Acessibilidade / Reportar erro

Preditores biopsicossociais de dor, incapacidade e depressão em pacientes brasileiros com dor crônica

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Esta pesquisa foi baseada na perspectiva biopsicossocial de dor crônica, que sugere a existência de interrelação dinâmica entre alterações biológicas, estado psicológico e contexto social, onde cada uma destas dimensões apresenta um papel diferenciado na dor crônica, incapacidade e ajuste emocional. Este estudo examinou a aplicabilidade de preditores de dor, incapacidade e sofrimento propostos pelos modelos biopsicossociais de dor em amostra de pacientes brasileiros com dor crônica. MÉTODO: Estudo de corte transversal realizado com amostra de conveniência de 311 participantes atendidos em diversos centros de dor localizados no Sul e Sudeste do Brasil. As análises estatísticas para examinar as propriedades dos testes e relações entre as variáveis incluíram teste t, Análise de Variância, correlações, regressão hierárquica múltipla e logística. Todas as análises estatísticas foram realizadas com o programa SPSS-14. RESULTADOS: Os fatores orgânicos, sócio-demográficos e cognitivos contribuíram para incapacidade, depressão, intensidade da dor e empregabilidade de forma diferenciada. Nessa amostra, grau de escolaridade, local da dor e autoeficácia contribuíram para incapacidade; pensamentos catastróficos foram o único preditor de depressão; gênero e autoeficácia contribuíram para a intensidade da dor; e idade, grau de escolaridade, incapacidade e autoeficácia foram fatores de risco para desemprego. CONCLUSÃO: As evidências descritas na literatura baseadas na perspectiva biopsicossocial, que enfatizam o papel distinto de fatores biopsicossociais na dor, incapacidade e sofrimento mental foram confirmadas nesse estudo.

Depressão; Dor crônica; Incapacidade; Modelo biopsicossocial; Trabalho


BACKGROUND AND OBJECTIVES: This research is based on biopsychosocial chronic pain perspective, which suggests the presence of a dynamic interrelation among biological changes, psychological status and social context, where each dimension has a differentiated role in chronic pain, incapacity and emotional balance. This article has examined the applicability of pain, incapacity and distress predictors, proposed by biopsychosocial pain models, in a sample of Brazilian chronic pain patients. METHOD: This is a transversal study carried out with a convenience sample of 311 participants seen by different pain centers located in the Southern and Southeastern regions of Brazil. Statistical analyses to evaluate tests properties and relationships among variables included t test, Variance Analysis, correlations, multiple and logistic hierarchical regression. All statistical analyses were performed with the SPSS-14 software. RESULTS: Organic, socio-demographic and cognitive factors have contributed to incapacity, depression, pain intensity and employability in a differentiated way. In this sample, education level, pain site and self-efficacy have contributed to incapacity; catastrophic thinking was the sole predictor of depression; gender and self-efficacy have contributed to pain intensity; and age, education level, incapacity and self-efficacy were risk factors for unemployment. CONCLUSION: Evidences described by the literature, based on the biopsychosocial perspective, which emphasizes the different role of biopsychosocial factors on pain, incapacity and mental distress were confirmed by this study.

Biopsychosocial model; Chronic pain; Depression; Employment; Incapacity


ARTIGO ORIGINAL

Preditores biopsicossociais de dor, incapacidade e depressão em pacientes brasileiros com dor crônica* * Estudo conduzido como parte do projeto de pesquisa para obtenção do grau de Doutor, realizado com bolsa da CAPES-MEC. A presente pesquisa foi realizada no Pain Research and Management Centre – Royal North Shore Hospital, University of Sydney. Sydney, Austrália.

Jamir João Sardá JúniorI; Michael Keneth NicholasII; Cibele Andrucioli de Mattos PimentaIII; Ali AsghariIV

IPhD. Psicólogo. Curso de Psicologia da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Itajaí, SC. Brasil

IIPhD. Psicólogo. Pain Research and Management Centre; RNSH, University of Sydney. Sydney, Austrália

IIIPhD. Enfermeira. Professora Titular da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

IVPhD. Psicólogo. Department of Psychology, University of Shahed, Tehran-Iran. Pain Research and Management Centre (RNSH). Sydney, Austrália

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Jamir J. Sardá Júnior Av. Campeche 1157/403 – Campeche 88063-300 Florianópolis, SC. E-mail: jamirsarda@hotmail.com

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Esta pesquisa foi baseada na perspectiva biopsicossocial de dor crônica, que sugere a existência de interrelação dinâmica entre alterações biológicas, estado psicológico e contexto social, onde cada uma destas dimensões apresenta um papel diferenciado na dor crônica, incapacidade e ajuste emocional. Este estudo examinou a aplicabilidade de preditores de dor, incapacidade e sofrimento propostos pelos modelos biopsicossociais de dor em amostra de pacientes brasileiros com dor crônica.

MÉTODO: Estudo de corte transversal realizado com amostra de conveniência de 311 participantes atendidos em diversos centros de dor localizados no Sul e Sudeste do Brasil. As análises estatísticas para examinar as propriedades dos testes e relações entre as variáveis incluíram teste t, Análise de Variância, correlações, regressão hierárquica múltipla e logística. Todas as análises estatísticas foram realizadas com o programa SPSS-14.

RESULTADOS: Os fatores orgânicos, sócio-demográficos e cognitivos contribuíram para incapacidade, depressão, intensidade da dor e empregabilidade de forma diferenciada. Nessa amostra, grau de escolaridade, local da dor e autoeficácia contribuíram para incapacidade; pensamentos catastróficos foram o único preditor de depressão; gênero e autoeficácia contribuíram para a intensidade da dor; e idade, grau de escolaridade, incapacidade e autoeficácia foram fatores de risco para desemprego.

CONCLUSÃO: As evidências descritas na literatura baseadas na perspectiva biopsicossocial, que enfatizam o papel distinto de fatores biopsicossociais na dor, incapacidade e sofrimento mental foram confirmadas nesse estudo.

Descritores: Depressão, Dor crônica, Incapacidade, Modelo biopsicossocial, Trabalho.

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa é fundamentada numa perspectiva biopsicossocial da dor crônica, que sugere a existência de uma relação dinâmica entre mudanças biológicas, estado psicológico e contexto social, enfatizando que estes fatores têm papéis distintos na dor crônica, incapacidade e desajuste emocional1-3. Neste projeto de pesquisa, dor crônica é classificada como dor que persiste por um período superior a três meses, e esta definição é consistente com diversas referências epidemiológicas amplamente utilizadas4.

Dores crônicas podem ter alto impacto na capacidade funcional das pessoas. Entretanto, isto não é um fenômeno universal e, embora alguns pacientes tornem-se incapacitados fisicamente, outros parecem se ajustar bem às dores crônicas. Uma vez que dores crônicas não são sinônimos de incapacidade, é extremamente importante identificar quais fatores promovem um funcionamento desadaptativo em decorrência deste quadro.

Existem fortes evidências de que as dores crônicas podem estar associadas à incapacidade física, distúrbios emocionais e dificuldades sociais. Além disto, tem sido reconhecido que fatores emocionais, cognitivos e sociais mediam a experiência subjetiva da dor1-3.

De acordo com o modelo biopsicossocial de dor5, a manifestação e manutenção de dores crônicas são funções dinâmicas de predisposições, estímulos e respostas preceptoras e fatores mantenedores. Variáveis predisposicionais podem incluir fatores genéticos, processos de aprendizagem e fatores ocupacionais. Estímulos preceptores podem ser externos e internos e envolvem estressores e valores capazes de disparar diversas respostas autonômicas e musculoesqueléticas (p. ex: ativação simpática e tensão muscular). Tais respostas são mediadas pela percepção e interpretação de processos fisiológicos ou sintomas e podem envolver expectativas, processos de aprendizagem e crenças, bem como estratégias de enfrentamento. Variáveis mantenedoras podem ser influenciadas por processos de aprendizagem e outros fatores psicossociais. Segundo esse modelo aspectos biológicos podem iniciar, manter ou modular alterações físicas; fatores psicológicos influenciam a avaliação e percepção de sinais fisiológicos, e fatores sociais modelam as respostas comportamentais do paciente à percepção de suas alterações físicas5.

Diversas revisões sobre o papel de fatores psicossociais na dor crônica, em especial dores de pescoço e lombalgias, têm descrito o papel destes fatores na precipitação de dores crônicas, na transição de dores agudas para crônicas e na incapacidade física associada a dores crônicas1-3. Existem evidências de que cognições, humor e interações comportamentais/ambientais estão associados a dores crônicas. Os fatores cognitivos incluem crenças relacionadas à dor, tais como autoeficácia, catastrofização, medo, evitação e aceitação1. Os fatores afetivos/humor incluem ansiedade, depressão e estresse2,3. As interações comportamentais/ambientais incluem processos de aprendizagem e reforço. Os fatores descritos parecem ter importante papel na relação entre dores crônicas, incapacidade e sofrimento mental.

Embora a dor crônica seja um grande problema de saúde pública em diversas sociedades, a maior parte do conhecimento produzido sobre este assunto é oriundo de alguns poucos países da América do Norte, Europa e Oceania. Nesse sentido, existe a necessidade de produzir conhecimento nesta área também em países em desenvolvimento, visando avaliar a adequação dessas evidências a outras amostras populacionais. Partindo destes pressupostos, o presente estudo examinou os fatores que contribuem para incapacidade, intensidade da dor, depressão e empregabilidade em amostra brasileira de pacientes com dores crônicas.

MÉTODO

Estudo de corte transversal, descritivo, comparativo, correlacional e preditivo, utilizando medidas demográficas, clínicas e psicológicas em um grupo de pacientes com dor crônica.

Trezentos e onze pacientes com dor crônica oriundos de 9 instituições, sendo 7 clínicas de dor, 1 ambulatório de reumatologia e 1 clínica de acupuntura no Brasil, que atenderam aos critérios de inclusão e exclusão. A amostra foi de conveniência e os dados foram coletados entre março e outubro de 2005.

Os critérios de inclusão foram possuir dor crônica por período maior que 6 meses na maior parte dos dias; ter idade entre 18 e 81; possuir mais de 4 anos de educação formal; apresentar interesse em participar do estudo e ter disponibilidade de aproximadamente 40 minutos completando os questionários. Os critérios de exclusão foram ter dores decorrentes de câncer; diagnóstico de transtorno mental importante, por exemplo, a psicose; ter questionários com mais de 10% de itens omitidos.

Pacientes com dor crônica atendidos em clínicas de dor ou instituições similares que se dispuseram em participar da pesquisa foram encaminhados pelos profissionais de saúde aos pesquisadores, que providenciaram aos participantes as informações necessárias, duas cópias do termo de consentimento livre e esclarecido escrito e os testes a serem preenchidos. Após o preenchimento, o pesquisador ou assistente de pesquisa conferiu os questionários para evitar itens incompletos. Os dados clínicos foram coletados dos prontuários dos pacientes e os questionários identificados por um código numérico visando manter os dados sob sigilo. A presente pesquisa foi realizada de acordo com os princípios da Declaração de Helsinque. A coleta de dados não interferiu no tratamento dos pacientes.

Os dados foram organizados em planilhas e analisados utilizando o programa estatístico SPSS-14. A análise estatística descritiva dos dados foi utilizada para caracterizar a amostra. O exame das propriedades psicométricas dos testes foi feito através de análise dos componentes principais e testes de confiabilidade. Para comparar os resultados entre os grupos foram usados testes do tipo Qui-quadrado, teste t e ANOVA. Para analisar as relações entre as variáveis utilizaram-se testes de correlação, regressão hierárquica múltipla e regressão logística.

INSTRUMENTOS

O questionário sócio-demográfico consistiu de dados referentes à idade, sexo, nível de escolaridade, renda, profissão e vínculo profissional. O inventário clínico investigou questões referentes à queixa principal (diagnóstico, local da dor, intensidade e duração da dor), uso e tipo de medicação, tipo de intervenção a que foi submetido.

O questionário Roland-Morris de Incapacidade (RMDQ) é uma medida de autorrelato criada para avaliar incapacidade física em pacientes com dor lombar. O RMDQ possui 24 afirmativas, cada item recebe zero ou 1 ponto e o escore total pode variar de 0 a 24 pontos; indicando ausência de incapacidade a incapacidade intensa. O RMDQ é uma medida de simples aplicação, correção e análise, validado em diversas populações6.

O Questionário de Auto-Eficácia do Paciente com Dor (PSEQ) possui 10 itens pontuados numa escala do tipo Likert (0 a 6), associado às palavras nem um pouco confiante e completamente confiante. Os itens descrevem diversas tarefas referidas como problemáticas por pacientes com dores crônicas. Escores altos refletem crenças de autoeficácia mais fortes. A validade e fidedignidade do PSEQ têm sido confirmadas através da comparação desta medida com outros instrumentos e em diversas populações7.

O Questionário de Auto-Afirmativas sobre Dor foi desenvolvido fundamentado nos conceitos de esquema cognitivo e pensamento automático. Nove itens pontuados numa escala Likert (0 a 5) compõem a escala de catastrofização. A validade de construto, fidedignidade e sensibilidade desse instrumento têm sido confirmadas em diversas populações incluindo a brasileira8.

O Questionário de Aceitação da Dor Crônica (CPAQ)9 foi desenvolvido para medir aceitação da dor em pacientes com dor crônica. Seus 20 itens consistem de afirmativas, pontuadas numa escala Likert (0 a 6) associadas às palavras "nunca verdadeiro" a "sempre verdadeiro". Estudos realizados descrevem correlações médias e moderadas deste instrumento com medidas de depressão, ansiedade e incapacidade, suportando desta forma a validade desta medida9.

A Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse (DASS) foi desenvolvida visando criar uma medida de depressão, ansiedade e estresse que possuísse uma baixa intercorrelação entre estes fatores. Este instrumento possui 3 escalas (depressão, ansiedade e estresse) formada por 42 itens, que são pontuados numa escala do tipo Likert (0 a 3). A escala de depressão possui 14 itens, sendo que estes itens são caracterizados principalmente por sintomas de baixa autoestima e motivação, não apresentando itens somáticos de depressão. A DASS apresenta adequadas propriedades psicométricas sendo validado para a população brasileira8.

Estudo aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade (protocolo nº 430/2004).

RESULTADOS

Na Tabela 1 estão apresentados os dados relativos às características demográficas e clínicas da amostra.

Com relação à distribuição etária a amostra apresentou uma distribuição normal, com maior concentração na faixa etária entre 43 e 54 anos. A proporção de mulheres que participaram do estudo foi de quase 3 para 1. A maior parte dos participantes era casada, sendo que 39 (12,5%) dos participantes estavam divorciados ou separados e 17 (5,5%) eram viúvos. No tocante ao grau de escolaridade a amostra se apresentou bastante heterogênea, com leve concentração de participantes com nível superior. Número substancial de participantes estava desempregado (41%), em função das dores crônicas.

Em relação ao local da dor, substancial parcela dos participantes apresentou dor em dois ou mais locais (45%), seguida pela queixa de dores na região cervical, ombros e membros superiores (15, 5%) e dores na região lombar, com ou sem irradiação para os membros inferiores (14,7%). Dores nos membros inferiores (7,1%) foram descritas como uma categoria diferente em função de, geralmente, estar associada a dores no joelho ou juntas, em geral decorrente de artrites. Grande parte dos pacientes tinha dor há mais de três anos (68,5%). Cerca de 22% dos participantes apresentaram dores leves (1 a 3), mas a maioria dos participantes reportou dores intensas (7 a 10, 47,3%). A intensidade média da dor foi 6 pela escala visual numérica (EVN). A maioria dos pacientes (82,4%) estava usando medicações de diversos tipos (p. ex: analgésicos, anti-inflamatórios). A prevalência de outras doenças também foi investigada; 28% dos participantes referiram ter hipertensão, 18% referiram ter depressão, 10% disfunções endócrinas e 5% diabetes.

Os dados a seguir descrevem os resultados das regressões múltiplas e logística visando analisar as contribuições de variáveis clínicas, demográficas e psicológicas para a incapacidade, intensidade da dor, depressão e empregabilidade.

Dentre as variáveis sócio-demográficas, clinicas e psicológicas apenas aquelas com correlações significativas com as variáveis dependentes (incapacidade, depressão, intensidade da dor e empregabilidade), bem como valores significativos no test t e ANOVA participaram da análise de regressão. O valor de significância de p foi estabelecido em 0,001 usando uma correção de Bonferroni. Este procedimento foi utilizado para minimizar erros do tipo I e II, uma vez que em função do tamanho da amostra, poderia ocorrer.

Em cada modelo usado na regressão um bloco de variáveis sócio-demográficas e clínicas foram inseridos na primeira etapa da regressão, visando controlar as associações entre estas e a variável dependente (p. ex: grau de escolaridade, intensidade da dor) seguido de um bloco de variáveis psicológicas (inseridas na segunda etapa da análise). Para interpretar o nível de significância dos resultados das regressões, mais uma vez visando controlar erro do tipo I uma correção de Bonferroni foi aplicada dividindo os valores de p pelo número de variáveis independentes presentes na equação. O valor de p estabelecido é apresentado no final de cada tabela (p. ex: na análise de incapacidade 0,05 foi dividido pelo número de variáveis presentes na equação 13, resultando num p = 0,004).

Tabela 2

As variáveis sócio-demográficas e clínicas presentes no primeiro bloco da análise contribuíram com 22% da variância para incapacidade, mas apenas grau de escolaridade e local da dor atingiram níveis significativos. Na segunda etapa da análise as variáveis psicológicas inseridas contribuíram com 25% da variância na incapacidade, entretanto dentre este grupo, apenas autoeficácia obteve um valor p significativo (beta = -.51, p < 0,001).

Na análise dos preditores de depressão as variáveis sócio-demográficas e clínicas (não apresentada no artigo em função de limitação de espaço), após controlar as variáveis do primeiro bloco, as variáveis cognitivas e incapacidade contribuíram com variância adicional de 30%, sendo que apenas a variável catastrofização apresentou contribuição significativa para depressão.

A análise dos preditores de intensidade de dor, mostra que apenas gênero (feminino, beta 16, p = 0,007) e autoeficácia (beta.- 28, p = 0,001) contribuíram significativamente para intensidade da dor.

Para examinar a contribuição das variáveis clínicas, sócio-demográficas e psicológicas para a empregabilidade (estar desempregado) uma regressão logística foi empregada. Os valores das correlações foram analisados e conforme descrito anteriormente não houve correlações significativas que sugerissem a existência de multicolinearidade. Para realizar a regressão logística houve a necessidade de recodificar as variáveis contínuas em variáveis binárias. Uma vez feito isto, os valores das correlações foram novamente analisados, apresentando-se inferiores a 0,30, indicando ausência de multicolinearidade.

Para a melhor interpretação da análise logística, uma vez que as variáveis analisadas possuíam diferentes amplitudes (p. ex: no questionário RM os escores variam de 0 a 24 e no de autoeficácia de 0 a 60), todas as variáveis foram recategorizadas como dicotômicas. Na variável dependente empregabilidade os participantes que estavam trabalhando receberam zero e os desempregados em função da dor 1. Uma vez que empregabilidade é influenciada pela variável idade apenas os participantes com idade entre 18 e 65 anos foram inseridos na análise (n = 222). Participantes com idade superior ao ponto de corte (45 anos) receberam o valor 1 e com idade inferior o valor zero. Pacientes com dor em qualquer local foram codificados com zero e pacientes com dor em dois ou mais locais 1; duração da dor por um período de até 5 anos (0) e maior que 6 (1); intensidade da dor até 5 (0) e maior que 6 (1); pacientes com educação primária ou secundária foram categorizados como 1 e educação superior 0.

Todas as variáveis foram recodificadas visando manter a mesma direção, ou seja, fatores contribuintes recebiam escores 1 (p. ex.: indivíduos mais velhos = 1), incluindo os testes psicológicos onde se utilizou o 3º quartil como ponto de corte. Participantes com escores altos no questionário RM, escala de catastrofização e escala de depressão receberam 1 e com escores abaixo de terceiro quartil, 0. No questionário de autoeficácia e aceitação, a direção era inversa, pacientes com altos escores recebiam zero e com baixos escores 1.

A análise logística foi realizada usando um processo de eliminação reversa das variáveis independentes (backwards elimination). A cada estágio o efeito de retirada de uma variável foi testado usando coeficientes de probabilidade (likelihood ratio test) a um nível de significância de 0,05. Os valores do odds ratios, coeficientes betas e intervalos de confiança foram examinados a cada etapa para evitar erros decorrentes de variáveis intervenientes e a adequação do melhor modelo (goodness of fit). A sexta etapa foi avaliada como o melhor modelo de regressão e embora não obtendo níveis significantes (p ≥ 0,05) algumas variáveis independentes foram mantidas na equação uma vez que colaboraram para o melhor modelo. Vários modelos de codificação de variáveis e etapas foram realizados (Tabela 3).

Dentre todas as variáveis presentes na análise, apenas grau de escolaridade, idade, incapacidade física e autoeficácia contribuíram significativamente para o desemprego em pessoas com dor crônica.

Embora seja necessário considerar que as variáveis são medidas em diferentes escalas, grau de escolaridade parece ser o maior fator de risco para o desemprego nesta população, ou seja, indivíduos com menos de 11 anos de educação (odds ratio = 3,49 p = 0,001) possuem 3,5 mais chance de estarem desempregados que pacientes com nível superior. Pacientes com altos escores no RMDQ de incapacidade têm 2,7 vezes mais chances de estarem desempregados do que os com menores níveis de incapacidade física (odds ratio = 2,75 p = 0,001). O mesmo padrão ocorreu com os pacientes com reduzida autoeficácia (odds ratio = 2,5 p = 0,04). Participantes com idade superior a 45 anos tiveram 61% mais chance de estarem desempregados do que aqueles com menos de 45 anos.

DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo indicam que embora as variáveis sócio-demográficas (p. ex: grau de escolaridade) e clínicas (p. ex: local da dor) contribuam para a incapacidade física, a variável crenças de autoeficácia teve maior contribuição para incapacidade e intensidade da dor. A contribuição da variável autoeficácia à incapacidade encontrada neste estudo tem sido frequentemente descrita na literatura1,5,7 e é mais uma vez confirmada numa cultura diferente (Latino Americana) do que as investigadas pela maioria dos estudos (Anglo-Saxônica). Estes resultados indicam que mesmo quando diversas variáveis sócio-demográficas, clínicas e psicológicas são levadas em consideração, as crenças de autoeficácia parecem ser um importante preditor de incapacidade. É importante também considerar que nesta amostra, crenças de autoeficácia foi também um importante fator de risco para desemprego.

Os resultados desse estudo no que se referem às crenças de autoeficácia reforçam a importância desse construto, que propõe que autoeficácia é um importante preditor de comportamento (p. ex: níveis de incapacidade). A contribuição de crenças de autoeficácia para incapacidade está também de acordo com o modelo estratégias de enfrentamento, que considera que estratégias de enfrentamento são moderadas por crenças, dentre outros aspectos. Baseado nesta perspectiva pode se esperar que pacientes com dor crônica que apresentem uma baixa autoeficácia têm mais chances de terem estratégias de enfrentamento menos efetivas, o que poderia mediar incapacidade física e esforços para se manter empregado ou trabalhando apesar de possuírem dor crônica. Alguns estudos confirmam esta perspectiva indicando que crenças de autoeficácia são um dos preditores mais importantes de incapacidade e desfecho de tratamentos1,10.

No tocante a contribuição de diversas variáveis estudadas para depressão, apenas pensamentos catastróficos foi preditor de depressão. Este resultado é frequentemente descrito na literatura, que sugere que pensamentos catastróficos são um dos preditores mais importantes de depressão mesmo quando comparado com outras variáveis tais como outras crenças e estratégias de enfrentamento, aceitação autoeficácia11.

Quando tomados em conjunto, os resultados deste estudo sugerem que a presença de depressão em pacientes com dor crônica pode ser influenciado por outros fatores além de intensidade da dor, incapacidade e autoeficácia. Conforme proposto por modelos cognitivo-comportamentais, cognições mediam fortemente como as pessoas interpretam a natureza de sua realidade o que poderia afetar seu humor. Além disto, pode-se sugerir que pensamentos catastróficos contribuem mais para as dimensões avaliativas e afetivas da dor. Baseado neste modelo pode se esperar que pensamentos catastróficos realmente contribuam de forma importante para a depressão, especialmente se houve entendimento que a depressão pode ser consequência da dor crônica. Desta forma, para esta população estar deprimido parece não estar apenas associado ao grau de incapacidade que o paciente apresenta ou com a intensidade da dor, mas parece estar mais relacionado com processos avaliativo-cognitivos.

A não contribuição da variável aceitação para a incapacidade, depressão e intensidade da dor não foi ao encontro dos principais resultados descritos na literatura9. Entretanto estas diferenças podem estar associadas à validade e fidedignidade do CPAQ, e com o não controlou da influência de algumas outras variáveis cognitivas nestes estudos (p. ex: autoeficácia).

No tocante a variável depressão, esta não contribuiu de forma significativa para incapacidade, intensidade da dor e tampouco desemprego. Embora haja alta prevalência de depressão em pacientes com dor crônica, e seu papel seja reconhecido como importante, como a associação entre depressão e respostas pobres ao tratamento, a natureza desta relação é desconhecida.

Outro fator importante nos estudos que descrevem haver relação entre intensidade da dor, depressão e incapacidade é que estes resultados apresentam grande variabilidade9. Estas variações nos resultados podem ocorrer por diversas razões dentre elas erros de medida. Por exemplo, uma série de estudos que avaliam estas relações, usam escalas de depressão que apresentam sintomas somáticos de depressão o que pode inflar os escores de depressão nesta população e consequentemente aumentar a contribuição desta variável para incapacidade12. Além disto, outras pesquisas indicam não haver contribuição importante da depressão para a incapacidade principalmente quando é considerada a contribuição de outras variáveis (p. ex: catastrofização ou autoeficácia)12.

Baseado nestas evidências é importante considerar que quando se utilizam medidas que não contém itens somáticos de depressão, esta variável perde seu valor preditor de incapacidade. Esta perspectiva reforça as evidências propostas por modelos que indicam que a depressão pode ser mais bem entendida como uma consequência da dor, podendo, entretanto influenciar indiretamente outras variáveis (p. ex: número de consultas).

Quando se examinam nesta amostra os fatores de risco para estar desempregado, os fatores grau de escolaridade, idade, incapacidade física e autoeficácia foram preditores de empregabilidade. Embora este seja um dos primeiros estudos a avaliar a contribuição de autoeficácia para empregabilidade existem algumas evidências da contribuição desta variável para empregabilidade de pacientes com dor crônica13.

Conhecer o papel de outras variáveis ambientais relacionadas ao trabalho (p. ex: seguridade social, disponibilidade de trabalhos adaptados) é fundamental para entender os fatores envolvidos na empregabilidade desta população14, porém enquanto fator individual, baixa autoeficácia parece ser um fator de risco para desemprego; de uma forma similar a sua contribuição para incapacidade física. A contribuição das outras variáveis para o desemprego nesta população tem sido descrita em vários países14. Além disto, é importante considerar que grau de escolaridade e idade são preditores de desemprego mesmo para sujeitos saudáveis.

A contribuição de diversos fatores biopsicossociais para a incapacidade, depressão, intensidade da dor e desemprego é amplamente descrita na literatura. As evidências descritas foram confirmadas por estes resultados, que sugerem que a incapacidade física e desajuste emocional parece depender menos de aspectos biológicos do que de variáveis psicossociais.

De acordo com modelos étnico-sociais de dor, a aprendizagem social é um processo fundamental no estabelecimento de sentido e atitudes relacionadas à dor. Estes modelos propõem que atitudes, crenças e expectativas são formadas socialmente e que a cultura tem um importante papel na resposta a dor e, portanto deve ser considerada. Entretanto, estudos recentes demonstram que quando diferentes grupos étnicos são pareados considerando as variáveis intervenientes importantes, por exemplo, renda ou classe social, as diferenças encontradas tendem a ser menores15.

Os resultados deste estudo foram similares a maior parte das evidências descritas na literatura e confirma modelos biopsicossociais de dor. As evidências1,2,5 que suportam estes modelos sugerem a existência de uma relação dinâmica entre mudanças biológicas, estado psicológico e contexto social, sendo que estes fatores têm papéis distintos na dor crônica, incapacidade e desajuste emocional. Nesse sentido, os estudos baseados nesta perspectiva têm demonstrado que incapacidade física e desajuste emocional não é apenas uma função de fatores biológicos.

Os resultados deste estudo permitem fazer a hipótese de que embora existam diferenças entre grupos relacionadas à forma de reposta a dor; que devem ser consideradas, pacientes com dor crônica tende a ser mais similares do que diferentes. Isto implica que modelos de tratamentos multidimensionais criados em países desenvolvidos podem ser mais frequentemente utilizados nos Brasil, embora devam ser adaptados e testados.

O presente estudo é de corte transversal e foi realizado com uma amostra de conveniência o que impõe algumas limitações relacionadas ao estabelecimento de relações causais e generalização dos resultados.

AGRADECIMENTOS

A realização da presente pesquisa não teria sido possível sem a colaboração dos doutores Cláudio Corrêa (Clínica de Dor 9 de Julho), José Oswaldo Nascimento (Hospital AC Camargo e Servidor Público Estadual, SP), Lílian Heinneman (Hospital do Fundão, RJ). Li Shih Min (Ambulatório de Acupuntura do HUSC), Ivânio Pereira (Ambulatório de Reumatologia do HUSC), que abriram seus centros de atendimento, disponibilizando seu tempo e estimulando seus pacientes a participarem da pesquisa.

Apresentado em 10 de fevereiro de 2012.

Aceito para publicação em 01 de junho de 2012.

  • 1. Keefe FJ, Rumble ME, Scipio CD, et al. Psychological aspects of persistent pain: current state of the science. J Pain 2004;5(4):195-211.
  • 2. Linton SJ. A review of psychological risk factors in back and neck pain. Spine 2000;25(9):1148-56.
  • 3. Pincus T, Burton AK, Vogel S, et al. A systematic review of psychological factors as predictors of chronicity/disability in prospective cohorts of low back pain. Spine 2002;27(5):E109-20.
  • 4. Blyth FM, March LM, Brnabic AJ, et al. Chronic pain in Australia: a prevalence study. Pain 2001;89(2-3):127-34.
  • 5. Turk DC, Okifuji A. Psychological factors in chronic pain: evolution and revolution. J Consult Clin Psychol 2002;70(3):678-90.
  • 6. Sardá JJJ, Nicholas M, Pimenta CAM, et al. Validação do Questionário de Incapacidade Roland Morris para dor em geral. Rev Dor 2010;11(1):28-35.
  • 7. Nicholas MK. The pain self-efficacy questionnaire: taking pain into account. Eur J Pain 2007;11(2):153-63.
  • 8. Sardá J Jr, Nicholas MK, Pimenta CA, et al. Psychometric properties of the DASS-Depression scale among a Brazilian population with chronic pain. J Psychosom Res 2008;64(1):25-31.
  • 9. McCracken LM, Eccleston C. A prospective study of acceptance of pain and patient functioning with chronic pain. Pain 2005;118(1-2):164-9.
  • 10. Turner JA, Holtzman S, Mancl L. Mediators, moderators, and predictors of therapeutic change in cognitive-behavioral therapy for chronic pain. Pain 2007;127(3):276-86.
  • 11. Nicholas MK, Asghari A. Investigating acceptance and adjustment in chronic pain: is acceptance broader than we thought? Pain 2006;124(3):269-79.
  • 12. Turner JA, Ersek M, Kemp C. Self-efficacy for managing pain is associated with disability, depression and pain coping among retirement community residents with chronic pain. J Pain 2005;6(7):471-9.
  • 13. Adams JH, Williams AC. What affects return to work for graduates of a pain management program with chronic upper limb pain? J Occup Rehabil 2003;13(2):91-106.
  • 14. Teasell RW, Bombardier C. Employment-related factors in chronic pain and chronic pain disability. Clin J Pain 2001;17(4 Suppl):S39-45.
  • 15. Edwards RR, Moric M, Hustfeldt B, et al. Ethnic similarities and differences in the chronic pain experience: a comparison of African American, Hispanic and white patients. Pain Med 2005;6(1):88-98.
  • Endereço para correspondência:

    Jamir J. Sardá Júnior
    Av. Campeche 1157/403 – Campeche
    88063-300 Florianópolis, SC.
    E-mail:
  • *
    Estudo conduzido como parte do projeto de pesquisa para obtenção do grau de Doutor, realizado com bolsa da CAPES-MEC. A presente pesquisa foi realizada no
    Pain Research and Management Centre –
    Royal North Shore Hospital, University of Sydney. Sydney, Austrália.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012

    Histórico

    • Recebido
      10 Fev 2012
    • Aceito
      01 Jun 2012
    Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 cj 2, 04014-012 São Paulo SP Brasil, Tel.: (55 11) 5904 3959, Fax: (55 11) 5904 2881 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: dor@dor.org.br