernandes, 2006, p. 357).

CONCLUSÃO

A despeito do que declaram nossas leis, o que temos visto em juízo, com poucas exceções, é uma verdadeira espoliação da defesa dos cidadãos que vivem em assentamentos informais, em sua maioria pessoas pobres. Em processos judiciais que combatem, com argumentos jurídicos, a produção de moradia nesses assentamentos, mostra-se dominante um comportamento processual (principalmente do judiciário) que bloqueia a discussão e aplicação efetiva do direito à moradia em favor dos assentados.

Não à toa, portanto, o relatório de monitoramento do direito à moradia no Brasil, endereçado à ONU em 2004, chega a sugerir que nossos tribunais não enxergam os grupos vulneráveis (notadamente, a parte das classes mais pobres obrigada a produzir sua moradia na informalidade) como titulares do direito à moradia. Diz o relatório: "... uma medida importante é o reconhecimento dos grupos vulneráveis como titulares do direito à moradia, não podendo ser discriminados em razão da origem social, posição econômica, origem étnica, sexo, raça ou cor" (Saule Jr., 2006, p. 248).

Tudo isso considerado, podemos infelizmente confirmar, para caso específico que nos moveu, a hipótese sociológica de Boaventura de Souza Santos levantada na introdução deste artigo, não como uma verdade irretorquível, pois não estamos no campo das ciências exatas, mas como uma tônica prevalecente em nossa prática judicial atual: "Quanto mais caracterizadamente uma lei protege os interesses populares e emergentes maior é a probabilidade de que ela não seja aplicada".

Resta o desafio da luta, no Direito e fora dele, para mudar essa realidade.

NOTAS

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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LEGISLAÇÃO CONSULTADA

ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos de 10 de dezembro de 1948, adotada e proclamada pela Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas.

_____. Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 16 de dezembro de 1966, adotado pela Resolução nº 2.200 A (XXI) da Assembleia Geral das Nações Unidas e ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992.

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_____. Lei 7.347 de 24 de julho de 1985, que disciplina a ação civil pública.

_____. Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988.

_____. Lei 10.257 de 10 de julho de 2001, que institui o Estatuto da Cidade.

_____. Medida Provisória 2.220 de 4 de setembro de 2001, que dispõe sobre a concessão de uso especial de que trata o §1º do art. 183 da Constituição, cria o Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano (CNDU) e dá outras providências (em tramitação).

_____. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil.

IMPÉRIO DO BRASIL. Lei 601 de 18 de setembro de 1850, que dispõe sobre as terras devolutas do Império.

_____. Lei 1.237 de 26 de setembro de 1864, que reforma a legislação hypothecaria.

PROCESSO JUDICIAL ANALISADO INTEGRALMENTE

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Ação Civil Pública autuada originalmente sob o nº 1998.683.010033-9; julgamento do Superior Tribunal de Justiça transitado em julgado em maio de 2009.

PRECEDENTES JUDICIAIS CONSULTADOS

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Ag. I. 204.814/DF. Rel. Min. José Delgado. DJ 09/02/1999.

_____. R.Esp. 189.278/RJ. Rel. Min. Eliana Calmon. DJ 29/11/2000.

_____. R.Esp. 699.374/DF. Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito. DJ 18/06/2007.

_____. R.Esp. 808.708/RJ. Rel. Min. Herman Benjamin. DJ 04/05/2011.

_____. R.Esp. 863.939/RJ. Rel. Min. Eliana Calmon. DJ 24/11/2008.

_____. R.Esp. 945.055/DF. Rel. Min. Herman Benjamin. DJ 20/08/2009.

_____. R.Esp. 1.034.134/RJ. Rel. Min. Humberto Martins. DJ 14/04/2009. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Ag.I. 2.200/95. Rel. Des. Martinho Campos. DJ 09/04/1996.

_____. Ap.Cível 2006.001.61756, Rel. Des. Nametala Jorge. DJ 19/03/2007.

NOTÍCIAS CONSULTADAS

AGÊNCIA BRASIL DE FATO. Polícia despeja violentamente moradores de ocupação na Zona Sul – pelo menos 570 das 800 famílias despejadas, do acampamento Olga Benário, devem permanecer na rua. Disponível em: www.brasildefato.com.br/v01/agencia/nacional/policia-despeja-violentamentemoradores- de-ocupacao-da-zona-sul. Acesso em: 25 ago. 2009.

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Artigo aprovado (08/12/2011)

Recebido em 24/01/2011

Agradeço a meu orientador de Mestrado, o sociólogo Maurício Vieira Martins, pelo estímulo e pelo rigor metodológico com que avaliou boa parte dos resultados aqui apresentados, desde o início da pesquisa, em 2007.

  • ABREU, João Maurício Martins de. A efetividade da defesa da moradia em juízo: estudo de casos no Brasil. Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da UFF. Dissertação de Mestrado, 2009.
  • BESSONE, Darcy. Direitos reais São Paulo: Saraiva, 1988.
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  • _____. R.Esp. 189.278/RJ. Rel. Min. Eliana Calmon. DJ 29/11/2000.
  • _____. R.Esp. 699.374/DF. Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito. DJ 18/06/2007.
  • _____. R.Esp. 808.708/RJ. Rel. Min. Herman Benjamin. DJ 04/05/2011.
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  • _____. R.Esp. 945.055/DF. Rel. Min. Herman Benjamin. DJ 20/08/2009.
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  • TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Ag.I. 2.200/95. Rel. Des. Martinho Campos. DJ 09/04/1996.
  • _____. Ap.Cível 2006.001.61756, Rel. Des. Nametala Jorge. DJ 19/03/2007.
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  • 15
    1 5 "Art. 1º. Aquele que, até 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinquenta metros quadrados de imóvel público situado em área urbana, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bem objeto da posse, desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural. §1º. A concessão de uso especial para fins de moradia será conferida de forma gratuita ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. §2º. O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao mesmo concessionário mais de uma vez. §3º. Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, na posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão".
  • 1
    Essas pressuposições encontram amparo em documentos internacionais sobre o chamado direito à moradia, dentre os quais figura a Recomendação n. 4 (1991) do Comitê Geral da ONU acerca do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966: "§7º. Na visão do Comitê, o direito a moradia não deveria ser interpretado em sentido restritivo que o equiparasse com, por exemplo, o abrigo obtido por ter apenas um telhado [sobre] a cabeça ou a visões que o equiparam a mercadoria. Ao contrário, deve ser visto como o direito de viver em algum lugar em segurança, paz e dignidade".
  • 2
    Essas fortes afirmações encontram amparo, p.ex., em Villey, 2003, p. 185-186; Comparato, 2006, p. 361-363; Calamandrei: 2003, p. 179-197, esp. 181-184.
  • 3
    Documento adotado e proclamado pela Resolução n. 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas, com 48 (quarenta e oito) votos favoráveis e 8 (oito) abstenções. Sobre o tema, resumidamente, Piovesan, 2008, p. 3-13, 19-21.
  • 4
    As reservas não podem imobilizar nossa praxis. Por isso, preferimos seguir os passos de Boaventura de Souza Santos, que defende uma apropriação contra-hegemônica dos direitos humanos, a fim de não deixar o seu potencial emancipatório reprimido pelos estreitos limites do discurso neoliberal que tem sido dominante a respeito do assunto (Santos, 2007, esp. p. 34-35).
  • 5
    Não obstante o termo utilizado no artigo ser "habitação" e não "moradia", como passou a ser de praxe nos documentos internacionais posteriores, adota-se aqui o termo "direito à moradia" porque as normas de Direito interno referem-se, principalmente, à defesa e provisão da "moradia" e também porque existe no Direito Civil brasileiro a figura jurídica do "direito real de habitação" (art. 1.225, VI do CC/2002), cujo conteúdo, muito restrito, não se confunde com o amplo espectro do direito à moradia.
  • 6
    Nesse sentido, a Resolução 32/130 da ONU, posteriormente reforçada pelo §5º da Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993, estabelece: "todos os direitos humanos, qualquer que seja o tipo a que pertencem, se inter-relacionam necessariamente entre si, e são indivisíveis e interdependentes".
  • 7
    "Art. 11. Os Estados signatários do presente pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e para sua família, inclusive alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma contínua melhoria de suas condições de vida".
  • 8
    Cf. art. 5º, XXIII, arts. 170, III e 182, §2º, da Constituição.
  • 9
    Cf. art. 7º, IV, da Constituição.
  • 10
    É o que prevê o art. 23, IX, da Constituição.
  • 11
    Cf. art. 183 da Constituição.
  • 12
    Cf. art. 191 da Constituição
  • 13
    A Lei 11.481/2007 acrescentou ao art. 1.225 do CC/2002 um inciso XI e passou a estabelecer: "Art. 1.225. São direitos reais: (...) XI – a concessão de uso especial para fins de moradia".
  • 14
    "Art. 2º. A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; (...) XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais".
  • 1
    515 "Art. 1º. Aquele que, até 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinquenta metros quadrados de imóvel público situado em área urbana, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bem objeto da posse, desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural. §1º. A concessão de uso especial para fins de moradia será conferida de forma gratuita ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. §2º. O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao mesmo concessionário mais de uma vez. §3º. Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, na posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão".
  • 16
    O delicado conceito de favela aqui adotado – pela necessidade de alguma objetividade conceitual e pelo fato de, segundo parece, as dissidências em torno do tema não interferirem no que iremos defender – será aquele utilizado pelo IBGE, que toma o termo como sinônimo de aglomerado subnormal, isto é, conjunto de no mínimo 51 residências que ocupam terreno alheio (público ou privado), que estão organizadas de forma desordenada, com elevada densidade populacional e carência de serviços públicos essenciais (IBGE, 2000). Acesso em: 23 set. 2009). Para uma crítica dessa definição, Valladares, 2005, p. 149-150. Loteamento irregular, por sua vez, é aquele que, não se enquadrando no conceito de favela, não tem projeto aprovado na prefeitura, mas pode ser regularizado. Já o loteamento clandestino, fora mais uma vez o caso das favelas, é aquele feito por pessoas que não são proprietárias da área loteada e, por isso, não é passível de regularização.
  • 17
    Sobre o tema, desde a década de 1960, anota o civilista alemão Karl Larenz, com grande influência no Brasil: "A 'ponderação de bens no caso concreto' é um método de desenvolvimento do Direito, pois que serve para solucionar colisões de normas – para as quais falta uma regra expressa na lei –, para delimitar umas das outras as esferas de aplicação das normas que se entrecruzam e, com isso, concretizar os direitos cujo âmbito, como o do direito geral da personalidade, ficou em aberto" (Larenz, 1997, p. 587). No Brasil, o tema tem grande relevância na literatura constitucionalista. Por todos, Sarmento, 2000.
  • 18
    O caso da metrópole fluminense está brevemente relatado em Fórum Estadual de Luta pela Reforma Urbana/RJ. Relatório de situações de violação do direito à moradia digna no estado do Rio de Janeiro. Disponível em:
    http://cedes.iuperj.br/PDF/06agosto/anexos/relatorio-direito-a-moradia.pdf. Acesso em: 20 nov. 2008. Para mais detalhes, compêndio de reportagens e permanente atualização sobre o conflito. Disponível em:
    http://concacidadania.blogspot.com/. Acesso em: 20 set. 2009. Já para casos da metrópole de São Paulo, Remoção de favela provoca congestionamento recorde (Folha de São Paulo), e Moradores e PMs entram em confronto (
    O Estado de São Paulo). Disponível em:
    www.sptrans.com.br/clipping_anteriores/2007/dezembro2007/clipping121207/pagina1.htm. Acesso em: 20 set. 2009. Ver também: Polícia despeja violentamente moradores de ocupação na Zona Sul – pelo menos 570 das 800 famílias despejadas, do acampamento Olga Benário, devem permanecer na rua (Agência Brasil de Fato). Disponível em:
  • 19
    Nesse ponto, a ementa faz referência implícita à interpretação
    a contrario sensu do art. 1.219 do CC/2002, segundo o qual apenas "[o] possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis".
  • 20
    Nesse ponto, a ementa faz referência implícita ao conceito,
    a contrario sensu, de possuidor de má-fé insculpido no
    caput do art. 1.201 do CC/2002, que enuncia: "É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa".
  • 21
    Para Ihering, "há, sempre, um certo paralelismo entre a posse e a propriedade. Isso significa que onde há propriedade é sempre possível a posse; onde não há propriedade, como no caso de coisas fora do comércio, não há também posse. Esse paralelismo (...) vem sempre demonstrar que a proteção possessória é concedida como complemento da propriedade e para assegurar-lhe o exercício" (Bessone, 1988, p. 252).
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    Centro – 20.091-005
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Abr 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011
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