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Desigualdade de gênero: sobre garantias e responsabilidades sociais de homens e mulheres

Gender inequality: on warranties and social responsibilities of men and women

Resumos

Aborda-se a desigualdade de gênero, situando-a no contexto problemático geral da avaliação da igualdade no seio de sociedades contemporâneas, que, embora plurais, adotam concepções éticas com certo grau de homogeneidade, influenciadas pela cultura e pelo modo de vida capitalistas. esse contexto ético sugere o âmbito das atividades produtoras de valor econômico como espaço privilegiado para a atribuição de valor social à conduta individual e a avaliação da igualdade. Propõe-se a possibilidade de ampliação desses espaços de julgamento ético, com ênfase na consideração do âmbito das atividades voltadas ao cuidado com o ambiente doméstico. essa mudança de enfoque revela que as origens profundas das desigualdades materiais entre homens e mulheres estão além da mera discriminação motivada arbitrariamente pelo gênero. Alcançam estruturas sociais pelas quais as sociedades capitalistas moldaram a atividade humana, tanto no mercado como na família. Aborda-se o papel que a ciência jurídica pode desempenhar, em uma ordem democrática, na revisão de parâmetros ético-jurídicos, atualizando o significado do valor fundamental da igualdade em vista dos anseios e das necessidades dos indivíduos.

desigualdade de gênero; ética capitalista; pluralismo e democracia; análise jurídica e avaliação da igualdade


It deals with gender inequality, located it in the context of the evaluation problem of equality within contemporary societies that, although pluralistic, adopt ethical views with some degree of homogeneity, influenced by capitalist culture and way of life. This context suggests the ethical framework of the activities producing economic value as a privileged space for the allocation of social value to individual conduct and evaluation of equality. It is proposed the possibility of expanding these spaces of ethical judgment, with emphasis on consideration of activities related to care of the home environment. This shift in focus shows that the origins of the profound material inequalities between men and women are beyond mere arbitrary discrimination motivated by gender. achieve social structures in which capitalist societies shaped the human activity, both in the market and within the family. Discusses the role that jurisprudence in a democratic order can play in the review of ethical and legal parameters, updating the meaning of the fundamental value of equality in view of the wishes and needs of individuals.

gender inequality; capitalist ethics; pluralism and democracy; jurisprudence and assessment of equality


ARTIGOS

Desigualdade de gênero: sobre garantias e responsabilidades sociais de homens e mulheres

Gender inequality: on warranties and social responsibilities of men and women

Daniel Viana Teixeira

Mestre em direito constitucional pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Procurador federal da advocacia-geral da união

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Daniel Viana Teixeira Rua Carolina Sucupira, 1180, ap. 1301 Aldeota -60140-120 Fortaleza - CE - Brasil daniel.teixeira@agu.gov.br

RESUMO

Aborda-se a desigualdade de gênero, situando-a no contexto problemático geral da avaliação da igualdade no seio de sociedades contemporâneas, que, embora plurais, adotam concepções éticas com certo grau de homogeneidade, influenciadas pela cultura e pelo modo de vida capitalistas. esse contexto ético sugere o âmbito das atividades produtoras de valor econômico como espaço privilegiado para a atribuição de valor social à conduta individual e a avaliação da igualdade. Propõe-se a possibilidade de ampliação desses espaços de julgamento ético, com ênfase na consideração do âmbito das atividades voltadas ao cuidado com o ambiente doméstico. essa mudança de enfoque revela que as origens profundas das desigualdades materiais entre homens e mulheres estão além da mera discriminação motivada arbitrariamente pelo gênero. Alcançam estruturas sociais pelas quais as sociedades capitalistas moldaram a atividade humana, tanto no mercado como na família. Aborda-se o papel que a ciência jurídica pode desempenhar, em uma ordem democrática, na revisão de parâmetros ético-jurídicos, atualizando o significado do valor fundamental da igualdade em vista dos anseios e das necessidades dos indivíduos.

Palavras-chave: desigualdade de gênero; ética capitalista; pluralismo e democracia; análise jurídica e avaliação da igualdade.

ABSTRACT

It deals with gender inequality, located it in the context of the evaluation problem of equality within contemporary societies that, although pluralistic, adopt ethical views with some degree of homogeneity, influenced by capitalist culture and way of life. This context suggests the ethical framework of the activities producing economic value as a privileged space for the allocation of social value to individual conduct and evaluation of equality. It is proposed the possibility of expanding these spaces of ethical judgment, with emphasis on consideration of activities related to care of the home environment. This shift in focus shows that the origins of the profound material inequalities between men and women are beyond mere arbitrary discrimination motivated by gender. achieve social structures in which capitalist societies shaped the human activity, both in the market and within the family. Discusses the role that jurisprudence in a democratic order can play in the review of ethical and legal parameters, updating the meaning of the fundamental value of equality in view of the wishes and needs of individuals.

Keywords: gender inequality; capitalist ethics; pluralism and democracy; jurisprudence and assessment of equality.

INTRODUÇÃO

A reflexão sobre os temas igualdade e desigualdade, sob seus diversos aspectos, envolve discussões e questionamentos que, quanto mais aprofundados, tendem a ser frequentemente renovados e a revelar novas dimensões e possibilidades de abordagem. De modo específico, a questão da desigualdade de gênero, que foi objeto de grandes discussões no meio político e acadêmico e de variadas intervenções institucionais durante todo o século recém encerrado, não foge a essa tendência.

A dinâmica social força uma constante revisão das avaliações sobre os critérios mais justos e igualitários de distribuição, entre os sexos, das diversas responsabilidades implicadas na vida em sociedade - relacionadas à família, à comunidade, ao meio político etc. - e dos direitos e as garantias que a ordem social provê, em vista dessa distribuição e das características que definem cada sexo.

O modo como se dá tal distribuição no ambiente familiar e o acesso ao mercado de trabalho são temas centrais nas discussões sobre desigualdade entre os sexos. Neste artigo, serão abordados esses temas específicos, dentro do universo mais amplo da desigualdade de gênero, sugerindo-se uma revisão sobre o modo como têm sido comumente tratados pelos meios político e acadêmico e sobre o modo como são percebidos pelo senso comum.

Propõe-se um enfoque diferenciado sobre essas discussões, menos restrito ao aspecto econômico das relações entre os sexos, e que, ademais, contemple com bastante ênfase uma revisão dos papéis tradicionalmente desempenhados por cada um no seio da família.

Para facilitar a visualização e a compreensão dessa revisão, analisam-se as diferenças de tratamento entre os gêneros que o ordenamento jurídico brasileiro contempla na concessão de direitos sociais como a licença gestante e o benefício previdenciário do salário maternidade, diretamente relacionados ao dever social de cuidado com a primeira infância. Tal enfoque se mostrará significativamente revelador sobre a necessidade de uma abordagem renovada do tema da desigualdade entre os gêneros.

1 SOBRE LIBERDADE E IGUALDADE

A compreensão do senso ético da maioria das democracias contemporâneas passa pela abordagem dos valores liberdade e igualdade como fundamentais e orientadores de todo o seu arcabouço jurídico e institucional. O conteúdo significativo que esses valores abstratos carregam na prática guarda relação direta com uma concepção individualista do homem e da sociedade.

Sobre o valor liberdade, adota-se a perspectiva do indivíduo para a avaliação dos modos adequados de seu exercício. 1 Para Bobbio (1994), o "nexo recíproco entre liberalismo e democracia é possível porque ambos têm um ponto de partida comum: o indivíduo. Ambos repousam sobre uma concepção individualista da sociedade" (p.45). 1 1 Para Bobbio (1994), o "nexo recíproco entre liberalismo e democracia é possível porque ambos têm um ponto de partida comum: o indivíduo. Ambos repousam sobre uma concepção individualista da sociedade" (p.45). Deseja-se uma sociedade cuja conformação acrescente ao indivíduo maiores possibilidades de ação, seja no âmbito da autodeterminação individual (perspectiva liberal), seja no âmbito da autodeterminação coletiva (perspectiva democrática). 2 Nesse sentido, Cademartori (2006): "A diferença entre as teorias liberal e democrática reside em que a primeira tende a restringir o poder coletivo e a dilatar a esfera de autodeterminação individual, enquanto a segunda dilata a esfera de autodeterminação coletiva, restringindo a regulação heterônoma. A teoria liberal considera o problema da liberdade em função do indivíduo isolado, enquanto a teoria democrática o faz em função do individuo enquanto membro de uma coletividade. Cada teoria responde a uma pergunta diferente. A primeira, sobre o significado da liberdade para o indivíduo isolado, e a segunda, sobre o significado de liberdade para o indivíduo enquanto parte de um todo" (p.32). 2 2 Nesse sentido, Cademartori (2006): "A diferença entre as teorias liberal e democrática reside em que a primeira tende a restringir o poder coletivo e a dilatar a esfera de autodeterminação individual, enquanto a segunda dilata a esfera de autodeterminação coletiva, restringindo a regulação heterônoma. A teoria liberal considera o problema da liberdade em função do indivíduo isolado, enquanto a teoria democrática o faz em função do individuo enquanto membro de uma coletividade. Cada teoria responde a uma pergunta diferente. A primeira, sobre o significado da liberdade para o indivíduo isolado, e a segunda, sobre o significado de liberdade para o indivíduo enquanto parte de um todo" (p.32).

A definição dos critérios de julgamento acerca daquilo que aumenta ou diminui a liberdade num grupo social requer a definição prévia sobre a forma de distribuição da liberdade. Fica clara a pressuposição de um princípio igualitário como forma de distribuição desse bem, julgado importante, no contexto coletivo. 3 Para Ronald Dworkin (2005), a cultura política do ocidente não se orienta por valores fundamentais distintos e irreconciliáveis, conforme sugere a dicotomia liberdade versus igualdade, comumente adotada para descrever o espectro de opções político-ideológicas em que se dividem as sociedades ocidentais. Para ele, qualquer teoria política que se pretenda defensável no contexto civilizatório atual deve se orientar pelo mesmo valor fundamental, a igualdade. 3 3 Para Ronald Dworkin (2005), a cultura política do ocidente não se orienta por valores fundamentais distintos e irreconciliáveis, conforme sugere a dicotomia liberdade versus igualdade, comumente adotada para descrever o espectro de opções político-ideológicas em que se dividem as sociedades ocidentais. Para ele, qualquer teoria política que se pretenda defensável no contexto civilizatório atual deve se orientar pelo mesmo valor fundamental, a igualdade. Uma sociedade é mais livre quando promove em igualdade a liberdade individual. Não importa simplesmente promover o aumento da liberdade, mas promovê-lo de forma igualitária para cada indivíduo.

Frequentemente, expõe-se o contraste entre propostas éticas alternativas - por exemplo, entre teorias liberais ou democráticas, de direita ou de esquerda, capitalistas ou socialistas - como orientado pela escolha entre os valores liberdade ou igualdade, tomados tais valores como fundamentais e em antagonismo irreconciliável. Tal compreensão não é rigorosamente correta, uma vez que essas teorias pressupõem um fundamento igualitário comum. 4 Segundo Dworkin (2005): "Acredita-se que, se a liberdade e a igualdade, estiverem em conflito, é preciso fazer uma escolha angustiante entre as duas virtudes. Um mapa conhecido dos argumentos políticos, de fato, posiciona os partidos ou grupos políticos ao longo de uma escala definida pelas escolhas que cada uma faz em tal situação. A escala vai do absolutismo da liberdade em um extremo (a liberdade não deve ceder nunca à igualdade quando estiverem em conflito) e um absolutismo inverso da igualdade no outro extremo. As opiniões mais moderadas posicionam-se supostamente entre esses dois pólos, atribuindo pesos relativos diversos às duas virtudes políticas. Contudo essa topografia popular é, acredito, profundamente equivocada como relato de opiniões existentes em nossa cultura política. Nenhuma teoria que respeite os pressupostos fundamentais que definem essa cultura poderia subordinar a igualdade à liberdade, concebidas como ideais normativos, em hipótese alguma. Qualquer disputa genuína entre a liberdade e a igualdade é uma disputa que a liberdade deve perder" (p.169). 4 4 Segundo Dworkin (2005): "Acredita-se que, se a liberdade e a igualdade, estiverem em conflito, é preciso fazer uma escolha angustiante entre as duas virtudes. Um mapa conhecido dos argumentos políticos, de fato, posiciona os partidos ou grupos políticos ao longo de uma escala definida pelas escolhas que cada uma faz em tal situação. A escala vai do absolutismo da liberdade em um extremo (a liberdade não deve ceder nunca à igualdade quando estiverem em conflito) e um absolutismo inverso da igualdade no outro extremo. As opiniões mais moderadas posicionam-se supostamente entre esses dois pólos, atribuindo pesos relativos diversos às duas virtudes políticas. Contudo essa topografia popular é, acredito, profundamente equivocada como relato de opiniões existentes em nossa cultura política. Nenhuma teoria que respeite os pressupostos fundamentais que definem essa cultura poderia subordinar a igualdade à liberdade, concebidas como ideais normativos, em hipótese alguma. Qualquer disputa genuína entre a liberdade e a igualdade é uma disputa que a liberdade deve perder" (p.169).

O que diferencia as diversas concepções éticas não é a dicotomia oriunda da escolha entre os valores fundamentais igualdade e liberdade ou a busca de um meio-termo entre ambos. A questão fundamental que as diferencia é a escolha do âmbito ou aspecto da ordem social em que a igualdade deverá ser avaliada.

Na modernidade, a igualdade não pode ser compreendida como um princípio uniformizador que postule reduzir toda a desigualdade entre as pessoas e seus modos de vida. Reconhecer a dignidade moral dos indivíduos, concedendo igual consideração a cada um deles, importa em reconhecer a possibilidade de preferência por diferentes valores e objetivos. Implica também reconhecer que as pessoas não se diferenciam apenas por suas preferências, mas, ainda, por características e circunstâncias pessoais, como condições orgânicas e de saúde, habilidades físicas e mentais, idade, sexo, raça, além de distintos contextos sociais, ambientais, culturais e econômicos.

A própria diversidade humana coloca uma dificuldade teórica fundamental em relação à exigência de igual consideração, uma vez que é impossível dar conta de todas as especificidades e circunstâncias individuais, a fim de formular uma proposta ética abrangente. O problema que se configura consiste em como justificar a obrigação moral/jurídica/política de forma convincente e razoável para os que se submeteriam à ordem social, quando se tem uma sociedade tão diversificada e plural.

A estratégia adotada pela filosofia moral e política, em vista dessa dificuldade, varia ao longo do tempo e de acordo com o caráter da sociedade tratada. O procedimento basicamente adotado pelas diferentes teorias consiste em eleger algum aspecto da ordem social em relação ao qual se entenda fundamental o tratamento igualitário dos indivíduos e assimilá-lo à igualdade, enquanto valor a ser buscado. Esse aspecto da ordem social considerado importante para a avaliação da igualdade é denominado por Sen (2001) de "variável focal".

As vantagens e desvantagens relativas que as pessoas têm, comparadas umas às outras, podem ser julgadas em termos de muitas variáveis diferentes, p. ex., suas respectivas rendas, riquezas, utilidades, recursos, liberdades, direitos, qualidade de vida, e assim por diante. A pluralidade de variáveis que podemos focalizar (as variáveis focais) para avaliar a desigualdade interpessoal faz com que seja necessário enfrentar, em nível bem elementar, uma difícil decisão com respeito à perspectiva a ser adotada. Este problema da escolha do "espaço de avaliação" [evaluative space] (quer dizer, a seleção das variáveis focais relevantes) é crucial para analisar a desigualdade. (p. 51)

Uma das consequências desse procedimento é que a promoção e a justificação da igualdade, em um determinado espaço de avaliação, implicam, como corolário da exigência de respeito à diversidade humana (igual consideração), aceitar a legitimidade da desigualdade nos demais aspectos sociais eticamente avaliáveis.

Por considerações dessa natureza, Sen (2001) entende como fundamental para a avaliação ética da igualdade a definição do espaço, ou da variável focal, em que esse valor será abordado, problema que pode ser expresso sob a forma da questão: igualdade de quê? A resposta a tal questionamento implica não somente a definição de espaços e valores considerados básicos ou essenciais num ordenamento social, em relação aos quais a igualdade deve ser buscada, mas também a justificação de desigualdades que, desde que ocorram fora do âmbito escolhido, ou seja, desde que periféricas, devem ser toleradas em nome mesmo dessa igualdade básica ou central. 5 Conforme Sen (2001): "A questão importante na presente discussão é a natureza da estratégia para justificar a desigualdade por meio da igualdade. A abordagem de Nozick é um exemplo lúcido e elegante desta estratégia geral. Se uma pretensão de que a desigualdade em algum espaço significativo é correta (ou boa, ou aceitável, ou tolerável) vai ser defendida com razões (e não, digamos, atirando nos que discordam), a forma do argumento consiste em mostrar que esta desigualdade é uma conseqüência da igualdade em algum outro espaço - fundamentalmente mais importante. Dado o amplo acordo sobre a necessidade de ter igualdade na 'base', e também a conexão desse amplo acordo com a necessidade de imparcialidade entre os indivíduos [...], os argumentos cruciais têm de ser sobre a razoabilidade das 'bases' escolhidas. Por isso, a pergunta 'igualdade de quê?' não é, neste contexto, materialmente distinta da interrogação: 'qual é o espaço correto para a igualdade basal?'. A resposta que damos a 'igualdade de quê?' não somente endossará a igualdade naquele espaço escolhido (a variável focal relacionando-se com as exigências de igualdade basal), mas terá conseqüências de longo alcance sobre os padrões distributivos (incluindo as necessárias desigualdades) nos outros espaços" (p.52). A teoria política de Robert Nozick, mencionada por Sen, é classificada dentro da filosofia política contemporânea na corrente denomina "libertarismo", ao lado, por exemplo, de Friedrich von Rayek. Sua "teoria da titularidade" parte do pressuposto inicial de que as pessoas têm direitos legítimos que devem ser respeitados pelos outros. Postula que qualquer distribuição de bens e direitos livremente acordada deve ser considerada justa. Em vista disso, entende que a atuação do Estado deve ser restrita à manutenção das condições institucionais necessárias para a garantia do princípio da livre transferência dos bens legitimamente titularizados. Desse modo, considera-se injusta, por exemplo, qualquer política tributária que exceda o necessário para a manutenção de tais instituições (polícia, justiça etc.) e que se destine a manter políticas redistributivas de renda ou de prestação de serviços sociais de saúde e previdência. Para uma crítica da teoria de Nozick, ver: KYMLICKA, Filosofia política contemporânea: uma introdução (São Paulo: Martins Fontes, 2006) e RENAUT, As filosofias políticas contemporâneas (Lisboa: Piaget, 2002). 5 5 Conforme Sen (2001): "A questão importante na presente discussão é a natureza da estratégia para justificar a desigualdade por meio da igualdade. A abordagem de Nozick é um exemplo lúcido e elegante desta estratégia geral. Se uma pretensão de que a desigualdade em algum espaço significativo é correta (ou boa, ou aceitável, ou tolerável) vai ser defendida com razões (e não, digamos, atirando nos que discordam), a forma do argumento consiste em mostrar que esta desigualdade é uma conseqüência da igualdade em algum outro espaço - fundamentalmente mais importante. Dado o amplo acordo sobre a necessidade de ter igualdade na 'base', e também a conexão desse amplo acordo com a necessidade de imparcialidade entre os indivíduos [...], os argumentos cruciais têm de ser sobre a razoabilidade das 'bases' escolhidas. Por isso, a pergunta 'igualdade de quê?' não é, neste contexto, materialmente distinta da interrogação: 'qual é o espaço correto para a igualdade basal?'. A resposta que damos a 'igualdade de quê?' não somente endossará a igualdade naquele espaço escolhido (a variável focal relacionando-se com as exigências de igualdade basal), mas terá conseqüências de longo alcance sobre os padrões distributivos (incluindo as necessárias desigualdades) nos outros espaços" (p.52). A teoria política de Robert Nozick, mencionada por Sen, é classificada dentro da filosofia política contemporânea na corrente denomina "libertarismo", ao lado, por exemplo, de Friedrich von Rayek. Sua "teoria da titularidade" parte do pressuposto inicial de que as pessoas têm direitos legítimos que devem ser respeitados pelos outros. Postula que qualquer distribuição de bens e direitos livremente acordada deve ser considerada justa. Em vista disso, entende que a atuação do Estado deve ser restrita à manutenção das condições institucionais necessárias para a garantia do princípio da livre transferência dos bens legitimamente titularizados. Desse modo, considera-se injusta, por exemplo, qualquer política tributária que exceda o necessário para a manutenção de tais instituições (polícia, justiça etc.) e que se destine a manter políticas redistributivas de renda ou de prestação de serviços sociais de saúde e previdência. Para uma crítica da teoria de Nozick, ver: KYMLICKA, Filosofia política contemporânea: uma introdução (São Paulo: Martins Fontes, 2006) e RENAUT, As filosofias políticas contemporâneas (Lisboa: Piaget, 2002).

As diversas doutrinas morais e políticas, ao abordarem o tema da justificação da igualdade, estão simultaneamente, ainda que de modo implícito, tratando de justificar as várias formas de desigualdade dela decorrentes.

Quando se pretende expressar, em termos práticos e objetivos, o que significa a aplicação dos princípios de liberdade e de igualdade, torna-se necessário realizar diversas especificações sobre o conteúdo significativo desses valores. Tais especificações implicam decisões morais e políticas importantes para a configuração do modo de vida das sociedades e para o estabelecimento de hierarquias entre o que se considera prioritário ou fundamental e o que se considera como secundário ou indiferente.

Na busca por esses significados, parte-se da hipótese de que as sociedades democráticas contemporâneas, em sua maioria, orientam-se por concepções éticas que, por um lado, tenderam a eleger como espaço prioritário de avaliação da igualdade e exercício da liberdade aquele das relações econômicas, especialmente das relações de propriedade, trabalho e produção, e que, por outro lado, foram paulatinamente ampliando o grau de inclusividade do princípio de igual consideração.

A escolha desse espaço de avaliação decorre da adoção de um modelo de sociedade identificado com a dinâmica comportamental das sociedades capitalistas de mercado e da assimilação da lógica inerente a esse comportamento à natureza humana (TEIXEIRA, 2008; SEN 1999, 2001; MACPHERSON, 1991; POLANYI, 2000; WALLERSTEIN, 2001; WEBER, 2004).

2 IGUALDADE DE GÊNERO E PROTEÇÃO À INFÂNCIA: LICENÇA-MATERNIDADE VERSUS LICENÇA-PATERNIDADE

Um dos desafios para a ampliação do grau de inclusividade do princípio de igual consideração tem sido, ainda hoje, o enfrentamento da desigualdade social entre os gêneros. Para se compreender o que os ordenamentos jurídicos querem dizer quando se reportam à igualdade de direitos sem distinção de sexo ou quando vedam o tratamento diferenciado nas relações de trabalho em razão do gênero, é preciso ter em mente esse modo de avaliar o princípio da igualdade, baseado numa pré-compreensão capitalista da sociedade sobre o ideal de felicidade e bem-estar dos indivíduos.

Essa concepção que caracteriza as sociedades democráticas contemporâneas elege como ideal uma sociedade em que os indivíduos, de modo igualitário, desfrutem da maior liberdade possível em tudo o que diga respeito às relações de trabalho, propriedade e produção, do ponto de vista positivo e do direito de não serem molestados no exercício dessa liberdade e em sua privacidade, do ponto de vista negativo.

Em uma democracia deve sempre ser possível questionar se esse ideal de felicidade corresponde de fato ao modo como cada um dos indivíduos submetidos à ordem social entende deva ser estruturada uma sociedade livre e igualitária. Embora esses indivíduos tenham ao menos uma ideia vaga sobre o que significam tais valores no contexto social em que vivem, é importante que mantenham uma postura crítica em relação a eles, de modo a constantemente atualizá-los e adequá-los aos seus reais anseios. A possibilidade de atualização desses conteúdos significativos em face da dinâmica social é o que se pode considerar a principal virtude do princípio democrático de organização social. 6 Essa é a pretensão das teorias democrático-deliberativas no contexto da interpretação constitucional em matéria de direitos fundamentais: "As teorias democrático-deliberativas partem de um problema fundamental: o fato do pluralismo. As sociedades contemporâneas são plurais, convivendo em seu interior inúmeras doutrinas compreensivas de caráter ético, filosófico ou religioso, i. e., inúmeras concepções individuais acerca do que deve ser a vida digna, sendo inviável um consenso generalizado sobre o conteúdo das normas jurídicas e dos fins que devem ser perseguidos pelo Estado. Tendo-se em vista a impossibilidade desse amplo consenso acerca de conteúdos, grande parte das teorias democrático-deliberativas se alicerçam em concepções procedimentais da legitimidade; entendem que há, inversamente, a possibilidade de consenso a respeito das condições da democracia, que seriam neutras ou imparciais em relação às diversas doutrinas compreensivas que habitam as sociedades contemporâneas" (SOUZA NETO, 2006, p. 316). Sobre o tema ver ainda Habermas, A inclusão do outro: estudos de teoria política (São Paulo: Loyola, 2004, p. 277-92). 6 6 Essa é a pretensão das teorias democrático-deliberativas no contexto da interpretação constitucional em matéria de direitos fundamentais: "As teorias democrático-deliberativas partem de um problema fundamental: o fato do pluralismo. As sociedades contemporâneas são plurais, convivendo em seu interior inúmeras doutrinas compreensivas de caráter ético, filosófico ou religioso, i. e., inúmeras concepções individuais acerca do que deve ser a vida digna, sendo inviável um consenso generalizado sobre o conteúdo das normas jurídicas e dos fins que devem ser perseguidos pelo Estado. Tendo-se em vista a impossibilidade desse amplo consenso acerca de conteúdos, grande parte das teorias democrático-deliberativas se alicerçam em concepções procedimentais da legitimidade; entendem que há, inversamente, a possibilidade de consenso a respeito das condições da democracia, que seriam neutras ou imparciais em relação às diversas doutrinas compreensivas que habitam as sociedades contemporâneas" (SOUZA NETO, 2006, p. 316). Sobre o tema ver ainda Habermas, A inclusão do outro: estudos de teoria política (São Paulo: Loyola, 2004, p. 277-92).

A importância dessa avaliação reside no fato de que o modo como se compreendem os mencionados valores reflete diretamente, no caso da liberdade, sobre o tipo de atividades sociais e condutas individuais consideradas valiosas ou indesejadas e que, por isso, devem ser protegidas ou combatidas; e, no caso da igualdade, sobre o modo como se considera deva ser feita uma distribuição justa dos recursos e benefícios que a vida em sociedade provê - de todas as espécies: políticos, econômicos etc. - e dos ônus e esforços necessários para a manutenção dessa vida em comum.

Com o objetivo de iniciar uma reflexão a esse respeito, enfoca-se um importante aspecto da existência do indivíduo humano, qual seja: a fase que compreende sua gestação, seu nascimento e seus primeiros anos de vida. O ser humano, entre os seres vivos, é dos que mais carecem de cuidados nesse período de sua vida, o que o torna totalmente dependente de outros indivíduos. Para que possa algum dia exercer, plenamente e em igualdade, sua liberdade, o indivíduo, no início de seu desenvolvimento, precisa de especial proteção da sociedade.

Tradicionalmente, esses cuidados foram assumidos como obrigação (moral e jurídica) do grupo familiar, atribuídos de modo especial à mãe ou, não raro, a outras mulheres do mesmo núcleo. Aos homens foi tradicionalmente associado o papel de provedor dos meios de subsistência e da proteção da família: aquisição de propriedade e provisões por meio de trabalho produtivo remunerado.

Em outras palavras, ao homem foi associado o papel de protagonista das atividades que a sociedade selecionou como espaço privilegiado de atribuição de valor, ou seja, aquelas relacionadas à economia de mercado; enquanto a mulher foi relegada ao espaço da privacidade domiciliar, imune e opaco à intervenção e à visibilidade externas, protagonista das atividades relacionadas à economia doméstica. 7 A esse respeito, segundo Wallerstein (2001): "Sob o capitalismo histórico, assim, como sob sistemas históricos anteriores, os indivíduos tenderam a viver suas vidas no interior de estruturas relativamente estáveis - que podemos chamar de unidades domiciliares - que partilhavam um fundo comum de renda e capital acumulado. [...] Para viver, as pessoas consideram toda a sua renda potencial, não importa de que fontes, e a avaliam comparando-a com os gastos reais que tem pela frente. [...] Para todos os fins reais, a unidade domiciliar foi a célula econômica engajada nessas atividades, geralmente - mas nem sempre, ou não exclusivamente - a partir de um grupo formado por laços de parentesco. [...] Foi no contexto dessa estrutura domiciliar que a distinção entre trabalho produtivo e improdutivo começou a ser imposta às classes trabalhadoras. O trabalho produtivo passou a ser definido como aquele que recebe remuneração em dinheiro (principalmente, trabalho assalariado) e o não produtivo como aquele que, embora necessário, constitui uma atividade de mera 'subsistência', sem produzir um 'excedente' que possa ser apropriado por alguém. [...] A diferenciação entre tipos de trabalho se ancorou na criação de papéis específicos a eles vinculados. O trabalho produtivo (assalariado) se tornou tarefa principalmente do homem/pai adulto e secundariamente de outros homens adultos mais jovens. O trabalho não produtivo (de subsistência) se tornou tarefa principalmente da mulher/mãe adulta e secundariamente de outras mulheres, além das crianças e dos idosos. O trabalho produtivo era feito fora da unidade domiciliar, no 'local de trabalho'. O trabalho não produtivo era feito dentro da unidade domiciliar. [...] No capitalismo histórico [...] houve [...] a correlação entre divisão de trabalho e valorização do trabalho. Homens e mulheres (assim como adultos, crianças e velhos) frequentemente realizaram trabalhos diferentes, mas sob o capitalismo histórico houve uma desvalorização do trabalho das mulheres (e dos jovens e velhos) e uma ênfase correspondente no trabalho masculino adulto. Enquanto, em outros sistemas, homens e mulheres realizavam tarefas específicas (mas normalmente comparáveis), sob o capitalismo histórico o homem adulto assalariado foi classificado como 'arrimo' do grupo, aquele que ganha o pão, e a mulher adulta trabalhadora doméstica como 'dona de casa'. Assim, quando as estatísticas nacionais [...] começaram a ser produzidas, todos os arrimos foram considerados membros da população economicamente ativa, mas o mesmo não ocorreu com as donas de casa. O sexismo foi institucionalizado. O aparato legal e para-legal de diferenciação e discriminação foi quase uma decorrência lógica dessa valorização diferencial do trabalho" (p. 22-4). 7 7 A esse respeito, segundo Wallerstein (2001): "Sob o capitalismo histórico, assim, como sob sistemas históricos anteriores, os indivíduos tenderam a viver suas vidas no interior de estruturas relativamente estáveis - que podemos chamar de unidades domiciliares - que partilhavam um fundo comum de renda e capital acumulado. [...] Para viver, as pessoas consideram toda a sua renda potencial, não importa de que fontes, e a avaliam comparando-a com os gastos reais que tem pela frente. [...] Para todos os fins reais, a unidade domiciliar foi a célula econômica engajada nessas atividades, geralmente - mas nem sempre, ou não exclusivamente - a partir de um grupo formado por laços de parentesco. [...] Foi no contexto dessa estrutura domiciliar que a distinção entre trabalho produtivo e improdutivo começou a ser imposta às classes trabalhadoras. O trabalho produtivo passou a ser definido como aquele que recebe remuneração em dinheiro (principalmente, trabalho assalariado) e o não produtivo como aquele que, embora necessário, constitui uma atividade de mera 'subsistência', sem produzir um 'excedente' que possa ser apropriado por alguém. [...] A diferenciação entre tipos de trabalho se ancorou na criação de papéis específicos a eles vinculados. O trabalho produtivo (assalariado) se tornou tarefa principalmente do homem/pai adulto e secundariamente de outros homens adultos mais jovens. O trabalho não produtivo (de subsistência) se tornou tarefa principalmente da mulher/mãe adulta e secundariamente de outras mulheres, além das crianças e dos idosos. O trabalho produtivo era feito fora da unidade domiciliar, no 'local de trabalho'. O trabalho não produtivo era feito dentro da unidade domiciliar. [...] No capitalismo histórico [...] houve [...] a correlação entre divisão de trabalho e valorização do trabalho. Homens e mulheres (assim como adultos, crianças e velhos) frequentemente realizaram trabalhos diferentes, mas sob o capitalismo histórico houve uma desvalorização do trabalho das mulheres (e dos jovens e velhos) e uma ênfase correspondente no trabalho masculino adulto. Enquanto, em outros sistemas, homens e mulheres realizavam tarefas específicas (mas normalmente comparáveis), sob o capitalismo histórico o homem adulto assalariado foi classificado como 'arrimo' do grupo, aquele que ganha o pão, e a mulher adulta trabalhadora doméstica como 'dona de casa'. Assim, quando as estatísticas nacionais [...] começaram a ser produzidas, todos os arrimos foram considerados membros da população economicamente ativa, mas o mesmo não ocorreu com as donas de casa. O sexismo foi institucionalizado. O aparato legal e para-legal de diferenciação e discriminação foi quase uma decorrência lógica dessa valorização diferencial do trabalho" (p. 22-4).

Para o bem e para o mal, a dinâmica das sociedades contemporâneas tem alterado esse quadro, abrindo espaço para o exercício desses papéis por homens ou por mulheres, indistintamente. Para o bem, porque se garante à mulher maior liberdade para determinar sua existência de acordo com sua vontade, sendo-lhe hoje acessíveis maiores espaços de atuação na vida social e no mercado de trabalho. Para o mal, porque, como a sociedade atribui maior valor e recompensas a tudo o que diga respeito à economia de mercado (trabalho produtivo) e como, em tese, não há mais um segmento social específico (as mulheres) encarregado das atividades de economia doméstica (trabalho improdutivo), faz-se necessária a assunção desse encargo por novos atores. Diante desse problema, as sociedades contemporâneas têm adotado estratégias diversas, nem sempre por meio de abordagens satisfatórias no que concerne a uma justa distribuição dos ônus e das recompensas envolvidos na manutenção da ordem social entre seus diversos segmentos.

Como exemplo dessas abordagens, extraído do ordenamento jurídico brasileiro, temos a proteção social à gestação, ao nascimento e aos primeiros meses de vida do recém-nascido. Na doutrina jurídica nacional, esses temas são comumente tratados no contexto da proteção ao mercado de trabalho feminino (o que se faz com propriedade em vista do próprio texto constitucional, artigo 7º), ou seja, como direitos voltados à garantia de tratamento diferenciado à mulher, tendo em vista suas necessidades específicas, para um acesso igualitário ao mercado de trabalho. Tal é o enfoque comum dado à licença gestacional, ao benefício previdenciário do salário-maternidade, entre outros direitos relacionados à reprodução (MARTINS, 2004a, 2004b, p.593,606).

Pouco se discute na doutrina sobre a licença-paternidade, garantia de igual estatura constitucional. Do mesmo modo, são ainda incipientes as discussões sobre semelhantes direitos garantidos aos adotantes, homens ou mulheres.

É sintomático que o texto constitucional de 1988 albergue tais garantias no âmbito do seu artigo 7º, em que estão enumerados os direitos básicos dos trabalhadores em nosso ordenamento jurídico. É também revelador que a constituição, ao tratar da licença-maternidade, apresse-se em garantir, expressamente, um período mínimo de afastamento do trabalho de 120 dias, remunerado e com garantia de estabilidade no emprego (artigo 7º, XVIII), enquanto, em relação à licença-paternidade, relegue a definição de sua conformação à legislação ordinária (artigo 7º, XIX), garantindo, em sua disposições transitórias, um período mínimo de afastamento de meros 5 dias, até que a lei em questão fosse editada (artigo 10, § 1º, do ADCT).

A Constituição, embora prodigalize em matéria de direitos humanos, prevendo já no primeiro inciso do seu artigo 5º, reservado a esse tema, a igualdade em direitos e obrigações entre homens e mulheres, reflete com toda a nitidez a tradicional divisão dos papéis sociais reservados a homens e mulheres, em matéria de direitos sociais, conforme se vê no parágrafo anterior.

As garantias em tela vão evidentemente muito além da questão do acesso igualitário ao mercado de trabalho; dizem respeito, conforme já sugerido, de forma primordial, à própria viabilização da vida humana em seus primeiros (e mais difíceis) meses de vida. A ênfase e valorização que a sociedade dá a tudo o que se relacione ao âmbito da economia de mercado e da produção de valor econômico por vezes não permite enxergar as razões bem mais profundas e relevantes que, de maneira geral, efetivamente orientam o modo de vida e o comportamento dos indivíduos reais.

O tratamento diferenciado dado à mulher em matéria de licença-maternidade, em contraste com a licença-paternidade, que têm ocasião em decorrência do mesmo evento, a reprodução, reforça e institucionaliza a discriminação de papéis sociais tradicionalmente conferidos a homens e mulheres.

A discriminação vai além da questão do gênero. A licença-maternidade e o benefício previdenciário do salário-maternidade são direitos assegurados à "mulher trabalhadora", ou seja, que exerce algum trabalho remunerado ou que, ao menos, tem condições financeiras de contribuir para a previdência social, tornando-se segurada. Não há proteção institucional semelhante à "mulher dona-de-casa", que exerce as atividades não remuneradas relacionadas ao cuidado com o ambiente familiar.

Não se trata, insista-se, de mera questão de gênero. O fator de discriminação que molda o arcabouço institucional diz respeito ao modo como a sociedade atribui valor aos diversos campos da atividade humana.

Tomem-se um pouco as funções, não remuneradas, relacionadas ao cuidado com as necessidades próprias do ambiente de privacidade familiar. Tem-se em mente, especificamente, todo o trabalho (sim, trata-se de trabalho) envolvido na reprodução (gravidez, parto, amamentação, cuidados com o recém-nascido), o cuidado e a educação dos filhos (especialmente nos seus aspectos emocionais e morais), a assistência aos idosos, doentes e portadores de necessidades especiais e toda uma série de atividades concernentes, dir-se-ia, à "economia doméstica" (improdutiva), em contraposição às atividades da "economia de mercado" (produtiva).

Todas essas atividades relativas ao ambiente doméstico, pouco importa se desempenhadas por homens ou mulheres, são de suma importância para a manutenção e caracterização do modo de vida que as sociedades capitalistas consideram valioso. Contudo, o princípio de eficiência econômica implicado nessa ordem social não atribui valor relevante a essas atividades, que, tradicionalmente, posicionaram-se fora do mercado, privilegiando apenas a atividade produtora de bens e serviços os quais podem ser objeto de negociação mercantil.

3 CRÍTICA FEMINISTA À AÇÃO INSTITUCIONAL PARA REDUÇÃO DA DESIGUALDADE ENTRE GÊNEROS

A moderna filosofia moral e política ligada ao feminismo não é cega a essas distorções. Há diversas críticas sobre o modo como as instituições sociais tentam promover a igualdade e combater a discriminação entre os sexos.

Argumenta-se que, embora a grande maioria das sociedades contemporâneas tenha leis e institutos voltados à promoção da igualdade de gênero, essas garantias têm resultado prático limitado:

Seu "impulso moral" é "conferir às mulheres acesso àquilo a que os homens têm acesso" e realmente "conseguiu que as mulheres tivessem certo acesso ao emprego e à educação, às ocupações públicas - inclusive como acadêmicas, profissionais liberais e operárias -, à carreira militar e acesso mais que trivial ao atletismo". (MacKinnon, 1987:33:35). [...] Seus sucessos são limitados, porém, pois elas ignoram as desigualdades de gênero embutidas na própria definição desses cargos. (KYMLICKA, 2006, p. 307)

Para o argumento feminista sobre a efetiva garantia de acesso igualitário entre os gêneros aos diversos espaços, atividades e posições sociais relevantes, ressalta a preocupação com a responsabilidade e o ônus do cuidado com os filhos em idade pré-escolar, função tradicionalmente desempenhada pela mulher. Essa atribuição importa num ônus social consideravelmente pesado, demandando dos indivíduos dela encarregados intensa dedicação ao longo de todo o dia, diuturnamente, por vários anos seguidos, e, de modo geral, justamente no período em que estão na plenitude de sua capacidade laborativa e no qual teriam maiores chances de sucesso na competição pelo mercado de trabalho e posições sociais de destaque.

Considere o fato de que a maioria dos trabalhos "exigem que a pessoa, neutra quanto ao gênero, que esteja qualificada para eles seja alguém que não é guardião primário de uma criança em idade pré-escolar" (Mackinnon, 1987:37). Dado que ainda se espera que as mulheres tomem conta dos filhos em nossa sociedade, os homens tenderão a se sair melhor do que as mulheres ao competir por tais trabalhos. Isso não acontece porque haja discriminação contra as mulheres candidatas. Os empregadores podem não dar atenção ao gênero dos candidatos ou podem, na verdade, desejar contratar mais mulheres. O problema é que muitas mulheres carecem de qualificação relevante para o trabalho - isto é, serem livres de responsabilidades pelo cuidado dos filhos. Há neutralidade quanto ao gênero no fato de que os empregadores não atentam para o gênero dos candidatos, mas não há igualdade sexual, pois o trabalho foi definido com o pressuposto de que seria preenchido por homens que tivessem mulheres em casa, cuidando dos filhos. [...] Essa incompatibilidade que os homens originaram entre a criação dos filhos e o trabalho remunerado tem resultados profundamente desiguais para as mulheres. O resultado é não apenas que as posições mais valorizadas da sociedade são ocupadas por homens, enquanto as mulheres encontram-se desproporcionalmente concentradas no trabalho de meio período e com salário mais baixo, mas também que muitas mulheres tornam-se economicamente dependentes dos homens. (KYMLICKA, 2006, p. 308-9)

O limitado sucesso da ação institucional voltada à promoção da igualdade entre gêneros pode ser debitado ao fato de ela encarar os processos discriminatórios como orientados por escolhas motivadas arbitrariamente pelo gênero, pura e simplesmente, quando, em verdade, eles guardam relação com a própria estrutura social, moldada, ao longo dos séculos, segundo interesses, necessidades e pontos de vista primordialmente masculinos. A crítica feminista reclama uma ação institucional que alcance as causas profundas da desigualdade entre homens e mulheres, as quais deitam raízes junto às estruturas e aos códigos que regulam a distribuição, entre esses seguimentos, dos ônus e das recompensas envolvidos na manutenção da vida social - em outros termos, dos mecanismos de atribuição e manutenção de poder:

[...] se devemos confrontar estas formas de injustiça, precisamos conceituar novamente a desigualdade sexual como um problema, não de discriminação arbitrária, mas de dominação. ... A subordinação das mulheres não é fundamentalmente uma questão de diferenciação irracional com base no sexo, mas de supremacia masculina, sob a qual as diferenças de gênero são tornadas relevantes para a distribuição dos benefícios, para desvantagem sistemática das mulheres. ... Como o problema é a dominação, a solução não é apenas a ausência de discriminação, mas a presença de poder. A igualdade requer não apenas igual oportunidade de buscar papéis definidos por homens, mas também igual poder de criar papéis definidos por mulheres ou de criar papéis andróginos, que homens e mulheres tenham igual interesse em preencher. ... a partir de uma posição de igual poder, não teríamos criado um sistema de papéis sociais que definem os trabalhos "masculinos" como superiores aos trabalhos "femininos". (KYMLICKA, 2006, p. 312-3)

Diversos países têm adotado leis que revelam uma visão diferenciada do problema da igualdade de gênero: em vez de abordarem o problema meramente do ponto de vista das condições de acesso ao mercado de trabalho e posições sociais de poder, procuram interferir na estrutura, nas responsabilidades e nas funções desempenhadas por homens e mulheres no seio do ambiente familiar. A esse respeito, merece destaque a experiência sueca.

4 O MODELO SUECO DE LICENÇA REMUNERADA PARA AMBOS OS PAIS

A Suécia tem realizado um experimento social já há bastante tempo, com o objetivo declarado de induzir uma divisão mais igualitária de responsabilidades e funções concernentes à economia doméstica, em especial, estimulando os homens a se envolverem de modo mais direto com as atividades relacionadas à criação dos filhos. Assim, desde 1974, a licença-maternidade então existente foi transformada em um sistema de licença remunerada para ambos os pais (FARIA, 2002). 8 De acordo com Faria (2002): "O sistema sueco de seguridade para os pais parece também marcar o início de uma época em que, paralelamente à ênfase dada à redução dos diferenciais econômicos e de bem-estar relativos às classes sociais, a questão de gênero passa a assumir um lugar cada vez mais destacado na agenda pública do país. O grande ingresso das mulheres no mercado de trabalho prenunciava a debilitação do tradicional modelo familiar do provedor e da dona-de-casa, e o Estado sueco começa a implementar políticas formuladas não apenas com o intuito de reduzir as diferenças nas médias salariais e nas condições de trabalho entre homens e mulheres, mas também visando a tornar mais igualitária a divisão de tarefas no âmbito doméstico". A experiência sueca tem sido também seguida, por vezes com objetivos distintos e diferenças consideráveis, por diversos países desenvolvidos: "A licença maternidade após o nascimento da criança, com compensação monetária proporcional aos rendimentos, é um benefício previsto em lei na Suécia desde 1955; essa licença maternidade original, de três meses, foi estendida para seis meses em 1962. Em 1974, a Suécia tornou-se o primeiro país do mundo a transformar a licença maternidade em um sistema de licença remunerada para os pais, capaz de beneficiar tanto a mãe quanto o pai. Em países como a Áustria, Holanda, Japão e Austrália, por exemplo, legislações similares foram introduzidas apenas no início dos anos de 1990 (OECD, 1995). Nos países nórdicos, os pais passaram a ter direito a compartilhar a licença remunerada após o nascimento da criança nos seguintes anos: Suécia (1974), Noruega e Finlândia (1978), Islândia (1980) e Dinamarca (1984). Na Escandinávia, somente na Suécia e na Noruega uma parte da licença é reservada exclusivamente para o pai (licença remunerada como um direito individual, não apenas como um direito da família); e somente na Suécia (1979) e na Finlândia (1988) os pais de crianças pequenas têm o direito de optar por uma jornada de trabalho de seis horas (com redução proporcional dos salários) (Nordic Council of Ministers, 1994)" (Faria, 2002). 8 8 De acordo com Faria (2002): "O sistema sueco de seguridade para os pais parece também marcar o início de uma época em que, paralelamente à ênfase dada à redução dos diferenciais econômicos e de bem-estar relativos às classes sociais, a questão de gênero passa a assumir um lugar cada vez mais destacado na agenda pública do país. O grande ingresso das mulheres no mercado de trabalho prenunciava a debilitação do tradicional modelo familiar do provedor e da dona-de-casa, e o Estado sueco começa a implementar políticas formuladas não apenas com o intuito de reduzir as diferenças nas médias salariais e nas condições de trabalho entre homens e mulheres, mas também visando a tornar mais igualitária a divisão de tarefas no âmbito doméstico". A experiência sueca tem sido também seguida, por vezes com objetivos distintos e diferenças consideráveis, por diversos países desenvolvidos: "A licença maternidade após o nascimento da criança, com compensação monetária proporcional aos rendimentos, é um benefício previsto em lei na Suécia desde 1955; essa licença maternidade original, de três meses, foi estendida para seis meses em 1962. Em 1974, a Suécia tornou-se o primeiro país do mundo a transformar a licença maternidade em um sistema de licença remunerada para os pais, capaz de beneficiar tanto a mãe quanto o pai. Em países como a Áustria, Holanda, Japão e Austrália, por exemplo, legislações similares foram introduzidas apenas no início dos anos de 1990 (OECD, 1995). Nos países nórdicos, os pais passaram a ter direito a compartilhar a licença remunerada após o nascimento da criança nos seguintes anos: Suécia (1974), Noruega e Finlândia (1978), Islândia (1980) e Dinamarca (1984). Na Escandinávia, somente na Suécia e na Noruega uma parte da licença é reservada exclusivamente para o pai (licença remunerada como um direito individual, não apenas como um direito da família); e somente na Suécia (1979) e na Finlândia (1988) os pais de crianças pequenas têm o direito de optar por uma jornada de trabalho de seis horas (com redução proporcional dos salários) (Nordic Council of Ministers, 1994)" (Faria, 2002).

A seguir, destacamos as principais características do sistema sueco: (a) licença remunerada de até 450 dias após o nascimento do filho ou a adoção de criança menor de dez anos; (b) cada membro do casal tem direito à metade do prazo da licença; (c) por motivo de impedimento (doença, incapacidade etc.) de um dos membros do casal, pode-se transferir todo o período de licença remunerada ao outro cônjuge; (d) por convenção, pode-se transferir a licença para apenas um dos membros do casal, exceto trinta dias intransferíveis; (e) pais solteiros, independentemente do sexo, têm direito ao período integral de licença remunerada; (f) o auxílio financeiro é concedido independentemente da existência de vínculo empregatício remunerado mantido por qualquer dos beneficiários; (g) há, ainda, a garantia de um período de dez dias de licença-paternidade, para gozo dos pais (homens), nos primeiros sessenta dias após o nascimento ou adoção (FARIA, 2002).

Nota-se um grande esforço no sentido de desvincular o gozo do benefício social de elementos como a condição de gênero e a vinculação a emprego remunerado. Concede-se uma grande flexibilidade para que o casal planeje a melhor maneira de usufruir do benefício, de acordo com suas necessidades específicas. E, por fim, há um claro esforço para estimular uma participação mais ativa do homem na criação dos filhos.

Sem desmerecer a vanguarda e os inquestionáveis avanços advindos do esforço sueco, materializado no seu sistema de licença remunerada para ambos os sexos, estudos mostram que os níveis de utilização do benefício de licença remunerada pelos homens suecos têm sido significativamente baixos se comparados com o mesmo dado referente às mulheres (FARIA, 2002).

Ao que parece, a intervenção estatal tem tido dificuldades na superação da arraigada estrutura de divisão de funções sociais entre homens e mulheres. Para Faria (2002), o sucesso até agora limitado do experimento sueco talvez sugira uma equivocada ênfase no domínio do mercado de trabalho em lugar de uma abordagem direta sobre o seu objetivo principal, qual seja a promoção de uma maior igualdade entre homens e mulheres.

Os dados apresentados e discutidos mostram que os benefícios relacionados à licença para os pais não conseguem fazer com que os homens passem a assumir um papel mais significativo no âmbito doméstico da criação dos filhos, isto é, que os esforços do governo sueco no sentido de promover um compartilhamento mais igualitário das tarefas ainda não tiveram o sucesso esperado. [...] Entretanto, se o sistema de seguridade para os pais implementado na Suécia é bastante "generoso" quando comparado a benefícios similares disponíveis em outras nações industrializadas, propiciando licenças longas, flexíveis e destinadas a suprir necessidades diversas, oferecendo compensações pelas perdas salariais relativamente altas, parece plausível afirmar que a ênfase do sistema recai mais sobre a possibilidade de se compatibilizar a maternidade com o trabalho remunerado do que sobre o declarado objetivo de induzir a criação de uma perfeita simetria entre os papéis assignados aos pais e às mães. (FARIA, 2002)

A questão da variável focal (SEN, 2001), ou espaço social relevante para avaliação da igualdade, novamente se coloca. Rememorando a crítica feminista, o enfoque da intervenção estatal para promoção da igualdade, nesse caso, recai sobre o espaço tradicionalmente dominado pelo homem (compatibilização da maternidade com o trabalho remunerado) de modo mais intenso do que sobre o espaço social tradicionalmente ocupado pela mulher (divisão igualitária da responsabilidade pelo cuidado com os filhos).

Uma ação mais justa para a promoção da efetiva igualdade entre os gêneros demandaria, assim, esforços ainda mais ousados. A solução do problema, além de exigir um melhor conhecimento de suas causas profundas, está a desafiar a criatividade dos que se dedicam às ciências sociais. Entre elas, a ciência jurídica pode ter importantes contribuições a oferecer a esse respeito.

5 UMA INTERPRETAÇÃO JURÍDICA MAIS JUSTA DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE ENTRE OS SEXOS

No Brasil, os mecanismos institucionais de proteção à gestação e à primeira infância, no que toca à promoção da igualdade entre os gêneros, estão muito aquém daqueles empreendidos por outros países, a exemplo da Suécia. Estes, por seu turno, apenas começam a enfrentar o cerne dos problemas decorrentes desse tipo de desigualdade com algum sucesso, embora limitado, dada a grandeza do desafio de modificar estruturas sociais tão arraigadas.

O ordenamento jurídico brasileiro, a partir de sua Constituição, aparentemente reforça essas estruturas promotoras de desigualdade, ao garantir acesso ao benefício de licença/salário-maternidade apenas à mulher, e somente àquelas vinculadas a algum trabalho remunerado ou produtivo de valor econômico, excluindo-se a mulher dona-de-casa, dedicada ao trabalho doméstico, "improdutivo". 9 Ressalva-se a figura do segurado facultativo, de que trata o artigo 13 da Lei 8.213/91, não engajado em atividade produtiva. 9 9 Ressalva-se a figura do segurado facultativo, de que trata o artigo 13 da Lei 8.213/91, não engajado em atividade produtiva. Esta, que no mais das vezes não tem condições de contribuir para a previdência social, a fim de ser alcançada pelo benefício em questão, torna-se refém de uma estrutura social que lhe impõe, entre outros, o pesado ônus de cuidar dos filhos pequenos e, ao mesmo tempo, torna-a economicamente dependente de seu cônjuge.

A mulher brasileira, ante a justa expectativa de maior liberdade e acesso aos diversos domínios da vida social, para além do ambiente doméstico, está sujeita a uma angustiante escolha - quando tenha acesso a meios contraceptivos - entre a carreira e a família.

A ciência jurídica, contudo, deve servir de instrumento de subversão democrática das estruturas sociais e enfrentamento criativo dessas desigualdades (UNGER, 2004). Dela se espera muito mais que uma mera atividade descritiva de uma realidade normativa previamente dada, mas sim o trabalho de atualização dos conteúdos significativos associados aos princípios fundamentais que alicerçam a ordem jurídica, entre os quais o da igualdade entre os gêneros.

Na esteira das teorias interpretativas associadas à chamada teoria do discurso (ALEXY, 2005; GÜNTHER, 2004; ARAÚJO, 2003; HABERMAS, 2004; MOREIRA, 2004), defende-se que a concretização do princípio democrático está a depender da existência de condições materiais básicas que possibilitem a discussão pública e acessível à participação de todos os interessados, de modo livre e igualitário, sobre os problemas que afetam a coletividade. Embora não seja possível à análise jurídica resolver definitivamente sobre o conteúdo significativo dos valores fundamentais da ordem social e sobre de que forma a sociedade deve buscar realizá-los na prática - o que somente se viabiliza legitimamente por meio de decisões, sempre provisórias e revogáveis, surgidas de procedimentos discursivos democráticos -, cabe-lhe verificar se estão presentes aquelas condições materiais mínimas necessárias à discussão pública. 10 Há, portanto, limites claros ao trabalho da análise jurídica em seu papel de interpretação desses valores: fundamentais: "Parte-se do ponto de vista de que os ideais deliberativos da igualdade, da liberdade e da abertura só podem se concretizar se determinadas condições sociais estão garantidas a todos os participantes. [...] Mas, note-se bem: o tipo de igualdade material exigida pela democracia não é uma igualdade absoluta, mas a igualdade material relativa suficiente para que possamos deliberar quais são as diferenças que consideramos justas. Tampouco nos parece ser possível extrair do princípio democrático a conclusão de que a democracia esteja vinculada, quanto às suas finalidades, à realização de determinado projeto social igualitário. O estabelecimento de finalidades se situa no campo do dissenso político e deve ser resolvido através do princípio majoritário. Como sublinhamos, as teorias democrático-deliberativas levam a uma restrição da atividade judicial ao campo da neutralidade política, deixando em aberto à deliberação majoritária o dissenso conteudístico. O que não pode ocorrer é o Estado violar os direitos fundamentais ou deixar de implementá-los - hipótese em que estará agindo ilegitimamente, ficando justificada a ação judicial" (SOUZA NETO, 2006, p. 324). 10 10 Há, portanto, limites claros ao trabalho da análise jurídica em seu papel de interpretação desses valores: fundamentais: "Parte-se do ponto de vista de que os ideais deliberativos da igualdade, da liberdade e da abertura só podem se concretizar se determinadas condições sociais estão garantidas a todos os participantes. [...] Mas, note-se bem: o tipo de igualdade material exigida pela democracia não é uma igualdade absoluta, mas a igualdade material relativa suficiente para que possamos deliberar quais são as diferenças que consideramos justas. Tampouco nos parece ser possível extrair do princípio democrático a conclusão de que a democracia esteja vinculada, quanto às suas finalidades, à realização de determinado projeto social igualitário. O estabelecimento de finalidades se situa no campo do dissenso político e deve ser resolvido através do princípio majoritário. Como sublinhamos, as teorias democrático-deliberativas levam a uma restrição da atividade judicial ao campo da neutralidade política, deixando em aberto à deliberação majoritária o dissenso conteudístico. O que não pode ocorrer é o Estado violar os direitos fundamentais ou deixar de implementá-los - hipótese em que estará agindo ilegitimamente, ficando justificada a ação judicial" (SOUZA NETO, 2006, p. 324).

Está fora de questão uma interpretação jurídica do texto constitucional de 1988, que faz uma clara opção pela promoção dos direitos humanos, de que possa resultar a cristalização de desigualdades motivadas arbitrariamente por questões de gênero.

No caso da licença-maternidade, mostra-se necessária uma abordagem interpretativa diferenciada do instituto e que ressalte seu viés instrumental, voltado, por um lado, ao cumprimento de um dever de cuidado com a infância, e, por outro lado, à garantia do direito ao estabelecimento do laço afetivo característico das relações entre pais e filhos.

De modo prioritário, 11 A teor da literalidade do artigo 227 da Constituição Federal de 1988. 11 11 A teor da literalidade do artigo 227 da Constituição Federal de 1988. o instituto da licença-maternidade, antes de ser interpretado como um benefício concedido à mãe por razões de ordem natural ou fisiológica, deve ser encarado como um instrumento pelo qual se viabiliza o cumprimento do dever moral de cuidado e proteção da prole. A par do forte conteúdo de obrigação moral, é a própria Constituição Federal de 1988 que realça esse dever atribuído ora à "família", ora aos "pais" como obrigação jurídica igualitariamente direcionada a homens e mulheres. Nesse sentido, os seus artigos 205; 208, caput e parágrafo 3º; 226, caput e parágrafo 5º; 227; e 229.12 12 "Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho." ,13 13 "Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: [...] IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) [...] § 3º - Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola." ,14 14 "Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] § 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher." ,15 15 "Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão." ,16 16 "Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade."

Não se pode conceber uma interpretação jurídica do texto constitucional de que resulte como consequência prática que a responsabilidade e o ônus pelo cumprimento dessas obrigações jurídicas primárias do núcleo familiar sejam direcionados desigualmente, isto é, mais às mulheres que aos homens, a teor do que disposto no primeiro inciso do seu artigo 5º, no qual está estatuída a igualdade em direitos e obrigações entre homens e mulheres. 17 "Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição." 17 17 "Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição."

A não concessão aos homens de um instrumento equivalente à licença-maternidade concedida à mulher, em nossa ordem jurídica, funciona muitas vezes como uma autorização implícita para que eles se dediquem a outros objetivos e se esquivem de uma participação mais direta e de uma divisão mais igualitária do ônus decorrente do dever de cuidado com os filhos. No mínimo há uma indução, talvez indesejada, e, de todo modo, tolerada, a comportamentos desse tipo pelo seguimento masculino.

Há que se reconhecer que toda atividade que envolve o cuidado e a proteção dos filhos, além de um dever, é parte de um conjunto de realizações humanas que as sociedades, por razões de ordem cultural, valorizam como um fim em si mesmo. São atividades as quais, por si próprias e independentemente de qualquer objetivo que com elas se pretenda alcançar - como o cumprimento de um dever jurídico -, dão sentido existencial à vida dos indivíduos. Por meio delas é que se constrói muito daquilo de que são constituídos os laços afetivos entre pais e filhos.

Do mesmo modo como se pretende em relação ao mercado de trabalho, homens e mulheres devem ter a mesma liberdade de acesso a essas outras atividades de significado existencial tão valioso e tão profundo. Se a licença-maternidade possibilita às mulheres um acesso privilegiado ao contato com os filhos em seus primeiros meses de vida, igual direito deve ser concedido aos homens.

Em sentido inverso, sabemos que as posições mais importantes e mais valorizadas no âmbito do mercado de trabalho, em geral postos de direção, mas também a atividade empresarial e o exercício de mandato eletivo, exigem dedicação muito intensa do indivíduo, havendo a necessidade de um afastamento maior do ambiente familiar e das atividades a ele relacionadas. Para uma mulher que deseja ocupar essas posições sem abdicar do direito de ter uma família, talvez fosse mais conveniente que outro membro da família pudesse utilizar os instrumentos (por exemplo, licença/salário-maternidade) que a sociedade provê para o cuidado com a prole.

A concessão desigual desses instrumentos, em função do gênero, acaba por gerar uma limitação à mulher, não vivenciada com a mesma intensidade pela população masculina em geral, na ocupação das posições mais valorizadas do mercado de trabalho. A consequência disso, revelada em diversos estudos estatísticos, é a concentração da força de trabalho feminina em postos menos remunerados ou no trabalho informal e precário.

Há que se reconhecer ainda que, para a avaliação da desigualdade de gênero, não parece ser suficiente a adoção de critérios de julgamento que privilegiem a perspectiva individual. As decisões de homens e mulheres em relação à condução de suas vidas em temas como carreira e família não levam em consideração unicamente interesses e conveniências individuais, mas também suas relações sociais, especialmente familiares. Não interessa apenas medir a desigualdade entre indivíduos isoladamente considerados, mas também entre os diversos tipos de agrupamentos sociais e familiares em que eles se inserem.

Percebe-se que as novas formas de organização familiar que a modernidade tem conhecido recebem da sociedade tratamentos diferenciados, em função de características ligadas diretamente ao critério de gênero dos seus integrantes. Sobre esse aspecto, merece destaque o tratamento jurídico dado à adoção. A legislação brasileira (artigo 392-A da CLT) prevê o direito à licença-maternidade apenas à "empregada adotante", não havendo previsão semelhante, em caso de adoção, para os homens. Para estes, a lei prevê apenas a licença-paternidade de cinco dias.

A desigualdade de tratamento se revela ainda mais dramática em relação aos homens adotantes em unidades familiares monoparentais ou decorrentes de união homoafetiva. Nesses grupos familiares em que não há a presença da mãe ou da mulher adotante, os filhos não poderão dispor do cuidado mais prolongado que se garante em famílias tradicionais, por meio da licença-maternidade. Semelhantes diferenças de tratamento podem ser percebidas em relação aos grupos familiares nos quais haja inversão dos papéis tradicionais atribuídos a homens e mulheres, como, por exemplo, uma família em que a mãe seja a provedora e o pai seja o responsável por cuidar do ambiente doméstico, ou ainda uma outra, na qual ambos sejam provedores, mas a mãe exerça atividade que não se enquadre na tradicional figura do trabalhador assalariado (empresária, executiva, exercente de mandato político etc.).

Há injustificável diferenciação de tratamento não só entre os sexos, mas ainda entre a tradicional unidade familiar - composta por um homem e uma mulher - e essas novas formas de organização do núcleo familiar, cada vez mais observadas nas sociedades contemporâneas. 18 Para Silva (2009): "Primeiramente, é preciso destacar que a situação do pai solteiro que adota é totalmente diversa daquele que casado, adota uma criança. Isso porque em uma família binuclear (composta de pai e mãe, pode-se chamá-la assim) há, pelo menos do ponto de vista ideal, uma divisão de tarefas na promoção da adaptação familiar. Assim, o fato de um deles, no caso a mãe, poder gozar de uma licença mais ampliada, nos termos do artigo 392-A da CLT, repercute positivamente no âmbito familiar. Já em uma família monoparental, composta por um pai solteiro, a concessão de licença-paternidade de 5 dias somente, nos moldes do art. 7º, inciso XIX da CF/88 e do art. 10, inciso II do ADCT, seria extremamente prejudicial para a nova família que se forma, uma vez que não há a suposta divisão de tarefas presente na adoção feita por casais, não dispondo o pai, nessa situação, da disponibilidade de tempo necessária para cuidar daquele novo membro da família. Nessa hipótese apresentada, constata-se que o princípio da igualdade tem espaço para sua aplicação, não para igualar a licença-paternidade entre os homens, mas para igualar o prazo da licença-paternidade do solteiro que adota ao da licença-maternidade à adotante, prevista no art. 392-A da CLT. O elemento discriminador se justifica para promover a igualdade daqueles que se encontram em situação de desigualdade, em outras palavras, o solteiro que adota deve ter um prazo maior do que o casado que adota, pois deverá dispor de uma maior disponibilidade para cuidar da criança, já que não tem, mais uma vez frise-se, a princípio, como dividir seus cuidados na adaptação daquele ser no meio familiar. Assim, verifica-se que as circunstâncias materiais entre solteiro adotante e empregada adotante são semelhantes, merecendo, por isso, tratamento igualitário". 18 18 Para Silva (2009): "Primeiramente, é preciso destacar que a situação do pai solteiro que adota é totalmente diversa daquele que casado, adota uma criança. Isso porque em uma família binuclear (composta de pai e mãe, pode-se chamá-la assim) há, pelo menos do ponto de vista ideal, uma divisão de tarefas na promoção da adaptação familiar. Assim, o fato de um deles, no caso a mãe, poder gozar de uma licença mais ampliada, nos termos do artigo 392-A da CLT, repercute positivamente no âmbito familiar. Já em uma família monoparental, composta por um pai solteiro, a concessão de licença-paternidade de 5 dias somente, nos moldes do art. 7º, inciso XIX da CF/88 e do art. 10, inciso II do ADCT, seria extremamente prejudicial para a nova família que se forma, uma vez que não há a suposta divisão de tarefas presente na adoção feita por casais, não dispondo o pai, nessa situação, da disponibilidade de tempo necessária para cuidar daquele novo membro da família. Nessa hipótese apresentada, constata-se que o princípio da igualdade tem espaço para sua aplicação, não para igualar a licença-paternidade entre os homens, mas para igualar o prazo da licença-paternidade do solteiro que adota ao da licença-maternidade à adotante, prevista no art. 392-A da CLT. O elemento discriminador se justifica para promover a igualdade daqueles que se encontram em situação de desigualdade, em outras palavras, o solteiro que adota deve ter um prazo maior do que o casado que adota, pois deverá dispor de uma maior disponibilidade para cuidar da criança, já que não tem, mais uma vez frise-se, a princípio, como dividir seus cuidados na adaptação daquele ser no meio familiar. Assim, verifica-se que as circunstâncias materiais entre solteiro adotante e empregada adotante são semelhantes, merecendo, por isso, tratamento igualitário".

Uma interpretação adequada do texto constitucional, na parte em que, no seu artigo 7º, trata dos direitos dos trabalhadores, entre eles a licença à gestante e a licença-paternidade,19 19 "Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei; XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei; [...] XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil." não pode resultar no estabelecimento de desigualdades de gênero, seja pelo viés obrigacional seja pelo viés garantista, e, ainda, em função do modo de organização do núcleo familiar em que os indivíduos se inserem, a despeito de sua própria literalidade sugerir, em princípio, uma diferença de tratamento.

É possível concluir que uma interpretação do sistema constitucional efetivamente comprometida com o programa ali desenhado de superação da desigualdade e promoção dos direitos humanos não há de admitir a compatibilidade jurídica de uma lei regulamentadora do inciso XIX do artigo 7º - que trata da licença-paternidade - que conceda ao homem menos do que concedido à mulher pelo inciso XVIII do mesmo artigo 7º - que trata da licença à gestante -, ou por outra lei ampliativa posterior.

A análise do regime jurídico da licença-maternidade no Brasil revela, ainda, outro tipo de desigualdade de gênero, que ocorre de modo indireto, agora entre mulheres que exercem atividades tradicionalmente masculinas (trabalho remunerado ou produtivo de valor econômico) e aquelas que exercem atividades tradicionalmente femininas (trabalho doméstico não remunerado).

É ainda mais aguda a injustiça que decorre dessa espécie de desigualdade. Isso fica evidente quando reconhecemos que a grande maioria dos trabalhos remunerados em uma economia de mercado foi moldada na pressuposição de que o trabalhador, em especial aquele que tem filhos em idade pré-escolar, teria o suporte de algum membro da família, quem exerceria as atividades domésticas não-remuneradas, necessárias à subsistência do grupo familiar, entre as quais a guarda e o cuidado desses filhos. Em outros termos, as atividades produtivas de uma economia capitalista de mercado, geradoras de riquezas e de impostos que a sociedade tanto valoriza, sempre foram historicamente dependentes dessa "contribuição" oriunda do seio familiar, provida predominantemente pelo trabalho feminino não remunerado, e sem a qual o exercício do trabalho remunerado seria inviável ou muito dificultado. 20 Para um aprofundamento sobre o tema, conferir Wallerstein (2001), de que destacamos o trecho a seguir: "Supondo-se que, sempre e em toda parte, um produtor que empregue trabalho assalariado prefira pagar menos do que mais, o nível salarial mais baixo que o trabalhador pode aceitar depende do tipo de unidade domiciliar em que eles se inserem. Dito de maneira mais simples: para trabalhos idênticos, com níveis idênticos de eficiência, o trabalhador assalariado inserido em uma unidade domiciliar muito dependente da renda de salários (vamos chamá-la de unidade domiciliar proletária) tendeu a buscar um patamar monetário mais alto (abaixo do qual seria irracional que ele realizasse o trabalho assalariado) do que o trabalhador assalariado oriundo de uma unidade domiciliar pouco dependente da renda salarial (vamos chamá-la unidade domiciliar semiproletária). Essa diferença no que podemos chamar de patamar salarial mínimo aceitável tem a ver com a economia da sobrevivência. Nas situações em que uma unidade domiciliar proletária dependia principalmente de renda salarial, o salário precisava cobrir os custos mínimos de sobrevivência e reprodução. [...] Nas unidades domiciliares semiproletárias, aqueles que produziam outras formas de renda real (basicamente na produção domiciliar para consumo, para venda no mercado local ou para ambos), fossem o próprio assalariado (em suas horas livres) ou outras pessoas (de qualquer sexo ou idade), criavam excedentes que contribuíam para baixar o nível salarial mínimo aceitável. O trabalho não assalariado permitia que alguns produtores diminuíssem a remuneração da força de trabalho, reduzindo assim o custo da produção e aumentando a margem de lucro. Por isso, como regra geral, os empregadores de trabalhos assalariado preferiram recrutar trabalhadores assalariados de unidades domiciliares semiproletárias, em vez de proletárias. A realidade global do capitalismo histórico mostra uma regularidade estatística surpreendente: os trabalhadores assalariados vinculam-se mais a unidades semiproletárias, e não a unidades proletárias" (p.22-6). 20 20 Para um aprofundamento sobre o tema, conferir Wallerstein (2001), de que destacamos o trecho a seguir: "Supondo-se que, sempre e em toda parte, um produtor que empregue trabalho assalariado prefira pagar menos do que mais, o nível salarial mais baixo que o trabalhador pode aceitar depende do tipo de unidade domiciliar em que eles se inserem. Dito de maneira mais simples: para trabalhos idênticos, com níveis idênticos de eficiência, o trabalhador assalariado inserido em uma unidade domiciliar muito dependente da renda de salários (vamos chamá-la de unidade domiciliar proletária) tendeu a buscar um patamar monetário mais alto (abaixo do qual seria irracional que ele realizasse o trabalho assalariado) do que o trabalhador assalariado oriundo de uma unidade domiciliar pouco dependente da renda salarial (vamos chamá-la unidade domiciliar semiproletária). Essa diferença no que podemos chamar de patamar salarial mínimo aceitável tem a ver com a economia da sobrevivência. Nas situações em que uma unidade domiciliar proletária dependia principalmente de renda salarial, o salário precisava cobrir os custos mínimos de sobrevivência e reprodução. [...] Nas unidades domiciliares semiproletárias, aqueles que produziam outras formas de renda real (basicamente na produção domiciliar para consumo, para venda no mercado local ou para ambos), fossem o próprio assalariado (em suas horas livres) ou outras pessoas (de qualquer sexo ou idade), criavam excedentes que contribuíam para baixar o nível salarial mínimo aceitável. O trabalho não assalariado permitia que alguns produtores diminuíssem a remuneração da força de trabalho, reduzindo assim o custo da produção e aumentando a margem de lucro. Por isso, como regra geral, os empregadores de trabalhos assalariado preferiram recrutar trabalhadores assalariados de unidades domiciliares semiproletárias, em vez de proletárias. A realidade global do capitalismo histórico mostra uma regularidade estatística surpreendente: os trabalhadores assalariados vinculam-se mais a unidades semiproletárias, e não a unidades proletárias" (p.22-6).

Embora o salário-maternidade figure no ordenamento jurídico (artigo 18 da Lei 8.213/91) como benefício de tipo previdenciário - de caráter contributivo e em benefício apenas dos segurados -, o dever jurídico de proteção à infância é dirigido indistintamente a todos, tenham ou não condições econômicas de contribuir com a previdência social.

Tanto a mulher trabalhadora, que tem direito ao salário-maternidade, como a dona-de-casa, que não tem, dividem com a sociedade e o Estado o dever jurídico de proteção à infância, em seus diversos aspectos. Não se justifica um tratamento diferenciado do Estado em relação a essas categorias no que concerne ao provimento de meios materiais (salário-maternidade) preordenados ao cumprimento desse dever.

Tal regime jurídico ofende a constituição que prevê a proteção à maternidade como objeto de atenção tanto do sistema previdenciário, em benefício dos respectivos contribuintes, como do sistema de assistência social, em benefício de todos os que necessitarem (artigos 201, II, e 203, I). 21 A Lei Orgânica da Assistência Social (Lei n. 8.742/93) prevê benefícios voltados à proteção da infância e da maternidade, mas apenas destinados a famílias de baixa renda: "Art. 22. Entendem-se por benefícios eventuais aqueles que visam ao pagamento de auxílio por natalidade ou morte às famílias cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo. [...] § 2º Poderão ser estabelecidos outros benefícios eventuais para atender necessidades advindas de situações de vulnerabilidade temporária, com prioridade para a criança, a família, o idoso, a pessoa portadora de deficiência, a gestante, a nutriz e nos casos de calamidade pública. § 3º O Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), ouvidas as respectivas representações de Estados e Municípios dele participantes, poderá propor, na medida das disponibilidades orçamentárias das três esferas de governo, a instituição de benefícios subsidiários no valor de até 25% (vinte e cinco por cento) do salário mínimo para cada criança de até 6 (seis) anos de idade, nos termos da renda mensal familiar estabelecida no caput". 21 21 A Lei Orgânica da Assistência Social (Lei n. 8.742/93) prevê benefícios voltados à proteção da infância e da maternidade, mas apenas destinados a famílias de baixa renda: "Art. 22. Entendem-se por benefícios eventuais aqueles que visam ao pagamento de auxílio por natalidade ou morte às famílias cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo. [...] § 2º Poderão ser estabelecidos outros benefícios eventuais para atender necessidades advindas de situações de vulnerabilidade temporária, com prioridade para a criança, a família, o idoso, a pessoa portadora de deficiência, a gestante, a nutriz e nos casos de calamidade pública. § 3º O Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), ouvidas as respectivas representações de Estados e Municípios dele participantes, poderá propor, na medida das disponibilidades orçamentárias das três esferas de governo, a instituição de benefícios subsidiários no valor de até 25% (vinte e cinco por cento) do salário mínimo para cada criança de até 6 (seis) anos de idade, nos termos da renda mensal familiar estabelecida no caput".

Por outro lado, o custeio dos sistemas de seguridade social (saúde, previdência e assistência) lança mão de recursos provenientes de toda a sociedade, e não apenas daqueles que exercem trabalho remunerado. O próprio sistema de previdência social, dito de caráter contributivo, não é totalmente financiado pelas contribuições dos segurados, valendo-se de recursos oriundos de outras receitas da União. 22 Nesse sentido, o art. 16, parágrafo único, da Lei 8.212/91: "Art. 16. A contribuição da União é constituída de recursos adicionais do Orçamento Fiscal, fixados obrigatoriamente na lei orçamentária anual. Parágrafo único. A União é responsável pela cobertura de eventuais insuficiências financeiras da Seguridade Social, quando decorrentes do pagamento de benefícios de prestação continuada da Previdência Social, na forma da Lei Orçamentária Anual". 22 22 Nesse sentido, o art. 16, parágrafo único, da Lei 8.212/91: "Art. 16. A contribuição da União é constituída de recursos adicionais do Orçamento Fiscal, fixados obrigatoriamente na lei orçamentária anual. Parágrafo único. A União é responsável pela cobertura de eventuais insuficiências financeiras da Seguridade Social, quando decorrentes do pagamento de benefícios de prestação continuada da Previdência Social, na forma da Lei Orçamentária Anual".

Uma interpretação jurídica mais adequada do sistema constitucional também deve afastar essa injusta disparidade de tratamento, garantindo igualitário acesso ao benefício do salário-maternidade independentemente da condição de gênero ou de contribuinte da previdência social. 23 Na falta de melhor parâmetro para o valor do benefício para o trabalhador doméstico não remunerado, dever-se-ia garantir ao menos o correspondente à remuneração mínima do trabalhador comum. 23 23 Na falta de melhor parâmetro para o valor do benefício para o trabalhador doméstico não remunerado, dever-se-ia garantir ao menos o correspondente à remuneração mínima do trabalhador comum.

CONCLUSÕES

A título de conclusão deste artigo, apresentam-se os seguintes tópicos:

1. A superação das desigualdades sociais entre homens e mulheres, garantindo-se liberdade de acesso igualitário a espaços de realizações humanas tradicionalmente seguimentados em função do critério de gênero - como o espaço da família (feminino) e o espaço da economia de mercado (masculino) -, demanda uma reflexão prévia sobre os termos comparativos segundo os quais a avaliação dessa desigualdade terá lugar.

2. A promoção de uma ordem social equilibrada em termos de ônus, responsabilidades, direitos e garantias distribuídos entre homens e mulheres requer que as intervenções feitas nesse sentido procurem dar a estes seguimentos condições igualitárias não apenas no âmbito das relações de trabalho, propriedade e produção - espaço preferencial de atribuição de valor às atividades humanas nas sociedades capitalistas -, mas também no âmbito de outras relações importantes para a configuração e sustentação do modo de vida que as sociedades contemporâneas valorizam, em especial as relações familiares.

3. Em uma ordem democrática, deve ser possível aos indivíduos influir, segundo seus interesses e seu julgamento particular, sobre o modo como a sociedade deve fazer uma distribuição adequada desses recursos e desses encargos.

4. A ciência jurídica, longe de estabelecer vínculos e compromissos insuperáveis com valores, modos de vida e concepções éticas do passado, bloqueando a indução democrática que a dinâmica social exerce sobre a dinâmica político-institucional, deve estar apta a atualizar o conteúdo significativo dos valores fundamentais de nossa ordem social, de modo a manter o arcabouço jurídico-institucional em sintonia com a realidade, as demandas e os desafios vivenciados pelos indivíduos nos novos tempos.

5. A proteção à maternidade e à primeira infância por meio de direitos como a licença/salário-maternidade é, de modo geral, encarada como mera garantia de acesso da mulher ao mercado de trabalho, do que resulta um tratamento diferenciado em função do gênero, motivada por razões fisiológicas que caracterizam o sexo feminino.

6. Entende-se que semelhantes direitos devem ser vistos, preferencialmente, como instrumentos pelos quais se viabilizam o cumprimento do dever moral e jurídico de cuidado e proteção da prole, por um lado, e a constituição de relações familiares privilegiadas sob o ponto de vista afetivo e de grande valor existencial, por outro. Os valores fundamentais que orientam nossa ordem jurídica e social não legitimam uma distribuição desigual desse dever e da liberdade de acesso a essas relações segundo o critério de gênero.

7. Defende-se que uma interpretação jurídica desses instrumentos em face do sistema constitucional brasileiro, efetivamente comprometida com a superação de desigualdades arbitrárias entre os sexos, deve garantir igual amplitude de direitos e deveres a homens e mulheres. Deve ser garantido acesso igualitário a esses instrumentos independentemente da condição de gênero ou de outras condições, especialmente econômicas, indiretamente associadas ao primeiro critério.

NOTAS

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Artigo aprovado (26/06/2010)

Recebido em 19/03/2010

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  • 1
    Para Bobbio (1994), o "nexo recíproco entre liberalismo e democracia é possível porque ambos têm um ponto de partida comum: o indivíduo. Ambos repousam sobre uma concepção individualista da sociedade" (p.45).
  • 2
    Nesse sentido, Cademartori (2006): "A diferença entre as teorias liberal e democrática reside em que a primeira tende a restringir o poder coletivo e a dilatar a esfera de autodeterminação individual, enquanto a segunda dilata a esfera de autodeterminação coletiva, restringindo a regulação heterônoma. A teoria liberal considera o problema da liberdade em função do indivíduo isolado, enquanto a teoria democrática o faz em função do individuo enquanto membro de uma coletividade. Cada teoria responde a uma pergunta diferente. A primeira, sobre o significado da liberdade para o indivíduo isolado, e a segunda, sobre o significado de liberdade para o indivíduo enquanto parte de um todo" (p.32).
  • 3
    Para Ronald Dworkin (2005), a cultura política do ocidente não se orienta por valores fundamentais distintos e irreconciliáveis, conforme sugere a dicotomia liberdade
    versus igualdade, comumente adotada para descrever o espectro de opções político-ideológicas em que se dividem as sociedades ocidentais. Para ele, qualquer teoria política que se pretenda defensável no contexto civilizatório atual deve se orientar pelo mesmo valor fundamental, a igualdade.
  • 4
    Segundo Dworkin (2005): "Acredita-se que, se a liberdade e a igualdade, estiverem em conflito, é preciso fazer uma escolha angustiante entre as duas virtudes. Um mapa conhecido dos argumentos políticos, de fato, posiciona os partidos ou grupos políticos ao longo de uma escala definida pelas escolhas que cada uma faz em tal situação. A escala vai do absolutismo da liberdade em um extremo (a liberdade não deve ceder nunca à igualdade quando estiverem em conflito) e um absolutismo inverso da igualdade no outro extremo. As opiniões mais moderadas posicionam-se supostamente entre esses dois pólos, atribuindo pesos relativos diversos às duas virtudes políticas. Contudo essa topografia popular é, acredito, profundamente equivocada como relato de opiniões existentes em nossa cultura política. Nenhuma teoria que respeite os pressupostos fundamentais que definem essa cultura poderia subordinar a igualdade à liberdade, concebidas como ideais normativos, em hipótese alguma. Qualquer disputa genuína entre a liberdade e a igualdade é uma disputa que a liberdade deve perder" (p.169).
  • 5
    Conforme Sen (2001): "A questão importante na presente discussão é a natureza da estratégia para justificar a desigualdade por meio da igualdade. A abordagem de Nozick é um exemplo lúcido e elegante desta estratégia geral. Se uma pretensão de que a desigualdade em algum espaço significativo é correta (ou boa, ou aceitável, ou tolerável) vai ser defendida com razões (e não, digamos, atirando nos que discordam), a forma do argumento consiste em mostrar que esta desigualdade é uma conseqüência da igualdade em algum outro espaço - fundamentalmente mais importante. Dado o amplo acordo sobre a necessidade de ter igualdade na 'base', e também a conexão desse amplo acordo com a necessidade de imparcialidade entre os indivíduos [...], os argumentos cruciais têm de ser sobre a razoabilidade das 'bases' escolhidas. Por isso, a pergunta 'igualdade de quê?' não é, neste contexto, materialmente distinta da interrogação: 'qual é o espaço correto para a igualdade basal?'. A resposta que damos a 'igualdade de quê?' não somente endossará a igualdade naquele espaço escolhido (a variável focal relacionando-se com as exigências de igualdade basal), mas terá conseqüências de longo alcance sobre os padrões distributivos (incluindo as necessárias desigualdades) nos outros espaços" (p.52). A teoria política de Robert Nozick, mencionada por Sen, é classificada dentro da filosofia política contemporânea na corrente denomina "libertarismo", ao lado, por exemplo, de Friedrich von Rayek. Sua "teoria da titularidade" parte do pressuposto inicial de que as pessoas têm direitos legítimos que devem ser respeitados pelos outros. Postula que qualquer distribuição de bens e direitos livremente acordada deve ser considerada justa. Em vista disso, entende que a atuação do Estado deve ser restrita à manutenção das condições institucionais necessárias para a garantia do princípio da livre transferência dos bens legitimamente titularizados. Desse modo, considera-se injusta, por exemplo, qualquer política tributária que exceda o necessário para a manutenção de tais instituições (polícia, justiça etc.) e que se destine a manter políticas redistributivas de renda ou de prestação de serviços sociais de saúde e previdência. Para uma crítica da teoria de Nozick, ver: KYMLICKA,
    Filosofia política contemporânea: uma introdução (São Paulo: Martins Fontes, 2006) e RENAUT,
    As filosofias políticas contemporâneas (Lisboa: Piaget, 2002).
  • 6
    Essa é a pretensão das teorias democrático-deliberativas no contexto da interpretação constitucional em matéria de direitos fundamentais: "As teorias democrático-deliberativas partem de um problema fundamental: o fato do pluralismo. As sociedades contemporâneas são plurais, convivendo em seu interior inúmeras doutrinas compreensivas de caráter ético, filosófico ou religioso,
    i. e., inúmeras concepções individuais acerca do que deve ser a vida digna, sendo inviável um consenso generalizado sobre o conteúdo das normas jurídicas e dos fins que devem ser perseguidos pelo Estado. Tendo-se em vista a impossibilidade desse amplo consenso acerca de conteúdos, grande parte das teorias democrático-deliberativas se alicerçam em concepções procedimentais da legitimidade; entendem que há, inversamente, a possibilidade de consenso a respeito das condições da democracia, que seriam neutras ou imparciais em relação às diversas doutrinas compreensivas que habitam as sociedades contemporâneas" (SOUZA NETO, 2006, p. 316). Sobre o tema ver ainda Habermas,
    A inclusão do outro: estudos de teoria política (São Paulo: Loyola, 2004, p. 277-92).
  • 7
    A esse respeito, segundo Wallerstein (2001): "Sob o capitalismo histórico, assim, como sob sistemas históricos anteriores, os indivíduos tenderam a viver suas vidas no interior de estruturas relativamente estáveis - que podemos chamar de unidades domiciliares - que partilhavam um fundo comum de renda e capital acumulado. [...] Para viver, as pessoas consideram toda a sua renda potencial, não importa de que fontes, e a avaliam comparando-a com os gastos reais que tem pela frente. [...] Para todos os fins reais, a unidade domiciliar foi a célula econômica engajada nessas atividades, geralmente - mas nem sempre, ou não exclusivamente - a partir de um grupo formado por laços de parentesco. [...] Foi no contexto dessa estrutura domiciliar que a distinção entre trabalho produtivo e improdutivo começou a ser imposta às classes trabalhadoras. O trabalho produtivo passou a ser definido como aquele que recebe remuneração em dinheiro (principalmente, trabalho assalariado) e o não produtivo como aquele que, embora necessário, constitui uma atividade de mera 'subsistência', sem produzir um 'excedente' que possa ser apropriado por alguém. [...] A diferenciação entre tipos de trabalho se ancorou na criação de papéis específicos a eles vinculados. O trabalho produtivo (assalariado) se tornou tarefa principalmente do homem/pai adulto e secundariamente de outros homens adultos mais jovens. O trabalho não produtivo (de subsistência) se tornou tarefa principalmente da mulher/mãe adulta e secundariamente de outras mulheres, além das crianças e dos idosos. O trabalho produtivo era feito fora da unidade domiciliar, no 'local de trabalho'. O trabalho não produtivo era feito dentro da unidade domiciliar. [...] No capitalismo histórico [...] houve [...] a correlação entre divisão de trabalho e valorização do trabalho. Homens e mulheres (assim como adultos, crianças e velhos) frequentemente realizaram trabalhos diferentes, mas sob o capitalismo histórico houve uma desvalorização do trabalho das mulheres (e dos jovens e velhos) e uma ênfase correspondente no trabalho masculino adulto. Enquanto, em outros sistemas, homens e mulheres realizavam tarefas específicas (mas normalmente comparáveis), sob o capitalismo histórico o homem adulto assalariado foi classificado como 'arrimo' do grupo, aquele que ganha o pão, e a mulher adulta trabalhadora doméstica como 'dona de casa'. Assim, quando as estatísticas nacionais [...] começaram a ser produzidas, todos os arrimos foram considerados membros da população economicamente ativa, mas o mesmo não ocorreu com as donas de casa. O sexismo foi institucionalizado. O aparato legal e para-legal de diferenciação e discriminação foi quase uma decorrência lógica dessa valorização diferencial do trabalho" (p. 22-4).
  • 8
    De acordo com Faria (2002): "O sistema sueco de seguridade para os pais parece também marcar o início de uma época em que, paralelamente à ênfase dada à redução dos diferenciais econômicos e de bem-estar relativos às classes sociais, a questão de gênero passa a assumir um lugar cada vez mais destacado na agenda pública do país. O grande ingresso das mulheres no mercado de trabalho prenunciava a debilitação do tradicional modelo familiar do provedor e da dona-de-casa, e o Estado sueco começa a implementar políticas formuladas não apenas com o intuito de reduzir as diferenças nas médias salariais e nas condições de trabalho entre homens e mulheres, mas também visando a tornar mais igualitária a divisão de tarefas no âmbito doméstico". A experiência sueca tem sido também seguida, por vezes com objetivos distintos e diferenças consideráveis, por diversos países desenvolvidos: "A licença maternidade após o nascimento da criança, com compensação monetária proporcional aos rendimentos, é um benefício previsto em lei na Suécia desde 1955; essa licença maternidade original, de três meses, foi estendida para seis meses em 1962. Em 1974, a Suécia tornou-se o primeiro país do mundo a transformar a licença maternidade em um sistema de licença remunerada para os pais, capaz de beneficiar tanto a mãe quanto o pai. Em países como a Áustria, Holanda, Japão e Austrália, por exemplo, legislações similares foram introduzidas apenas no início dos anos de 1990 (OECD, 1995). Nos países nórdicos, os pais passaram a ter direito a compartilhar a licença remunerada após o nascimento da criança nos seguintes anos: Suécia (1974), Noruega e Finlândia (1978), Islândia (1980) e Dinamarca (1984). Na Escandinávia, somente na Suécia e na Noruega uma parte da licença é reservada exclusivamente para o pai (licença remunerada como um direito individual, não apenas como um direito da família); e somente na Suécia (1979) e na Finlândia (1988) os pais de crianças pequenas têm o direito de optar por uma jornada de trabalho de seis horas (com redução proporcional dos salários) (Nordic Council of Ministers, 1994)" (Faria, 2002).
  • 9
    Ressalva-se a figura do segurado facultativo, de que trata o artigo 13 da Lei 8.213/91, não engajado em atividade produtiva.
  • 10
    Há, portanto, limites claros ao trabalho da análise jurídica em seu papel de interpretação desses valores: fundamentais: "Parte-se do ponto de vista de que os ideais deliberativos da igualdade, da liberdade e da abertura só podem se concretizar se determinadas condições sociais estão garantidas a todos os participantes. [...] Mas, note-se bem: o tipo de igualdade material exigida pela democracia não é uma igualdade absoluta, mas a igualdade material relativa suficiente para que possamos deliberar quais são as diferenças que consideramos justas. Tampouco nos parece ser possível extrair do princípio democrático a conclusão de que a democracia esteja vinculada, quanto às suas finalidades, à realização de determinado projeto social igualitário. O estabelecimento de finalidades se situa no campo do dissenso político e deve ser resolvido através do princípio majoritário. Como sublinhamos, as teorias democrático-deliberativas levam a uma restrição da atividade judicial ao campo da neutralidade política, deixando em aberto à deliberação majoritária o dissenso conteudístico. O que não pode ocorrer é o Estado violar os direitos fundamentais ou deixar de implementá-los - hipótese em que estará agindo ilegitimamente, ficando justificada a ação judicial" (SOUZA NETO, 2006, p. 324).
  • 11
    A teor da literalidade do artigo 227 da Constituição Federal de 1988.
  • 12
    "Art. 205.
    A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho."
  • 13
    "Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: [...] IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) [...] § 3º - Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e
    zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola."
  • 14
    "Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. [...] § 5º - Os direitos e
    deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher."
  • 15
    "Art. 227.
    É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."
  • 16
    "Art. 229.
    Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade."
  • 17
    "Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I -
    homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição."
  • 18
    Para Silva (2009): "Primeiramente, é preciso destacar que a situação do pai solteiro que adota é totalmente diversa daquele que casado, adota uma criança. Isso porque em uma família binuclear (composta de pai e mãe, pode-se chamá-la assim) há, pelo menos do ponto de vista ideal, uma divisão de tarefas na promoção da adaptação familiar. Assim, o fato de um deles, no caso a mãe, poder gozar de uma licença mais ampliada, nos termos do artigo 392-A da CLT, repercute positivamente no âmbito familiar. Já em uma família monoparental, composta por um pai solteiro, a concessão de licença-paternidade de 5 dias somente, nos moldes do art. 7º, inciso XIX da CF/88 e do art. 10, inciso II do ADCT, seria extremamente prejudicial para a nova família que se forma, uma vez que não há a suposta divisão de tarefas presente na adoção feita por casais, não dispondo o pai, nessa situação, da disponibilidade de tempo necessária para cuidar daquele novo membro da família. Nessa hipótese apresentada, constata-se que o princípio da igualdade tem espaço para sua aplicação, não para igualar a licença-paternidade entre os homens, mas para igualar o prazo da licença-paternidade do solteiro que adota ao da licença-maternidade à adotante, prevista no art. 392-A da CLT. O elemento discriminador se justifica para promover a igualdade daqueles que se encontram em situação de desigualdade, em outras palavras, o solteiro que adota deve ter um prazo maior do que o casado que adota, pois deverá dispor de uma maior disponibilidade para cuidar da criança, já que não tem, mais uma vez frise-se, a princípio, como dividir seus cuidados na adaptação daquele ser no meio familiar. Assim, verifica-se que as circunstâncias materiais entre solteiro adotante e empregada adotante são semelhantes, merecendo, por isso, tratamento igualitário".
  • 19
    "Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: [...] XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei; XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei; [...] XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil."
  • 20
    Para um aprofundamento sobre o tema, conferir Wallerstein (2001), de que destacamos o trecho a seguir: "Supondo-se que, sempre e em toda parte, um produtor que empregue trabalho assalariado prefira pagar menos do que mais, o nível salarial mais baixo que o trabalhador pode aceitar depende do tipo de unidade domiciliar em que eles se inserem. Dito de maneira mais simples: para trabalhos idênticos, com níveis idênticos de eficiência, o trabalhador assalariado inserido em uma unidade domiciliar muito dependente da renda de salários (vamos chamá-la de unidade domiciliar proletária) tendeu a buscar um patamar monetário mais alto (abaixo do qual seria irracional que ele realizasse o trabalho assalariado) do que o trabalhador assalariado oriundo de uma unidade domiciliar pouco dependente da renda salarial (vamos chamá-la unidade domiciliar semiproletária). Essa diferença no que podemos chamar de patamar salarial mínimo aceitável tem a ver com a economia da sobrevivência. Nas situações em que uma unidade domiciliar proletária dependia principalmente de renda salarial, o salário precisava cobrir os custos mínimos de sobrevivência e reprodução. [...] Nas unidades domiciliares semiproletárias, aqueles que produziam outras formas de renda real (basicamente na produção domiciliar para consumo, para venda no mercado local ou para ambos), fossem o próprio assalariado (em suas horas livres) ou outras pessoas (de qualquer sexo ou idade), criavam excedentes que contribuíam para baixar o nível salarial mínimo aceitável. O trabalho não assalariado permitia que alguns produtores diminuíssem a remuneração da força de trabalho, reduzindo assim o custo da produção e aumentando a margem de lucro. Por isso, como regra geral, os empregadores de trabalhos assalariado preferiram recrutar trabalhadores assalariados de unidades domiciliares semiproletárias, em vez de proletárias. A realidade global do capitalismo histórico mostra uma regularidade estatística surpreendente: os trabalhadores assalariados vinculam-se mais a unidades semiproletárias, e não a unidades proletárias" (p.22-6).
  • 21
    A Lei Orgânica da Assistência Social (Lei n. 8.742/93) prevê benefícios voltados à proteção da infância e da maternidade, mas apenas destinados a famílias de baixa renda: "Art. 22. Entendem-se por benefícios eventuais aqueles que visam ao pagamento de auxílio por natalidade ou morte às famílias cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo. [...] § 2º Poderão ser estabelecidos outros benefícios eventuais para atender necessidades advindas de situações de vulnerabilidade temporária, com prioridade para a criança, a família, o idoso, a pessoa portadora de deficiência, a gestante, a nutriz e nos casos de calamidade pública. § 3º O Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), ouvidas as respectivas representações de Estados e Municípios dele participantes, poderá propor, na medida das disponibilidades orçamentárias das três esferas de governo, a instituição de benefícios subsidiários no valor de até 25% (vinte e cinco por cento) do salário mínimo para cada criança de até 6 (seis) anos de idade, nos termos da renda mensal familiar estabelecida no caput".
  • 22
    Nesse sentido, o art. 16, parágrafo único, da Lei 8.212/91: "Art. 16. A contribuição da União é constituída de recursos adicionais do Orçamento Fiscal, fixados obrigatoriamente na lei orçamentária anual. Parágrafo único. A União é responsável pela cobertura de eventuais insuficiências financeiras da Seguridade Social, quando decorrentes do pagamento de benefícios de prestação continuada da Previdência Social, na forma da Lei Orçamentária Anual".
  • 23
    Na falta de melhor parâmetro para o valor do benefício para o trabalhador doméstico não remunerado, dever-se-ia garantir ao menos o correspondente à remuneração mínima do trabalhador comum.
  • Endereço para correspondência:

    Daniel Viana Teixeira
    Rua Carolina Sucupira, 1180, ap. 1301
    Aldeota -60140-120
    Fortaleza - CE - Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Dez 2010
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Aceito
      26 Jun 2010
    • Recebido
      19 Mar 2010
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