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Dores neuropáticas centrais

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A dor central, classificada como neuropática, é definida como uma síndrome dolorosa que decorre da lesão de estruturas no sistema nervoso central. Trata-se de uma das síndromes dolorosas mais complexas, intrigantes e de difícil tratamento. O objetivo deste estudo foi promover uma revisão narrativa que inclui desde o conceito de dor central, seus sintomas intercorrentes importantes no diagnóstico; e diversos tratamentos disponíveis, indicações, resultados e complicações.

CONTEÚDO:

Foi realizada uma seleção de artigos relevantes disponíveis nas plataformas Medline, Scielo, Biblioteca Cochrane e Pubmed nos últimos 10 anos, por meio dos descritores: dor crônica neuropática, dor neuropática central, dor central.

CONCLUSÃO:

A síndrome dolorosa central tem seu diagnóstico realizado por meio do exame clínico neurológico. É frequentemente refratária ao tratamento clínico e neuromodulatório e, portanto, deve ser multimodal e permitir a reabilitação.

Descritores:
Dor central; Dor crônica neuropática; Dor neuropática central

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Central pain, classified as neuropathic, is defined as a painful syndrome caused by injury to central nervous system structures. This is one of the most complexes, intriguing and difficult to treat syndromes. This study aimed at promoting a narrative review including the concept of central pain, its intercurrent symptoms which are important for the diagnosis, and different available treatments, indications, results and complications.

CONTENTS:

Relevant articles available in Medline, Scielo, Cochrane Library and Pubmed databases in the last 10 years were selected by means of keywords: chronic neuropathic pain, central neuropathic pain, central pain.

CONCLUSION:

Central painful syndrome is diagnosed by means of neurological clinical evaluation. It is often refractory to clinical and neuromodulatory treatment, its management should be multimodal and allow for rehabilitation.

Keywords:
Central neuropathic pain; Central pain; Chronic neuropathic pain

INTRODUÇÃO

A dor central (DC), classificada como uma dor neuropática (DN) é definida como uma síndrome dolorosa decorrente de lesão de estrutura do sistema nervoso central (SNC)11 Greenspan JD, Treede R, Tasker RR, Lenz FA. Central Pain States. In: Fishman SM, Ballantyne JC, Rathmell JP, editors. Bonica´s Management of Pain 4th ed. Lippincott: Williams and Wilkins; 2010. 357-74p.. Trata-se de uma das síndromes dolorosas mais complexas, intrigantes e de difícil tratamento, podendo se originar de qualquer tipo de lesão ao SNC, tais como, vasculares (isquemia ou hemorragia), acidente vascular cerebral isquêmico ou hemorrágico (AVCI, AVCH), infecciosa (abcesso, encefalite, mielite), desmielinizante esclerose múltipla (EM), traumática (cérebro ou medula), ou neoplásica. No entanto, seu surgimento decorre, na maior parte dos casos, de AVC, EM e lesão na medula22 Watson JC, Sandroni P. Central neuropathic pain syndromes. Mayo Clin Proc. 2016;91(3):372-85..

SINAIS E SINTOMAS

O diagnóstico da DC é particularmente desafiador em pacientes com comprometimento neurológico, havendo a necessidade de fazer diagnóstico diferencial com dores de origem musculoesquelética ou com neuropatias periféricas.

Em geral os descritores atribuídos são semelhantes ao das neuropatias periféricas. São comuns as queixas de queimação, frio doloroso, formigamento, agulhamento, pontada, lancetada, facada, aperto, e sensação de constrição. Soma-se ainda o prurido crônico na região, que é considerado um equivalente de dor. Ainda, deve-se levar em conta que alguns desses descritores podem compor quadros de dor musculoesquelética, nos pacientes com comprometimento neurológico prévio. Portanto, a presença ou ausência de tais sintomas não confirma ou afasta o diagnóstico33 Putzke JD, Richards JS, Hicken BL, Ness TJ, Kezar L, DeVivo M. Pain classification following spinal cord injury: the utility of verbal descriptors. Spinal Cord. 2002;40(3):118-27.. Diferentemente dos sinais e sintomas já descritos, a presença de alodínea (sensação dolorosa evocada por estímulo não doloroso), e hiperalgesia (sensação exagerada de dor evocada por estimulo doloroso de baixa intensidade), é mais específica para DN, porém, sua presença é menos comum em dores de origem central.

A DN central pode ser descrita ainda como contínua ou paroxística, pode ser espontânea ou evocada, ou pode se manifestar com uma combinação destas características, o que é mais frequente. Pode ser descrita também como superficial, profunda ou mista. Geralmente sua intensidade é descrita como de moderada a intensa, sendo por vezes limitante22 Watson JC, Sandroni P. Central neuropathic pain syndromes. Mayo Clin Proc. 2016;91(3):372-85.. As alterações de humor, presentes em 87% dos pacientes, e os distúrbios do sono, presentes em 50%, agregam grande morbidade ao quadro clínico da DC44 Jönsson AC, Lindgren I, Hallström B, Norrving B, Lindgren A. Prevalence and intensity of pain after stroke: a population based study focusing on patients' perspectives. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2006;77(5):590-5.,55 Siddall PJ, McClelland JM, Rutkowski SB, Cousins MJ. A longitudinal study of the prevalence and characteristics of pain in the first 5 years following spinal cord injury. Pain. 2003;103(3):249-57..

Durante a avaliação do paciente, deve ser pesquisada a presença de alteração da sensibilidade à picada e à temperatura. Uma vez que para o desenvolvimento da DC é mandatório que haja disfunção do trato espinotalâmico (via responsável pela condução destes estímulos), a ausência de alteração destas funções praticamente exclui o diagnóstico de DC22 Watson JC, Sandroni P. Central neuropathic pain syndromes. Mayo Clin Proc. 2016;91(3):372-85.. É importante lembrar que para ser classificada como central, a dor deve estar contida na área afetada pela lesão ao SNC, no entanto, não é obrigatório que toda área seja envolvida. É possível que outras áreas do corpo apresentem quadro de dor musculoesquelética decorrente da sobrecarga a que são submetidos para compensar o membro acometido.

A diferenciação entre DN de origem periférica e central deve ser feita a partir de dados da história clínica aliada a exame físico e eventualmente o emprego de exames complementares, como eletroneuromiografia (ENMG) e ressonância nuclear magnética (RNM), direcionado para a topografia da lesão.

A utilização de escalas para identificação de pacientes com DN é útil, e entre as mais utilizadas e validadas para o português estão o Questionário DN4 e a Escala de Dor LANNS (Leeds Assessment of Neuropathic Symptoms and Signs)66 Schestatsky P, Félix Torres V, Chaves ML, Câmara-Ehlers B, Mucenic T, Caumo W, et al. Brazilian Portuguese validation of the Leeds assessment of neuropathic symptoms and signs for patients with chronic pain. Pain Med. 2011;12(10):1544-50.. Há de se levar em conta que há limitação nestas escalas, tanto em sua sensibilidade, quanto em sua especificidade, que variam entre 70 e 80%22 Watson JC, Sandroni P. Central neuropathic pain syndromes. Mayo Clin Proc. 2016;91(3):372-85..

A dor de origem central tem grande variabilidade no momento do surgimento dos sintomas, podendo ocorrer desde o momento da lesão, assim como pode haver um hiato temporal de semanas, meses e até mesmo anos22 Watson JC, Sandroni P. Central neuropathic pain syndromes. Mayo Clin Proc. 2016;91(3):372-85.. Isto é especialmente comum em quadros de AVCI, EM e lesão medular, sendo que a última pode apresentar quadro de dor até cinco anos após a lesão inicial77 Andersen G, Vestergaard K, Ingeman-Nielsen M, Jensen TS. Incidence of central post-stroke pain. Pain. 1995;61(2):187-93.

8 Nasreddine ZS, Saver JL. Pain after thalamic stroke: right diencephalic predominance and clinical features in 180 patients. Neurology. 1997;48(5):1196-9.
-99 Kumar G, Soni CR. Central post-stroke pain: current evidence. J Neurol Sci. 2009;284(1-2):10-7..

A tabela 1 apresenta dados do inicio cronológico do quadro de dor central.

Tabela 1
Início cronológico de dor central pós-acidente vascular encefálico. Adaptado22 Watson JC, Sandroni P. Central neuropathic pain syndromes. Mayo Clin Proc. 2016;91(3):372-85.

FISIOPATOLOGIA

Como já descrito, a lesão da via espinotalâmico cortical, que transmite sensação de dor e temperatura, é essencial para o desenvolvimento do quadro clínico de dor central pós-AVC e pós-lesão espinhal1010 Finnerup NB, Johannesen IL, Fuglsang-Frederiksen A, Bach FW, Jensen TS. Sensory function in spinal cord injury patients with and without central pain. Brain. 2003;126(pt 1):57-70.. No entanto, a perda sensitiva decorrente da lesão dessa via não é suficiente para produzir a síndrome, o que é notável em pacientes que apresentam alguma forma de lesão no SNC e não desenvolvem DC.

Novas evidências sugerem que a hipersensibilidade secundária à desenervação de axônios sobreviventes do trato espinotalâmico assume papel de gatilho para o surgimento de dor, especialmente quando esta hipersensibilidade aparece em axônios que transmitem sensação térmica (particularmente de frio)77 Andersen G, Vestergaard K, Ingeman-Nielsen M, Jensen TS. Incidence of central post-stroke pain. Pain. 1995;61(2):187-93.,1111 Wasner G, Lee BB, Engel S, McLachlan E. Residual spinothalamic tract pathways predict development of central pain after spinal cord injury. Brain. 2008;131(pt 9):2387-400.. Evidência da importância destas vias hipersensíveis como geradores de dor pode ser demonstrada por meio da redução da dor abaixo do nível de lesão espinhal após uso de anestesia subaracnóidea1212 Loubser PG, Donovan WH. Diagnostic spinal anaesthesia in chronic spinal cord injury pain. Paraplegia. 1991;29(1):25-36..

Outro mecanismo que se mostra relevante no surgimento da DC pós-AVC, e pós-lesão espinhal, é a desinibição do tálamo medial decorrente da lesão do tálamo lateral, e consequente destruição de neurônios Gabaérgicos no núcleo talâmico póstero-lateral ventral. As informações sensitivas trazidas pelas vias sobreviventes, e pelas em recuperação, podem ser interpretadas no SNC como sensação dolorosa22 Watson JC, Sandroni P. Central neuropathic pain syndromes. Mayo Clin Proc. 2016;91(3):372-85.,99 Kumar G, Soni CR. Central post-stroke pain: current evidence. J Neurol Sci. 2009;284(1-2):10-7.. No entanto, enquanto que no pós-AVC esse tálamo anormal hiper-reativo pode ser entendido como centro gerador da dor, em lesões espinhais, as alterações talâmicas são decorrentes de sensibilização central decorrente da desinibição das vias nociceptiva ascendentes sobreviventes ao nível da lesão medular22 Watson JC, Sandroni P. Central neuropathic pain syndromes. Mayo Clin Proc. 2016;91(3):372-85..

SINDROMES DOLOROSAS ESPECÍFICAS

Dor pós-acidente vascular cerebral

O AVC está entre as principais causas de mortalidade no mundo. Anualmente, cerca de 16 milhões de pessoas são infligidas por esta doença, e dessas, até seis milhões vão a óbito. No Brasil, são registradas em torno de 68 mil mortes por ano decorrentes do AVC, o que a coloca como principal causa de morte neste país. Ainda, a incapacidade física e a dor crônica costumam se tornar a realidade de grande parte dos pacientes sobreviventes1313 Portal Brasil [homepage da internet]. Acidente vascular cerebral (AVC). Acesso em 30/04/2016. Disponível em http://www.brasil.gov.br/saude/2012/04/acidente-vascular-cerebral-avc
http://www.brasil.gov.br/saude/2012/04/a...
.

Como o AVC é o tipo mais prevalente de lesão ao SNC (mais frequente que esclerose múltipla ou lesões medulares, por exemplo), por consequência, a dor pós-AVC é a forma mais comum de DC, incidindo em 2 a 8% dos pacientes que sofrem da doença77 Andersen G, Vestergaard K, Ingeman-Nielsen M, Jensen TS. Incidence of central post-stroke pain. Pain. 1995;61(2):187-93.. Esta incidência é ainda maior entre pacientes que evoluíram com deficiência sensitiva e/ou motora, girando em torno de 18%1414 Klit H, Finnerup NB, Andersen G, Jensen TS. Central poststroke pain: a population-based study. Pain. 2011;152(4):818-24..

O risco de desenvolver DC é semelhante para AVCI ou AVCH, no entanto a topografia da lesão parece ser de relevância maior para seu desenvolvimento, com destaque para a região talâmica22 Watson JC, Sandroni P. Central neuropathic pain syndromes. Mayo Clin Proc. 2016;91(3):372-85.. O infarto talâmico é responsável por 25 a 33% dos casos de DC pós-AVC, sendo mais frequente quando envolve o núcleo talâmico póstero-ventral77 Andersen G, Vestergaard K, Ingeman-Nielsen M, Jensen TS. Incidence of central post-stroke pain. Pain. 1995;61(2):187-93.,88 Nasreddine ZS, Saver JL. Pain after thalamic stroke: right diencephalic predominance and clinical features in 180 patients. Neurology. 1997;48(5):1196-9.. Ainda, pacientes entre 58 e 67 anos parecem estar sob maior risco de desenvolver DC do que pacientes mais velhos, e dados sugerem que infartos ocorridos no lado direito do cérebro tem maior risco de cursar com DC22 Watson JC, Sandroni P. Central neuropathic pain syndromes. Mayo Clin Proc. 2016;91(3):372-85..

Dor pós-lesão medular

Esta síndrome ocorre mais frequentemente em pacientes jovens e do gênero masculino, com média de idade em torno de 38 anos quando da lesão, diferentemente da DC pós-AVC1515 National Spinal Cord Injury Statistical Center (homepage da internet. Spinal cord injury (SCI) facts and figures at a glance. Acessado em 30/04/. Disponível em: https://www.nscisc.uab.edu/PublicDocuments/reports/pdf/Facts%202011%20Feb%20Final.pdf
https://www.nscisc.uab.edu/PublicDocumen...
. No Brasil, a incidência de lesão medular é de 40 casos novos/ano/milhão de habitantes (ou seja, cerca de 6 a 8 mil casos novos por ano), ocorre mais frequentemente em indivíduos do gênero masculino (86%), com idade entre 20 e 40 anos (64%), acometendo mais comumente o segmento toracolombar (64%), e as causas mais comuns são quedas seguidas de acidentes automobilísticos, depois ferimentos por arma de fogo, mergulho em águas rasas e outras agressões1616 Ministério da Saúde (homepage da internet). Diretrizes de atenção a pessoa com lesão medular. Acesso em 01/05/2016. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_atencao_pessoa_lesao_medular.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
,1717 Campos MF, Ribeiro AT, Listik S, Pereira CA, Andrade SJ, Rapoport A. Epidemiologia do traumatismo da coluna vertebral. Rev Col Bras Cir. 2008;35(2):88-93..

O paciente com lesão medular pode desenvolver dores de diversas origens, tais como musculoesquelética (espasmos musculares, por exemplo); visceral (bexiga neurogênica, por exemplo); dores nociceptiva diversas (úlcera de decúbito, por exemplo); neuropática periférica decorrente de lesão das raízes nervosas originárias no nível da lesão ou do corno dorsal da medula; e DN que aparece abaixo do nível de lesão medular, sendo esta considerada DC22 Watson JC, Sandroni P. Central neuropathic pain syndromes. Mayo Clin Proc. 2016;91(3):372-85.. A compreensão do nível da lesão medular é importante para definição diagnóstica, pois para que uma dor seja considerada de origem central, por definição ela deve acometer regiões abaixo do nível da lesão medular. Estima-se que até 31% dos pacientes com lesão medular evoluirão com DC no decorrer de 12 meses do trauma, e outros 31% desenvolverão DN na altura da lesão, sendo essa mais comum nos primeiros meses após a lesão e com maior chance de resolução ao longo do tempo1818 Finnerup NB, Norrbrink C, Trok K, Piehl F, Johannesen IL, Sorensen JC, et al. Phenotypes and predictors of pain following traumatic spinal cord injury: a prospective study. J Pain. 2014;15(1):40-8.. As dores de origem neuromuscular, apesar de menos intensas, são bastante frequentes, ocorrendo em até 70% dos pacientes, e devem ser consideradas durante o tratamento e reabilitação destes pacientes55 Siddall PJ, McClelland JM, Rutkowski SB, Cousins MJ. A longitudinal study of the prevalence and characteristics of pain in the first 5 years following spinal cord injury. Pain. 2003;103(3):249-57..

Um dado negativo é que as dores relacionadas à lesão medular tendem a ser de difícil resolução, com a minoria dos pacientes evoluindo com melhora do quadro ao longo do tempo. Um estudo demonstrou que apenas 6% dos pacientes tiveram redução da dor, enquanto que metade dos pacientes relatou piora das dores, tanto em intensidade quanto em frequência, o que demonstra a gravidade desta doença1919 Störmer S, Gerner HJ, Grüninger W, Metzmacher K, Föllinger S, Wienke C, et al. Chronic pain/dysaesthesia in spinal cord injury patients: results of a multicenter study. Spinal Cord. 1997;35(7):446-55..

Dor relacionada à esclerose múltipla (EM)

A EM é uma doença crônica, progressiva, mais comum em jovens, de etiologia autoimune, em que placas de desmielinização causam disfunção de áreas do cérebro e medula. Estima-se que no mundo, 2,5 milhões de pessoas sejam portadoras de EM. No Brasil, dados da Associação Brasileira de Esclerose Múltipla apontam para uma prevalência de 5-20 portadores de EM para cada 100.000 habitantes2020 Associação Brasileira de Esclerose Múltipla (ABEM) (homepage da internet). Atlas em Esclerose Múltipla em 2013. Acesso em: 01/05/2016. Disponível em: http://abem.org.br/wp content/uploads/2016/02/Atlas_EM_2013_FINAL_ABEM_baixa.pdf
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. Existem várias formas de EM, no entanto, a forma remitente recorrente ocorre em até 85% dos casos, e se traduz pelo surgimento subagudo de disfunção neurológica, com melhora progressiva subsequente, e se segue por períodos onde não há deterioração neurológica. Nesses casos, pode haver ainda evolução para a forma progressiva secundária, onde a deterioração neurológica ocorre sem distinção de ataques, podendo ocorrer em até 80% destes pacientes. Ainda, até 10% dos pacientes abrem o quadro com forma progressiva primária, e 5% são diagnosticados com a forma progressiva recorrente. No entanto, independentemente do tipo de EM, frequentemente os pacientes acumulam diferentes níveis de disfunção neurológica, determinando o caráter progressivo da doença2020 Associação Brasileira de Esclerose Múltipla (ABEM) (homepage da internet). Atlas em Esclerose Múltipla em 2013. Acesso em: 01/05/2016. Disponível em: http://abem.org.br/wp content/uploads/2016/02/Atlas_EM_2013_FINAL_ABEM_baixa.pdf
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. A figura 1 mostra a prevalência da doença por países.

Figura 1
Prevalência de esclerose múltipla por país em 2013

A dor crônica é bastante prevalente na EM, variando entre 29 e 80%. Sendo que até 75% dos pacientes referem dor ao longo do mês em que o diagnóstico é feito22 Watson JC, Sandroni P. Central neuropathic pain syndromes. Mayo Clin Proc. 2016;91(3):372-85.. Assim como as síndromes dolorosas já descritas, a dor decorrente da EM tem origem multifatorial, tais como o imobilismo, a espasticidade tônica (6 a 19%), e úlceras de decúbito. O próprio tratamento da doença de base é causa de dor, uma vez que o interferon beta precipita crises de mialgia e dor no local das aplicações. A DN periférica é frequente, e em muitos casos, é o sintoma responsável por desencadear a investigação diagnóstica. A neuralgia do trigêmeo (NT) tem prevalência de até 6% em pacientes com EM, e destes, 14% tiveram este sintoma como primordial para o diagnóstico. A NT relacionada à EM, em geral ocorre nos pacientes mais jovens, podendo ser bilateral (12 a 28%), e dificilmente acomete V1 (ramo oftálmico do trigêmeo). Quando NT ocorre bilateralmente, o diagnóstico de EM deve ser presumido, e pesquisado22 Watson JC, Sandroni P. Central neuropathic pain syndromes. Mayo Clin Proc. 2016;91(3):372-85.,2121 Österberg A, Boivie J, Thuomas KA. Central pain in multiple sclerosis--prevalence and clinical characteristics. Eur J Pain. 2005;9(5):531-42..

O sinal de Lhermitte tem forte associação com o diagnóstico de EM, e está presente, em algum momento da evolução da doença, em até 41% dos casos2222 Nick ST, Roberts C, Billiodeaux S, David DE, Samanifekri B, Sahraian MA, et al. Multiple sclerosis and pain. Neurol Res. 2012;34(9):829-41.. Este sintoma consiste de uma sensação paroxística de choque ao longo da coluna (e às vezes dos membros) desencadeada pela flexão do pescoço. Esse decorre de um episódio agudo, ou subagudo, de desmielinização na coluna posterior da medula cervical, e em geral tem resolução dentro de algumas semanas. É importante ressaltar, que como não há acometimento do trato espinotalâmico, o sinal de Lhermitte não é considerado sintoma de dor central22 Watson JC, Sandroni P. Central neuropathic pain syndromes. Mayo Clin Proc. 2016;91(3):372-85..

A DC raramente aparece como sintoma inicial, ocorrendo em apenas 1-3% dos casos. Tem prevalência de 12 a 28% durante toda a vida do paciente, se inicia geralmente após um ano do inicio dos sintomas neurológicos na área acometida (perda de sensação de dor e temperatura), e pode ocorrer em vários locais simultaneamente. Em geral está associada a formas progressivas, doença avançada, em pacientes mais velhos e em pacientes com maior nível de disfunção2121 Österberg A, Boivie J, Thuomas KA. Central pain in multiple sclerosis--prevalence and clinical characteristics. Eur J Pain. 2005;9(5):531-42..

TRATAMENTO CONSERVADOR

A DC é de difícil tratamento, e como regra geral, o completo controle da dor é improvável. A dificuldade no controle do sintoma por vezes torna o tratamento frustrante tanto para o paciente quanto para o médico que o acompanha. Por esta razão, as metas de tratamento (como focar no ganho de função, ao invés da intensidade da dor) devem ser claramente discutidas com o paciente desde o primeiro encontro. Assim, por meio de uma estratégia farmacológica multimodal associada a terapias não farmacológicas é possível obter melhora na qualidade de vida dos pacientes e adquirir um ganho funcional.

É importante ressaltar que pequena redução na intensidade de de dor (30%) (2 pontos na escala verbal numérica de 0-10), teve correlação positiva com relato de melhora clinica sensível por parte dos pacientes2323 Farrar JT, Young JP Jr, LaMoreaux L, Werth JL, Poole RM. Clinical importance of changes in chronic pain intensity measured on an 11-point numerical pain rating scale. Pain. 2001;94(2):149-58.. Ou seja, a busca obstinada por cessar a dor não é necessária, e é até desaconselhável, pois pode levar o clínico a elevar as doses de analgésicos a níveis tais, que os efeitos adversos se tornem fator limitante da qualidade de vida dos pacientes.

Antes de discutir a terapia farmacológica, alguns aspectos específicos do paciente portador de DC devem ser reiterados. Estes pacientes trazem como consequência de suas doenças de base diferentes níveis de comprometimento neurológico, seja físico, comportamental, e/ou de linguagem, portanto, eles podem ter menor tolerância a fármacos cujos efeitos adversos incluam tontura, ataxia, confusão mental ou sedação. Ainda, estes pacientes em geral são submetidos a uma gama variada de fármacos para tratamento da lesão do SNC, o que os põe em risco relevante para interações farmacológicas graves. Adicionalmente, estes pacientes em geral têm quadros de depressão e ansiedade que devem ser levados em consideração no planejamento do tratamento.

De maneira geral, a terapia farmacológica para DC inclui as mesmas classes de fármacos utilizados para o tratamento de DN, tais como anticonvulsivantes, antidepressivos tricíclicos, antidepressivos duais, e eventualmente, opioides. A tabela 2 resume as evidências referentes ao tratamento farmacológico para dor central. Algumas vezes é necessário lançar mão de um analgésico potente como adjuvante no tratamento, especialmente se outras causas de dor, como as musculoesqueléticas, estiverem corroborando para o quadro clínico. Neste cenário, um opioide possível seria a metadona, que possui suas características farmacológicas (bloqueio NMDA e inibição da recaptação de noradrenalina e serotonina) que a tornam mais adequada para estes casos2424 Trafton JA, Ramani A. Methadone: a new old drug with promises and pitfalls. Curr Pain Headache Rep. 2009;13(1):24-30.,2525 McNicol ED, Midbari A, Eisenberg E. Opioids for neuropathic pain. Cochrane Database Syst Rev. 2013;29;8:CD006146.. Os canabinóides se mostraram particularmente efetivos nos pacientes com EM, tanto no tratamento de dor quanto de espasticidade2626 Svendsen KB, Jensen TS, Bach FW. Does the cannabinoid dronabinol reduce central pain in multiple sclerosis? Randomized double blind placebo controlled crossover trial. BMJ. 2004;329(7460):253-60.,2727 Ungerleider JT, Andyrsiak T, Fairbanks L, Ellison GW, Myers LW. Delta-9-THC in the treatment of spasticity associated with multiple sclerosis. Adv Alcohol Subst Abuse. 1987;7(1):39-50..

Tabela 2
Resumo das evidências científicas para terapia farmacológica para os tipos mais comuns de dor central. Adaptado22 Watson JC, Sandroni P. Central neuropathic pain syndromes. Mayo Clin Proc. 2016;91(3):372-85.

Além da terapia farmacológica, é de suma importância o início precoce de reabilitação física associada à fisioterapia analgésica. Medidas não farmacológicas como terapia com espelho e terapia com imersão em realidade virtual são recomendadas para pacientes com dor pós-AVC e decorrente de EM, e a estimulação transcraniana em pacientes com dor pós-lesão medular são exemplos de abordagens indicadas como adjuvantes no tratamento2828 Castelnuovo G, Giusti EM, Manzoni GM, Saviola D, Gatti A, Gabrielli S, et al. Psychological treatments and psychotherapies in the neurorehabilitation of pain: evidences and recommendations from the Italian Consensus Conference on Pain in Neurorehabilitation. Front Psychol. 2016;7:115..

TRATAMENTO CIRÚRGICO DAS DORES NEUROPÁTICAS CENTRAIS

O desenvolvimento de fármacos com maior potência, seletividade, farmacocinética e farmacodinâmica mais apropriada, tornaram as indicações de procedimentos cirúrgicos para controle da dor naturalmente menos frequentes. Os procedimentos cirúrgicos, no entanto, continuam úteis em um número considerável pacientes com dores refratárias à farmacoterapia, ou mesmo pelos efeitos adversos que inviabilizam seu uso.

Os procedimentos ablativos visam a interromper as vias da dor por lesão seletiva de estruturas desde os nervos periféricos, raízes e gânglios nervosos, cordões medulares e vias ascendentes e estruturas do encéfalo como núcleos do tálamo ou mesencéfalo. A lesão de estruturas do sistema límbico também atua na diminuição dos componentes cognitivos e emocionais associados a dor, que causam sofrimento ao indivíduo. A seguir alguns procedimentos mais comumente utilizados.

DREZotomia ou lesão do trato de Lissauer/Corno Posterior da Medula Espinhal (CPME)

Consiste na lise, por radiofrequência, do trato de Lissauer e da substância cinzenta do corno posterior da medula espinhal, onde há hiperatividade neuronal em casos de dor por desaferentação ou espasticidade. É realizada para o tratamento da dor no membro fantasma, da dor resultante de neuropatias plexulares actínicas, oncológicas e traumáticas, neuralgia pós-herpética, dor mielopática e por lesão da cauda equina e da espasticidade, dor por avulsão de raízes nervosas, DN ou por nocicepção, oligocircunscrita por desaferentação. Esse procedimento reduz a hiperatividade das vias nociceptivas dos tratos ascendentes da medula espinhal porque inativa neurônios hiperativos das lâminas l, II, III, IV, V e VI do CPME e o trato de Lissauer que estão envolvidos nos mecanismos de facilitação e de inibição da atividade dos neurônios do CPME, assim como as vias ascendentes que trafegam pelo quadrante póstero-lateral da medula espinhal. Isso permite modificar o balanço entre as vias excitatórias e inibitórias dos circuitos neuronais segmentares desaferentados2929 Thomas DG. Dorsal root entry zone (DREZ) thermocoagulation. Adv Tech Stand Neurosurg. 1986;15:99-114..

A lesão do trato de Lissauer e do CPME é mais eficaz e segura quando indicada no tratamento de pacientes com áreas de desaferentação extensas, como em casos de avulsão de raízes do plexo braquial, neuropatia plexular actínica, dor segmentar em pacientes paraplégicos com mielopatia ou com lesão de cauda equina e cone medular2929 Thomas DG. Dorsal root entry zone (DREZ) thermocoagulation. Adv Tech Stand Neurosurg. 1986;15:99-114..

Mesencefalotomia

Este procedimento visa a interrupção das vias espinorreticulo-talâmicas que estão envolvidas na manutenção da sensação desagradável nos pacientes com DN. Spiegel e Wycis3030 Spiegel EA, Wycis HT. Mesencephalotomy in treatment of intractable facial pain. AMA Arch Neurol Psychiatry. 1953;69(1):1-13. foram os primeiros a realizar a mesencefalotomia para o tratamento da DC. Há melhora prolongada em 77,8% dos pacientes com DN que se submetem a mesencefalotomia ou talamotomia basal durante períodos de tempo que variam de 2 meses a 8 anos.

A mesencefalotomia alivia inicialmente ou parcialmente a DC encefálica de 65% dos pacientes. Em longo prazo, há alívio de 20 a 66,7% dos casos e melhora de 30%. A mortalidade é de 7,4%. Os melhores resultados são obtidos quando as lesões são realizadas no plano da comissura posterior, onde com grande frequência, gera alterações oculomotoras, contrastando com as lesões realizadas no plano do colículo superior onde estas complicações ocorrem em 23 a 54% dos casos. Tasker3131 Tasker RR. Mesencephalotomy for cancer pain. J Neurosurg. 1992;76(6):1052-3. observou alívio da dor em 50% de seus 10 casos com DC submetido à tratotomia mesencefálica. Em nove casos, ocorreu melhora temporária. Nenhum apresentou complicações sérias. Outros não notaram eficácia de tal método. Shieff e Nashold3232 Shieff C, Nashold BS Jr. Stereotactic mesencephalotomy. Neurosurg Clin N Am. 1990;1(4):825-39. concluíram que a DC da síndrome talâmica, síndrome bulbar lateral, disestesia pós-cordotomia, dor fantasma por arrancamento das raízes do plexo braquial e a neuralgia pós-herpética, podem ser aliviadas em 50% dos casos com a mesencefalotomia estereotática.

As complicações mais comuns da mesencefalotomia são a sonolência e a dissinergia da motricidade ocular, geralmente temporários. A complicação que pode se apresentar de forma permanente, em 30% dos pacientes, é a paresia do olhar conjugado para cima.

Talamotomia

Este procedimento consiste na lesão das unidades espinotalâmicas e paleoespinotalâmicas por meio da lesão dos núcleos talâmicos inespecíficos. Está indicada nos casos de dor por nocicepção e por desaferentação em amplas regiões do organismo, especialmente quando localizada no segmento crânio-cervical e braquial e em pacientes em que há contraindicações para a realização de cordotomias3333 Hitchcock ER, Teixeira MJ. A comparison of results from center-median and basal thalamotomies for pain. Surg Neurol. 1981;15(5):341-51.. No passado, a talamotomia do núcleo dorso-mediano e núcleos anteriores do tálamo foram amplamente utilizados por vários autores com a finalidade de modificar as anormalidades emocionais associadas à dor. Entretanto, devido às complicações, especialmente da esfera mental, esta técnica foi abandonada3333 Hitchcock ER, Teixeira MJ. A comparison of results from center-median and basal thalamotomies for pain. Surg Neurol. 1981;15(5):341-51..

As lesões devem ser amplas e localizadas no núcleo centro-mediano, parafascicular, limitans e núcleos intralaminares do tálamo (núcleos talâmicos inespecíficos) envolvidos manutenção da dor. Portanto, as lesões devem envolver as vias e as unidades paleoespinotalâmicas3333 Hitchcock ER, Teixeira MJ. A comparison of results from center-median and basal thalamotomies for pain. Surg Neurol. 1981;15(5):341-51..

A talamotomia alivia temporariamente a DN (neuropatias periféricas, mielopatias e encefalopatias) em 40 a 70% dos casos e a dor causada por câncer em 90%. Os resultados, entretanto, frequentemente são insatisfatórios em longo prazo. Quando as lesões são pequenas, há melhora em menos de 30% dos casos. Os melhores resultados parecem ser observados em casos de lesões bilaterais3333 Hitchcock ER, Teixeira MJ. A comparison of results from center-median and basal thalamotomies for pain. Surg Neurol. 1981;15(5):341-51..

Estimulação do córtex motor

A estimulação do córtex motor (ECM) tem se mostrado promissora em particular no tratamento da DN trigeminal e síndromes de DC pós-AVC, como síndrome de dor talâmica, avulsão de plexo braquial entre outras. Desde os primeiros experimentos, a estimulação do córtex motor produziu melhores resultados do que a estimulação do córtex sensitivo. Várias casuísticas sequências mostraram bons resultados do ECM no tratamento de síndromes dolorosas intratáveis, incluindo pós-AVC, dor do membro fantasma, dor de lesão medular, neuralgia pós-herpética e DN dos membros na face. A maioria dos estudos envolvendo ECM foca seu uso em pós-AVC e neuropatia trigeminal, para os quais existem poucos tratamentos eficazes. A dor pós-AVC responde bem a ECM, pois cerca de dois terços dos pacientes que alcançaram alívio satisfatório. Os resultados de ECM no tratamento de dor neuropática trigeminal são muito interessantes, pois mostraram que 75 a 100% de pacientes alcançaram bom a excelente alívio da dor3434 Fonoff ET, Hamani C, Ciampi de Andrade D, Yeng LT, Marcolin MA, et al. Pain relief and functional recovery in patients with complex regional pain syndrome after motor cortex stimulation. Stereotact Funct Neurosurg. 2011;89(3):167-72..

Embora a maioria dos estudos não relatasse eventos adversos após estimulação do córtex motor, algumas complicações complicações foram descritas dentre elas hemorragias intracranianas, infecção e déficits neurológicos permanentes. A indução de crises convulsivas também foi relatada dependendo da intensidade e frequência da estimulação que favorecem tais eventos quando se aproximam do limiar motor. No entanto, não há em geral progressão ou desenvolvimento de epilepsia3434 Fonoff ET, Hamani C, Ciampi de Andrade D, Yeng LT, Marcolin MA, et al. Pain relief and functional recovery in patients with complex regional pain syndrome after motor cortex stimulation. Stereotact Funct Neurosurg. 2011;89(3):167-72.,3535 Fontaine D, Hamani C, Lozano A. Efficacy and safety of motor cortex stimulation for chronic neuropathic pain: critical review of the literature. J Neurosurg. 2009;110(2):251-6..

Não há, até o momento, estudos prospectivos que demonstrem conclusões definitivas sobre a eficácia geral e especifica da ECM. Há opiniões divergentes na literatura relativa à técnica cirúrgica, programação de parâmetros de estimulação e seleção dos pacientes. No entanto, ECM parece ser um procedimento neuromodulatório relativamente seguro e eficaz para pacientes selecionados3535 Fontaine D, Hamani C, Lozano A. Efficacy and safety of motor cortex stimulation for chronic neuropathic pain: critical review of the literature. J Neurosurg. 2009;110(2):251-6..

Estimulação cerebral profunda (ECP)

Na década de 1970 outros autores (Mazars, 1973) relataram a primeira experiência do uso de estimulação crônica nos núcleos sensoriais do tálamo para o tratamento de DN3636 Mazars G, Mérienne L, Ciolocca C. [Intermittent analgesic thalamic stimulation. Preliminary note]. Rev Neurol (Paris). 1973;128(4):273-9.. Outros autores relataram sucesso em longo prazo com a estimulação talâmica somestésica e mais tarde o alvo utilizado foi substância cinzenta periaquedutal (PAG) e periventricular (PVG) do III ventrículo3737 Lara NA Jr, Teixeira MJ, Fonoff ET. Long term intrathecal infusion of opiates for treatment of failed back surgery syndrome. Acta Neurochir Suppl. 2011;108:41-7..

Na literatura recente, uma meta-análise foi realizada para determinar a eficácia da ECP para o tratamento da dor crônica. Os artigos analisados demonstravam resultados em longo prazo somando um total de 1.114 pacientes. Dos pacientes, 561 (50%) apresentaram alívio da dor em longo prazo com ECP. As taxas de bons resultados em longo prazo variaram entre 19 e 79%, demonstrando uma perda de eficácia em longo prazo. Um total de 711 pacientes apresentava DN, dos quais 296 (42%) tiveram alivio mantido em longo prazo. Dos 443 pacientes com dor nociceptiva, 272 (61%) contaram com sucesso a longo prazo3535 Fontaine D, Hamani C, Lozano A. Efficacy and safety of motor cortex stimulation for chronic neuropathic pain: critical review of the literature. J Neurosurg. 2009;110(2):251-6..

Entre as complicações da estimulação cerebral profunda, a hemorragia intracraniana é a complicação mais significativa e potencialmente grave. Pode ocorrer no momento da inserção ou remoção do eletródio. A incidência de hemorragia varia entre 1,9 e 4,1%. Déficits neurológicos permanentes ocorreram em 14 dos 649 pacientes registrados, com a incidência de tais complicações variando de 2,0 para 3,4%. Mortalidade relacionada a este procedimento é rara desde 0 a 1,6%. A incidência de complicações infecciosas de ECP varia entre 3,3 e 13,3%3535 Fontaine D, Hamani C, Lozano A. Efficacy and safety of motor cortex stimulation for chronic neuropathic pain: critical review of the literature. J Neurosurg. 2009;110(2):251-6..

A ECP demonstrou seus melhores resultados no tratamento de cefaleia em salva e síndromes nociceptivas, tais como dor lombar crônica; enquanto síndromes de dor central encefálica pós-AVC, neuralgia pós-herpética e dor mielopática não responderam bem a ECP. ECP apenas deve ser considerada após haver falha de tratamentos conservadores, incluindo métodos de neuroestimulação menos invasivos3535 Fontaine D, Hamani C, Lozano A. Efficacy and safety of motor cortex stimulation for chronic neuropathic pain: critical review of the literature. J Neurosurg. 2009;110(2):251-6..

Infusão de fármacos analgésicos por via subaracnóidea

Nesta última década esta tendência teve parcial reversão com o uso de sistemas implantáveis para liberação de fármacos analgésicos (em geral opioides) no SNC (intraventricular, cisternal e subaracnóideo lombar), associadamente as dificuldades da formação de profissionais habilitados em estereotaxia.

As bombas possuem um reservatório de fármacos que conferem variável autonomia aos pacientes, dependendo da dose e de seu uso. Podem ser acionadas por meio de pressão permanente da expansão de gases, e por bombeamento eletrônico computadorizado e telemetricamente comandado. Podem liberar os fármacos no espaço subaracnóideo, cisternal e intraventricular. A liberação subaracnóidea é a mais eficaz, pois a dose necessária para o controle da dor é a menor possível e com isso em geral não há fármaco na circulação sistêmica3737 Lara NA Jr, Teixeira MJ, Fonoff ET. Long term intrathecal infusion of opiates for treatment of failed back surgery syndrome. Acta Neurochir Suppl. 2011;108:41-7..

Os resultados foram excelentes em 50% dos casos de DN central e bons nos demais, durante período de seguimento com duração média de 21 meses; os efeitos adversos foram raros e não houve infecção ou problemas operacionais com o sistema implantado. Em nosso meio, os resultados têm sido reportados como satisfatórios em diversos tipos de DN refratária a fármaco oral reafirmando o método para o tratamento de sindromes dolorosas de difícil controle clínico e mesmo cirúrgico3737 Lara NA Jr, Teixeira MJ, Fonoff ET. Long term intrathecal infusion of opiates for treatment of failed back surgery syndrome. Acta Neurochir Suppl. 2011;108:41-7.,3838 Valverde-Filho J, da Cunha Neto MB, Fonoff ET, Meirelles Ede S, Teixeira MJ. Chronic spinal and oral morphine-induced neuroendocrine and metabolic changes in noncancer pain patients. Pain Med. 2015;16(4):715-25.. No entanto existem efeitos adversos desde aqueles relacionados diretamente aos efeitos do fármaco em receptores centrais como efeito no eixo hipotálamo hipófise com alterações hormonais e do metabolismo ósseo.

CONCLUSÃO

A DC é bastante frequente em pacientes que sofreram algum tipo de lesão no SNC, no entanto é de difícil diagnóstico, e seu tratamento é desafiador. É necessário encontrar o equilíbrio entre a melhor analgesia possível e a manutenção da capacidade cognitiva e funcional desejável, proporcionando boa qualidade de vida a despeito das limitações impostas pela disfunção neurológica.

  • Fontes de fomento: não há.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016
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