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Dor, cinesiofobia e qualidade de vida de pacientes com dor lombar* * Recebido da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto, SP, Brasil.

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A dor lombar crônica é um problema musculoesquelético com alta prevalência e frequentes condições associadas, que causa grande impacto no cotidiano e na qualidade de vida dos pacientes. O objetivo deste estudo foi avaliar a percepção de dor, medo do movimento e adesão ao tratamento em pacientes com dor lombar e indicação cirúrgica.

MÉTODOS:

Trata-se de estudo prospectivo em amostra de conveniência composta por pacientes com dor lombar, denominado grupo teste: dor crônica de origem não oncológica, escolhidos aleatoriamente e que estavam em fila de espera para realização de cirurgia. O grupo controle foi composto de pacientes triados na Clínica da Dor, com lombalgia, porém assintomáticos. Os instrumentos utilizados foram a escala visual analógica, o questionário de Morisky & Green para verificar a adesão ao tratamento e o questionário Roland-Morris para avaliar a incapacidade funcional. O medo do movimento foi verificado pela Escala Tampa de Cinesiofobia e a qualidade de vida pelo Study Short Form 12 Health Survey (SF-12) (Medical Outcomes).

RESULTADOS:

A média de idade do grupo teste foi de 38,8±6,5 anos prevalecendo o gênero feminino, situação laboral comprometida e escolaridade média de 8,5±3,8 anos. Tanto o componente físico quanto o mental apresentaram menores escores de qualidade de vida no grupo teste, além de maior intensidade de dor, incapacidade funcional e medo do movimento. A não adesão ao tratamento farmacológico ocorreu em 65% do pacientes do grupo teste.

CONCLUSÃO:

O medo do movimento, a incapacidade funcional e a dor verificados no grupo teste podem ter implicações na qualidade de vida de pacientes com dor lombar que serão submetidos a intervenção cirúrgica e ser fatores preditores para que se incorporem estratégias diversas a fim de contribuir para condutas mais eficazes.

Avaliação; Dor lombar; Qualidade de vida


BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Chronic low back pain is a musculoskeletal problem with high prevalence and frequent associated conditions, which causes major impact on patients' daily life and quality of life. This study aimed at evaluating pain perception, fear of movement and adherence to treatment of patients with low back pain and surgical indication.

METHODS:

This is a prospective study with convenience sample made up of low back pain patients, called test group: chronic non-cancer pain patients who were randomly selected and were waiting for surgery. Control group was made up of patients screened by the Pain Clinic, with low back pain, however asymptomatic. Tools were the visual analog scale, the Morisky & Green questionnaire to check adherence to treatment and the Roland-Morris questionnaire to evaluate functional incapacity. Fear of movement was evaluated by the Tampa Scale for Kinesiophobia and quality of life by the Study Short form 12 Health Survey (SF-12) (Medical Outcomes).

RESULTS:

Mean age of the test group was 38.8±6.5 years with prevalence of females, impaired labor situation and mean education of 8.5±3.8 years. Both mental and physical components had lower quality of life scores in the test group, in addition to more severe pain, functional incapacity and fear of movement. Non-adherence to treatment was seen in 65% of test group patients.

CONCLUSION:

Fear of movement, functional incapacity and pain observed in test group may have implications in the quality of life of low back pain patients who will be submitted to surgery and may be predictors for the incorporation of different strategies to contribute to more effective approaches.

Evaluation; Low back pain; Quality of life


INTRODUÇÃO

A dor lombar (DL) é a segunda maior queixa em todo mundo e a principal causa de afastamento temporário do trabalho no Brasil11. Lin CW, Haas M, Maher CG, Machado LA, van Tulder MW. Cost-effectiveness of guideline-endorsed treatments for low back pain: a systematic review. Eur Spine J. 2011;20(7):1024-38.. A incapacidade e declínio da função são comuns entre pacientes com lombalgia crônica e a sua qualidade de vida (QV) depende mais do grau da incapacidade do que da dor, assim como dos custos22. Al-Obaidi SM, Al-Zoabi B, Al-Shuwaie N, Al-Zaabie N, Nelson RM. The influence of pain and pain-related fear and disability beliefs on walking velocity in chronic low back pain. Int J Rehabil Res. 2003;26(2):101-8..

Lombalgia é qualquer dor persistente na região inferior da coluna vertebral por mais de três meses que se torna crônica. A DL crônica é uma das alterações musculoesqueléticas mais comuns nas sociedades industrializadas, afetando de 70 a 80% da população adulta em algum momento da vida, tendo predileção por adultos jovens, em fase economicamente ativa, tornando-se uma das causas mais comuns de absenteísmo por incapacidade total ou parcial22. Al-Obaidi SM, Al-Zoabi B, Al-Shuwaie N, Al-Zaabie N, Nelson RM. The influence of pain and pain-related fear and disability beliefs on walking velocity in chronic low back pain. Int J Rehabil Res. 2003;26(2):101-8.,33. Brazil AV, Ximenes AC, Radu AS, Fernades AR, Appel C, Maçaneiro CH, et al. Diagnóstico e tratamento das lombalgias e lombociatalgias. Rev Bras Reumatol. 2004;44(6):419-25..

A classificação dos tipos de DL pode ser organizada de acordo com a duração. As lombalgias agudas apresentam início súbito e duração inferior a seis semanas, enquanto as lombalgias subagudas têm duração de seis a 12 semanas, e as lombalgias crônicas apresentam período maior do que 12 semanas44. Martins MR, Foss MH, Santos Junior R, Zancheta M, Pires IC, Cunha NA, et al. A eficácia da conduta do grupo de postura em pacientes com lombalgia crônica. Rev Dor. 2010;11(2):105-10.. Pode-se afirmar que a lombalgia crônica caracteriza-se por uma síndrome incapacitante e por dor, que perdura após o terceiro mês, a contar do primeiro episódio de dor aguda, além da gradativa instalação da incapacidade, muitas vezes com início impreciso e períodos de melhora e piora33. Brazil AV, Ximenes AC, Radu AS, Fernades AR, Appel C, Maçaneiro CH, et al. Diagnóstico e tratamento das lombalgias e lombociatalgias. Rev Bras Reumatol. 2004;44(6):419-25.,44. Martins MR, Foss MH, Santos Junior R, Zancheta M, Pires IC, Cunha NA, et al. A eficácia da conduta do grupo de postura em pacientes com lombalgia crônica. Rev Dor. 2010;11(2):105-10..

Com relação ao tratamento, o objetivo inicial é o alívio da dor. Podem ser usados vários fármacos incluindo analgésicos, anti-inflamatórios, miorrelaxantes, corticoides e opioides, sempre depois da avaliação do risco-benefício de cada um deles. O repouso, embora recomendado na fase aguda, deve limitar-se a um curto período uma vez que seu prolongamento retarda a recuperação e favorece a cronificação do processo, sobretudo por facilitar a perda de força muscular55. Melloh M, Roder C, Elfering A, Theis JC, Muller U, Staub LP, et al. Differences across health care systems in outcome and cost-utility of surgical and conservative treatment of chronic low back pain: a study protocol. BMC Musculoskelet Disord. 2008;9(1):81-9.

Na lombalgia crônica nenhuma terapia isolada é eficiente66. Grotle M, Foster NE, Dunn KM, Croft P. Are prognostic indicators for poor outcome different for acute and chronic low back pain consulters in primary care? Pain. 2010;151(3):790-7.. Os mesmos fármacos da fase aguda podem ser usados e, em alguns casos, há importantes benefícios com o uso de algumas classes de antidepressivos em baixas doses para controle da dor77. Mekhail N, Costandi S, Abraham B, Samuel SW. Functional and patient-reported outcomes in symptomatic lumbar spinal stenosis following percutaneous decompression. Pain Pract. 2012;12(6):417-25.. A reabilitação com exercícios de alongamento e fortalecimento muscular, além da reeducação postural, são fundamentais para reduzir os sintomas e prevenir o retorno das dores. Outras intervenções incluem eletroestimulação elétrica transcutânea (TENS), acupuntura, terapia cognitivo-comportamental e infiltração. Os coletes e cintas só devem ser usados na crise aguda ou quando há instabilidade da coluna. O uso contínuo pode levar a hipotrofia muscular gerando um círculo vicioso de dor88. Spoor AB, Oner FC. Minimally invasive spine surgery in chronic low back pain patients. J Neurosurg Sci. 2013;57(3):203-18..

Apenas 1% a 2% dos pacientes necessitam de cirurgia. A necessidade da mudança de hábitos de vida, seja em relação à atividade física, vícios posturais ou atitude passiva em relação à dor, deve sempre ser orientada. O tratamento da lombalgia será mais eficiente se for voltado ao paciente e não à sua lesão ou ao seu exame77. Mekhail N, Costandi S, Abraham B, Samuel SW. Functional and patient-reported outcomes in symptomatic lumbar spinal stenosis following percutaneous decompression. Pain Pract. 2012;12(6):417-25.,88. Spoor AB, Oner FC. Minimally invasive spine surgery in chronic low back pain patients. J Neurosurg Sci. 2013;57(3):203-18..

A DL repercute economicamente e provoca sofrimento e restrição na QV dos indivíduos, tais como: dificuldade na realização de atividades, estresse, irritabilidade, desesperança, distúrbios do sono, depressão, fadiga e incapacidades33. Brazil AV, Ximenes AC, Radu AS, Fernades AR, Appel C, Maçaneiro CH, et al. Diagnóstico e tratamento das lombalgias e lombociatalgias. Rev Bras Reumatol. 2004;44(6):419-25., assim a abordagem multidisciplinar é indicada e passou a ser adotada em diferentes serviços de tratamento no mundo todo como uma maneira eficaz para tratar as lombalgias crônicas, melhorando substancialmente a QV das pessoas com tal quadro clínico33. Brazil AV, Ximenes AC, Radu AS, Fernades AR, Appel C, Maçaneiro CH, et al. Diagnóstico e tratamento das lombalgias e lombociatalgias. Rev Bras Reumatol. 2004;44(6):419-25.,44. Martins MR, Foss MH, Santos Junior R, Zancheta M, Pires IC, Cunha NA, et al. A eficácia da conduta do grupo de postura em pacientes com lombalgia crônica. Rev Dor. 2010;11(2):105-10..

A literatura também retrata que indivíduos com DL crônica têm maior medo de movimento, de atividade física e de se exercitarem, mostrando-se mais sensíveis à dor e temerosos da reincidência da lesão, portanto esses estudos enfatizam que o medo de movimento deve ser identificado e tratado precocemente em pacientes com lombalgia crônica, pois são preditores de pior evolução99. de Moraes Vieira EB, de Góes Salvetti M, Damiani LP, de Mattos Pimenta CA. Self-efficacy and fear avoidance beliefs in chronic low back pain patients: coexistence and associated factors. Pain Manag Nurs. 2013;S1524-9042. [Epub ahead of print].,1010. Lüning Bergsten C, Lundberg M, Lindberg P, Elfving B. Change in kinesiophobia and its relation to activity limitation after multidisciplinary rehabilitation in patients with chronic back pain. Disabil Rehabil. 2012;34(10):852-8.

Diante desse contexto, o objetivo deste estudo foi comparar dois grupos com DL, com e sem indicação cirúrgica, para compreender melhor o perfil, as diferenças e semelhanças desses dois grupos a fim de proporcionar medidas mais eficazes de intervenção em cada grupo.

MÉTODOS

Trata-se de estudo descritivo, exploratório, comparativo, de corte transversal com abordagem quantitativa realizada no Ambulatório da Clínica da Dor, Hospital de Base (FUNFARME/FAMERP). Foram incluídos indivíduos de ambos os gêneros, com nível cognitivo suficiente para entender os procedimentos e acompanhar as orientações dadas. Todos os pacientes incluídos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TLCE). Pacientes com doença psiquiátrica e ausência de acompanhamento clínico na Clínica da Dor do Hospital de Base foram excluídos.

Os pacientes foram alocados em dois grupos: o grupo teste (GT), com diagnóstico de dor lombar e indicação cirúrgica (n=15), e o grupo controle (GC) (n=20), com diagnóstico de dor lombar e sem indicação cirúrgica. O GC consistiu de indivíduos pareados para idade e nível educacional em relação ao GT.

A avaliação dos pacientes de ambos os grupos foi realizada utilizando-se a escala analógica visual (EAV)1111. Pimenta CAM. Escalas de avaliação de dor. In: Teixeira MD, (editor). Dor conceitos gerais. São Paulo: Limay; 1994. 46-56p., que consiste em aferir a intensidade da dor no paciente e é um importante instrumento para verificar sua evolução durante o tratamento e mesmo a cada atendimento de maneira mais fidedigna; o questionário de Morisky & Green1212. Morisky DE, Green LW, Levine DM. Concurrent and predictive validity of a self reported measure of medication adherence. Med Care. 1986;24(1):67-73. (TMG) para verificar a adesão ao tratamento. O TMG é composto de quatro perguntas para identificar atitudes e comportamentos frente à tomada de fármacos, e que se tem mostrado útil para a identificação de pacientes aderentes ou não ao tratamento. De acordo com o protocolo do TMG, é considerado aderente ao tratamento o paciente que obtém pontuação máxima de quatro pontos e não aderente o que obtém três pontos ou menos. Uma limitação do TMG é que avalia apenas a adesão ao tratamento farmacológico, não levando em consideração a adesão ao tratamento não farmacológico. Para avaliar a incapacidade do paciente com DL utilizou-se o TMG1313. Nusbaum L, Natour J, Ferraz MB, Goldenberg J. Translation, adaptation and validation of the Roland-Morris questionnaire--Brazil Roland-Morris. Braz J Med Biol Res. 2001;34(2):203-10. traduzido, adaptado e validado. Esse questionário é composto de 24 itens, que permeiam nos domínios de capacidade funcional, limitação por aspectos físicos, dor, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental. Cada item tem valor de um ponto, sendo o seu resultado a somatória de todos os itens assinalados, sendo a pontuação mínima de zero e a máxima de 24, o que traduz uma incapacidade funcional total. Também foi aplicado o Study Short Form 12 Health Survey (SF-12)1414. Andrade TL, Camelier AA, Rosa FW, Santos MP, Jezler S, Pereira e Silva JL. Aplicability of the 12-Item Short-Form Health Survey in patients with progressive systemic sclerosis. J Bras Pneumol. 2007;33(4):414-22. que é um questionário genérico de QV que, apesar de ser mais curto que o SF-36, mantém-se como uma alternativa válida. Essa ferramenta é uma boa opção para estudos de base populacional e também para o rastreamento de problemas de saúde. Apresenta uma estrutura baseada em 10 itens, extraídos dos domínios do SF-36 e 2 itens acrescentados para melhorar a estimativa dos 2 componentes criados a partir do SF-36. Os resultados são expressos por meio dos componentes (físico e mental), de forma normalizada, através de desvios padrões da média da população americana (Z escore, com média 50±10). Para avaliar o medo do movimento foi utilizada a Escala Tampa de Cinesiofobia (ETC)1515. Siqueira FB, Teixeira-Salmela LF, Magalhães LC. Análise das propriedades psicométricas da versão brasileira da escala tampa de cinesiofobia. Acta Ortop Bras. 2007;15(1):19-24., por se tratar de um dos instrumentos mais utilizados atualmente para avaliar a cinesiofobia. Essa escala consiste em um questionário autoaplicável, composto de 17 questões que abordam a dor e intensidade dos sintomas. Os escores variam de um a quatro pontos, sendo que a resposta "discorda totalmente" equivale a um ponto, "discorda parcialmente", a dois pontos, "concorda parcialmente", a três pontos e "concorda totalmente", a quatro pontos. Para obtenção do escore total final é necessária a inversão dos escores das questões 4, 8, 12 e 16. O escore final pode ser de, no mínimo, 17 e, no máximo, 68 pontos, sendo que, quanto maior a pontuação, maior o grau de cinesiofobia.

Na análise estatística os dados foram registrados em planilhas e analisados por meio de estatística descritiva. Para as perguntas de variáveis sim e não foi utilizado o teste McNemar para comparação do antes e depois, dentro de cada grupo, e entre os dois grupos foram avaliados as possíveis combinações de sim e não. As variáveis quantitativas foram avaliadas usando o teste T pareado ou o teste do Sinal quando recomendado. No caso de análise intergrupal usou-se o teste T para 2 amostras e o de Mann-Whitney. Finalmente, as variáveis ordinais passaram por análise através de testes não paramétricos, sendo que dentro do mesmo grupo utilizou-se o teste do Sinal e, na comparação entre os dois grupos o de Mann-Whitney. Os resultados estão apresentados em forma de tabelas, figura e descritivamente.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FAMERP, sob nº 2384/2010.

RESULTADOS

Neste estudo procurou-se identificar bons indicadores da autoavaliação de indivíduos com lombalgia com indicação cirúrgica, a fim de se obter um perfil mais completo deles e, assim, proporcionar medidas mais eficazes de intervenção. Observou-se que nos dois grupos houve predomínio do gênero feminino, média de idade de 38,8±6,5 anos no GT e no tocante à situação laboral, observou-se que a maior parte dos entrevistados de ambos os grupos não desempenhava atividade integral, ou estavam afastados, ou apenas desempenhavam atividade parcial, o que mostra a interferência da dor na atividade laboral. A tabela 1 ilustra as características dos dois grupos.

Tabela 1
Caracterização dos pacientes dos dois grupos estudados

Com relação à QV, utilizou-se o questionário SF-12, que é uma medida genérica e não tem como alvo uma faixa etária específica ou grupo de doenças. Os resultados são calculados usando a pontuação de 12 questões e escores de zero a 100, onde zero indica baixos níveis de QV e 100 altos níveis. Os resultados deste estudo estão expressos na figura 1. Nota-se que tanto a saúde física quanto a mental estão comprometidas no GT. Verifica-se que o GT tem QV inferior ao GC em ambos os componentes com diferença estatisticamente significativa (p<0,05).

Figura 1
Escore total dos componentes de saúde física (CSF) e mental (CSM) do questionário genérico de qualidade de vida SF-12 comparando os dois grupos

Em relação à EAV o GT apresentou maiores escores, indicando maiores índices de dor. No questionário Roland Morris, que expressa situações cotidianas e laborais que podem estar comprometidas pela lombalgia, a maior média foi de 11,92±2,50 com diferença significativa entre os grupos (p<0,05). A ETC, que mensura o medo de movimento e o medo de reincidência da lesão, apresentou maiores escores no GT com diferença estatisticamente significativa (Tabela 2).

Tabela 2
Valores médios da dor dos grupos estudados

Dos pacientes do GT avaliados pelo TMG 65% (n=9) não aderiram ao tratamento farmacológico prescrito. A relação TMG e gênero não apresentou diferença estatisticamente significativa (p>0,05).

DISCUSSÃO

A identificação de fatores biopsicossociais e de QV em pacientes com DL que irão se submeter a intervenção cirúrgica propicia um tratamento mais eficiente, diminuindo muitas vezes as complicações.

No presente estudo pode-se observar prevalência dos pacientes do gênero feminino, com idade entre 32 e 60 anos e situação laboral comprometida.

Estudos1616. Fanian H, Ghassemi GR, Jourkar M, Mallik S, Mousavi MR. Psychological profile of Iranian patients with low-back pain. East Mediterr Health J. 2007;13(2):335-46.,1717. Antunes RS, Macedo BG, Amaral TS, Gomes HA, Pereira LS, Rocha FL. Dor e cinesiofobia e qualidade de vida em pacientes com lombalgia crônica e depressão. Acta Ortop Bras . 2013;21(1):27-9. corroboram esses resultados que demonstram que as desordens musculoesqueléticas da coluna lombar são importantes problemas de saúde pública. Assim, devem-se formular estratégias de intervenção para o controle dessa morbidade.

Autores relatam que aproximadamente 50% das mulheres experimentam algum tipo de dor, geralmente em região lombar1717. Antunes RS, Macedo BG, Amaral TS, Gomes HA, Pereira LS, Rocha FL. Dor e cinesiofobia e qualidade de vida em pacientes com lombalgia crônica e depressão. Acta Ortop Bras . 2013;21(1):27-9., muitas vezes observada naquelas que ficam em pé ou sentadas durante longos períodos.

As mulheres, que são maioria neste estudo, podem ter apresentado maiores queixas de dor possivelmente em decorrência de algumas características anátomo-funcionais, tais como menor massa óssea, menor resistência muscular e articulações mais instáveis, e em função de sua força muscular ser 30% menor do que a dos homens, em média1616. Fanian H, Ghassemi GR, Jourkar M, Mallik S, Mousavi MR. Psychological profile of Iranian patients with low-back pain. East Mediterr Health J. 2007;13(2):335-46..

Alguns estudos1717. Antunes RS, Macedo BG, Amaral TS, Gomes HA, Pereira LS, Rocha FL. Dor e cinesiofobia e qualidade de vida em pacientes com lombalgia crônica e depressão. Acta Ortop Bras . 2013;21(1):27-9.,1818. Atalay A, Arslan S, Dinçer F. Psychosocial function, clinical status, and radiographic findings in a group of chronic low back pain patients. Rheumatol Int. 2001;21(2):62-5. mostram que quanto menor a idade menor a chance de ter DL, observando que com o aumento da idade há maior prevalência de lombalgia.

Com relação à presença de dor ao realizar atividade física verificada através da ETC este estudo revelou maior medo no GT. Alguns autores1818. Atalay A, Arslan S, Dinçer F. Psychosocial function, clinical status, and radiographic findings in a group of chronic low back pain patients. Rheumatol Int. 2001;21(2):62-5.,1919. Boersma K, Linton SJ. Psychological processes underlying the development of a chronic pain problem: a prospective study of the relationship between profiles of psychological variables in the fear-avoidance model and disability. Clin J Pain. 2006;22(2):160-6. tentam explicar que pouco se conhece sobre o mecanismo exato e os fatores que influenciam a cronicidade da DL e relatam que o modelo baseado em sinais e sintomas clínicos indica que a dor é proporcional à extensão da lesão tecidual. Entretanto, há evidências de que a persistência dos sintomas de dor não pode ser explicada apenas por achados clínicos objetivos e, para essa condição, uma abordagem baseada puramente no modelo clínico pode mostrar-se insuficiente. Também relatam que alguns indivíduos com dor musculoesquelética desenvolvem a síndrome da dor crônica, o "cognitive model of fear of movement/ (re) injury" proposto por Vlaeyen et al.2020. Vlaeyen JW, Kole-Snijders AM, Boeren RG, van Eek EH. Fear of movement/(re) injury in chronic low back pain and its relation to behavioral performance. Pain. 1995;62(3):363-72., que se fundamenta no medo da dor, ou seja, mais especificamente, no medo de que a atividade física possa causar dor e/ou reincidência da lesão. Duas respostas comportamentais opostas são postuladas, sendo que os indivíduos confrontadores enfrentam a dor na tentativa de melhora e acreditam que a presença da dor não justifica a limitação de suas atividades funcionais e os indivíduos evitadores têm medo do movimento e acreditam que a atividade está diretamente relacionada com a presença da dor. Esse comportamento evitador pode levar a distúrbios físicos e psicológicos que irão contribuir para a cronicidade da dor.

McCracken e Turk2121. McCracken LM, Turk DC. Behavioral and cognitive-behavioral treatment for chronic pain: outcome, predictors of outcome and treatment process. Spine. 2002;27(22):2564-73. também relataram que indivíduos com DL e indicação cirúrgica possuem comportamentos de solicitude que encorajam o repouso e estimulam esses indivíduos a reduzir atividades, reforçando comportamentos de evitação, o que aumenta o risco de dependência e incapacidade e compromete a QV.

Ao analisar a não adesão farmacológica na maioria dos pacientes do GT há relatos que esse fator constitui grande desafio tanto para o estado quanto para os profissionais de saúde, pois depende da implementação de programas multidisciplinares em todos os níveis de atendimento para que as intervenções sejam mais eficazes2222. Foss MH, Martins MRI, Ikehara E, Rampazo F, Tinti G, Detoni M, et al. Quality of life of employees with low back pain. Rev Dor. 2009;10(2):106-12..

CONCLUSÃO

O medo do movimento, a incapacidade funcional e a dor verificados no GT podem ter implicações na QV de indivíduos com DL que serão submetidos a intervenção cirúrgica.

Avaliar esses indivíduos com diversos instrumentos pode dar à equipe de saúde a real dimensão dos sintomas, levando-se em conta todos esses fatores para a implementação de modelos de atenção à saúde que incorporem estratégias diversas, individuais e coletivas, a fim de contribuir para condutas mais eficazes.

  • *
    Recebido da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto, SP, Brasil.
  • Fontes de fomento: Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC)/Cnpq.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2014

Histórico

  • Recebido
    19 Ago 2013
  • Aceito
    12 Maio 2014
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 cj 2, 04014-012 São Paulo SP Brasil, Tel.: (55 11) 5904 3959, Fax: (55 11) 5904 2881 - São Paulo - SP - Brazil
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