EDITORIAL
Dor pós-operatória crônica: a afecção negligenciada
José Paulo Drummond
Livre Docente e Professor Adjunto Concursado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
A dor pós-operatória, por suas repercussões somáticas e psíquicas, é direta ou indiretamente responsável por morbidade imediata ou mesmo por mortalidade. No entanto, ainda hoje, geralmente, é tratada de modo inadequado, insuficiente ou tardio. Em nosso modo de ver, isto constitui autêntica banalização da dor pós-cirúrgica, representada por desinteresse pelo sofrimento alheio, minimização de suas consequências e negligência ou omissão terapêutica.
O seu controle além de óbvias motivações humanitárias, restringe a incidência de complicações, reduz a permanência hospitalar e os custos correspondentes e, mediante a mais rápida recuperação da capacidade produtiva do paciente, diminui o ônus da respectiva inatividade para a instituição mantenedora ou para a própria comunidade1.
Entretanto, o objetivo da prevenção e do tratamento da dor pós-operatória, não deveria ser o de eliminá-la radicalmente, uma vez que isto aumentaria riscos e efeitos colaterais dose-dependentes, aboliria algumas vantagens da resposta neuroendócrino-metabólica e imunológica ao ato anestésico-cirúrgico e eliminaria sua função de estímulo à atividade respiratória. A finalidade profilática e terapêutica deveria, portanto, se limitar apenas a minimizar a dor aguda, isto é, torná-la francamente suportável, permitindo ao paciente com ela conviver em relativa harmonia.
Na última década do século passado, a pesquisa descobriu a fisiopatologia da cronicidade da dor pós-operatória, ou seja, sua transformação de sintoma em afecção específica, devido a mecanismos periféricos e centrais complexos, interdependentes e interativos. Os mecanismos periféricos se devem, essencialmente, à sensibilização dos nociceptores, ocasionada por estímulos intensos e duradouros, e às descargas ectópicas, deflagradas por lesão de nervos aferentes. Os mecanismos centrais são determinados, fundamentalmente, pela sensibilização das sinapses medulares, determinada pela barragem nociceptiva, e pela neuroplasticidade, a qual implica em alterações fisiológicas e estruturais, acontecidas, sobretudo, no corno posterior da medula2.
Estes conhecimentos deveriam gerar uma tomada de consciência por parte de anestesiologistas, cirurgiões, administradores e companhias de seguro, o que, por sua vez originaria mudanças de atitude e cuidados com sua prevenção (preemptive analgesia)3 e com seu controle imediato e eficaz. Estas posturas, motivadas não apenas por sentimentos compassivos, por mais justificáveis que o sejam, resultariam na profilaxia da morbiletalidade e da cronicidade correlatas, como também na redução de perdas e custos, os quais poderiam ser perfeitamente, contornáveis.
- 1. Randall LC, Stephen EA, Philip RB, et al. Consensus statement in acute pain management. Reg Anesth Pain Med. 1996;21(S6):152-6.
- 2. Woolf CJ, Doubell TP. The pathophysiology of chronic pain--increased sensitivity to low threshold A beta-fibre inputs. Curr Opin Neurobiol. 1994;4(4):525-34.
- 3. McQuay HJ. Pre-emptive analgesia: a systematic review of clinical studies. Ann Med. 1995;27(2):249-56.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
08 Out 2012 -
Data do Fascículo
Set 2012