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Espaços e interfaces entre regulação e defesa da concorrência: a posição do CADE

Spaces and interfaces between regulation and competition: the approach of cade

Resumo

O presente artigo avalia o posicionamento do CADE com relação aos espaços concorrenciais inseridos em setores regulados. Duas vertentes podem ser vislumbradas: (i) atuação sobre a própria delimitação dos espaços concorrenciais (i.e., promoção da competição em setores onde ela inexiste) e (ii) proteção dos espaços concorrenciais já abertos pela regulação (i.e., prevenção e repressão a infrações contra a ordem econômica nos espaços competitivos dos mercados regulados). Argumenta-se que nas situações em que a abertura desses espaços não foi determinada expressamente pelo legislador, o CADE vem aplicando o direito antitruste de forma mais cautelosa, apreciando a compatibilidade da política regulatória frente ao direito antitruste, mas, como resultado, apenas requerendo ou solicitando às autoridades regulatórias providências para o cumprimento da lei concorrencial. Já nos espaços concorrenciais abertos expressamente pela lei e pela regulamentação, ou quando reconhecida a sujeição do setor às regras concorrenciais, o CADE tem exercido plenamente sua competência de adjudicação da concorrência, em uma clara liderança em relação aos órgãos reguladores.

Concorrência; regulação; setores regulados; Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE; jurisprudência administrativa

Abstract

This paper discusses CADE’s approach towards competition spaces comprised in regulated industries. Two approaches can be distinguished: (i) activities in creating competition spaces (i.e., fostering competition in industries where it is non-existent); and (ii) protection of competition spaces opened by industry regulation (i.e., prevention and enforcement against antitrust violation in competition spaces within regulated markets). It is argued that under the situations where such spaces have not been established by the legislator, CADE enforces competition law in a cautious way, evaluating the compatibility of the regulatory policy with competition law but, as the final outcome, only requesting or asking regulatory authorities to adopt the needed provisions for enforcing competition law. However, considering competition spaces expressly opened by legislation or regulation, or else when duly acknowledged the application of competition law in the regulated industry, CADE has fully exerted its tasks in competition adjudication, in a clear leadership position in relation to regulatory authorities.

Competition; regulation; regulated sectors; Administrative Council of Economic Defense – CADE; administrative case law

Introdução

A reorganização do papel do Estado brasileiro começa na década de 1990, com a edição do Programa Nacional de Desestatização (PND).1 1 O PND foi instituído pela Lei n. 8.031, de12 de abril de 1990, e contemplava apenas a possibilidade de alienação de empresas controladas pelo poder público (art. 2º, I e II). Em 1997, a Lei n. 9.491, de 9 de setembro daquele ano, reformou as feições do PND para permitir também a concessão à iniciativa privada da prestação de serviços públicos (art. 2º, III), revogando a Lei n. 8.031/90. Os objetivos do PND não sofreram mudanças relevantes com a edição da Lei n. 9.491/97; alguns deles foram mais bem especificados, mas não houve mudança nos objetivos centrais. Por meio desse programa, o Estado procurou em essência: (i) transferir à iniciativa privada algumas atividades exploradas pelo setor público; (ii) melhorar a sua situação econômico financeira; (iii) viabilizar a emergência de um setor privado com capacidade de investimento nas atividades transferidas; (iv) aumentar a competitividade geral da economia; e (v) permitir à Administração Pública concentrar esforços e recursos nas atividades em que a presença estatal é fundamental para os objetivos nacionais.

O Poder Público pretendeu, assim, deixar aos particulares o exercício de diversas atividades (dentre elas alguns serviços públicos, a exigirem uma regulação estatal mais densa e pormenorizada), e passou a exercer mais correntemente o papel de agente normativo e regulador da atividade econômica, nos termos do art. 174 da Constituição Federal. Diante dessa reformulação do papel do Estado, que se consolidou e aprofundou na última década, as interações entre a regulação dessas atividades transferidas e os princípios gerais que regem a atividade econômica (em especial os princípios da livre-iniciativa e da livre concorrência, presentes nocaput e no inciso IV do art. 170 da CF) apresentam-se como um campo extremamente importante de análise.

Nesse campo, o Estado assume dois papéis distintos, porém complementares. De um lado, o redesenho de setores até então dominados por monopólios estatais exige a utilização de instrumentos jurídicos que permitam a entrada de novos competidores no mercado e nivelem as oportunidades de firmas entrantes e firmas já instaladas (ditas “incumbentes” a partir de termo utilizado na literatura internacional). Trata-se aqui de um papel de “abertura e delimitação de espaços concorrenciais” nos setores regulados. De outro lado, cabe ao Estado defender os espaços abertos para a competição, impedindo que alterações estruturais e/ou condutas de agentes econômicos prejudiquem a concorrência. Esse é um papel de “defesa de espaços concorrenciais abertos”.

É no contexto de interação entre esses dois papéis do Estado que este artigo procura identificar a atuação das autoridades de defesa da concorrência, em especial do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Em outras palavras, será discutido como o órgão antitruste tem atuado (i) na abertura de espaços concorrenciais em setores regulados; e (ii) na defesa da concorrência nesses espaços abertos explícita ou implicitamente pela disciplina regulatória. Nossa análise será focada especialmente na jurisprudência do CADE ao longo da última década e meia, que, na visão dos autores, não deve ser afetada substancialmente com a edição da nova Lei n. 12.529/2011.

Importante esclarecer que foram selecionados para análise os precedentes mais significativos do CADE, assim entendidos os casos que tenham importado em maior impacto em relação à formação da jurisprudência posterior – e que, portanto, aparecem na literatura como verdadeiros leading cases nessa discussão, não sendo raro virem a ser referidos nas decisões posteriores do CADE com fundamento de decidir –, bem como aqueles em que se tenha aprofundado a discussão teórica de maneira importante. Trata-se, portanto, de um mapeamento dos pontos cardeais da discussão, apto a produzir, na visão dos autores, uma síntese qualitativa que transmite um quadro representativo da posição do CADE exatamente naqueles casos em que a autoridade mais se dedicou ao assunto. Naturalmente, não se trata de esgotar todos os casos e decisões do CADE que tenham abordado a discussão, mas sim de analisar as decisões que, pela sua densidade, tenham importado de modo significativo para a construção da jurisprudência a respeito da discussão de regulação e defesa da concorrência.

Dividiremos o artigo em cinco outras seções, além desta introdução. Na próxima seção, trataremos brevemente do conceito de regulação econômica que será utilizado neste trabalho. A segunda seção tratará da abertura de espaços concorrenciais em setores regulados, bem como das principais regras de identificação desses espaços quando a legislação não é expressa. A seção seguinte se ocupará da análise do posicionamento do CADE no desenho dos espaços concorrenciais em setores regulados, enquanto a quarta seção examinará a posição do CADE na defesa dos espaços concorrenciais já abertos. A última seção conterá as conclusões.

1 Regulação da atividade econômica

Conceitos não exclusivos de uma área do conhecimento, e que acabem empregados em diversas disciplinas e na linguagem corrente, apresentam quase sempre a característica de serem polissêmicos, i.e., terem ligados a si diversos significados. O termo regulação, bastante utilizado em tempos recentes pelo Direito, pela Ciência Política e pela Economia, é um deles.

Para a finalidade deste artigo, basta esclarecer o conceito a ser utilizado, com vistas a mantê-lo como referência, remetendo o intérprete a um conjunto de regras razoavelmente coerente. A questão é de vocabulário, e sua solução deve ter como objetivo evitar o implícito e o duplo sentido, bem como tornar mais fácil e ordenada a execução das regras jurídicas (FRISON ROCHE, 2005FRISON ROCHE, Marie-Ane. Definição do direito da regulação econômica. Revista de Direito Público da Economia, 2005, n. 9, p. 207-217., p. 209). Essa medida torna a definição eficaz e evita entrar em discussões infinitas e inúteis sobre a natureza das coisas. Como já fora advertido pelo civilista português Antônio de Arruda Ferrer Correia em outro contexto, o Direito é, afinal, ciência de normas; os conceitos exercem, nessa matéria, função instrumental (FERRER CORREIA, 1948CORREIA, Antônio de Arruda Ferrer. Sociedades fictícias e unipessoais. Coimbra: Atlântida, 1948., p. 80).

A concepção de que o mercado é uma instituição jurídica,2 2 Cf. Natalino Irti, para quem o mercado e a economia de mercado são instituições artificiais e históricas, construídas pela Política e pelo Direito (IRTI, 2001, p. 12-15). O mesmo autor resume essa proposição nas palavrasartificialidade, juridicidade ehistoricidade do mercado, esclarecendo que a economia de mercado deriva, na verdade, de uma escolha construída pela ordem jurídica, fundada em uma decisão política, mutável e historicamente situada sobre qual forma conferir à economia, de modo que nenhum regime de produção poderia ser dito absoluto ou definitivo (IRTI, 2007, p. 44). É nesse sentido que se fala em constituir a ordem do mercado, dito de outra forma, tomar uma posição quanto aoconteúdo das normas que o disciplinarão (IRTI, 2001, p. 12-3 e 23; cf. ainda, sobre essa mesma discussão, PRADO FILHO, 2011, p. 100-108). e que a economia de mercado nasceu do direito e permanece enquadrada por seus imperativos, leva a uma definição interessante de regulação, dada por Marie-Ane Frison Roche. A autora francesa conceitua regulação como a aparelhagem jurídica de um setor específico da economia, por meio da qual o Poder Público cria e mantém dentro do setor um equilíbrio entre a concorrência e outros princípios que não seriam criados ou mantidos com apoio somente no direito concorrencial (FRISON ROCHE, 2005FRISON ROCHE, Marie-Ane. Definição do direito da regulação econômica. Revista de Direito Público da Economia, 2005, n. 9, p. 207-217., p. 209 e 214).

O direito da regulação reporta-se, assim, ao direito de um setor específico da economia, que pode ser aberto a certo grau de concorrência, mas não deixado à sua mercê (FRISON ROCHE, 2005FRISON ROCHE, Marie-Ane. Definição do direito da regulação econômica. Revista de Direito Público da Economia, 2005, n. 9, p. 207-217., p. 216). Ele representa a forma de compatibilizar a organização econômica de mercado com outros princípios jurídicos. Essa definição permite expandir o tema para abarcar toda forma de organização da atividade econômica pelo Estado que não seja a assunção direta do seu exercício pelo Poder Público, englobando tanto a concessão de serviço público quanto o exercício do poder de polícia sobre atividades submetidas ao regime de livre-iniciativa.3 3 A favor de uma definição ampla de regulação, Calixto Salomão Filho, para quem a regulação engloba “toda forma de organização da atividade econômica através do Estado”, seja a concessão de serviço público ou o exercício do poder de polícia (SALOMÃO FILHO, 2001, p. 15, 18, nota de rodapé n. 8, e p. 30-35). -4 4 Também Floriano de Azevedo Marques Neto adota uma definição ampla do conceito de regulação, identificando-a como toda forma de intervenção do Estado no domínio econômico que não seja a assunção direta do exercício da atividade econômica. Dentro desse quadro, o autor ainda traça uma diferença entre a regulação setorial, relacionada a serviços públicos ou a determinadas atividades econômicas em sentido estrito, e a regulação geral, relacionada ao direito do consumidor e ao direito concorrencial (MARQUES NETO, 2003, p. 71). Ao mesmo tempo, na medida em que circunscreve a regulação a cada setor econômico, ele permite remeter cada atividade ao seu marco regulatório próprio, que muitas vezes pode conter princípios peculiares e não aplicáveis a outros setores econômicos, constituindo verdadeiros subsistemas jurídicos.

A definição ainda permite distinguir entre diversos objetivos da regulação. Em primeiro lugar, cabe à regulação complementar o sistema de mercado, garantindo a convivência da concorrência com outros imperativos, tais como a segurança e higidez do setor. É o que ocorre nos casos das atividades bancária e aeronáutica. Em segundo lugar, a regulação pode destinar-se a substituir o sistema concorrencial, e forçar um funcionamento adequado de mercados cujas condições estruturais não permitem deixá-lo apenas à disciplina antitruste. É caso dos monopólios naturais e mercados dependentes de infraestruturas essenciais. Em terceiro lugar, a regulação pode visar implementar medidas de cunho distributivo, como almejado pelas políticas de universalização em diversos setores de infraestrutura (e.g.,energia e telecomunicações).

Considerar regulação como a moldura jurídica criada para compatibilizar a concorrência com outros princípios levanta imediatamente o problema dos espaços e limites da concorrência dentro dos setores regulados. As próximas seções irão tratar exatamente de como esses espaços são abertos e de como o CADE tem se posicionado nessa matéria.

2 Espaços concorrenciais em mercados regulados

Nas hipóteses em que o marco regulatório defina claramente quais os espaços em que a concorrência deve exercer seu papel, e qual autoridade será responsável pela tutela concorrencial, o problema da abertura de tais espaços se encontra resolvidoex vi lege. Cabe apenas à autoridade competente exercer o controle da concorrência, tomando o cuidado de levar em conta os princípios próprios do setor.

Diversos instrumentos foram utilizados recentemente para criar espaços concorrenciais dentro de indústrias reguladas. O caso mais simples é a adoção de medidas estruturais, impostas pela legislação aos agentes econômicos, que reorganizam a forma de exploração do setor para introduzir a concorrência. O desmembramento das atividades componentes do setor entre segmentos monopolistas e não monopolistas, a previsão dos chamados consumidores livres de serviços que possam adquirir o produto de empresa distinta da detentora da infraestrutura monopolista que o entrega, o estabelecimento de limitações ex ante para a concentração horizontal, limitações de verticalização na cadeia produtiva e o estabelecimento de regras de compartilhamento da infraestrutura essencial são exemplos de medidas que definem a priori uma estrutura de mercado mais favorável à competição e abrem um espaço concorrencial importante dentro de indústrias reguladas.

O processo de desestatização foi fértil em exemplos de medidas estruturais para a criação de concorrência em setores regulados. Em primeiro lugar, as atividades da cada setor privatizado foram desmembradas antes de serem transferidas à iniciativa privada, de modo que a antiga estrutura de exploração do setor (umplayer que atua na cadeia produtiva toda) fosse modificada. Assim, o setor de energia elétrica foi separado nas atividades de geração, transmissão, distribuição e comercialização. A indústria do petróleo foi desagregada nas atividades de exploração e produção, refino, importação e exportação, transporte, comercialização e distribuição, ainda que não se tenha impedido a atuação da empresa dominante (Petrobras – Petróleo Brasileiro S.A.) em todas essas atividades. Em matéria de telecomunicações, o marco regulatório permitiu que os diferentes serviços fossem prestados em modalidades diversas e contratados separadamente pelos consumidores (NUSDEO, 2000NUSDEO, Ana Maria. Agências reguladoras e concorrência. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Org.). Direito administrativo econômico.São Paulo, Malheiros, 2000., p. 170), além de determinar inicialmente áreas geográficas limitadas para atuação das concessionárias.

Outra medida estrutural foi a criação dos consumidores com statusdiferenciado, aos quais foi atribuído poder de escolha na contratação de serviços com algum elo de monopólio natural. Esse foi o caso do setor elétrico, cujo marco regulatório criou a figura do consumidor livre, aos quais ficou assegurado o direito de contratar o fornecimento de energia elétrica de qualquer autoprodutor, produtor independente ou concessionário (arts. 15 e 16 da Lei n. 9.074, de 7 de julho de 1995, a “Lei do Setor Elétrico”) (NUSDEO, 2000NUSDEO, Ana Maria. Agências reguladoras e concorrência. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Org.). Direito administrativo econômico.São Paulo, Malheiros, 2000., p. 173--174), apesar de o elo de distribuição de energia ser ainda considerado um monopólio natural. Na prática, isso viabiliza maior competição na oferta de energia, na medida em que libera determinados consumidores de grande porte da obrigação de adquirir energia apenas da distribuidora local monopolista. Medida estrutural parecida foi adotada por alguns Estados na distribuição de gás encanado, permitindo que grandes consumidores possam contratar o fornecimento desse insumo de qualquer fornecedor, e não apenas da empresa monopolista da infraestrutura de distribuição (v.g., o Estado de São Paulo).

No setor de telecomunicações, além da desagregação das atividades por área, o marco regulatório estabeleceu uma proibição temporal para atuação das empresas ofertantes de serviço local no mercado de longa distância nacional e internacional. Dessa maneira, as concessionárias locais, detentoras da rede física instalada, tiveram que cumprir as metas estabelecidas no Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU) para poderem ingressar nos mercados de longa distância nacional e internacional. Essa limitação temporal permitiu que as operadoras de longa distância pudessem se estabelecer melhor no mercado, propiciando um ambiente concorrencial mais sólido e duradouro quando da liberação de ingresso das ofertantes de telefonia local nesse segmento.

Quando medidas estruturais se revelem custosas demais, é possível impor aos agentes econômicos medidas comportamentais, que forcem algum grau de concorrência por meio da modificação das condutas dos agentes econômicos. Nesse contexto, surgem as obrigações atribuídas aos proprietários de infraestrutura essencial de fornecerem acesso aos demais agentes econômicos, como na garantia de acesso aos dutos transportadores de petróleo e gás natural definidas no art. 58 da Lei n. 9.478, de 7 de agosto de 1997 (a “Lei do Petróleo”), conforme redação dada pela Lei n. 11.909, de 4 de março de 2009. Também a imposição de interconexão obrigatória das redes de telefonia (art. 146, inciso I, da “Lei Geral de Telecomunicações”) e a separação contábil e jurídica das empresas que exercem atividades consideradas monopólios naturais são outros exemplos recentes de medidas comportamentais.

As medidas comportamentais buscam, em suma, nivelar as oportunidades e reduzir as vantagens detidas pelas empresas incumbentes. No momento de abertura à competição, essas antigas empresas monopolistas tendem a desfrutar de posição dominante nos mercados, além de deterem uma marca consolidada, capacidade instalada e base de clientes formada. Embora as entrantes provenham de grupos privados financeiramente fortes e gerencialmente hábeis, elas tendem a entrar no mercado em alguma desvantagem competitiva, o que pode tornar necessário estabelecer regras que compensem o poder das incumbentes (NUSDEO, 2000NUSDEO, Ana Maria. Agências reguladoras e concorrência. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Org.). Direito administrativo econômico.São Paulo, Malheiros, 2000., p. 176). Essa regulação diferenciada aplicável às empresas incumbentes em determinados mercados é geralmente referida como regulação assimétrica.5 5 No contexto das transformações por que passa a disciplina dos serviços públicos, decorrentes da crise que se abate sobre a noção de que tais atividades seriam absolutamente subtraídas do domínio econômico e confundidas como uma função estatal exclusiva e privativa, Floriano de Azevedo Marques Neto frisa que essas atividades poderiam ser aproximadas à espécie de atividade econômica em sentido estrito, e oferecidas em termos mais concorrenciais, ainda que sua importância social justifique os ônus de universalidade, continuidade e controles sobre a sua prestação impostos ao ente público. Nesse sentido, além da possibilidade de vários atores ofertarem a prestação em regime público, vislumbra-se a possibilidade de “assimetria regulatória”, entendida exatamente como a situação de “competição entre prestadores sujeitos a incidências regulatórias distintas”: “A maior transformação neste cenário parece ser mesmo a introdução da competição em um mesmo serviço com distintas incidências regulatórias, ou seja, com a concomitância entre prestadoras sujeitas ao regime público e ao regime privado, ainda que ambas subordinadas a restrições de acesso para exploração da atividade econômica específica (necessidade de prévia licença – concessão permissão ou autorização, conforme o caso). [...] Nesses exemplos, atividades consideradas serviços públicos, são prestadas por competidores sujeitos em níveis de regulação distintos. Trata-se de um novo traço da regulação dos serviços públicos cuja ideia nuclear é a de incentivar a concorrência nestas atividades, já que são, ainda hoje, muito concentradas. A ideia é oferecer ao operador entrante um regime de prestação mais brando que aquele dispensado ao prestador dominante, com vistas a acirrar a disputa pelo mercado, o que, é certo, traz inúmeras consequências benéficas ao usuário de tais serviços” (MARQUES NETO, 2002, p. 21-23 e 27).

Novamente, o exemplo do mercado de telefonia é bem interessante. As empresas concessionárias que já participavam do mercado e detinham claras vantagens competitivas no primeiro momento pós-privatização foram sujeitas à prestação dos serviços em regime público, o que lhes acarreta os deveres de universalização e continuidade. De outro lado, as entrantes autorizadas foram liberadas desses ônus e contaram com maior liberdade regulatória para construir suas redes e desenhar suas estratégias comerciais. A regulação setorial procurou, assim, garantir condições de paridade competitiva equilibrando as vantagens e os ônus de umas e outras (NUSDEO, 2000NUSDEO, Ana Maria. Agências reguladoras e concorrência. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Org.). Direito administrativo econômico.São Paulo, Malheiros, 2000., p. 176).

O mesmo raciocínio vale na indústria do petróleo. O livre acesso aos dutos de transporte foi uma medida utilizada para limitar as vantagens detidas pela antiga monopolista estatal, nivelando as oportunidades de concorrência nos setores dessa atividade mais propícios à competição (v.g., exploração-produção e comercialização de derivados de petróleo e gás natural).

Em algumas hipóteses, é possível introduzir ainda algum grau de competição por meio da regulação por comparação (também denominada na literatura internacional de yardstick competition). Trata-se, em última análise, da solução do problema de agência entre regulador e regulados por meio de um torneio: submete-se todos os agentes a condições análogas e homogêneas para que seja possível obter informações mais consistentes das empresas reguladas e ordenar a sua performance. Dessa forma, é possível premiar o melhor desempenho, ou punir o pior deles, sem que seja necessário determinar critérios absolutos para tanto (sobre as várias questões relacionadas ao alinhamento de incentivos em relações do tipo agência, cf.SAPPINGTON, 1991SAPPINGTON, David. Incentives in principal-agent relationships.The Journal of Economic Perspective, v. 5, n. 2, spring 1991, p. 45-66., p. 45-66). Um exemplo desse tipo de regulação por comparação pode ser encontrado na proposta do Governo Federal para tratar os indicadores de qualidade de rodovias concedidas: os editais de concessão estabelecem um mecanismo de comparação entre concessionárias especificamente no que tange a metas de redução de acidentes, premiando aquelas que tenham desempenho melhor que a média das demais.6 6 Cf., nesse sentido, e.g. Edital 001/2013, referente a trecho da BR050/GO/MG, que prevê em seu anexo 7, item 3.4, fórmula de cálculo do Indicador do Nível e Acidentes com vítimas, prevendo um prêmio de reajuste tarifário no caso de redução de acidentes em nível superior ao da média das rodovias concedidas pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

Outra estratégia para abrir espaços concorrenciais consiste simplesmente em não submeter à disciplina regulatória os setores potencialmente competitivos. Dessa maneira, tais segmentos estariam submetidos apenas à ordem concorrencial, tal como as atividades pertencentes a indústrias não reguladas. No entanto, alguns problemas sérios surgem quando a ordem jurídica decide pelo silêncio, deixando indeterminadas as fronteiras em que a concorrência deve ser garantida no âmbito de um setor que é bastante regulado, ou qual o agente público é responsável por essa tarefa.

Esse problema foi abordado, no Direito norte-americano por duas construções prudenciais, intituladas State Action Doctrine e Pervasive Power Doctrine, as quais vêm sendo invocadas pelo CADE em alguns casos. Suas principais finalidades são identificar a eventual imunidade de um setor regulado às disposições da lei concorrencial e, na ausência de imunidade, determinar qual a autoridade competente para aplicar o direito antitruste a esse setor.

2.1 State Action Doctrine7 7 Cf. SALOMÃO FILHO, 2001, p. 136-138;JORDÃO, 2009, p. 37-40, 146-149;PRADO FILHO, 2011, p. 210-212, nota de rodapé n. 475.

A atuação do Poder Público estadual como agente regulador da economia em contradição com os dispositivos do direito concorrencial foi abordada pela Suprema Corte norte-americana no caso Parker vs. Brown (317 U.S. 341 (1943)ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, Supreme Court. Parker vs. Brown, 317 U.S. 341 (1943).). Nessa oportunidade, questionou-se uma lei do Estado da Califórnia que instituíra um programa governamental de sustentação de preços de uma commodityagrícola via restrição da concorrência entre os produtores; a decisão esclareceu que a edição do Sherman Act não tivera por objetivo cercear competências dos Estados membros, os quais manteriam a faculdade de afastar a concorrência em face de outros objetivos regulatórios. Assim, foi reconhecida aos Estados uma imunidade às disposições concorrenciais federais quando suas ações fossem veiculadas estritamente na formulação e execução de uma política pública (317 U.S. 341ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, Supreme Court. Parker vs. Brown, 317 U.S. 341 (1943)., 350-352). Tal imunidade, contudo, não permite ao Estado liberar um particular da aplicação do direito concorrencial simplesmente autorizando uma prática restritiva, ou declarando-a válida; é necessária a presença ativa do Estado exercendo e supervisionando uma determinada política pública.

Posteriormente, os requisitos necessários para reconhecimento da Parker imunitty para ações governamentais foram elaborados de forma mais clara no caso California Liquor Dealers vs. Midcal Aluminium(445 U.S. 97 (1980)ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, Supreme Court. California Liquor Dealers vs. Midcal Aluminium, 445 U.S. 97 (1980).). Nesse caso, questionou-se uma lei, também do Estado da Califórnia, que exigia dos produtores e distribuidores de vinho o registro de fair trade contracts e de tabelas de preços cujo descumprimento acarretaria penalidades. Os juízes que analisaram o caso reconheceram na iniciativa do governo da Califórnia a formulação e a execução de uma política pública; todavia, entenderam ausente qualquer supervisão ativa, o que acarretava a sujeição da iniciativa às disposições do Sherman Act (em particular, não havia qualquer controle sobre os documentos arquivados, bem como não havia ainda monitoramento do mercado ou avaliação da política governamental).

Dessa maneira, a Suprema Corte norte-americana esclareceu que a State Action Doctrine formulada em Parker vs. Brownexigia uma intervenção estatal qualificada para excluir a aplicação do direito concorrencial num caso concreto, a ser aferida por meio de dois requisitos essenciais: (i) a restrição deve ser expressão clara e direta de uma política governamental destinada a substituir o sistema concorrencial pela regulação; e (ii) deve haver supervisão ativa do Estado sobre a política governamental veiculada. As decisões judiciais posteriores da Suprema Corte mantiveram esses dois requisitos, mas também aduziram que uma política governamental faz jus à imunidade antitruste mesmo quando não obriga os particulares a condutas restritivas, mas simplesmente as permitam (Southern Motor Carriers Rate Conference, Inc. vs. United States, 471 U.S. 48 (1985)). Esclareceram ainda que a existência da supervisão ativa da política pública pelo ente estatal é exigida para que os resultados do programa governamental não sejam desarrazoados para a concorrência e para os consumidores (Patrcik vs. Burget,486 U.S. 94 (1988)ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, Supreme Court. Patrcik vs. Burget 486 U.S. 94 (1988).).

Quanto à atuação do Poder Público federal em oposição aos dispositivos do direito concorrencial, a Suprema Corte norte-americana adotou um caminho interpretativo um tanto distinto: no caso U.S. vs. Cooper Corp. (312 U.S 600 (1941)), foi decidido que a redação do Sherman Act, ao falar apenas em “pessoas”, deveria ser interpretada de forma que as autoridades públicas federais não fossem contempladas em sua aplicação (U.S. vs. Cooper Corp., 312 U.S 604-605 e 607 (1941)). Essa mesma posição foi posteriormente repetida no caso U.S. Postal Service vs. Flamingo Industries (540 U.S. 736 (2004) 302 F.3d 985), em que a empresa pública acusada foi considerada parte do governo federal, e não uma “pessoa” sujeita à aplicação do Sherman Act. (U.S. Postal Service vs. Flamingo Industries 540 U.S. 736 (2004)).

No Brasil, a jurisprudência do CADE parece tendente a aplicar a State Action Doctrine de maneira análoga ao que ocorre nos Estados Unidos, e tem repetido os requisitos norte-americanos de decisão clara de substituir a ordem econômica concorrencial pela regulação econômica e supervisão ativa do Estado.8 8 Cf., a esse respeito, PA n. 08000.021660/96-05 (SDE ex officiov. Empresa de Transporte Coletivo do Rio de Janeiro, relator Conselheiro Fernando de Oliveira Marques, julgado em 05.02.2003, acórdão publicado noDOU em 02.04.2003); Representação n. 07/93 (CEBRACAN – Câmara das Empresas Brasileiras de Capital Nacional vs. RODONAL – Empresa de Passageiros, relator Conselheiro Paulo Dyrceu Pinheiro, julgado em 05.11.1997); PA n. 08000.002605/97-52 (Associação Mineira dos Usuários de Transportes de Passageiros e Carga AMUT P&C vs. BHTRANS – Empresa de Transportes e Trânsito da Região Metropolitana de Belo Horizonte e outros, relator Conselheiro Marcelo Calliari, julgado em 20.01.1999, acórdão publicado no DOU em 31.03.1999); PA n. 08012.006207/ 1998-48 (Companhia Nacional de Álcalis, Companhia Siderúrgica Nacional, Valesul Alumínio S.A., Proscint Produtos Sintéticos S.A., Cia. Salinas Perynas, Refinaria Nacional de Sal vs. Companhia Estadual de Gás – CEG e Riogás S.A., relator Conselheiro Afonso Arinos de Mello Franco Neto, julgado em 31 de janeiro de 2001, acórdão publicado no DOU em 01.03.2001).

Entretanto, como apontado por Eduardo Ferreira Jordão, essa aplicação seria já um pouco adaptada (ou mesmo “hesitante”, segundo ele) em relação aos requisitos norte-americanos originais (JORDÃO, 2009JORDÃO, Eduardo Ferreira. Restrições regulatórias à concorrência, Belo Horizonte: Fórum, 2009.,passim mas especialmente p. 162, 171-172, e 186-188): emprimeiro lugar, por não se restringir apenas à regulação estadual, incidindo também em relação a entes federais e municipais (JORDÃO, 2009JORDÃO, Eduardo Ferreira. Restrições regulatórias à concorrência, Belo Horizonte: Fórum, 2009., p. 162 e 171);9 9 A discussão envolveu órgãos federais na citada Representação n. 07/93 (referente a regulação do Departamento de Transportes Terrestres, do Ministério dos Transportes) e no PA n. 08000.007754/1995-28 (Augusto Carvalhovs. Associação Brasileira de Agências de Viagens – ABAV, relator Luiz Carlos Thadeu Delorme Prado, julgado em 01.09.2004; referente a regulação do Departamento de Aviação Civil); a atuação de órgão municipais esteve em pauta no citado PA n. 08000.002605/ 97-52 (município de Belo Horizonte) e no PA n. 08012.006507/1998-81 (Ivan Garcia Dinizvs. COOPERTAXI e outros; DOU 20.08.2003; município de Parnamirim). em segundo lugar, porque teria ampliado, pelo menos em alguns casos, o teste da “substituição do sistema concorrencial pela regulação” de forma a incluir também uma análise sobre a adequação, precariedade ou razoabilidade da regulação discutida (JORDÃO, 2009JORDÃO, Eduardo Ferreira. Restrições regulatórias à concorrência, Belo Horizonte: Fórum, 2009., p.163-166 e 171);10 10 Esta discussão sobre razoabilidade ou adequação da regulação ocorreu, de alguma forma, na citada Representação n. 07/93 e também nos citados PA n. 08000.002605/97-52 (Caso BHTRANS) e PA n. 08012.006507/ 1998-81 (Caso Coopertaxi). Referindo-se especificamente aos dois últimos precedentes, Alexandre Ditzel Faraco também reconhece ter havido ampla discussão sobre a natureza da política regulatória em discussão, sendo a “ausência de evidência de que as autoridades setoriais não teriam condições de desempenhar adequadamente suas funções” um dos elementos fundamentais para afastar a natureza ilícita das condutas sob investigação (FARACO, 2012, p. 381); Faraco, contudo, não chega a afirmar expressamente que isso tenha representado uma aplicação peculiar da doutrina norte-americana da State Action, como faz Jordão a partir dos mesmos casos. emterceiro lugar, porque teria interpretado o termo “supervisão ativa” de forma diferente em alguns casos, não como a fiscalização e comprimento efetivos da regulamentação (sentido interno), mas sim como a razoabilidade e adequação da própria regulamentação aos princípios maiores que ela deveria respeitar (sentido externo) (JORDÃO, 2009JORDÃO, Eduardo Ferreira. Restrições regulatórias à concorrência, Belo Horizonte: Fórum, 2009., p. 166-168, 171-172); e em quarto lugar, porque em alguns casos se exigiu a obrigatoriedade do comportamento do agente privado (i.e., inexistência de outro comportamento permitido) para concessão da imunidade às empresas (JORDÃO, 2009JORDÃO, Eduardo Ferreira. Restrições regulatórias à concorrência, Belo Horizonte: Fórum, 2009., p. 168-172).11 11 Tal exigência de obrigatoriedade foi exigida nos citados PA n. 08000.002605/97-52 (Caso BHTRANS) e PA n. 08000.007754/ 1995-28 (Caso Coopertaxi). Esse aspecto é comentado por Alexandre Ditzel Faraco, que, além da atuação reguladora efetiva e racional, indica também a ausência de margem de atuação deixada pela regulação como um critério necessário para isentar de penalidade o agente privado (FARACO, 2012, p. 382); por conta desta margem de atuação remanescente, o CADE sancionou companhias aéreas no PA n. 08012.000677/1999-70 (SDE ex officio vs. Viação Aérea Rio-Grandense – VARIG S/A e outros; relator Thompson Andrade, julgado em 15.09.2004).

Assim, apesar de explicitamente inspirada na State Action Doctrine norte-americana, a versão brasileira da imunidade antitruste conferida a determinados setores regulados por outros entes da federação tem assumido alguns contornos próprios que merecem atenção.

2.2 Pervasive Power Doctrine12 12 Cf. SALOMÃO FILHO, 2001, p, p. 138-139;JORDÃO, 2009, p, p. 149-153; PRADO FILHO, 2011, p, p. 210-212, nota de rodapé n. 475.

Outra questão que surgiu nos Estados Unidos diz respeito à interação entre autoridades regulatórias federais e os órgãos antitruste. Como a State Action Doctrine referia-se especificamente à imunidade antitruste em setores regulados por estados federados, surgiu uma discussão análoga com vistas a esclarecer quais os requisitos necessários para afastar a aplicação do direito antitruste a setores regulados por agências regulatórias federais.

Nesse contexto, o caso U.S. vs. National Association of Securities Dealers (422 U.S. 694 (1975)) estabeleceu que existe uma imunidade ao direito concorrencial sempre que os poderes conferidos ao agente regulador federal forem extensos o suficiente para tornar o marco regulatório incompatível com o direito concorrencial. Nessa oportunidade, o Governo dos Estados Unidos questionou práticas restritivas levadas a efeito no mercado secundário de valores mobiliários emitidos por fundos mútuos. Ao resolver a questão, a Suprema Corte norte-americana reconheceu que as atribuições conferidas à SEC peloInvestment Company Act, de 1940, e pelo Maloney Act, de 1938, asseguravam uma imunidade implícita ao direito concorrencial, que seria essencial para o funcionamento do marco regulatório do mercado de capitais.

Ainda quando as atribuições conferidas não importem em uma imunidade ao direito concorrencial propriamente dita, deve-se avaliar se o poder conferido à agência reguladora federal é profundo a ponto de transferir ao regulador federal a atribuição para aplicar o direito antitruste. Esse foi o ponto abordado porU.S. vs. RCA (358 U.S. 334 (1959)), quando a Suprema Corte norte-americana estabeleceu que as competências atribuídas à Federal Communications Commission (FCC) não eram profundas o suficiente para afastar a competência da autoridade antitruste, de maneira que a autorização conferida pela FCC a uma transação não impediria que sua legalidade fosse questionada posteriormente frente ao direito concorrencial (358 U.S. 334, em 346 (1959)).

Dessa forma, surgiu a Pervasive Power Doctrine, que determina: (i) uma imunidade antitruste implícita, quando os poderes conferidos à agência reguladora sejam extensos o suficiente (i.e., conferido com o intuito de substituir o sistema concorrencial); ou (ii) um deslocamento da competência para aplicar o direito antitruste para o regulador, quando os poderes conferidos a ele forem profundos o suficiente (i.e., apesar de não afastar o direito antitruste, as competências já incluem a aplicação das regras concorrenciais).

Na aplicação análoga da Pervasive Power Doctrine pelo CADE, os tradicionais requisitos de extensão ou profundidade dos poderes transferidos ao órgão federal têm sido exigidos, mas em se tratando de poder profundo, exigem-se da autoridade federal outros dois elementos, aparentemente advindos da produção doutrinária brasileira13 13 Especialmente de Calixto Salomão Filho, que assim se expressou: “A análise da profundidade dos poderes estatais põe em realce um aspecto muito importante. A profundidade, ao contrário da extensão, não pode ser determinada de maneira eficaz sem a verificação da atuação efetiva da referida agência ou órgão. As competências são geralmente estabelecidas em termos genéricos, sem especificar as matérias que devem ser levadas em consideração na aplicação da lei (e nem seria possível exigir o contrário). Dessa maneira, para saber se os efeitos sobre o mercado são realmente considerados é necessário analisar a atuação pretérita do órgão. Ao critério formalístico da competência adiciona-se, portanto, o critério da efetividade da atuação. A existência de atuação efetiva não é, no entanto, suficiente. Para que a aplicação desse método leve a resultados coerentes é necessário também que o órgão encarregado da regulação e fiscalização seja dotado de capacidade técnica e conhecimento do mercado superior ao que é possível imaginar que o Judiciário ou as agências de controle da concorrência possam ter. É necessário, portanto, que aquele tipo de mercado demande um conhecimento especial, que se pode presumir insuficiente mesmo em órgãos especializados na aplicação do direito antitruste” (SALOMÃO FILHO, 2001, p. 146-147). : a atuação efetiva na adjudicação de aspectos concorrenciais, bem como a detenção de conhecimentos técnicos e de mercado privilegiados.14 14 Cf. AC n. 08012.007435/ 2000-02 (Banco Santander Central Hispano S/A e Patagon com International Inc., relatora Conselheira Hebe Romano, julgado em 17.01.2001, acórdão publicado no DOU em 09.03.2001). Nesse caso, a relatora transcreve trecho do artigo de Maria Tereza Leopardi de Mello, que, apesar de tratar do setor elétrico, é considerado pela Conselheira perfeitamente aplicável ao ato de concentração que estava em análise no setor financeiro; o artigo citado somaria os requisitos necessários para configurar a profundidade do poder em três tópicos: (i) que as regras antitruste devam ser levadas em conta quando do exercício do poder regulamentar ou em outras decisões da agência; (ii) que a atuação da agência efetivamente leve em consideração os efeitos de seus atos sobre a concorrência; (iii) que a agência reguladora apresenta conhecimentos técnicos e de mercado privilegiados (cf. fl. 269 do AC n. 08012.007435/2000-02; cf. MELLO, 1999).

2.3 Dois planos de atuação do CADE em mercados regulados: Delimitação do espaço concorrencial vs. Proteção do espaço concorrencial delimitado pela regulação

A discussão trazida nesta seção indica alguns aspectos importantes na construção da relação entre regulação e defesa da concorrência. De um lado, procuramos demonstrar que a abertura de espaços concorrenciais em setores regulados é algo cada vez mais comum, seja por meio de medidas estruturais, seja por meio de medidas comportamentais. Trata-se de uma intervenção estatal com o propósito específico de gerar competição em setores onde ela dificilmente ocorreria de forma espontânea. De outro lado, há situações em que o Estado decide simplesmente não regular determinados aspectos de uma indústria para permitir que a competição aflore.

Em vários mercados regulados, os espaços competitivos e não competitivos são claramente delimitados. No entanto, em determinadas circunstâncias, pode haver incerteza sobre a existência ou não de um espaço concorrencial em setores regulados. Nesses casos, o CADE tem buscado criar regras jurisprudenciais para identificar se há algum espaço concorrencial ou se a regulação estatal é de tal natureza que substitui completamente a concorrência, gerando uma imunidade antitruste naquele setor ou segmento específico.

Nessa interação entre concorrência e regulação, abrem-se duas vertentes para uma possível atuação do CADE em mercados regulados: (i) atuação sobre a própria delimitação dos espaços concorrenciais (i.e., promoção da competição em setores onde ela era inexistente); e (ii) proteção dos espaços concorrenciais já abertos pela regulação (i.e., prevenção e repressão a infrações contra a ordem econômica nos espaços competitivos dos mercados regulados). Como se verá a seguir, a postura adotada pelo CADE nestas duas vertentes têm sido bastante distinta, sendo cautelosa na primeira e muito ativa na segunda.

3 Atuação do CADE na abertura de espaços concorrenciais: uma postura de cautela e deferência

O CADE tem atuado de forma bastante cautelosa no que tange à delimitação dos espaços concorrenciais em setores regulados. Diante de atos editados por autoridades públicas para regulação de matéria de sua competência, incluindo a própria delimitação do espaço aberto à concorrência no respectivo mercado regulado, o CADE tem demonstrado interesse sobre o assunto, mas tem restringido a sua atuação a conselhos e sugestões sem qualquer caráter vinculante.

Ainda nos anos 1990, o leading case que estabeleceu esse entendimento foi o PA n. 21/91, em que o CADE manifestou interesse nas políticas regulatórias adotadas por outras autoridades públicas. Contudo, já neste primeiro caso, foi apontado que não poderia haver a condenação da Administração Pública por atos que restrinjam a competição, quando decorrentes do exercício regular de suas competências. Nesses casos, caberia ao CADE apenas a expedição de recomendações ou solicitação de providências para o cumprimento da então vigente Lei n. 8.884/94, nos termos do seu art. 7º, inciso X (equivalente ao dispositivo atual do art. 9º, inciso VIII, da Lei n. 12.529/2011). No voto-vista proferido pelo Conselheiro Antônio Fonseca, foi expresso entendimento de que os arts. 20 e 21 da revogada Lei n. 8.884/94 (equivalentes ao disposto no art. 36, caput e § 3º, da Lei n. 12.529/2011), combinados com os arts. 1º e 15 da lei revogada (equivalentes ao disposto no arts. 1º e 31 da Lei n. 12.529/2011), devem ser interpretados para incorporar atos ou ações de Estado, havidos fora da atividade negocial, e praticados por autoridades públicas ou entidades equiparadas. Diferente dos atos negociais, os atos de Estado não configurariam condutas anticoncorrenciais, mas infraçõeslato senso à ordem econômica, em cuja repressão o papel do CADE remanesceria presente, porém limitado, sem a possibilidade de constrição sobre os entes públicos.15 15 Cf., em especial, os §§ 14, 27-29, 55 (parcialmente transcrito a seguir), 57, 59-63 do voto-vista do Conselheiro Antônio Fonseca no PA n. 21/91 (DPDEex officio vs. Sindicato dos Trabalhadores no Comércio de Minérios e Derivados de Petróleo do Estado do Rio de Janeiro e Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo do Município do Rio de Janeiro, Relatora Conselheira Lúcia Helena Salgado, julgado em 11.12.1996, acórdão publicado no DOU em 09.01.1997). Nas palavras do Conselheiro Antônio Fonseca: “Se no exercício constitucional de seu poder regulamentar, uma entidade pública, por atos de estado ou de governo, causa uma infração lato sensu à ordem econômica, não é prático nem juridicamente possível que o Plenário do CADE possa ir além de expedir recomendações ou solicitar providências para o cumprimento da Lei (inciso X do art. 7º)”. O Conselheiro Antônio Fonseca fala em “ato de comércio”, em contraposição a “atos de estado”; entretanto, parece melhor utilizar o termo “ato negocial” para designar todas as condutas havidas no ambiente de mercado.

O mesmo voto-vista do Conselheiro Antônio Fonseca aponta que, ao lado de umacompetência adjudicatória, destinada à repressão de condutas negociais anticoncorrenciais, o CADE deteria também uma competência auxiliar, destinada à avaliação de infrações lato senso cometidas por autoridades e à colaboração com os poderes públicos na busca de uma ordem econômica adequada.16 16 Cf., em especial, os §§ 62-63 do voto-vista do Conselheiro Antônio Fonseca no PA n. 21/91, cit.: “A possibilidade de adicional de produtividade estipulado por sindicato ser qualifica como infração lato senso à ordem econômica preserva, de um lado, a competência ampla do CADE de zelar pelos valores jurídicos que ornam essa mesma ordem. De outro lado, coloca a competência do CADE nos contornos estabelecidos pela ordem jurídica, que não possibilita que uma autarquia possa constranger uma autoridade pública a fazer ou deixar de fazer uma coisa, Se a autoridade pública, ou por equiparação, um sindicato pratica uma infração lato senso à ordem econômica, com efeitos que varam a simples relação de consumo protegida pela lei do consumidor, o CADE pode oficiar a essa mesma autoridade e solicitar que reveja o seu ato e, se necessário, provocar o aparelho judicial para preservar a ordem econômica, Nesse mister, o CADE exerce uma competência auxiliar, nada mais e nada menos, nem por isso pouco nobre. No exercício dessa competência auxiliar, o CADE colabora com os poderes públicos na busca de uma ordem comprometida com a realidade econômica e com os princípios jurídicos a ela aplicáveis. Muitas vezes, é muito mais eficiente auxiliar os poderes locais a reparar os atos de autoridade que afetam a comunidade do que passar uma ordem de Brasília, que nunca vai ser cumprida. A autoridade local goza de condições de remediar uma infração com razoável rapidez e com menor custo comparado com o custo que o CADE arcaria para expedir um remédio eficaz. Finalmente, a falha da autoridade local, se ocorrer, poderá ser contornada por outros meios. O uso de outras jurisdições, via atuação auxiliar, não exclui nem diminui o papel do CADE como guardião da ordem econômica, sendo certo que, na República, nenhuma autoridade goza de poderes absolutos”.

Nesse sentido também a decisão no PA 08000.002605/97-52 (Caso BHTRANS), na qual, após sustentar a aplicação da State Action Doctrine ao caso, o CADE julgou que nem os órgãos públicos denunciados nem as sociedades concessionárias acusadas haviam cometido infração à ordem econômica. Nada obstante, o Conselheiro Relator Marcelo Calliari foi claro ao impor cores próprias para a imunidade antitruste de que pode se revestir a atuação do Estado no direito brasileiro. Segundo ele, mesmo que existente competência federal, estadual ou municipal para regular serviços públicos, o CADE disporia de competência própria para atuar na adjudicação concorrencial, prerrogativa fundamentada no art. 170, IV, da Constituição Federal e no art. 7º, X, da revogada Lei n. 8.884/94 (equivalente ao atual art. 9º, inciso VIII, da Lei n. 12.529/2011).17 17 Assim ficou redigida a passagem do Relator: “É importante, porém, deixar claro que a aplicação da State Action Doctrine no Brasil deve respeitar as especificidades do nosso ordenamento jurídico. Assim, mesmo quando existe competência e regulamentação de Estados ou Municípios sobre serviço público, ou mesmo da União, pode o órgão de defesa da concorrência, em face de competência própria, atuar. Essa competência deriva, em primeiro lugar, da própria Constituição Federal, ou erigiu a livre concorrência como princípio da ordem econômica. Em segundo lugar, pode o CADE atuar em questões que envolvam regulamentação estatal, devido a expresso dispositivo da Lei 8.884/94. O seu art. 7 dispõe que ‘Compete ao Plenário do CADE: X – requisitar dos órgãos do Poder Executivo Federal e solicitar das autoridades dos Estados, Município, Distrito Federal e Territórios as medidas necessárias ao cumprimento dessa lei’” (Voto no PA n. 08000.002605/97-52). A extensão natural dessa competência seria, como identificado por Marcelo Calliari, representar ao Ministério Público e buscar no Poder Judiciário a adequação da regulação econômica à lei antitruste e à Constituição Federal.

Na Averiguação Preliminar n. 08000.025952/1996-54 (SDE ex officio vs. DAC, relatora Conselheira Lúcia Helena Salgado, data de julgamento e de publicação no DOU não disponíveis), esse mesmo entendimento foi reforçado pelo Plenário do CADE, que julgou ser dever do Conselho expedir recomendações ou solicitações quando uma autoridade reguladora tenha veiculado diploma normativo incompatível com os princípios impostos pela concorrência no mercado. De acordo com o julgamento administrativo relatado pela Conselheira Lúcia Helena Salgado, seria função do CADE identificar os meios para que a concorrência se manifeste, seja qual for a atividade econômica em questão.18 18 “No caso dos autos, trata-se de autoridade no exercício constitucional e legal de seu poder regulamentar, podendo o CADE, em situações como esta, e em concordância com o que vem sendo entendido e decidido por este Plenário, expedir recomendações ou solicitar providências para o cumprimento da Lei caso verifique, na atividade regulada, uma norma incompatível com os princípios impostos pela concorrência no mercado, posto que é tarefa do CADE identificar os meios para que a concorrência se manifeste, seja qual for a atividade econômica em questão.” (SDE ex officio vs. DAC, relatora Conselheira Lúcia Helena Salgado, data de julgamento e de publicação no DOUnão disponíveis)

Na Consulta n. 34/99 (Consulente Rádio Táxi Brasília Ltda., relatora Conselheira Lúcia Helena Salgado, julgado em 04.08.1999 e publicado no DOU de 03.09.1999), por sua vez, o CADE julgou que o Decreto n. 20.126, editado pelo Governador do Distrito Federal em 29.03.1999, não se conformava com a então vigente Lei n. 8.884/94 e expediu ofício ao Governador solicitando a modificação do decreto. O Plenário ainda determinou que se o ofício não fosse atendido pelo Poder Executivo distrital, a Procuradoria do CADE deveria elaborar representação ao Ministério Público Federal com a finalidade de obter a anulação judicial do referido normativo.

O mesmo precedente foi invocado na Averiguação Preliminar n. 08000.022993/1997--14 (Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de Minas Gerais SINDUSCON-MGvs. Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia de Minas Gerais CREA--MG, relator Conselheiro Marcelo Calliari, julgado em 11.08.1999), em que o CADE determinou ao conselho federal profissional (CONFEA) que adequasse seu normativo CONFEA PL 1191 a então vigente Lei n. 8.884/94, abstendo-se de proibir aos conselhos regionais estaduais (CREAs) a concessão de descontos na cobrança do valor chamado “ART”. Ele também levou à condenação do Departamento Estadual de Trânsito (DETRAN) do Estado de Minas Gerais no PA n. 08000.026652/1995-75, cujo resultado foi a solicitação ao Estado de Minas Gerais para: (i) promover medidas capazes de restaurar a observância do princípio constitucional da livre concorrência no mercado analisado (i.e., fabricação de placas de identificação de veículos); e (ii) promover medidas de credenciamento de outros fabricantes de placas.

A mesma ideia parece ter sido invocada no PA n. 08012.006507/98-81 (Ivan Garcia Dinizvs. Coopertaxi, Prefeitura Municipal de Natal, Prefeitura Municipal de Parnamirim e outros, relator Conselheiro Roberto Pfeiffer, julgado em 06.08.2003, publicado no DOU em 20.08.2003), em que foi questionada a política regulatória dos serviços municipais de táxi. Nesse caso, o relator Conselheiro Roberto Pfeiffer aplicou a State Action Doctrine, mas defendeu que o CADE detém “competência residual para intervir em setores sujeitos à regulação” (dados os art. 170, inciso IV, e art. 173, § 4º, ambos da Constituição Federal) e emitiu julgamento sobre a medida em discussão (i.e., restrição regulatória no sentido de que apenas os táxis pertencentes a determinada cooperativa pudessem realizar o trajeto envolvendo o Aeroporto Internacional Augusto Severo, localizado em Parnamirim/RN), declarando-a compatível com o regramento constitucional.19 19 Aqui Roberto Pfeiffer posiciona-se de forma destoante com a maior parte da jurisprudência do CADE sobre a matéria, afirmando que a competência residual de que o CADE dispõe para julgar as políticas regulatórias surgiria “sempre que: (i) o órgão regulador não estabelece uma normativização adequado ou razoável de substituição da concorrência pela regulação, provocando uma falha de mercado; e/ou (ii) não há uma supervisão/fiscalização ativa da aplicação ou observância (enforcement) do regulamento”. Ora, a razoabilidade ou a adequação da política regulatória não pode ser o critério para determinar a competência do CADE. A razoabilidade parece apta a separar as políticas regulatórias lícitas (i.e., razoáveis) daquelas ilícitas (i.e., não razoáveis), mas não o critério adequado para determinar quais delas estão ou não sujeitas à apreciação do CADE.

Os casos que envolvem a privatização dos serviços de distribuição de gás encanado constituem uma série de casos nos quais o papel do CADE na delimitação dos espaços concorrenciais em setores regulados foi discutido em profundidade pelos órgãos de defesa da concorrência, reafirmando a postura de cautela dos casos anteriores. Esse conjunto de casos é particularmente relevante, pois o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) analisou, num espaço relativamente curto de tempo, diversos contratos de concessão de distribuição de gás canalizado, com diferentes graus de abertura para a competição (e.g., alguns contratos previam exclusividade da concessionária estadual ao longo de todo o período da concessão, enquanto outros previram mecanismos de introdução de competição após um período inicial de exclusividade).

O CADE mostrou-se interessado pela discussão da delimitação dos espaços concorrenciais nesses casos, reafirmando a sua cautela ao avaliar políticas públicas implementadas por outros agentes estatais (no caso específico, estados da federação), mas indicando algum desconforto maior com certas políticas limitadoras da competição.

Assim, por exemplo, nos Atos de Concentração n. 08012.004550/99-11 (Integral Holding S/A e Companhia de Gás do Estado de São Paulo, COMGÁS, relator Conselheiro Celso Campilongo, julgado em 28.03.2001, publicado no DOU em 28.05.2001) e n. 08000.021008/ 1997-91 (CEG Participações Ltda., Iberdrola Investimentos Sociedade Unipessoal Ltda., Gás Natural SDG S/A e Pluspetrol Energy Sociedad Anónima, relator Conselheiro Mércio Felsky, julgado em 21.02.2001 e publicado noDOU em 13.03.2001; processo referido também pelo número de tombo 0172/1997), a SDE emitiu parecer em que recomendava ao CADE solicitar à autoridade estadual concedente que modificasse algumas cláusulas do contrato de concessão, nos termos do art. 7º, inciso X da Lei n. 8.884/94 (equivalente ao atual art. 9º, inciso VIII, da Lei n. 12.529/2011). No julgamento dos casos, o CADE aprovou a operação sem restrições, por entender que não lhe competia reavaliar a decisão dos órgãos estaduais a respeito da extensão de introdução de concorrência no setor. A esse respeito, as palavras do Conselheiro Celso Campilongo são eloquentes:

[...] a competência para a definição da modelagem mais adequada para o desempenho dessa atividade pertence ao Estado. Manter o monopólio ou outorgar concessões, introduzir a concorrência de modo gradual ou acelerado, criar o próprio órgão regulador ou desregulamentar o setor, por exemplo, são opções políticas que a Lei Maior reservou ao Estado Membro. (AC 08012.004550/1999-11, Integral Holding S/A e Companhia de Gás do Estado de São Paulo, COMGÁS, relator Conselheiro Celso Campilongo, julgado em 28.03.2001, publicado no DOU em 28.05.2001)

No entanto, em outros casos que envolvem o setor de gás, o CADE expressou forte censura ao modelo de concessão adotado pelo Poder Concedente. Nesse sentido, o AC n. 08012.002455/2002-11 (Petrobras Gás S/A, CS Participações Ltda. e Companhia de Gás do Piauí S/A-GASPISA, relator Conselheiro Roberto Pfeiffer, julgado 06.08.2003, publicado no DOU em 30.09.2003) aprovou sem restrições a operação de transferência ao setor privado da prestação do serviço público de distribuição de gás canalizado no Piauí, mas encaminhou ao poder concedente estadual recomendações para mudanças no contrato de concessão de modo a resguardar a ordem econômica concorrencial.

Nessa oportunidade, o relator Conselheiro Roberto Pfeiffer procurou relativizar o poder absoluto das autoridades reguladoras estaduais para eliminar completamente a concorrência em uma atividade que a comportaria. Nada obstante terem recebido competência normativa, que em alguns casos vem amparada no texto constitucional, as autoridades públicas devem manter sua regulação em conformidade com os princípios da ordem econômica também constantes da Constituição Federal. A liberdade para exercer a competência regulatória não seria, assim, absoluta, mas deveria ser exercida em harmonia com os balizamentos constitucionais.20 20 Assim se manifestou Roberto Pfeiffer: “Confesso que tenho reservas à forma peremptória como foram efetivadas [nos casos CEG e CEG Rio] algumas considerações, nomeadamente, a de que caberia ao órgão regulador, soberanamente, tomar todas as decisões quanto ao contrato de concessão podendo dos aspectos concorrenciais”; e continuou afirmando que “Nunca é demais lembrar que, não obstante a norma do art. 175 e, no caso em questão, do art. 25, § 2º, também a Constituição Federal, prevê a livre concorrência e a repressão ao abuso do poder econômico como normas a serem obedecidas (art. 170, IV e art. 173, § 4º). Nesse contexto, a liberdade do Poder Público em estabelecer a concessão de serviço público (no caso em análise pertencente aos Estado Federados, por força do já citado art. 25, § 2º, da CF) não pode ser tida como absoluta, devendo ser preservada sempre que possível a livre concorrência” (AC n. 08012.002455/2002-11).

Nessa mesma linha, o caso que envolve a concessionária de Goiás (i.e., Goiasgás) levou o Conselheiro Cleveland Prates a sugerir que o CADE deveria ter uma postura mais forte de advocacia da concorrência, incluindo uma participação ativa na modelagem de certos projetos de concessão, apesar de reconhecer que o Conselho não poderia revisar a regulamentação do Estado de Goiás sobre os serviços públicos de gás canalizado.21 21 Cf. voto-vista do Conselheiro Cleveland Prates no AC n. 08012.005516/2001-11, Requerentes Gaspetro – Petrobras Gás S.A., Gásgoiano S.A., Agência Goiana de Gás Canalizado S/A – Goiasgás, Relator Conselheiro Fernando de Oliveira Marques, julgado 08.07.2004, publicado no DOU em 18.02.2005. Assim, ficaram redigidas as passagens mais relevantes (fls. 531-532): “Assim, entendo que dada a competência estadual para explorar os serviços locais de gás canalizado, e sendo estes serviços públicos, a sua regulamentação pelo Estado de Goiás não pode ser objeto de revisão por este Conselho. O Estado da Federação, por determinação constitucional, dispõe de poder tão amplo e extenso que é capaz de determinar o padrão concorrencial. [...] Reconheço que o CADE não pode determinar a alteração das cláusulas do contrato de concessão, muito menos a organização do serviço, que é de competência estadual. Contudo, entendo que o CADE tem uma função primordial como ‘promotor’ da concorrência, identificando os possíveis problemas derivados da regulação e sugerindo as alterações para o bom funcionamento do mercado. É fato que o ideal seria que os órgãos de defesa da concorrência fossem previamente consultados antes mesmo da elaboração dos editais de licitações, ou no caso específico, da legislação que criou a empresa. Nesse sentido, caminha o novo projeto de lei das agências, que está no Congresso Nacional. Observe-se que na situação atual não existe tal obrigação”.

No setor de telecomunicações, o CADE avaliou os impactos concorrenciais das disposições regulamentares editadas por meio das Resoluções Anatel n. 402/2005 e n. 437/2006 (revogadas e substituídas pela Resolução Anatel n. 590/2012, tal como complementada pelos Atos n. 6.617/2012 e n. 6.619/2012): o primeiro normativo disciplinava a oferta de exploração industrial de linha dedicada (EILD), proibindo que empresas detentoras de Poder de Mercado Significativo (PMS) concedessem descontos para este serviço (cf. art. 18 da revogada Resolução Anatel n. 402/2005); o segundo definia, prima facie, que todas as concessionárias de telefonia fixa deteriam PMS nos diversos mercados relevantes de EILD (cf. arts. 3º e 4º da Resolução Anatel n. 437/2006).

Diante dessa moldura normativa, a Telecomunicações de São Paulo S.A. (Telefônica/ Telesp) provocou manifestação do CADE, sob argumento de que a proibição de descontos que havia sido adotada pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) estaria em oposição aos Termos de Compromisso de Cessação (TCCs) celebrados com as autoridades concorrenciais no âmbito de processos administrativos opondo empresas do setor de telecomunicações. Os referidos TCCs haviam determinado a cessação da prática de discriminação de preços, mas permitiam expressamente a concessão de descontos fundados em critérios objetivos e isonômicos (e.g., prazo e volume).22 22 Cf. PA n. 53500.005770/ 2002, Empresa Brasileira de Telecomunicações S.A.vs. Telecomunicações de São Paulo S.A., relator Conselheiro Luis Fernando Schuartz, Despacho n. 03/LFS/2006 homologado pelo Plenário do CADE em 22.02.2006; PA n. 53500.002286/2001, Embratel Participações S.A.vs. Telecomunicações de São Paulo S.A., relator Conselheiro Luis Fernando Rigato Vasconcellos, Despacho n. 12/LFRV/2006 homologado pelo Plenário do CADE em 06.07.2006 e PA n. 53500.002284/2001, Empresa Brasileira de Telecomunicações S.A. vs. Telecomunicações de São Paulo S.A., relator Conselheiro Luis Fernando Rigato Vasconcellos, Despacho n. 12/LFRV/2006 homologado pelo Plenário do CADE em 06.07.2006.

Por meio do Despacho Presidência n. 175/2006, o CADE emitiu pronunciamento de que não havia conflito com os Termos de Compromisso de Cessação, na medida em que os acordos assinados autorizavam a concessão de descontos, desde que de forma não discriminatória, mas não obrigavam reduções de preço nem constituíam direito subjetivo à prática de descontos pelas Representadas. Ademais, o Despacho reconheceu a competência da Anatel para regular a oferta de EILD. Mas o CADE chamou atenção para o fato de que a proibição de descontos poderia ter efeitosnegativos sobre a concorrência, determinando o encaminhamento da decisão à Anatel, com recomendação de que fosse reavaliada a proibição da concessão de descontos.23 23 Cf. §§ 15, 17 e 18 do Despacho 175/2006: “O CADE não se pode furtar, entretanto, de reconhecer que a atribuição à TELESP de Poder de Mercado Significativo em toda a área III do PGO e, com isso, impedir que a empresa aplique descontos por volume, prazo ou valor na área correspondente, pode ter efeitos negativos sobre a concorrência. Embora a Resolução 402 tenha como objetivo precípuo adotar regras que evitem ex ante o abuso do poder de mercado, que poderia ser punido ex post pelo CADE, da forma como foi aplicado pela Resolução 437 pode arrefecer a concorrência ao invés de preservá-la. [...] Ao impedir que a Concessionária possa competir em preços, mesmo em áreas onde existe a possibilidade de concorrência, o incentivo para prática de descontos é certamente reduzido. [...] Com base nessas considerações, determino que a presente decisão seja encaminhada à Anatel, com a recomendação de que seja revista a aplicação dos critérios utilizados quando do enquadramento das concessionárias de serviços de telecomunicações como detentoras de PMS, e ainda, que seja reavaliada a proibição da concessão de descontos, na medida em que tal restrição se de um lado afasta a possibilidade de uma conduta de discriminação de preços, de outro, pode gerar o efeito de reduzir a pressão competitiva entre os agentes ofertantes de determinados serviços, em áreas onde há concorrência no lado da oferta”.

Aproximadamente seis anos mais tarde, a Anatel atualizaria o marco regulatório sobre a EILD e acabaria por suprimir a proibição de descontos por parte de empresas titulares de PMS. De fato, a nova disciplina regulatória, estabelecida no art. 18 da Resolução Anatel n. 590/2012, retificou a referida proibição, passando a permitir que mesmo empresas detentoras de PMS oferecessem descontos, desde que isonômicos e com base na quantidade de linhas contratadas ou no prazo contratual.24 24 O texto normativo atualmente vigente apresenta a seguinte redação: “Art. 18. A Entidade Fornecedora pertencente a Grupo detentor de PMS na oferta de EILD poderá conceder descontos, inclusive para o fornecimento de EILD dentro de seu Grupo, somente em função da quantidade de linhas contratadas e do prazo de contratação, em percentuais iguais ou inferiores àqueles contratados pelo maior demandante não pertencente ao seu Grupo. § 1º Os descontos devem ser concedidos a todos que se enquadrarem nas mesmas condições precisas e isonômicas para sua fruição. § 2º Os valores mensais, Parcelas de Instalação e a tabela de descontos devem estar disponíveis na página da Entidade Fornecedora na Internet. § 3º A partir da data referida no art. 15, as Entidades Fornecedoras pertencentes a Grupo detentor de PMS na oferta de EILD poderão oferecer descontos ou diferenciação de preços baseados nos elementos de rede utilizados ou em função de colocalização, desde que observadas as condições do § 1º deste artigo”. As entidades consideradas detentoras de PMS foram fixadas por meio do Ato n. 6.617/2012 (ref. ao Mercado de Oferta de Infraestrutura de Rede Fixa de Acesso para Transmissão de Dados por Meio de Par de Cobre ou Cabo Coaxial em Taxas de Transmissão Iguais ou Inferiores a 10 Mbps nos Municípios) e Ato n. 6.619/2012 (ref. ao Mercado Relevante de Oferta Atacadista de Infraestrutura de Rede Fixa de Transporte Local e de Longa Distância para Transmissão de Dados em Taxas de Transmissão Iguais ou Inferiores a 34 Mbps nos Municípios). Assim, ainda que tardiamente, a recomendação do CADE parece ter surtido algum efeito sobre o marco regulatório.

Com isso, observa-se que a postura da jurisprudência do CADE é bastante cautelosa no que tange à delimitação dos espaços concorrenciais. O Conselho tem se permitido avaliar e eventualmente apontar falhas em algumas políticas regulatórias que restringem a concorrência. No entanto, o resultado desse tipo de análise limita-se a requisição ou solicitação de providências para a adequação de molduras regulatórias aos ditames concorrenciais, nos termos do revogado art. 7º, inciso X, da Lei n. 8.884/94, equivalente ao art. 9º, inciso VIII, da Lei n. 12.529/2011.

Não há motivo para esperar uma mudança de posicionamento do CADE na vigência da nova Lei n. 12.529/2011, seja porque o texto legal é praticamente idêntico, seja porque em outros trechos, a nova lei deixou ainda mais clara certa deferência das autoridades concorrenciais a escolhas políticas da Administração Pública (v.g., note-se o disposto no art. 90, parágrafo único, da Lei n. 12.529/2011, que simplesmente exclui do controle de concentrações os contratos associativos, consórcios ou joint ventures destinados a licitações promovidas pela administração pública direta e indireta e aos contratos delas decorrentes).25 25 Durante a tramitação legislativa, o fundamento para tal redação constou do Parecer preparado pelo Senador Francisco Dornelles, relator na Comissão de Serviços de Infraestrutura, em 30.11.2012, nos seguintes termos: “A alteração da redação dada ao inciso IV do art. 90, por sua vez, é medida salutar, porque não se deve exigir a apresentação ao CADE de certo tipo de contrato associativo, caracterizado como consórcio constituído para a realização de empreendimento específico, com prazo determinado e comumente utilizado para a participação de empresas em licitações, já que tal consórcio lida com prazos para habilitação e julgamento de propostas bem inferiores aos necessários para que o CADE autorize a operação. Por sua vez, as transações ou negociações com ações, quotas ou outros títulos, ainda que realizadas em caráter temporário e para fins de revenda, devem ser submetidas à apreciação do CADE, porquanto têm o potencial de alterar as relações de concorrência nos mercados relevantes considerados”. Apesar de sucinto, não se deixa de entrever uma certa deferência à Administração Pública, por conta dos alegados curtos prazos para habilitação e julgamento de propostas em licitações. Mas a justificativa parece fazer pouco sentido, uma vez que essa dificuldade já havia sido resolvida pelo CADE na vigência da revogada Lei n. 8.884/94, por meio da Súmula n. 03/2007, ao menos no que tange a contratos de concessão, ao determinar a notificação da operação apenas após encerrada e adjudicada a licitação (cf. o enunciado desta súmula: “Nos atos de concentração realizados com o propósito específico de participação em determinada licitação pública, o termo inicial do prazo do art. 54 § 4º, da Lei 8.884/94 é a data da celebração do contrato de concessão”). Uma segunda ordem de justificativas ao texto positivado seria mais bem construída com base em outro fundamento: caberia ao Poder Público licitante ponderar e balancear, nas regras editalícias e na condução do certame, entre os impactos concorrenciais da sua contratação e as necessidades do interesse público diretamente emergentes da atividade administrativa sob licitação. De qualquer forma, a regra ainda é recente, não tendo sido discutida pelo CADE, de forma que a amplitude de sua interpretação pelo CADE ainda está em aberto. Na prática, o que se nota é que os entes reguladores (i.e., Agências ou Administração Direta na qualidade de Poder Concedente) têm assumido a dianteira no papel de determinação e desenho do grau de abertura de mercados regulados à concorrência, contando com grande deferência do CADE.

4 Atuação do CADE na defesa dos espaços concorrenciais delimitados pela moldura regulatória: uma postura de liderança

Naqueles espaços concorrenciais abertos expressamente pela lei e pela regulamentação, ou naqueles em que o silêncio da lei é suprido com a negativa de aplicação das regras prudenciais da State Action Doctrine ou da Pervasive Power Doctrine, o CADE detém competência plena de adjudicação da concorrência, e a tem exercido reiteradamente. Aliás, nessas situações, mesmo quando a agência reguladora detém alguma competência concorrente para implementar normas de defesa da concorrência (e.g., Anatel), o CADE tem se mostrado muito mais ágil em sua aplicação.

Um bom exemplo foi a atuação do CADE no setor de derivados de petróleo. Como se sabe, a atividade de revenda de combustível é sujeita à regulação da Agência Nacional do Petróleo (conforme Leis n. 9.478/97, a “Lei do Petróleo”, e 9.847/99, a “Lei de Abastecimento”), que exerce suas competências sobre esse mercado para garantir segurança na atividade e qualidade do combustível. Nesse caso, não há que se falar em substituição da concorrência pela regulação econômica, fato que é reforçado pelo próprio marco regulatório, ao determinar jurisdição exclusiva do CADE para punição de infrações à ordem econômica praticadas na indústria do petróleo.26 26 Cf., a esse respeito, o art. 10 da Lei do Petróleo: “Art. 10. Quando, no exercício de suas atribuições, a ANP tomar conhecimento de fato que possa configurar indício de infração da ordem econômica, deverá comunicá-lo imediatamente ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE e à Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, para que estes adotem as providências cabíveis, no âmbito da legislação pertinente”.

Esse contexto normativo abre um grande espaço concorrencial nesse setor, que tem sido defendido fortemente pelo CADE, como demonstram as repetidas condenações impostas pelo Conselho a sindicatos e proprietários de postos de combustível em todo o país, em razão de condutas cartelizadoras ocorridas, por exemplo, nas cidades de Goiânia (PA n. 08012.004712/2000-89 (SDE ex officio vs. Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo do Estado de Goiás – SINDIPOSTO/GO, relator Conselheiro Roberto Pfeiffer, julgado em 03.07.2002, acórdão publicado noDOU em 01.08.2002)), Florianópolis (PA n. 08012.002299/2000-18 (Ministério Público do Estado de Santa Catarina vs. Sindicato do Comércio Varejista de Combustíveis Minerais de Florianópolis e outros, relator Conselheiro Afonso Arinos de Mello Franco Neto, julgado 27.03.2002, publicado noDOU em 19.04.2002)), Lages (PA n. 08012.004036/2001-24 (Ministério Público do Estado de Santa Catarina vs. Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de petróleo (SINDIPETRO/SC) e outros, relator Conselheiro Thompson Almeida Andrade, julgado em 23.07.2003, acórdão publicado em 20.08.2003)) e Recife (PA n. 08012.003208/99-85 (Ministério Público do Estado de Pernambuco vs. Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo e Lojas de Conveniência no Estado de Pernambuco – Sindicombustíveis/PE e outros, relator Conselheiro Fernando de Oliveira Marques, julgado em 02.06.2004, acórdão publicado no DOU em 21.09.2004)).

A mesma postura foi adotada pelo CADE em controvérsias ocorridas no setor de telecomunicações. A Lei Geral de Telecomunicações fez menção expressa à sujeição do setor às leis de proteção da ordem econômica (art. 7º, caput). Além disso, a delimitação de competências que ela contemplou dotou a Anatel de atribuições em matéria antitruste, mas não sem fazer menção expressa de que as competências do CADE permaneciam intactas (art. 19, inciso IX).27 27 O texto legal em referência é o art. 19 da Lei Geral de Telecomunicações: “Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente: [...] XIX – exercer, relativamente às telecomunicações, as competências legais em matéria de controle, prevenção e repressão das infrações da ordem econômica, ressalvadas as pertencentes ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE”.

Assim, não resta muita dúvida acerca do estabelecimento de um espaço concorrencial nos mercados regulados de telecomunicações, em relação ao qual foi preservada a tutela do CADE. Nesses mercados, a Anatel exercia as competências instrutórias que eram tradicionalmente desenvolvidas pela Secretaria de Acompanhamento Econômico, do Ministério da Fazenda (SEAE-MF), e pela Secretaria de Direito Econômico, do Ministério da Justiça (SDE-MJ).

A interpretação mais plausível do art. 19, inciso IX, da Lei Geral de Telecomunicações – durante a vigência da Lei n. 8.884/94 – era que o legislador teria outorgado à Anatel competências instrutórias, deixando intactas as competências judicantes do CADE (para a discussão de competências complementares entre o CADE e Anatel, videOLIVEIRA; PEREIRA NETO, 1999OLIVEIRA, Gesner; PEREIRA NETO, Caio Mario da Silva. Regulation and competition policy: towards and optimal institutional configuration in the Brazilian telecommunications industry. Brooklyn Journal of International Law, v. XXV, n. 2, 1999.; vide tambémROCHA, 1998ROCHA, Bolívar Moura. Articulação entre regulação de infraestrutura e defesa da concorrência. Revista IBRAC, v. 5, n. 7, 1998, p. 47-58.). Caberiam à Anatel a instauração e a instrução dos processos administrativos ligados ao controle concorrencial repressivo durante a vigência da Lei n. 8.884/94, devendo o CADE julgar tais processos e decidir sobre os recursos de ofício seguidos das decisões de arquivamento proferidas pela Agência (art. 7º, inciso II, III e IV da Lei n. 8.884/94, equivalentes aos atuais art. 9º, incisos II, III, da Lei n. 12.529/ 2011) (SALOMÃO FILHO, 1998SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial – as estruturas. São Paulo: Malheiros, 1998., p. 217).

A situação se tornou um pouco mais complicada com a reorganização administrativa produzida pela Lei n. 12.529/2011, que consolidou todas as competências concorrenciais na autarquia CADE, extinguindo a SDE-MJ e reservando à SEAE-MF apenas competências para advocacia da concorrência; mas é certo que nenhuma interpretação do novo texto legal deve conferir qualquer poder decisório à Anatel, que poderia, no máximo, manter consigo determinadas competências instrutórias.28 28 Mesmo as competências instrutórias parecem duvidosas, na medida em que a Lei n. 9.472/97 atribuiu à Anatel as competências de proteção à ordem econômica que não fossem outorgadas ao CADE (art. 19, XIX). Na medida em que o CADE passou a exercer todas as competências de proteção da ordem econômica, inclusive as instrutórias, hoje atribuídas para a Superintendência Geral, faria pouco sentido imaginar a manutenção dessas competências também na Anatel. Na medida em que a Lei n. 12.529/2011 redesenhou todo o sistema de proteção da ordem econômica, seria razoável argumentar que ela teria derrogado arranjos setoriais pontuais e excepcionais como o de telecomunicações, adotando uma nova organização sistemática das relações entre CADE e agências reguladoras e derrogando os arranjos excepcionais da antiga lei.

No âmbito do controle das estruturas, o art. 7º, § 2º, da Lei Geral de Telecomunicações impõe a submissão das operações de concentração ao CADE por meio da Anatel (durante a vigência da Lei n. 8.884/94, no sentido de que cabia à Anatel as funções de instrução e emissão de parecer que eram exercidas pela SEAE-MF e pela SDE-MJ, videNUSDEO, 2000NUSDEO, Ana Maria. Agências reguladoras e concorrência. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Org.). Direito administrativo econômico.São Paulo, Malheiros, 2000., p. 181-182); mesmo com a reforma legislativa que revogou a Lei n. 8.884/94 quase integralmente, a subsistência deste artigo poderia admitir, em uma primeira leitura, a necessidade de parecer opinativo prévio da Anatel em controle de concentrações. Todavia essa não parece a melhor interpretação da nova sistemática legal: a existência de proibição de fechamento das operações (cf. art. 88, §§ 3º e 4º, da Lei n. 12.529/2011) e um prazo máximo para análise do CADE (cf. art. 88, §§ 2º e 9º, da Lei n. 12.529/2011) são incompatíveis com qualquer tipo de impedimento à imediata instrução do caso pela Superintendência Geral; em contrapartida, foi assegurada às agências reguladoras em geral – inclusive à Anatel – a possibilidade de recurso contra a aprovação monocrática de operações de concentração pela Superintendência-Geral do CADE (cf. art. 65-I da Lei n. 12.529/2011).29 29 Interessante destacar que as Emendas n. 29 e n. 30 do Senado Federal ao Projeto de Lei n. 3.937/2004 visavam manter a mesma sistemática anterior, atribuindo à Anatel competências instrutórias expressas, ressalvadas apenas as competências do Tribunal Administrativo de Defesa Econômica do CADE; a Emenda n. 31 complementava as anteriores, prevendo prazo de 90 dias para que a Anatel publicasse normativo disciplinando a instrução de atos de concentração no setor. Essas emendas foram rejeitadas pela Câmara dos Deputados em 05.10.2011, sob entendimento de que a matéria concorrencial exige uma análise muito específica, e que a Superintendência-Geral do CADE teria melhores condições de garantir maior harmonia à política concorrencial aplicada às telecomunicações (cf. Relatório do Deputado Pedro Eugênio, PT-PE). Assim, a Lei n. 12.529/2011 parece ter trazido um novo subsistema normativo com a pretensão de regular integralmente o controle concorrencial de estruturas de mercado.30 30 Vale apontar que já houve diversos casos de operações de concentração notificadas após entrada em vigor da Lei n. 12.529/2011 em setores de telecomunicações ou relacionados, que foram analisados diretamente pela Superintendência-Geral do CADE. Cf. AC n. 08700.000548/2013-05 (TIM Celular S.A., Brasil Telecom S.A. e TNL PCS S.A.; aprovado em 27.03.2013 pela Superintendência-Geral do CADE); AC n. 08700.003536/2013-24 (Claro S.A. e Vivo S.A.; aprovado em 09.05.2013 pela Superintendência-Geral do CADE); AC n. 08700.005281/2013-34 (VCB Comunicações S.A. e TNL PCS S.A.; aprovado em 04.07.2013) pela Superintendência-Geral do CADE; AC n. 08700.006893/2013-44 (BTG Pactual YS Empreendimentos e Participações S.A. e Brasil Telecom Cabos Submarinos Ltda.; aprovado em 13.08.2013 pela Superintendência-Geral do CADE). No entanto, a extensão dos efeitos da nova lei sobre o regime anterior da Lei Geral de Telecomunicações para controle de estruturas ainda não foi expressamente abordada pelo CADE ou pela Anatel, de forma que esse tema ainda pode ser alvo de debates mais profundos no futuro.

Questão correlacionada dizia respeito à natureza exclusiva ou não dessas atribuições concedidas à Anatel em matéria de defesa da concorrência, sob a vigência da Lei n. 8.884/94. A tendência que vinha se formando era no sentido de entender que essas competências teriam sido atribuídas como concorrentes e não suprimiriam nem mesmo as atribuições da SDE-MJ ou da SEAE-MF para atuarem nos mercados regulados de telecomunicações.31 31 A esse respeito, convém apontar o PA n. 08012.008501/2007-91 (Global Village Telecom Ltda. vs. Vivo S.A., TIM Brasil Serviços e Participações S.A.; TNL PCS S.A., Americel S.A. e BCP S.A.; em curso), instaurado pela SDE para investigar supostas práticas discriminatórias na cobrança de tarifas de interconexão com a rede móvel (VU-M). Em 17.03.2009, a 5ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal emitiu decisão denegando antecipação de tutela solicitada pela Vivo S.A., referente a esse processo administrativo, sob argumento de que não havia prova inequívoca conferindo verossimilhança ao direito alegado, na medida em que entendia concorrente a competência de Anatel e SDE nos mercados de telecomunicações (cf. Processo 2008.34.00.040434-3, Vivo S.A. vs. União Federal, em trâmite). Essa tendência deverá sofrer ajustes com a nova disciplina trazida pela Lei n. 12.529/2011. De fato, na nova lei concorrencial, o papel da Anatel parece mais limitado: além da possibilidade de recurso contra aprovação de atos de concentração, cabe à agência prestar assistência e colaboração solicitada pelo CADE (cf. art. 9º, § 3º, da Lei n. 12.529/2011) e requisitar abertura de inquérito administrativo ou processo administrativo (cf. art. 66, § 6º, da Lei n. 12.529/2011).

A partir desse contexto, antes mesmo das alterações legislativas recentes, o CADE vinha sendo julgado competente para decidir as questões concorrenciais surgidas em matéria de telecomunicações, uma tendência que deve ser mantida sob a nova sistemática legal. Assim, por exemplo, ocorreu nas disputas que a Embratel travou com a Telefônica e com a Brasil Telecom, que apuraram eventual discriminação de preços imposta pelas concessionárias locais à Embratel no acesso às redes locais de telefonia.

No PA n. 53500.005770/2002 (Embratel vs. Telecomunicações de São Paulo S.A., relator Conselheiro Luis Fernando Schuartz, encerrado por TCC aprovado pelo Despacho n. 03/LFS/ 2006 e homologado pelo Plenário do CADE em 22.02.2006), ainda durante a instrução da Agência reguladora, o CADE adotou medida preventiva a pedido da Embratel, deferida pelo Conselheiro Cleveland Prates Teixeira em 27 de fevereiro de 2003 (cf. Pedido de Medida Preventiva n. 08700.003174/2002-19). Ao conceder a medida, o Conselheiro Cleveland Prates Teixeira observou que a Lei Geral de Telecomunicações determinara balizas para atuação da Anatel, respeitando integralmente as atribuições do CADE; as competências do Conselho Diretor da Anatel e do Conselheiro-Relator do CADE seriam, assim, concorrentes, não sendo correto supor que a demora do regulador impedisse o CADE de avaliar e deferir uma solicitação de medida preventiva.32 32 Cf. seção V do despacho que concedeu a medida preventiva: “Trata-se de competência concorrente que pode ser exercida por qualquer um dos agentes públicos em qualquer fase do processo administrativo (instrução ou julgamento). Note-se que essa competência pode ser exercida em qualquer fase do processo, sendo entendimento contrário, restritivo à eficácia material do disposto no art., 52, caput, da Lei 8.884/94. [...] Ao CADE compete, por determinação legal, punir as condutas anticoncorrenciais, sendo-lhe necessário para tanto contar com poderes para que assim possa proceder. Dessa forma, não é correto supor que, em face da demora do órgão regulador para analisar a medida preventiva, fique o CADE submetido ao risco de ter suas decisões por ineficazes em razão da prática realizada pelo agente econômico não ter sido cessada no momento oportuno. [...] Considerando o exposto, não seria racional nem lógico, quando convencido da necessidade de adotar medida preventiva, tivesse o Conselheiro-Relator que aguardar o pronunciamento do órgão regulador, no caso a Anatel. Dessa forma, não é razoável estabelecer restrições à atuação do CADE, em razão de determinado pedido ter sido submetido à apreciação de outro órgão, como a Anatel. Frise-se que não se está atribuindo competência ao CADE, até porque este já a detém, conforme o art. 52, caput, da Lei 8.884/94”.

Nesse caso, o CADE tomou a frente da Anatel, ao analisar diretamente um pedido de medida preventiva antes mesmo que a Agência o fizesse. Ainda assim, o despacho que adotou a medida de urgência designou a atuação do CADE como complementar às competências do regulador, definida pela análise de possíveis condutas anticoncorrenciais das firmas dominantes “realizadas no ambiente concorrencial do mercado, esse sim definido pelo órgão regulador”.33 33 Cf. seção VI do despacho que concedeu a medida preventiva: “Nessa linha, há que ficar claro que a existência de possíveis condutas anticompetitivas discriminatórias, quando houve, não decorre de falha da regulação, mas sim do abuso de um suposto poder dominante de uma forma que explora sua vantagem no mercado de origem para estender seu poder sobre o mercado alvo. Uma questão, portanto, da esfera do sistema de defesa da concorrência. Note-se ainda que assuntos como a adequação de preços de acesso aos custos de provimento dos serviços para diferentes velocidades pertencem à esfera regulatória, e não demandam, portanto, posicionamento dos órgãos de defesa da concorrência. A atuação destes últimos circunscreve-se à análise das possíveis condutas anticompetitivas realizadas no ambiente do mercado, esse sim, definido pelo órgão regulador. São, portanto, atribuições complementares, e não excludentes”. No julgamento do recurso voluntário interposto contra a medida preventiva, a argumentação de incompetência do CADE foi novamente rechaçada, agora pelo Plenário do Conselho, que defendeu suas atribuições para adoção de medida preventiva mesmo enquanto o feito se encontrava ainda sob instrução da Anatel (cf. Recurso Voluntário n. 08700.000727/2003-62, relator Conselheiro Fernando de Oliveira Marques, julgado em 30.06.2004 e acórdão publicado no DOU de 20.09.2004).34 34 Cf. seção II.1 do voto do Relator no Recurso Voluntário n. 08700.000727/2003-62: “Ora, não há na Lei nº 8.884/94, em Resolução deste Conselho ou até mesmo na Lei n. 9.784/99, qualquer dispositivo nesse sentido. Tampouco verifica-se na jurisprudência deste Conselho julgamentos que corroborem tal entendimento. Isso porque a Lei Antitruste, em seu art. 52, é clara ao conferir ao Conselheiro-Relator competência para conceder Medida Preventiva em qualquer fase do processo administrativo, não há ressalva alguma que condicione a manifestação do Conselheiro do CADE ao exaurimento de qualquer outra instância para proferir a sua decisão. A competência do Conselheiro do CADE para decidir em sede de processos que afetam o ambiente concorrencial é um tipo de competência pública, de cunho irrenunciável e indisponível, que não sofre qualquer tipo de restrição e, por isso mesmo, deve ser exercida em sua plenitude e a qualquer tempo. Portanto, não merece prosperar a tese da Recorrente de que o presente Recurso deveria ser revogado até a manifestação da Anatel sobre o assunto. Assim, conheço, nesse ponto, do presente Recurso”.

No PA n. 53500.002287/2001 (Embratel vs. Brasil Telecom S.A., relator Luiz Alberto Esteves Scaloppe, encerrado por TCC aprovado pelo Despacho LAES/144/2005, e homologado pelo Plenário do CADE em 31.08.2005), a própria Anatel instaurou processo administrativo e deferiu medida preventiva, que foi questionada pela Brasil Telecom no CADE, por meio do Recurso Voluntário n. 08700.001291/2003-29 (relator Conselheiro Luiz Alberto Esteves Scaloppe, julgado em 08.12.2004 e acórdão publicado no DOU de 17.01.2005). Após voto do Conselheiro-Relator reformando parcialmente a medida preventiva adotada pela Anatel, o Conselheiro Ricardo Villas Bôas Cueva iniciou a divergência vencedora, mantendo integralmente a medida preventiva adotada pela Anatel. Sem fazer ressalvas quanto à competência do Conselho, Cueva demonstrou certo cuidado com o papel revisor do CADE à luz da interface e complementaridade entre regulação e defesa da concorrência (qualificadas por ele como “delicadas”), mas parece ter firmado seu entendimento pela manutenção da decisão da Anatel em razão de todos os itens da medida preventiva só fazerem sentido em sua integralidade.35 35 Cf. seção III do voto-vista do Conselheiro Ricardo Villas Bôas Cueva no Recurso Voluntário n. 08700.001291/2003-29: “Em primeiro lugar, é importante ressaltar que, devido às delicadas interfaces e complementaridades existentes entre regulação e defesa da concorrência, a revisão, pelo CADE, da decisão tomada pelo regulador tem escopo bastante limitado, ainda mais quando se trata de revisão em sede de recurso voluntário – oportunidade que não se está a discutir a existência de infração da ordem econômica, mas, apenas e tão somente, a existência de requisitos bastante específicos para a concessão da tutela preventiva e a adequação dos termos da medida imposta, como necessária a minimizar impactos anticoncorrenciais no mercado. A análise da licitude ou ilicitude da conduta, como sabido, é objeto específico do processo administrativo originário. Diante destes aspectos, conclui-se que todos os itens da medida preventiva devem ser analisados em seu conjunto, e sua manutenção somente tem sentido se tomada em sua integralidade”.

Essa postura proativa do CADE na defesa de espaços concorrenciais se reflete em outros mercados regulados, para além de petróleo e telecomunicações.

No PA n. 08000.007754/1995-28 (Deputado Augusto Carvalho vs.Associação Brasileira de Agências de Viagem do Distrito Federal – ABAV/DF e Sindicato das Empresas de Turismo do Distrito Federal – SINDETUR/DF; relator Conselheiro Fernando de Oliveira Marques; julgado em 01.09.2004 e publicado noDOU em 26.08.2004), o voto do conselheiro Fernando de Oliveira Marques inocentava as acusadas por conta da incidência de disciplina regulatória específica a determinar a prática da conduta investigada (i.e., recomendação de não concessão de descontos em licitações da União, com fundamento em normas regulatórias que vedariam a concessão de tais descontos); ainda assim, determinava a remessa de cópias da decisão aos órgãos competentes, para os estudos e providências para eventual reversão da disciplina regulatória, bem como ainda determinava às representadas ajustes dos seus documentos estatutários para excluir disposições que vedassem a concessão de descontos em licitações.36 36 Cf. seção VI do voto do Conselheiro Fernando de Oliveira Marques no PA n. 08000.007754/1995-28: “Por fim, diante de todo o exposto, determino o arquivamento do presente processo administrativo, pois as Representadas não podem ser punidas já que não lhes restava outra alternativa se não praticar a conduta, derivando tal situação de obediência a dever legal, conformado por interpretação de órgão integrante da Administração Pública Federal, qual seja, o Departamento de Aviação Civil (DAC). Por tal conduta defluir de obediência a mandamento previsto no ordenamento jurídico e interpretado por ente desta mesma Administração Federal, exclui-se a ilicitude da conduta, arredando, por conseguinte, a aplicação de qualquer penalidade prevista na Lei 8.884/94. Outrossim, tendo em vista a relevância da matéria, quero salientar que também fundamento minha decisão no disposto na Lei n. 8.884/94, no seu art. 7, inciso XVIII que prevê como competência do Plenário do CADE ‘instruir o público sobre as formas de infração da ordem econômica’, ou seja, prevê como competência do CADE aquilo que se convencionou denominar de atuação educativa e/ou orientativa do SBDC. Do exposto e com base neste fundamento, determino a remessa de cópias da presente decisão ao Departamento de Aviação Civil e Tribunal de Constas da União, para ciência e eventuais providências de seu mister, observando a referidos órgãos, notadamente ao DAC, que a limitação dos descontos apresenta fortíssimos impactos na dinâmica do mercado e na livre concorrência, merecendo maior atenção e estudo para sua revisão no âmbito legislativo. Nessa linha, ainda quanto às Representadas, recomendo que excluam do seu Código de Ética disposição que vede, direta ou indiretamente, a concessão de descontos em processos de licitação, pelo quanto salientado no parágrafo anterior. Recomendo, outrossim, na esteira do entendimento esposa do tanto pela SDE/MJ quanto pelo TCU, que o valor das comissões seja desvinculado do valor das tarifas aéreas, passando a ser construído com base no esforço despendido pela agência para a execução de seus serviços”. Esse posicionamento restou vencido para imposições mais assertivas do CADE – inclusive multa pecuniária sobre a ABAV/DF –, após o Conselheiro Roberto Pfeiffer trazer circunstância adicional importante: as investigadas já adotavam o comportamento questionado mesmo durante a vigência de interpretação anterior e distinta do próprio regulador (DAC) sobre a disposição regulatória invocada, e continuaram mesmo após o Tribunal de Contas da União resolver o conflito e adotar posicionamento final no sentido de ser possível a concessão dos referidos descontos (Decisão n. 592/94, publicada noDOU em 28.09.1994). O CADE determinou ainda que fossem remetidas cópias aos órgãos competentes para “ciência e eventuais providências no sentido de adequar, em seus respectivos âmbitos de atuação, a legislação existente à norma de proteção e defesa da concorrência”, mas sem discutir a fundo a força vinculante ou não dessa recomendação.37 37 Cf. seção III do voto-vista do Conselheiro Roberto Pfeiffer no PA 08000.007754/1995-28: “Ainda, determino a remessa de cópia do presente expediente ao Departamento de Aviação Civil (DAC), ao Tribunal de Contas da União (TCU) e ao Congresso Nacional, para ciência e eventuais providências no sentido de adequar, em seus respectivos âmbitos de atuação, a legislação existente à norma de proteção e defesa da concorrência, no que concerne à matéria versada nos presentes autos”.

No PA n. 08012.007443/1999-17 (SDE ex offício vs. Companhia Siderúrgica Paulista – COSIPA, Libra Terminais S.A. T-37 e Santos Brasil S.A. – TECON Terminal de Contêineres; relator Conselheiro Luiz Carlos Thadeu Delorme Prado, julgado em 27.04.2005 e publicado no DOU em 12.05.2005), o voto-vista do Conselheiro Ricardo Villas Bôas Cueva destacou a complementaridade entre as atribuições regulatórias em matéria portuária e as disposições de defesa da concorrência. Ademais, esclareceu que ao CADE não é dado revisar as políticas públicas atinentes à regulação técnica e econômica do mercado de portos, mas as autoridades de defesa da concorrência têm o dever de investigar e julgar condutas que possam configurar infração da ordem econômica, ainda que decorrentes expressa ou implicitamente em edital de licitação ou contrato.38 38 Cf. seção III do voto-vista do Conselheiro Ricardo Villas Bôas Cueva no PA n. 08012.007443/1999-17: “Antes de adentrar a questão de fundo, é indispensável deixar claro que, no exercício das atribuições que lhe são conferidas pela lei, não já qualquer conflito entre o CADE e a ANTAQ, a agência reguladora setorial. Não há cogitar, na espécie, de conflito de competência entre as instituições, nem mesmo de preponderância na aplicação da legislação vigente, seja ela regulamentar ou antitruste. Há, antes, uma inegável relação de complementaridade, na qual cada uma das instituições atua exatamente nos limites que suas respectivas legislações lhe impõem. [...] É evidente que a atividade judicante do CADE – que decorre de expressa determinação constitucional, quando determina que a lei reprimirá o abuso de poder econômico (art. 173, § 4º, CR/88) – não pode ficar condicionada à existência ou não de regulação específica para determinada matéria. Certo é que ao CADE não é dado o poder de revisão dos dispositivos emanados pelo poder regulador, mormente quando tais dispositivos dizem respeito à regulação técnica e econômica de determinado setor. Não é o CADE um ‘revisor’ de políticas públicas, porque, agindo assim, estaria atentando contra os postulados básicos da legalidade e de toda a doutrina que informa a atividade dos órgãos reguladores. Entretanto, deparando-se com situações que possam configurar infração da ordem econômica, é dever das autoridades antitruste investigar e julgar tais condutas, nos estritos termos da Lei n. 8.884/94, de resto em perfeita harmonia com o arcabouço jurídico-institucional vigente. Assim, é irrelevante para o aplicador do direito antitruste, perquirir se tal ou qual edital de licitação ou tal ou qual contrato preveem, expressa ou implicitamente, certa conduta ou atividade, as quais deverão ser analisadas, neste Conselho, sob o prisma da lei da concorrência”.

No PA n. 08012.003745/2010-83 (Associação Brasileira de Televisão por Assinatura – ABTA vs. Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – ECAD e outros; relator Conselheiro Elvino de Carvalho Mendonça, julgado em 20.03.2013 e publicado no DOU em 26.03.2013), o CADE adotou um cuidado bastante claro na interpretação da extensão do monopólio atribuído ao ECAD pela Lei n. 9.610/98: se limitada apenas à distribuição e arrecadação dos valores cobrados pela licença de direitos autorais, ou se contemplaria também a fixação do preço pela licença de uso, uma atividade expressamente contemplada na lei de regência anterior, a revogada Lei n. 5.988/73. O voto vencedor do Conselheiro Elvino de Carvalho Mendonça argumentou que não se poderia mais falar em um monopólio legal para uma atividade potencialmente competitiva sem o suporte claro na lei aplicável, de forma que a conduta coordenada do ECAD e seus membros no estabelecimento dos preços pela licença para execução pública de obras protegidas equivaleria à formação de cartel.39 39 Cf., dentre outras passagens, o § 210, do voto do Conselheiro Elvino de Carvalho Mendonça no PA n. 08012.003745/2010-83: “A Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9610/98) autorizou a criação de um sistema de monopólio legal, no que tange às atividades de Arrecadação e Distribuição dos valores obtidos a partir da gestão coletiva dos direitos autorais. Todavia, esta liberdade conferida ao Escritório Central não abrange a atividade de fixação de preços, restando claro que essa fixação deve ser estabelecida a partir dos princípios da livre iniciativa e livre concorrência”.

Interessante notar que os votos vencidos dos Conselheiros Marcos Paulo Veríssimo e Ana de Oliveira Frazão, que entendiam não haver formação de cartel por não ser possível falar em concorrência plena entre o ECAD e seus associados, ainda assim são claros ao não admitir qualquer isenção à aplicação da lei concorrencial e considerar as acusadas incursas em várias hipóteses de abuso de posição dominante. Mas chama atenção a referência expressa ao “vácuo legislativo” deixado pela extinção da autoridade pública que supervisionava o ECAD (o Conselho Nacional de Direitos Autorais, que inclusive tinha competência para aprovar as tabelas de preço praticadas pelo ECAD, nos termos do art. 23 da antiga Resolução CNDA n. 7/76). Essa circunstância parece ter contribuído de forma importante para reforçar a posição do CADE, ainda que se reconhecesse ser uma atuação limitada em suas possibilidades de solução do problema real.40 40 Cf., sobre a falta de regulação do monopólio do ECAD como fonte do problema, os §§ 23-25 e §§ 36-38, do voto do Conselheiro Marcos Paulo Veríssimo, assim como os §§ 2-5 do voto da Conselheira Ana de Oliveira Frazão, no PA 08012.003745/2010-83.

Todos esses casos corroboram a visão de que, uma vez definidos os espaços competitivos no âmbito de mercados regulados, o CADE sente-se bastante confortável em exercer plenamente suas competências de prevenção e repressão de infrações contra a ordem econômica, assumindo uma clara posição de liderança em relação aos órgãos reguladores. Aliás, como se nota das discussões havidas no mercado de telecomunicações (e.g., casos de EILD), as decisões do CADE nos espaços concorrenciais acabam influenciando alterações na própria moldura regulatória que abre esses espaços, estabelecendo um saudável diálogo institucional entre intervenções ex post das autoridades de defesa da concorrência e a regulação ex ante das agências reguladoras.

Conclusões

A reforma por que passou o Estado brasileiro nas últimas duas décadas colocou em evidência o papel do Poder Público como agente normativo e regulador da atividade econômica, em substituição parcial à sua atuação empresarial direta. Uma grande parte da atuação estatal se deslocou, então, para a aplicação do direito antitruste às atividades recém-liberalizadas; busca-se a manutenção de um ambiente concorrencial sem anular os princípios e políticas públicas próprios dos setores nos quais o Estado transferiu a atuação direta para a iniciativa privada.

Quando a abertura de espaços concorrenciais em setores regulados não foi determinada expressamente pelo legislador, o CADE vem identificando limitações à aplicação do direito antitruste de modo análogo às regras prudenciais norte-americanas denominadas State Action Doctrine e Pervasive Power Doctrine (com alguns requisitos peculiares impostos em decorrência da própria evolução jurisprudencial do CADE). Diante de uma dessas duas limitações, ao entender que a regulação não abriu espaço para a concorrência no setor regulado, o CADE tem atuado de forma cautelosa: efetivamente apreciando a compatibilidade da política regulatória frente ao direito antitruste, mas como resultado, requerendo ou solicitando às autoridades providências para o cumprimento da lei concorrencial.

Nesse ponto, uma agenda futura promissora envolve analisar (a) a força de que se revestiriam tais requisições e solicitações; (b) quais seriam os critérios adequados para avaliar a política governamental restritiva da concorrência; (c) quais os meios processuais de que pode o CADE se valer para buscar no Judiciário o cumprimento da sua decisão; e (d) até que ponto o CADE poderia ter uma postura mais ativa, contribuindo para abertura de novos espaços concorrenciais ou a expansão de espaços já existentes em setores regulados.

De outra parte, quando identifica espaços concorrenciais abertos expressamente pela lei e pela regulamentação, ou naqueles espaços em que o silêncio da lei é suprido com a negativa de aplicação das imunidades decorrentes da State Action Doctrine ou da Pervasive Power Doctrine, o CADE tem exercido reiterada e plenamente sua competência de adjudicação no âmbito concorrencial, impondo sanções contra práticas restritivas e condicionamentos a operações de concentração. Nessas situações, o CADE assume clara liderança em relação aos órgãos reguladores.

Naturalmente, trata-se sempre de um equilíbrio dinâmico. Robert Skitol fala, de forma muito interessante, das “dunas” da política antitruste norte-americana para ilustrar o processo jurisprudencial por meio do qual a Suprema Corte dos Estados Unidos define, redefine e atualiza os objetivos operacionais para aplicação doSherman Act. (SKITOL, 1999SKITOL, Robert A. The shifting sands of antitrust policy: where it has been, where it is now, where it will be in its third century.Cornell Journal of Law and Public Policy, v. 9, n. 1, Fall 1999., passim, mas particularmente p. 240-253; sobre essa discussão, cf. PRADO FILHO, 2011PRADO FILHO, José Inacio Ferraz de Almeida. Concorrência, ordem jurídica e a Nova Economia Institucional: uma análise custo-transacional da formação da política econômica antitruste. Tese de Doutorado (FD-USP), 2011., p. 143-144, nota de rodapé n. 329). Algo semelhante vale para esta discussão brasileira: osespaços e interfaces entre defesa da concorrência e regulação setorial, quando não tenham sido clara e expressamente definidos pela legislação, deverão ser delimitados e preenchidos pelo CADE via jurisprudência, mas sempre em um diálogo aberto e franco com as agências reguladoras e a própria sociedade.

Nota de agradecimento

Agradecimentos especiais a Andressa Lin Fidelis, acadêmica de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e a Vivian Terng, acadêmica de Direito da Universidade de São Paulo (USP), pelo valioso auxílio na pesquisa e revisão final do texto. Agradecimento especial também a Mateus Piva Adami, mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP), pela oportunidade de debater alguns aspectos discutidos neste trabalho. Eventuais equívocos são, evidentemente, de responsabilidade exclusiva dos autores.

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  • BRASIL. PA n. 08012.004036/2001-24. Ministério Público do Estado de Santa Catarina vs. Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de petróleo – SINDIPETRO/SC e outros, relator Conselheiro Thompson Almeida Andrade, julgado em 23.07.2003, acórdão publicado em 20.08.2003.
  • BRASIL. PA n. 08012.003208/1999-85 (Ministério Público do Estado de Pernambuco vs. Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo e Lojas de Conveniência no Estado de Pernambuco – Sindicombustíveis/PE e outros, relator Conselheiro Fernando de Oliveira Marques, julgado em 02.06.2004, acórdão publicado no DOU em 21.09.2004.
  • BRASIL. PA n. 53500.002287/2001, Embratel vs.Brasil Telecom S.A., relator Luiz Alberto Esteves Scaloppe, encerrado por TCC aprovado pelo Despacho LAES/144/2005, e homologado pelo Plenário do CADE em 31.08.2005.
  • BRASIL. PA n. 53500.005770/2002, Empresa Brasileira de Telecomunicações S.A. vs. Telecomunicações de São Paulo S.A., relator Conselheiro Luis Fernando Schuartz, Despacho n. 03/LFS/2006 homologado pelo Plenário do CADE em 22.02.2006.
  • BRASIL. PA n. 53500.002286/2001, Embratel Participações S.A.vs. Telecomunicações de São Paulo S.A., relator Conselheiro Luis Fernando Rigato Vasconcellos, Despacho n. 12/LFRV/2006 homologado pelo Plenário do CADE em 06.07.2006.
  • BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE. PA n. 53500.002284/2001, Empresa Brasileira de Telecomunicações S.A.vs. Telecomunicações de São Paulo S.A., relator Conselheiro Luis Fernando Rigato Vasconcellos, Despacho n. 12/LFRV/2006 homologado pelo Plenário do CADE em 06.07.2006.
  • BRASIL. PA n. 08012.007443/1999-17, SDE ex offício vs. Companhia Siderúrgica Paulista – COSIPA, Libra Terminais S.A. – T-37 e Santos Brasil S.A. – TECON Terminal de Contêineres, relator Conselheiro Luiz Carlos Thadeu Delorme Prado, julgado em 27.04.2005 e publicado noDOU em 12.05.2005.
  • BRASIL. MP n. 08700.001496/2002-23. Empresa Brasileira de Telecomunicações S/A – Embratel e Intelig Telecomunicações Ltda.vs. Telecomunicações de São Paulo S.A – TELESP, Brasil Telecom Participações S.A. e Telemar Norte-Leste S.A., relator Conselheiro Miguel Tebar Barrinuevo, julgado em 21.01.2004 e publicado noDOU em 27.01.2004.
  • BRASIL. MP n. 08700.003174/2002-19, Embratel vs.Telecomunicações de São Paulo S.A. – TELESP, relator Conselheiro Cleveland Prates Teixeira, julgado em 27.02.2003 e publicado no DOU em 28.02.2003.
  • BRASIL. PA n. 08012.003745/2010-83. Associação Brasileira de Televisão por Assinatura – ABTA vs. Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – ECAD e outros; relator Conselheiro Elvino de Carvalho Mendonça, julgado em 20.03.2013 e publicado no DOU em 26.03.2013.
  • BRASIL. PA n. 08000.007754/1995-28. Deputado Augusto Carvalhovs. Associação Brasileira de Agências de Viagem do Distrito Federal – ABAV/DF e Sindicato das Empresas de Turismo do Distrito Federal – SINDETUR/DF; relator Conselheiro Fernando de Oliveira Marques; julgado em 01.09.2004 e publicado no DOU em 26.08.2004.
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  • 1
    O PND foi instituído pela Lei n. 8.031, de12 de abril de 1990, e contemplava apenas a possibilidade de alienação de empresas controladas pelo poder público (art. 2º, I e II). Em 1997, a Lei n. 9.491, de 9 de setembro daquele ano, reformou as feições do PND para permitir também a concessão à iniciativa privada da prestação de serviços públicos (art. 2º, III), revogando a Lei n. 8.031/90. Os objetivos do PND não sofreram mudanças relevantes com a edição da Lei n. 9.491/97; alguns deles foram mais bem especificados, mas não houve mudança nos objetivos centrais.
  • 2
    Cf. Natalino Irti, para quem o mercado e a economia de mercado são instituições artificiais e históricas, construídas pela Política e pelo Direito (IRTI, 2001, p. 12-15). O mesmo autor resume essa proposição nas palavrasartificialidade, juridicidade ehistoricidade do mercado, esclarecendo que a economia de mercado deriva, na verdade, de uma escolha construída pela ordem jurídica, fundada em uma decisão política, mutável e historicamente situada sobre qual forma conferir à economia, de modo que nenhum regime de produção poderia ser dito absoluto ou definitivo (IRTI, 2007IRTI, Natalino. A ordem jurídica do mercado. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, v. XLVI, n. 145, jan.-mar. 2007, p. 44-49., p. 44). É nesse sentido que se fala em constituir a ordem do mercado, dito de outra forma, tomar uma posição quanto aoconteúdo das normas que o disciplinarão (IRTI, 2001IRTI, Natalino. L’ordine giuridico del mercado. 4. ed. Roma: Laterza, 2001., p. 12-3 e 23; cf. ainda, sobre essa mesma discussão, PRADO FILHO, 2011PRADO FILHO, José Inacio Ferraz de Almeida. Concorrência, ordem jurídica e a Nova Economia Institucional: uma análise custo-transacional da formação da política econômica antitruste. Tese de Doutorado (FD-USP), 2011., p. 100-108).
  • 3
    A favor de uma definição ampla de regulação, Calixto Salomão Filho, para quem a regulação engloba “toda forma de organização da atividade econômica através do Estado”, seja a concessão de serviço público ou o exercício do poder de polícia (SALOMÃO FILHO, 2001SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica (princípios e fundamentos jurídicos). São Paulo: Malheiros, 2001., p. 15, 18, nota de rodapé n. 8, e p. 30-35).
  • 4
    Também Floriano de Azevedo Marques Neto adota uma definição ampla do conceito de regulação, identificando-a como toda forma de intervenção do Estado no domínio econômico que não seja a assunção direta do exercício da atividade econômica. Dentro desse quadro, o autor ainda traça uma diferença entre a regulação setorial, relacionada a serviços públicos ou a determinadas atividades econômicas em sentido estrito, e a regulação geral, relacionada ao direito do consumidor e ao direito concorrencial (MARQUES NETO, 2003MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Limites à abrangência e à intensidade da regulação estatal. Revista de Direito Público da Economia, v. 1, n. 1, jan.-mar., 2003, p. 63-93., p. 71).
  • 5
    No contexto das transformações por que passa a disciplina dos serviços públicos, decorrentes da crise que se abate sobre a noção de que tais atividades seriam absolutamente subtraídas do domínio econômico e confundidas como uma função estatal exclusiva e privativa, Floriano de Azevedo Marques Neto frisa que essas atividades poderiam ser aproximadas à espécie de atividade econômica em sentido estrito, e oferecidas em termos mais concorrenciais, ainda que sua importância social justifique os ônus de universalidade, continuidade e controles sobre a sua prestação impostos ao ente público. Nesse sentido, além da possibilidade de vários atores ofertarem a prestação em regime público, vislumbra-se a possibilidade de “assimetria regulatória”, entendida exatamente como a situação de “competição entre prestadores sujeitos a incidências regulatórias distintas”: “A maior transformação neste cenário parece ser mesmo a introdução da competição em um mesmo serviço com distintas incidências regulatórias, ou seja, com a concomitância entre prestadoras sujeitas ao regime público e ao regime privado, ainda que ambas subordinadas a restrições de acesso para exploração da atividade econômica específica (necessidade de prévia licença – concessão permissão ou autorização, conforme o caso). [...] Nesses exemplos, atividades consideradas serviços públicos, são prestadas por competidores sujeitos em níveis de regulação distintos. Trata-se de um novo traço da regulação dos serviços públicos cuja ideia nuclear é a de incentivar a concorrência nestas atividades, já que são, ainda hoje, muito concentradas. A ideia é oferecer ao operador entrante um regime de prestação mais brando que aquele dispensado ao prestador dominante, com vistas a acirrar a disputa pelo mercado, o que, é certo, traz inúmeras consequências benéficas ao usuário de tais serviços” (MARQUES NETO, 2002MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. A nova regulação dos serviços públicos. Revista de Direito Administrativo, n. 228, Rio de Janeiro, abr.-jun., 2002, p. 13-29., p. 21-23 e 27).
  • 6
    Cf., nesse sentido, e.g. Edital 001/2013, referente a trecho da BR050/GO/MG, que prevê em seu anexo 7, item 3.4, fórmula de cálculo do Indicador do Nível e Acidentes com vítimas, prevendo um prêmio de reajuste tarifário no caso de redução de acidentes em nível superior ao da média das rodovias concedidas pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
  • 7
    Cf. SALOMÃO FILHO, 2001SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica (princípios e fundamentos jurídicos). São Paulo: Malheiros, 2001., p. 136-138;JORDÃO, 2009JORDÃO, Eduardo Ferreira. Restrições regulatórias à concorrência, Belo Horizonte: Fórum, 2009., p. 37-40, 146-149;PRADO FILHO, 2011PRADO FILHO, José Inacio Ferraz de Almeida. Concorrência, ordem jurídica e a Nova Economia Institucional: uma análise custo-transacional da formação da política econômica antitruste. Tese de Doutorado (FD-USP), 2011., p. 210-212, nota de rodapé n. 475.
  • 8
    Cf., a esse respeito, PA n. 08000.021660/96-05 (SDE ex officiov. Empresa de Transporte Coletivo do Rio de Janeiro, relator Conselheiro Fernando de Oliveira Marques, julgado em 05.02.2003, acórdão publicado noDOU em 02.04.2003); Representação n. 07/93 (CEBRACAN – Câmara das Empresas Brasileiras de Capital Nacional vs. RODONAL – Empresa de Passageiros, relator Conselheiro Paulo Dyrceu Pinheiro, julgado em 05.11.1997); PA n. 08000.002605/97-52 (Associação Mineira dos Usuários de Transportes de Passageiros e Carga AMUT P&C vs. BHTRANS – Empresa de Transportes e Trânsito da Região Metropolitana de Belo Horizonte e outros, relator Conselheiro Marcelo Calliari, julgado em 20.01.1999, acórdão publicado no DOU em 31.03.1999); PA n. 08012.006207/ 1998-48 (Companhia Nacional de Álcalis, Companhia Siderúrgica Nacional, Valesul Alumínio S.A., Proscint Produtos Sintéticos S.A., Cia. Salinas Perynas, Refinaria Nacional de Sal vs. Companhia Estadual de Gás – CEG e Riogás S.A., relator Conselheiro Afonso Arinos de Mello Franco Neto, julgado em 31 de janeiro de 2001, acórdão publicado no DOU em 01.03.2001).
  • 9
    A discussão envolveu órgãos federais na citada Representação n. 07/93 (referente a regulação do Departamento de Transportes Terrestres, do Ministério dos Transportes) e no PA n. 08000.007754/1995-28 (Augusto Carvalhovs. Associação Brasileira de Agências de Viagens – ABAV, relator Luiz Carlos Thadeu Delorme Prado, julgado em 01.09.2004; referente a regulação do Departamento de Aviação Civil); a atuação de órgão municipais esteve em pauta no citado PA n. 08000.002605/ 97-52 (município de Belo Horizonte) e no PA n. 08012.006507/1998-81 (Ivan Garcia Dinizvs. COOPERTAXI e outros; DOU 20.08.2003; município de Parnamirim).
  • 10
    Esta discussão sobre razoabilidade ou adequação da regulação ocorreu, de alguma forma, na citada Representação n. 07/93 e também nos citados PA n. 08000.002605/97-52 (Caso BHTRANS) e PA n. 08012.006507/ 1998-81 (Caso Coopertaxi). Referindo-se especificamente aos dois últimos precedentes, Alexandre Ditzel Faraco também reconhece ter havido ampla discussão sobre a natureza da política regulatória em discussão, sendo a “ausência de evidência de que as autoridades setoriais não teriam condições de desempenhar adequadamente suas funções” um dos elementos fundamentais para afastar a natureza ilícita das condutas sob investigação (FARACO, 2012, p. 381); Faraco, contudo, não chega a afirmar expressamente que isso tenha representado uma aplicação peculiar da doutrina norte-americana da State Action, como faz Jordão a partir dos mesmos casos.
  • 11
    Tal exigência de obrigatoriedade foi exigida nos citados PA n. 08000.002605/97-52 (Caso BHTRANS) e PA n. 08000.007754/ 1995-28 (Caso Coopertaxi). Esse aspecto é comentado por Alexandre Ditzel Faraco, que, além da atuação reguladora efetiva e racional, indica também a ausência de margem de atuação deixada pela regulação como um critério necessário para isentar de penalidade o agente privado (FARACO, 2012BRASIL. PA n. 21/1991. Sindicato dos Trabalhadores no Comércio de Minérios e Derivados de Petróleo do Estado do Rio de Janeirovs. Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo do Município do Rio de Janeiro, julgado em 11.12.1996, acórdão publicado no DOU em 09.01.1997., p. 382); por conta desta margem de atuação remanescente, o CADE sancionou companhias aéreas no PA n. 08012.000677/1999-70 (SDE ex officio vs. Viação Aérea Rio-Grandense – VARIG S/A e outros; relator Thompson Andrade, julgado em 15.09.2004).
  • 12
    Cf. SALOMÃO FILHO, 2001, pSALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica (princípios e fundamentos jurídicos). São Paulo: Malheiros, 2001., p. 138-139;JORDÃO, 2009, pJORDÃO, Eduardo Ferreira. Restrições regulatórias à concorrência, Belo Horizonte: Fórum, 2009., p. 149-153; PRADO FILHO, 2011, pPRADO FILHO, José Inacio Ferraz de Almeida. Concorrência, ordem jurídica e a Nova Economia Institucional: uma análise custo-transacional da formação da política econômica antitruste. Tese de Doutorado (FD-USP), 2011., p. 210-212, nota de rodapé n. 475.
  • 13
    Especialmente de Calixto Salomão Filho, que assim se expressou: “A análise da profundidade dos poderes estatais põe em realce um aspecto muito importante. A profundidade, ao contrário da extensão, não pode ser determinada de maneira eficaz sem a verificação da atuação efetiva da referida agência ou órgão. As competências são geralmente estabelecidas em termos genéricos, sem especificar as matérias que devem ser levadas em consideração na aplicação da lei (e nem seria possível exigir o contrário). Dessa maneira, para saber se os efeitos sobre o mercado são realmente considerados é necessário analisar a atuação pretérita do órgão. Ao critério formalístico da competência adiciona-se, portanto, o critério da efetividade da atuação. A existência de atuação efetiva não é, no entanto, suficiente. Para que a aplicação desse método leve a resultados coerentes é necessário também que o órgão encarregado da regulação e fiscalização seja dotado de capacidade técnica e conhecimento do mercado superior ao que é possível imaginar que o Judiciário ou as agências de controle da concorrência possam ter. É necessário, portanto, que aquele tipo de mercado demande um conhecimento especial, que se pode presumir insuficiente mesmo em órgãos especializados na aplicação do direito antitruste” (SALOMÃO FILHO, 2001SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica (princípios e fundamentos jurídicos). São Paulo: Malheiros, 2001., p. 146-147).
  • 14
    Cf. AC n. 08012.007435/ 2000-02 (Banco Santander Central Hispano S/A e Patagon com International Inc., relatora Conselheira Hebe Romano, julgado em 17.01.2001, acórdão publicado no DOU em 09.03.2001). Nesse caso, a relatora transcreve trecho do artigo de Maria Tereza Leopardi de Mello, que, apesar de tratar do setor elétrico, é considerado pela Conselheira perfeitamente aplicável ao ato de concentração que estava em análise no setor financeiro; o artigo citado somaria os requisitos necessários para configurar a profundidade do poder em três tópicos: (i) que as regras antitruste devam ser levadas em conta quando do exercício do poder regulamentar ou em outras decisões da agência; (ii) que a atuação da agência efetivamente leve em consideração os efeitos de seus atos sobre a concorrência; (iii) que a agência reguladora apresenta conhecimentos técnicos e de mercado privilegiados (cf. fl. 269 do AC n. 08012.007435/2000-02; cf. MELLO, 1999)MELLO, Maria Tereza Leopardi. Defesa da concorrência no setor elétrico. Revista IBRAC, v. 6, n. 5, 1999, p. 31-61..
  • 15
    Cf., em especial, os §§ 14, 27-29, 55 (parcialmente transcrito a seguir), 57, 59-63 do voto-vista do Conselheiro Antônio Fonseca no PA n. 21/91 (DPDEex officio vs. Sindicato dos Trabalhadores no Comércio de Minérios e Derivados de Petróleo do Estado do Rio de Janeiro e Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo do Município do Rio de Janeiro, Relatora Conselheira Lúcia Helena Salgado, julgado em 11.12.1996, acórdão publicado no DOU em 09.01.1997). Nas palavras do Conselheiro Antônio Fonseca: “Se no exercício constitucional de seu poder regulamentar, uma entidade pública, por atos de estado ou de governo, causa uma infração lato sensu à ordem econômica, não é prático nem juridicamente possível que o Plenário do CADE possa ir além de expedir recomendações ou solicitar providências para o cumprimento da Lei (inciso X do art. 7º)”. O Conselheiro Antônio Fonseca fala em “ato de comércio”, em contraposição a “atos de estado”; entretanto, parece melhor utilizar o termo “ato negocial” para designar todas as condutas havidas no ambiente de mercado.
  • 16
    Cf., em especial, os §§ 62-63 do voto-vista do Conselheiro Antônio Fonseca no PA n. 21/91, cit.: “A possibilidade de adicional de produtividade estipulado por sindicato ser qualifica como infração lato senso à ordem econômica preserva, de um lado, a competência ampla do CADE de zelar pelos valores jurídicos que ornam essa mesma ordem. De outro lado, coloca a competência do CADE nos contornos estabelecidos pela ordem jurídica, que não possibilita que uma autarquia possa constranger uma autoridade pública a fazer ou deixar de fazer uma coisa, Se a autoridade pública, ou por equiparação, um sindicato pratica uma infração lato senso à ordem econômica, com efeitos que varam a simples relação de consumo protegida pela lei do consumidor, o CADE pode oficiar a essa mesma autoridade e solicitar que reveja o seu ato e, se necessário, provocar o aparelho judicial para preservar a ordem econômica, Nesse mister, o CADE exerce uma competência auxiliar, nada mais e nada menos, nem por isso pouco nobre. No exercício dessa competência auxiliar, o CADE colabora com os poderes públicos na busca de uma ordem comprometida com a realidade econômica e com os princípios jurídicos a ela aplicáveis. Muitas vezes, é muito mais eficiente auxiliar os poderes locais a reparar os atos de autoridade que afetam a comunidade do que passar uma ordem de Brasília, que nunca vai ser cumprida. A autoridade local goza de condições de remediar uma infração com razoável rapidez e com menor custo comparado com o custo que o CADE arcaria para expedir um remédio eficaz. Finalmente, a falha da autoridade local, se ocorrer, poderá ser contornada por outros meios. O uso de outras jurisdições, via atuação auxiliar, não exclui nem diminui o papel do CADE como guardião da ordem econômica, sendo certo que, na República, nenhuma autoridade goza de poderes absolutos”.
  • 17
    Assim ficou redigida a passagem do Relator: “É importante, porém, deixar claro que a aplicação da State Action Doctrine no Brasil deve respeitar as especificidades do nosso ordenamento jurídico. Assim, mesmo quando existe competência e regulamentação de Estados ou Municípios sobre serviço público, ou mesmo da União, pode o órgão de defesa da concorrência, em face de competência própria, atuar. Essa competência deriva, em primeiro lugar, da própria Constituição Federal, ou erigiu a livre concorrência como princípio da ordem econômica. Em segundo lugar, pode o CADE atuar em questões que envolvam regulamentação estatal, devido a expresso dispositivo da Lei 8.884/94. O seu art. 7 dispõe que ‘Compete ao Plenário do CADE: X – requisitar dos órgãos do Poder Executivo Federal e solicitar das autoridades dos Estados, Município, Distrito Federal e Territórios as medidas necessárias ao cumprimento dessa lei’” (Voto no PA n. 08000.002605/97-52).
  • 18
    “No caso dos autos, trata-se de autoridade no exercício constitucional e legal de seu poder regulamentar, podendo o CADE, em situações como esta, e em concordância com o que vem sendo entendido e decidido por este Plenário, expedir recomendações ou solicitar providências para o cumprimento da Lei caso verifique, na atividade regulada, uma norma incompatível com os princípios impostos pela concorrência no mercado, posto que é tarefa do CADE identificar os meios para que a concorrência se manifeste, seja qual for a atividade econômica em questão.” (SDE ex officio vs. DAC, relatora Conselheira Lúcia Helena Salgado, data de julgamento e de publicação no DOUnão disponíveis)
  • 19
    Aqui Roberto Pfeiffer posiciona-se de forma destoante com a maior parte da jurisprudência do CADE sobre a matéria, afirmando que a competência residual de que o CADE dispõe para julgar as políticas regulatórias surgiria “sempre que: (i) o órgão regulador não estabelece uma normativização adequado ou razoável de substituição da concorrência pela regulação, provocando uma falha de mercado; e/ou (ii) não há uma supervisão/fiscalização ativa da aplicação ou observância (enforcement) do regulamento”. Ora, a razoabilidade ou a adequação da política regulatória não pode ser o critério para determinar a competência do CADE. A razoabilidade parece apta a separar as políticas regulatórias lícitas (i.e., razoáveis) daquelas ilícitas (i.e., não razoáveis), mas não o critério adequado para determinar quais delas estão ou não sujeitas à apreciação do CADE.
  • 20
    Assim se manifestou Roberto Pfeiffer: “Confesso que tenho reservas à forma peremptória como foram efetivadas [nos casos CEG e CEG Rio] algumas considerações, nomeadamente, a de que caberia ao órgão regulador, soberanamente, tomar todas as decisões quanto ao contrato de concessão podendo dos aspectos concorrenciais”; e continuou afirmando que “Nunca é demais lembrar que, não obstante a norma do art. 175 e, no caso em questão, do art. 25, § 2º, também a Constituição Federal, prevê a livre concorrência e a repressão ao abuso do poder econômico como normas a serem obedecidas (art. 170, IV e art. 173, § 4º). Nesse contexto, a liberdade do Poder Público em estabelecer a concessão de serviço público (no caso em análise pertencente aos Estado Federados, por força do já citado art. 25, § 2º, da CF) não pode ser tida como absoluta, devendo ser preservada sempre que possível a livre concorrência” (AC n. 08012.002455/2002-11).
  • 21
    Cf. voto-vista do Conselheiro Cleveland Prates no AC n. 08012.005516/2001-11, Requerentes Gaspetro – Petrobras Gás S.A., Gásgoiano S.A., Agência Goiana de Gás Canalizado S/A – Goiasgás, Relator Conselheiro Fernando de Oliveira Marques, julgado 08.07.2004, publicado no DOU em 18.02.2005. Assim, ficaram redigidas as passagens mais relevantes (fls. 531-532): “Assim, entendo que dada a competência estadual para explorar os serviços locais de gás canalizado, e sendo estes serviços públicos, a sua regulamentação pelo Estado de Goiás não pode ser objeto de revisão por este Conselho. O Estado da Federação, por determinação constitucional, dispõe de poder tão amplo e extenso que é capaz de determinar o padrão concorrencial. [...] Reconheço que o CADE não pode determinar a alteração das cláusulas do contrato de concessão, muito menos a organização do serviço, que é de competência estadual. Contudo, entendo que o CADE tem uma função primordial como ‘promotor’ da concorrência, identificando os possíveis problemas derivados da regulação e sugerindo as alterações para o bom funcionamento do mercado. É fato que o ideal seria que os órgãos de defesa da concorrência fossem previamente consultados antes mesmo da elaboração dos editais de licitações, ou no caso específico, da legislação que criou a empresa. Nesse sentido, caminha o novo projeto de lei das agências, que está no Congresso Nacional. Observe-se que na situação atual não existe tal obrigação”.
  • 22
    Cf. PA n. 53500.005770/ 2002, Empresa Brasileira de Telecomunicações S.A.vs. Telecomunicações de São Paulo S.A., relator Conselheiro Luis Fernando Schuartz, Despacho n. 03/LFS/2006 homologado pelo Plenário do CADE em 22.02.2006; PA n. 53500.002286/2001, Embratel Participações S.A.vs. Telecomunicações de São Paulo S.A., relator Conselheiro Luis Fernando Rigato Vasconcellos, Despacho n. 12/LFRV/2006 homologado pelo Plenário do CADE em 06.07.2006 e PA n. 53500.002284/2001, Empresa Brasileira de Telecomunicações S.A. vs. Telecomunicações de São Paulo S.A., relator Conselheiro Luis Fernando Rigato Vasconcellos, Despacho n. 12/LFRV/2006 homologado pelo Plenário do CADE em 06.07.2006.
  • 23
    Cf. §§ 15, 17 e 18 do Despacho 175/2006: “O CADE não se pode furtar, entretanto, de reconhecer que a atribuição à TELESP de Poder de Mercado Significativo em toda a área III do PGO e, com isso, impedir que a empresa aplique descontos por volume, prazo ou valor na área correspondente, pode ter efeitos negativos sobre a concorrência. Embora a Resolução 402 tenha como objetivo precípuo adotar regras que evitem ex ante o abuso do poder de mercado, que poderia ser punido ex post pelo CADE, da forma como foi aplicado pela Resolução 437 pode arrefecer a concorrência ao invés de preservá-la. [...] Ao impedir que a Concessionária possa competir em preços, mesmo em áreas onde existe a possibilidade de concorrência, o incentivo para prática de descontos é certamente reduzido. [...] Com base nessas considerações, determino que a presente decisão seja encaminhada à Anatel, com a recomendação de que seja revista a aplicação dos critérios utilizados quando do enquadramento das concessionárias de serviços de telecomunicações como detentoras de PMS, e ainda, que seja reavaliada a proibição da concessão de descontos, na medida em que tal restrição se de um lado afasta a possibilidade de uma conduta de discriminação de preços, de outro, pode gerar o efeito de reduzir a pressão competitiva entre os agentes ofertantes de determinados serviços, em áreas onde há concorrência no lado da oferta”.
  • 24
    O texto normativo atualmente vigente apresenta a seguinte redação: “Art. 18. A Entidade Fornecedora pertencente a Grupo detentor de PMS na oferta de EILD poderá conceder descontos, inclusive para o fornecimento de EILD dentro de seu Grupo, somente em função da quantidade de linhas contratadas e do prazo de contratação, em percentuais iguais ou inferiores àqueles contratados pelo maior demandante não pertencente ao seu Grupo. § 1º Os descontos devem ser concedidos a todos que se enquadrarem nas mesmas condições precisas e isonômicas para sua fruição. § 2º Os valores mensais, Parcelas de Instalação e a tabela de descontos devem estar disponíveis na página da Entidade Fornecedora na Internet. § 3º A partir da data referida no art. 15, as Entidades Fornecedoras pertencentes a Grupo detentor de PMS na oferta de EILD poderão oferecer descontos ou diferenciação de preços baseados nos elementos de rede utilizados ou em função de colocalização, desde que observadas as condições do § 1º deste artigo”. As entidades consideradas detentoras de PMS foram fixadas por meio do Ato n. 6.617/2012 (ref. ao Mercado de Oferta de Infraestrutura de Rede Fixa de Acesso para Transmissão de Dados por Meio de Par de Cobre ou Cabo Coaxial em Taxas de Transmissão Iguais ou Inferiores a 10 Mbps nos Municípios) e Ato n. 6.619/2012 (ref. ao Mercado Relevante de Oferta Atacadista de Infraestrutura de Rede Fixa de Transporte Local e de Longa Distância para Transmissão de Dados em Taxas de Transmissão Iguais ou Inferiores a 34 Mbps nos Municípios).
  • 25
    Durante a tramitação legislativa, o fundamento para tal redação constou do Parecer preparado pelo Senador Francisco Dornelles, relator na Comissão de Serviços de Infraestrutura, em 30.11.2012, nos seguintes termos: “A alteração da redação dada ao inciso IV do art. 90, por sua vez, é medida salutar, porque não se deve exigir a apresentação ao CADE de certo tipo de contrato associativo, caracterizado como consórcio constituído para a realização de empreendimento específico, com prazo determinado e comumente utilizado para a participação de empresas em licitações, já que tal consórcio lida com prazos para habilitação e julgamento de propostas bem inferiores aos necessários para que o CADE autorize a operação. Por sua vez, as transações ou negociações com ações, quotas ou outros títulos, ainda que realizadas em caráter temporário e para fins de revenda, devem ser submetidas à apreciação do CADE, porquanto têm o potencial de alterar as relações de concorrência nos mercados relevantes considerados”. Apesar de sucinto, não se deixa de entrever uma certa deferência à Administração Pública, por conta dos alegados curtos prazos para habilitação e julgamento de propostas em licitações. Mas a justificativa parece fazer pouco sentido, uma vez que essa dificuldade já havia sido resolvida pelo CADE na vigência da revogada Lei n. 8.884/94, por meio da Súmula n. 03/2007, ao menos no que tange a contratos de concessão, ao determinar a notificação da operação apenas após encerrada e adjudicada a licitação (cf. o enunciado desta súmula: “Nos atos de concentração realizados com o propósito específico de participação em determinada licitação pública, o termo inicial do prazo do art. 54 § 4º, da Lei 8.884/94 é a data da celebração do contrato de concessão”). Uma segunda ordem de justificativas ao texto positivado seria mais bem construída com base em outro fundamento: caberia ao Poder Público licitante ponderar e balancear, nas regras editalícias e na condução do certame, entre os impactos concorrenciais da sua contratação e as necessidades do interesse público diretamente emergentes da atividade administrativa sob licitação. De qualquer forma, a regra ainda é recente, não tendo sido discutida pelo CADE, de forma que a amplitude de sua interpretação pelo CADE ainda está em aberto.
  • 26
    Cf., a esse respeito, o art. 10 da Lei do Petróleo: “Art. 10. Quando, no exercício de suas atribuições, a ANP tomar conhecimento de fato que possa configurar indício de infração da ordem econômica, deverá comunicá-lo imediatamente ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE e à Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, para que estes adotem as providências cabíveis, no âmbito da legislação pertinente”.
  • 27
    O texto legal em referência é o art. 19 da Lei Geral de Telecomunicações: “Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente: [...] XIX – exercer, relativamente às telecomunicações, as competências legais em matéria de controle, prevenção e repressão das infrações da ordem econômica, ressalvadas as pertencentes ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE”.
  • 28
    Mesmo as competências instrutórias parecem duvidosas, na medida em que a Lei n. 9.472/97 atribuiu à Anatel as competências de proteção à ordem econômica que não fossem outorgadas ao CADE (art. 19, XIX). Na medida em que o CADE passou a exercer todas as competências de proteção da ordem econômica, inclusive as instrutórias, hoje atribuídas para a Superintendência Geral, faria pouco sentido imaginar a manutenção dessas competências também na Anatel. Na medida em que a Lei n. 12.529/2011 redesenhou todo o sistema de proteção da ordem econômica, seria razoável argumentar que ela teria derrogado arranjos setoriais pontuais e excepcionais como o de telecomunicações, adotando uma nova organização sistemática das relações entre CADE e agências reguladoras e derrogando os arranjos excepcionais da antiga lei.
  • 29
    Interessante destacar que as Emendas n. 29 e n. 30 do Senado Federal ao Projeto de Lei n. 3.937/2004 visavam manter a mesma sistemática anterior, atribuindo à Anatel competências instrutórias expressas, ressalvadas apenas as competências do Tribunal Administrativo de Defesa Econômica do CADE; a Emenda n. 31 complementava as anteriores, prevendo prazo de 90 dias para que a Anatel publicasse normativo disciplinando a instrução de atos de concentração no setor. Essas emendas foram rejeitadas pela Câmara dos Deputados em 05.10.2011, sob entendimento de que a matéria concorrencial exige uma análise muito específica, e que a Superintendência-Geral do CADE teria melhores condições de garantir maior harmonia à política concorrencial aplicada às telecomunicações (cf. Relatório do Deputado Pedro Eugênio, PT-PE).
  • 30
    Vale apontar que já houve diversos casos de operações de concentração notificadas após entrada em vigor da Lei n. 12.529/2011 em setores de telecomunicações ou relacionados, que foram analisados diretamente pela Superintendência-Geral do CADE. Cf. AC n. 08700.000548/2013-05 (TIM Celular S.A., Brasil Telecom S.A. e TNL PCS S.A.; aprovado em 27.03.2013 pela Superintendência-Geral do CADE); AC n. 08700.003536/2013-24 (Claro S.A. e Vivo S.A.; aprovado em 09.05.2013 pela Superintendência-Geral do CADE); AC n. 08700.005281/2013-34 (VCB Comunicações S.A. e TNL PCS S.A.; aprovado em 04.07.2013) pela Superintendência-Geral do CADE; AC n. 08700.006893/2013-44 (BTG Pactual YS Empreendimentos e Participações S.A. e Brasil Telecom Cabos Submarinos Ltda.; aprovado em 13.08.2013 pela Superintendência-Geral do CADE).
  • 31
    A esse respeito, convém apontar o PA n. 08012.008501/2007-91 (Global Village Telecom Ltda. vs. Vivo S.A., TIM Brasil Serviços e Participações S.A.; TNL PCS S.A., Americel S.A. e BCP S.A.; em curso), instaurado pela SDE para investigar supostas práticas discriminatórias na cobrança de tarifas de interconexão com a rede móvel (VU-M). Em 17.03.2009, a 5ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal emitiu decisão denegando antecipação de tutela solicitada pela Vivo S.A., referente a esse processo administrativo, sob argumento de que não havia prova inequívoca conferindo verossimilhança ao direito alegado, na medida em que entendia concorrente a competência de Anatel e SDE nos mercados de telecomunicações (cf. Processo 2008.34.00.040434-3, Vivo S.A. vs. União Federal, em trâmite).
  • 32
    Cf. seção V do despacho que concedeu a medida preventiva: “Trata-se de competência concorrente que pode ser exercida por qualquer um dos agentes públicos em qualquer fase do processo administrativo (instrução ou julgamento). Note-se que essa competência pode ser exercida em qualquer fase do processo, sendo entendimento contrário, restritivo à eficácia material do disposto no art., 52, caput, da Lei 8.884/94. [...] Ao CADE compete, por determinação legal, punir as condutas anticoncorrenciais, sendo-lhe necessário para tanto contar com poderes para que assim possa proceder. Dessa forma, não é correto supor que, em face da demora do órgão regulador para analisar a medida preventiva, fique o CADE submetido ao risco de ter suas decisões por ineficazes em razão da prática realizada pelo agente econômico não ter sido cessada no momento oportuno. [...] Considerando o exposto, não seria racional nem lógico, quando convencido da necessidade de adotar medida preventiva, tivesse o Conselheiro-Relator que aguardar o pronunciamento do órgão regulador, no caso a Anatel. Dessa forma, não é razoável estabelecer restrições à atuação do CADE, em razão de determinado pedido ter sido submetido à apreciação de outro órgão, como a Anatel. Frise-se que não se está atribuindo competência ao CADE, até porque este já a detém, conforme o art. 52, caput, da Lei 8.884/94”.
  • 33
    Cf. seção VI do despacho que concedeu a medida preventiva: “Nessa linha, há que ficar claro que a existência de possíveis condutas anticompetitivas discriminatórias, quando houve, não decorre de falha da regulação, mas sim do abuso de um suposto poder dominante de uma forma que explora sua vantagem no mercado de origem para estender seu poder sobre o mercado alvo. Uma questão, portanto, da esfera do sistema de defesa da concorrência. Note-se ainda que assuntos como a adequação de preços de acesso aos custos de provimento dos serviços para diferentes velocidades pertencem à esfera regulatória, e não demandam, portanto, posicionamento dos órgãos de defesa da concorrência. A atuação destes últimos circunscreve-se à análise das possíveis condutas anticompetitivas realizadas no ambiente do mercado, esse sim, definido pelo órgão regulador. São, portanto, atribuições complementares, e não excludentes”.
  • 34
    Cf. seção II.1 do voto do Relator no Recurso Voluntário n. 08700.000727/2003-62: “Ora, não há na Lei nº 8.884/94, em Resolução deste Conselho ou até mesmo na Lei n. 9.784/99, qualquer dispositivo nesse sentido. Tampouco verifica-se na jurisprudência deste Conselho julgamentos que corroborem tal entendimento. Isso porque a Lei Antitruste, em seu art. 52, é clara ao conferir ao Conselheiro-Relator competência para conceder Medida Preventiva em qualquer fase do processo administrativo, não há ressalva alguma que condicione a manifestação do Conselheiro do CADE ao exaurimento de qualquer outra instância para proferir a sua decisão. A competência do Conselheiro do CADE para decidir em sede de processos que afetam o ambiente concorrencial é um tipo de competência pública, de cunho irrenunciável e indisponível, que não sofre qualquer tipo de restrição e, por isso mesmo, deve ser exercida em sua plenitude e a qualquer tempo. Portanto, não merece prosperar a tese da Recorrente de que o presente Recurso deveria ser revogado até a manifestação da Anatel sobre o assunto. Assim, conheço, nesse ponto, do presente Recurso”.
  • 35
    Cf. seção III do voto-vista do Conselheiro Ricardo Villas Bôas Cueva no Recurso Voluntário n. 08700.001291/2003-29: “Em primeiro lugar, é importante ressaltar que, devido às delicadas interfaces e complementaridades existentes entre regulação e defesa da concorrência, a revisão, pelo CADE, da decisão tomada pelo regulador tem escopo bastante limitado, ainda mais quando se trata de revisão em sede de recurso voluntário – oportunidade que não se está a discutir a existência de infração da ordem econômica, mas, apenas e tão somente, a existência de requisitos bastante específicos para a concessão da tutela preventiva e a adequação dos termos da medida imposta, como necessária a minimizar impactos anticoncorrenciais no mercado. A análise da licitude ou ilicitude da conduta, como sabido, é objeto específico do processo administrativo originário. Diante destes aspectos, conclui-se que todos os itens da medida preventiva devem ser analisados em seu conjunto, e sua manutenção somente tem sentido se tomada em sua integralidade”.
  • 36
    Cf. seção VI do voto do Conselheiro Fernando de Oliveira Marques no PA n. 08000.007754/1995-28: “Por fim, diante de todo o exposto, determino o arquivamento do presente processo administrativo, pois as Representadas não podem ser punidas já que não lhes restava outra alternativa se não praticar a conduta, derivando tal situação de obediência a dever legal, conformado por interpretação de órgão integrante da Administração Pública Federal, qual seja, o Departamento de Aviação Civil (DAC). Por tal conduta defluir de obediência a mandamento previsto no ordenamento jurídico e interpretado por ente desta mesma Administração Federal, exclui-se a ilicitude da conduta, arredando, por conseguinte, a aplicação de qualquer penalidade prevista na Lei 8.884/94. Outrossim, tendo em vista a relevância da matéria, quero salientar que também fundamento minha decisão no disposto na Lei n. 8.884/94, no seu art. 7, inciso XVIII que prevê como competência do Plenário do CADE ‘instruir o público sobre as formas de infração da ordem econômica’, ou seja, prevê como competência do CADE aquilo que se convencionou denominar de atuação educativa e/ou orientativa do SBDC. Do exposto e com base neste fundamento, determino a remessa de cópias da presente decisão ao Departamento de Aviação Civil e Tribunal de Constas da União, para ciência e eventuais providências de seu mister, observando a referidos órgãos, notadamente ao DAC, que a limitação dos descontos apresenta fortíssimos impactos na dinâmica do mercado e na livre concorrência, merecendo maior atenção e estudo para sua revisão no âmbito legislativo. Nessa linha, ainda quanto às Representadas, recomendo que excluam do seu Código de Ética disposição que vede, direta ou indiretamente, a concessão de descontos em processos de licitação, pelo quanto salientado no parágrafo anterior. Recomendo, outrossim, na esteira do entendimento esposa do tanto pela SDE/MJ quanto pelo TCU, que o valor das comissões seja desvinculado do valor das tarifas aéreas, passando a ser construído com base no esforço despendido pela agência para a execução de seus serviços”.
  • 37
    Cf. seção III do voto-vista do Conselheiro Roberto Pfeiffer no PA 08000.007754/1995-28: “Ainda, determino a remessa de cópia do presente expediente ao Departamento de Aviação Civil (DAC), ao Tribunal de Contas da União (TCU) e ao Congresso Nacional, para ciência e eventuais providências no sentido de adequar, em seus respectivos âmbitos de atuação, a legislação existente à norma de proteção e defesa da concorrência, no que concerne à matéria versada nos presentes autos”.
  • 38
    Cf. seção III do voto-vista do Conselheiro Ricardo Villas Bôas Cueva no PA n. 08012.007443/1999-17: “Antes de adentrar a questão de fundo, é indispensável deixar claro que, no exercício das atribuições que lhe são conferidas pela lei, não já qualquer conflito entre o CADE e a ANTAQ, a agência reguladora setorial. Não há cogitar, na espécie, de conflito de competência entre as instituições, nem mesmo de preponderância na aplicação da legislação vigente, seja ela regulamentar ou antitruste. Há, antes, uma inegável relação de complementaridade, na qual cada uma das instituições atua exatamente nos limites que suas respectivas legislações lhe impõem. [...] É evidente que a atividade judicante do CADE – que decorre de expressa determinação constitucional, quando determina que a lei reprimirá o abuso de poder econômico (art. 173, § 4º, CR/88) – não pode ficar condicionada à existência ou não de regulação específica para determinada matéria. Certo é que ao CADE não é dado o poder de revisão dos dispositivos emanados pelo poder regulador, mormente quando tais dispositivos dizem respeito à regulação técnica e econômica de determinado setor. Não é o CADE um ‘revisor’ de políticas públicas, porque, agindo assim, estaria atentando contra os postulados básicos da legalidade e de toda a doutrina que informa a atividade dos órgãos reguladores. Entretanto, deparando-se com situações que possam configurar infração da ordem econômica, é dever das autoridades antitruste investigar e julgar tais condutas, nos estritos termos da Lei n. 8.884/94, de resto em perfeita harmonia com o arcabouço jurídico-institucional vigente. Assim, é irrelevante para o aplicador do direito antitruste, perquirir se tal ou qual edital de licitação ou tal ou qual contrato preveem, expressa ou implicitamente, certa conduta ou atividade, as quais deverão ser analisadas, neste Conselho, sob o prisma da lei da concorrência”.
  • 39
    Cf., dentre outras passagens, o § 210, do voto do Conselheiro Elvino de Carvalho Mendonça no PA n. 08012.003745/2010-83: “A Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9610/98) autorizou a criação de um sistema de monopólio legal, no que tange às atividades de Arrecadação e Distribuição dos valores obtidos a partir da gestão coletiva dos direitos autorais. Todavia, esta liberdade conferida ao Escritório Central não abrange a atividade de fixação de preços, restando claro que essa fixação deve ser estabelecida a partir dos princípios da livre iniciativa e livre concorrência”.
  • 40
    Cf., sobre a falta de regulação do monopólio do ECAD como fonte do problema, os §§ 23-25 e §§ 36-38, do voto do Conselheiro Marcos Paulo Veríssimo, assim como os §§ 2-5 do voto da Conselheira Ana de Oliveira Frazão, no PA 08012.003745/2010-83.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    18 Out 2013
  • Aceito
    11 Dez 2014
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