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Exames complementares na investigação da dor neuropática. O valor da eletroneuromiografia na dor neuropática

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

Dor neuropática é definida como a dor causada por lesão ou doença envolvendo o sistema somatossensitivo. Disfunções em regiões anatômicas responsáveis pelo processamento da dor podem envolver componentes do sistema nervoso periférico e central. Uma anamnese cuidadosa e um exame clínico com particular atenção na propedêutica neurológica são fundamentais para o diagnóstico sindrômico, anatômico e etiológico das dores neuropáticas. Entretanto, o diagnóstico nem sempre é simples e frequentemente depende do auxílio de exames complementares. O objetivo deste capítulo foi rever os exames complementares mais usados na prática clínica para o auxílio diagnóstico na dor neuropática.

CONTEÚDO:

O exame eletroneuromiográfico tem sua principal indicação no diagnóstico topográfico, etiológico e prognóstico das afecções do sistema nervoso periférico e no diagnóstico diferencial entre afecções neurogênicas, miopáticas e da junção neuromuscular. Ele pode fornecer informações em tempo real do que está ocorrendo no nervo e no músculo, sendo de fundamental importância no diagnóstico diferencial das afecções neuromusculares. Existem várias modalidades não invasivas de estudo por imagem que podem auxiliar no diagnóstico de quadros de dores neuropáticas. Alguns métodos por imagem como a tomografia computadorizada, ressonância magnética, pela sua resolução espacial, fornecem detalhamento sobre as estruturas anatômicas. Outros métodos como a tomografia computadorizada por emissão de pósitrons, ressonância magnética funcional fornecem além do detalhamento anatômico, dados sobre mensurações metabólicas e funcionais. Além disso, técnicas de imagem como espectroscopia e tensor de difusão por ressonância magnética, permitem estudar alterações bioquímicas e conectividades cerebrais com diferentes resoluções temporais e espaciais. Outros exames complementares como teste de quantificação sensitiva e microneurografia são pouco utilizados na prática clínica.

CONCLUSÃO:

Exames complementares, em conjunto com uma anamnese cuidadosa e exame neurológico focado na propedêutica neurológica, podem fornecer dados importantes para o diagnóstico de dor neuropática e são frequentemente utilizados na prática clínica.

Descritores:
Dor neuropática; Eletroneuromiografia; Exames complementares; Neuroimagem

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Neuropathic pain is defined as pain induced by injury or disease involving the somatosensory system. Dysfunctions in anatomic regions responsible for the processing of pain may involve peripheral and central nervous system components. A careful history and clinical evaluation with special attention to neurologic propaedeutics are critical for the syndromic, anatomic and etiologic diagnosis of neuropathic pain. However, diagnosis is not always simple and often depends on additional tests. This chapter aimed at reviewing most commonly used additional tests in the clinical practice to help diagnosing neuropathic pain.

CONTENTS:

Electroneuromyography is primarily indicated for topographic, etiologic and prognostic diagnosis of peripheral nervous system diseases and for the differential diagnosis between neurogenic, myopathic and neuromuscular junction diseases. It gives real time information on what is going on in the nerve and the muscle, being fundamentally important for differential neuromuscular disease diagnosis. Some imaging methods, such as computerized tomography and magnetic resonance, for their spatial resolution, give details of anatomic structures. Other methods, such as positron emission tomography scan and functional magnetic resonance, in addition to anatomic details, also provide data on metabolic and functional measurements. In addition, imaging techniques such as spectroscopy and diffusion tensor magnetic resonance, allow the study of brain biochemical changes and conectivities with different temporal and spatial resolutions. Other additional tests, such as sensory quantification test and microneurography are seldom used in the clinical practice.

CONCLUSION:

Additional tests, together with careful history and neurological evaluation focused on neurologic propaedeutics, may provide important data for the diagnosis of neuropathic pain and are often used in the clinical practice.

Keywords:
Additional tests; Electroneuromyography; Neuroimaging; Neuropathic pain

INTRODUÇÃO

Dor neuropática (DN) é definida como a dor causada por lesão ou doença envolvendo o sistema somatossensitivo1Bouhassira D, Attal N. Translational neuropathic pain research: a clinical perspective. Neuroscience. 2016; [Epub ahead of print].,22 Baron R, Binder A, Wasner G. Neuropathic pain: diagnosis, pathophysiological mechanisms, and treatment. Lancet Neurol. 2010;9(8):807-19.. Disfunções em regiões anatômicas responsáveis pelo processamento da dor podem envolver componentes do sistema nervoso periférico e central (SNP, SNC). Uma neuropatia periférica com DN exemplifica uma lesão do SNP, enquanto a dor secundária à lesão do tálamo, uma lesão do SNC causando DN.

A DN é uma condição de interesse pela sua alta prevalência, cerca de 7-8% na população geral, e é responsável por 20-25% dos casos de dor crônica22 Baron R, Binder A, Wasner G. Neuropathic pain: diagnosis, pathophysiological mechanisms, and treatment. Lancet Neurol. 2010;9(8):807-19.. A condição é caracterizada por um conjunto de fenômenos tanto positivos (dor, parestesias, disestesias) como negativos (perda de sensibilidade, alterações motoras, cognitivas), dependendo da localização da lesão. Uma anamnese cuidadosa e um exame clínico com particular atenção na propedêutica neurológica são fundamentais para o diagnóstico sindrômico, anatômico e etiológico das dores neuropáticas. Não existe nenhum exame complementar que isoladamente seja capaz de diagnosticar a DN. O diagnóstico é eminentemente clínico, baseado na história e exame físico. Porém, alguns exames complementares podem confirmar a presença da causa subjacente ao quadro doloroso, desta maneira diferenciando a DN da dor disfuncional, uma condição caracterizada por dor na ausência de lesões somáticas, viscerais ou neurológicas identificáveis. Exames de imagem podem, por exemplo, evidenciar lesões em regiões importantes para o processamento central da dor (tronco cerebral, tálamo, córtex sensitivo primário, giro do cíngulo anterior, insula, medula espinhal). Um dos principais exames complementares na investigação etiológica dos quadros de DN é a eletroneuromiografia (ENMG). O exame avalia a função das fibras mielinizadas mais grossas do SNP, por meio de medidas das velocidades de condução dos nervos e da eletromiografia33 Schestatsky P. Definição diagnóstico e tratamento da dor neuropática. Rev HCPA 2008;28(3):177-87.. Uma limitação importante é que a ENMG tem dificuldade em avaliar a função das fibras mielinizadas finas e não mielinizadas, pois estas são responsáveis pelo transporte de informações relacionadas às sensações de dor e temperatura.

EXAMES COMPLEMENTARES

Eletroneuromiografia

A eletroneuromiografia (ENMG) tem sua principal indicação no diagnóstico topográfico, etiológico e prognóstico das afecções do SNP e no diagnóstico diferencial entre afecções neurogênicas, miopáticas e da junção neuromuscular44 Aminoff MJ. Electromyography in clinical practice. 2nd ed. New York: Churchill Livingstone; 1987. (Figura 1). A ENMG divide-se em duas partes: o estudo da condução nervosa: eletroneurografia (ENG)55 Downie A W. Studies in nerve conduction. ln: Walton JN (ed.). Disorders of voluntary musck. 3nd ed. Edinburgh: Churchill; 1974. 973-1002p. e a eletromiografia de agulha (EMG).

Figura 1
O objetivo do estudo eletrodiagnóstico é determinar se há alguma anormalidade e o local lesional ao longo do trajeto do sistema nervoso periférico

A ENMG é um importante método para o diagnóstico diferencial das muitas desordens dos músculos e dos nervos, ao passo que a tomografia computadorizada (TC) e ou a ressonância nuclear magnética (RNM) são apenas fotografias sofisticadas, a ENMG fornece informações no tempo real do que está ocorrendo no nervo e no músculo, e em conjunto com os exames de imagem auxiliam no correto diagnóstico das afecções neuromusculares66 Johnson EW. Practical electromyography - 4th ed. Lippincott Williams & Wilkins, 1997..

Estudos eletrodiagnósticos são essenciais em estabelecer um diagnóstico correto de determinadas doenças não visualizadas por meio do exame de imagem e de uma maneira geral podem-se considerar a indicação da ENMG quando se depara com diminuição da sensibilidade (hipoestesia); sensação de choques e formigamento (parestesias); dores (algias); fraqueza (paresia); fadiga precoce; incoordenação (ataxia); diminuição da massa muscular (amiotrofia), câimbras e ou fasciculações; reflexos profundos diminuídos ou abolidos (hipo ou arreflexia miotática)77 Kimura J. Nerve conduction and electromyography. In: Dick PJ, Thomas PK, Lambert EH, Bunge R, (eds.). Peripheral neuropathy. 2nd ed. Philadelphia: Saunders; 1984. 919-66p.,88 Kimura J. Electrodiagnostic in diseases of nerve and muscle: principles and practice. 2nd ed. Philadelphia: Davis; 1989..

O estudo eletrodiagnóstico é utilizado para fornecer o diagnóstico correto; localizar o nível lesional; conciliar o tratamento com a correção diagnóstica; fornecer informações a respeito do prognóstico44 Aminoff MJ. Electromyography in clinical practice. 2nd ed. New York: Churchill Livingstone; 1987.,55 Downie A W. Studies in nerve conduction. ln: Walton JN (ed.). Disorders of voluntary musck. 3nd ed. Edinburgh: Churchill; 1974. 973-1002p.,99 Victor M, Ropper H. Adams and Victor's - Principles of neurology. 7th ed. New York: McGraw-Hill; 2001..

Logo após a anamnese e o exame neurológico o médico deverá desenvolver um diagnóstico diferencial que o auxiliará quais os segmentos de nervos e músculos que deverão ser testados (Figura 2).

A figura 1 é um resumo do processo na execução do estudo eletrodiagnóstico.

Figura 2
Algoritmo no planejamento da eletroneuromiografia

Exemplos de possíveis locais lesionais e o diagnóstico diferencial mais comumente encontrados incluem:

  • Corno anterior da medula: esclerose lateral amiotrófica;

  • Raízes: radiculopatia cervical ou lombossacral;

  • Plexopatias: síndrome de Parsonage Turner ou desfiladeiro torácico;

  • Axonal: neuropatia tóxica e ou autoimune (PRN axonal - AMSAN);

  • Desmielinizante: metabólica (diabetes mellitus), autoimune (PRN - síndrome Guillain Barré), degenerativas (CMT - I);

  • Junção neuromuscular: miastenia gravis, síndrome Lambert-Eaton, botulismo;

  • Muscular: polimiosite, distrofias musculares, paralisia periódica.

Com o objetivo de obter o máximo de informações e realizar a ENMG com o mínimo de desconforto para o paciente é importante ter em mente a sequência temporal dos eventos que ocorrem quando o nervo responde a uma lesão (Tabela 1). Se o exame for realizado muito precocemente poderá ser falso-negativo. Reinervação axonal tem um ritmo de crescimento de cerca de 1mm por dia (cerca de 2,5cm por mês) e está sendo realizado um estudo serial para o prognóstico, será necessário espaçar o tempo da ENMG de acordo com a taxa de regeneração axonal.

Tabela 1
Sequência temporal das anormalidades eletroneuromiográficas pós--traumáticas

Nos casos de suspeita de miopatia é fundamental a colheita de enzimas musculares previamente a realização da ENMG, devido ao trauma muscular de inserção da agulha de eletromiografia em múltiplos pontos e consequente elevação sérica secundária de enzimas musculares, geralmente de leve intensidade. Ainda nos casos de suspeita de miopatia o eletromiografista indicará o melhor local para biópsia muscular1010 Weiss L. Easy EMG. Edited by Butterworth Heinemann, 2004.. Devido aos múltiplos pontos traumáticos nos locais das inserções da agulha de eletromiografia, obrigatoriamente o músculo indicado para biópsia não deverá ser submetido ao agulhamento para evitar falsos resultados na biópsia muscular. Indicação de biópsia muscular em músculos muito acometidos com intensa fibroadipose e ou músculos com duvidosas ou discretas alterações EMG resultarão em alterações anatomopatológicas inconclusivas na biópsia muscular (Tabela 2).

Tabela 2
Músculos – nervos periféricos - nível espinhal

Exames de neuroimagem

Existem várias modalidades não invasivas de estudo por imagem do encéfalo humano. Alguns métodos por imagem como a TC, RNM, pela sua resolução espacial, fornecem detalhamento sobre as estruturas anatômicas, outros métodos como a TC por emissão de pósitrons (PET), ressonância magnética funcional (RMf) que além do detalhamento anatômico, fornecem dados sobre mensuração metabólica e funcional. Além disso, técnicas de imagem como espectroscopia, tensor de difusão por RNM, permitem estudar alterações bioquímicas e conectividade cerebrais com diferentes resoluções temporal e espacial.

Métodos de neuroimagem versus neuroanatomia da dor

Estudos de imagem não invasiva, especialmente PET e RMf, têm ajudado a esclarecer o entendimento sobre as redes neurais e fisiopatologia da dor, a maioria deles com foco na dor aguda, poucos direcionados ao entendimento do processamento da dor crônica associada a lesões neurológicas centrais ou periféricas1111 Moisset X, Bouhassira D. Brain imaging of neuropathic pain. Neuroimage. 2007;37(Suppl 1):S80-8. Estes estudos focados em determinar as bases fisiológicas da dor, evidenciaram um padrão de processamento da dor, chamado de "matriz da dor". A matriz da dor envolve diferentes áreas do sistema nervoso e redes neurais que permitem diferenciar percepções de dor. Apesar de algumas redes se sobreporem, o processamento da DN parece ser diferente da dor aguda1111 Moisset X, Bouhassira D. Brain imaging of neuropathic pain. Neuroimage. 2007;37(Suppl 1):S80-8..

A RMf tem sido a modalidade mais utilizada nos estudos de dor, pela sua capacidade em permitir o monitoramento em tempo real da atividade cerebral durante estímulos cognitivos e/ou tarefas. A RMf fornece avaliação indireta do metabolismo e função cerebral por meio da mensuração da mudança dos níveis da oxigenação cerebral em vivo, pelo contraste de imagem chamado sinal BOLD (blood-oxygen-level dependent)1111 Moisset X, Bouhassira D. Brain imaging of neuropathic pain. Neuroimage. 2007;37(Suppl 1):S80-8..

RMf em estado de repouso (tradução do inglês de fMRI resting state) permite obter informações a respeito das áreas de conectividade funcional do cérebro. RMf em estado de repouso tem a vantagem de fornecer dados de neuroimagem em indivíduos com dores crônicas enquanto eles permanecem em estado de repouso dentro do aparelho. Desse modo, permite avaliar o cérebro destes indivíduos com dores crônicas e neuropáticas sem a necessidade de estimulação sensorial ou cognitiva. A RMf em estado de repouso avalia a conectividade entre diferentes áreas do cérebro. Acredita-se que a dor crônica altera a oscilação de algumas redes neurais, especialmente a rede de modo padrão (do inglês default-mode network), mais ativas em repouso; redes de saliências e executivas que são mais ativas durante estimulação dos sentidos e tarefas e redes relacionadas ao processamento sensorial e motor1212 Geha PY, Apkarian AV. Brain imaging findings in neuropathic pain. Curr Pain Headache Rep. 2005;9(3):184-8.

Os estudos de neuroimagem em DN têm sido realizados mais em pacientes com síndromes dolorosas de origem não explicável, como fibromialgia, síndrome da dor regional complexa tipo 1 (SDRC1) e em pacientes com dores crônicas como dor lombar. Todos os estudos de imagem têm demonstrado que dor crônica e suas morbidades promovem alterações em várias diferentes áreas do cérebro1313 Katherine T Martucci, Pamela NG, Mackey S. Neuroimaging chronic pain: what have we learned and where are we going? Future Neurol. 2014;9(6):615-26.. Ativação da resposta à dor tem consistentemente sido reportada em preferencialmente em algumas áreas, sendo que nenhuma sozinha é responsável pelo processamento da dor crônica e suas morbidades, tais como: córtex somatossensitivo primário e secundário (S1 e S2), córtex insular (CI), córtex do cíngulo anterior (CCA), córtex motor (CM), córtex pré-frontal (CPF), amigdala, tálamo, hipocampo e cerebelo1111 Moisset X, Bouhassira D. Brain imaging of neuropathic pain. Neuroimage. 2007;37(Suppl 1):S80-8.

12 Geha PY, Apkarian AV. Brain imaging findings in neuropathic pain. Curr Pain Headache Rep. 2005;9(3):184-8
-1313 Katherine T Martucci, Pamela NG, Mackey S. Neuroimaging chronic pain: what have we learned and where are we going? Future Neurol. 2014;9(6):615-26.. Ativação do tálamo lateral, S1, S2, CI anterior parecem estar associados ao aspecto sensorial e discriminativo da dor1212 Geha PY, Apkarian AV. Brain imaging findings in neuropathic pain. Curr Pain Headache Rep. 2005;9(3):184-8.

CCA, CI posteriores, componentes do sistema límbico, parecem estar associados ao componente emocional da dor. Alguns estudos de PET em pacientes com alodínea sugerem que DN espontânea está associada a atividade talâmica, inferindo uma dimensão emocional da dor1111 Moisset X, Bouhassira D. Brain imaging of neuropathic pain. Neuroimage. 2007;37(Suppl 1):S80-8..

Córtex pré-frontal parece estar relacionado ao aspecto cognitivo da dor e córtex somatossensitivo e CI sejam responsáveis pela decodificação da intensidade da dor. Alguns estudos de neuroimagem demonstraram também que em situações de dor crônica como fibromialgia e dor lombar crônica há alteração nessas áreas, sugerindo alteração no processamento da intensidade da dor1313 Katherine T Martucci, Pamela NG, Mackey S. Neuroimaging chronic pain: what have we learned and where are we going? Future Neurol. 2014;9(6):615-26..

O córtex motor primário e áreas suplementares também possuem papel na dor crônica, como as relacionadas a alterações no cerebelo, apesar de que estas modificações cerebelares sejam pouco compreendidas atualmente1111 Moisset X, Bouhassira D. Brain imaging of neuropathic pain. Neuroimage. 2007;37(Suppl 1):S80-8.,1212 Geha PY, Apkarian AV. Brain imaging findings in neuropathic pain. Curr Pain Headache Rep. 2005;9(3):184-8.

Métodos de imagem versus avaliação clínica da dor neuropática

Avaliação por imagem de pacientes com DN dependerá do tipo de dor e seguindo um critério racional para cada caso, evitando radiação e custos desnecessários. Síndromes neuropáticas relacionadas a neuralgias craniana e facial como neuralgia trigeminal, facial, e outros nervos cranianos, são geralmente diagnosticadas e avaliadas pela história e exame clínico. Avaliações de imagem são necessárias quando sintomas clássicos de neuralgia trigeminal não são claros, neuralgia trigeminal em pacientes jovens, ou, por exemplo, avaliação de neuralgia do nervo facial de origem central. A RNM do crânio com contraste e com ênfase para nervos cranianos é o mais indicado. Quinze por cento dos pacientes com neuralgia trigeminal apresentam alterações em exames de imagem (TC ou RNM), sendo estas causas os tumores, como, por exemplo, o Schwannoma do trigêmeo (Figura 3) e esclerose múltipla1414 Eller JL, Raslan AM, Burchiel KJ. Trigeminal neuralgia: definition and classification. Neurosurg Focus. 2005;18(5):E3.,1515 Majoie CB, Hulsmans FJ, Castelijns JA, Verbeeten B, Tiren D, van Beek EJ, et al. Symptoms and signs related to the trigeminal nerve: diagnostic yield of MR imaging. Radiology. 1998;209(2):557-62.. Embora a RNM permita melhor avaliação dos nervos cranianos e seja mais sensível para avaliar lesões parenquimatosas, a TC é mais indicada para determinar erosões ósseas, avaliação do labirinto ósseo e cavidade timpânica. Muitas vezes os exames de imagem são complementares ao exame clínico, para determinar extensão e complicações da lesão, como no exemplo a seguir em um paciente com síndrome de Ramsay Hunt (Figura 4).

Figura 3
Schwannoma do nervo trigêmeo esquerdo

A: ressonância nuclear magnética de crânio, T2WI, mostra lesão com alto sinal, expansiva, na porção cisternal do nervo trigêmeo, alargando cavo de Meckel, estendendo-se para seio cavernoso esquerdo (setas brancas). B: ressonância nuclear magnética de crânio, T1WI com contraste, mostra o realce intenso e homogêneo da lesão (setas pretas) com área cística de permeio (seta branca).


Figura 4
Síndrome de Ramsay Hunt à esquerda.

A: tomografia computadorizada de crânio com contraste, janela de partes moles, mostra vesículas no pavilhão auricular e conduto auditivo externo (setas brancas). B: tomografia computadorizada de crânio, janela óssea, mostra extensão das vesículas para conduto auditivo externo, espessamento da membrana timpânica e obliteração de células mastoideas. C: tomografia computadorizada de crânio, T1WI com contraste, mostra realce e espessamento da porção cisternal e canalicular do nervo facial esquerdo (setas brancas). D: tomografia computadorizada de crânio, T2WI, mostra otomastoidopatia.


Radiografia simples é a modalidade de imagem mais comum na avaliação inicial de dores lombares crônicas. O principal objetivo é detectar alteração patológica estrutural grosseira/grave. Os achados por imagem da radiografia simples não são específicos, por exemplo, os achados de osteoartrose vistos nas radiografias de pacientes com radiculopatia também podem ser encontrados em pacientes completamente assintomáticos. O contrário também é verdadeiro, exames normais não afastam o diagnóstico de radiculopatia lombossacral.

A RNM é, sem dúvida, o melhor método para avaliação de radiculopatias cervicais, torácicas, lombossacrais e plexopatias. No entanto, devido seu alto custo e menor disponibilidade, o seu uso racional se impõe, reservando esta modalidade como primeira escolha em pacientes com déficits neurológicos progressivos, síndrome da cauda equina, suspeita de malignidade, doença inflamatória ou infecciosa. Além disso, a RNM também pode ser usada para planejar o tratamento cirúrgico ou modalidades como administração de corticoide peridural.

A TC também pode ser usada para avaliação de radiculopatias. Embora não seja o método de escolha para avaliar a medula espinhal e nervos permite avaliar com boa resolução anatômica (especialmente as modalidades de TC multislice) causas compressivas de radiculopatia, canal medular, forâmens e até discos. É especialmente importante na avaliação pós-operatória, após reconstrução com placas e parafusos, para avaliar sua integridade e soltura.

Síndromes autonômicas neuropáticas também são investigadas com RNM de crânio, de coluna dependendo da clínica de disautonomia. Além disso, exames como SPECT e PET podem identificar disfunção simpática cardíaca, como por exemplo em pacientes com diabetes mellitus tipos 1 e 2.

Existem muitas síndromes neuropáticas associadas ao câncer. Essas neuropatias podem resultar de um ou mais mecanismos, como compressão, inflamação, infiltração de nervos, troncos, plexos, ossos e meninges. Todos pacientes oncológicos com síndromes neuropáticas devem ser avaliados com exames de TC, RNM, PET e/ou cintilografia. Em alguns casos radiografias simples serão adequadas para identificar lesões esqueléticas. RNM é mais sensível em detectar lesões ósseas iniciais, avaliação medular, radicular, de plexos e troncos neurais. TC é mais sensível do que radiografia, e apesar de menos sensível do que RNM para lesões ósseas iniciais, ela é mais barata, disponível e rápida do que RNM. A cintilografia óssea é mais indicada para avaliar a extensão das lesões ósseas pelo corpo1616 Berger AM, Shuster Jr JL, Von Roenn JH. Principles and practice of Palliative Care and Supportive Oncology, chapter 1: difficult pain syndromes: neuropathic pain, bone pain, visceral pain. 4th ed. Philadelphia, USA: Wolters Kluwer Health; 2013. 960p..

OUTROS EXAMES COMPLEMENTARES

Teste de quantificação sensitiva (TQS)

O TQS é utilizado para mensurar o limiar de percepção sensorial para várias modalidades (calor, frio, dor) da via nociceptiva1Bouhassira D, Attal N. Translational neuropathic pain research: a clinical perspective. Neuroscience. 2016; [Epub ahead of print].,33 Schestatsky P. Definição diagnóstico e tratamento da dor neuropática. Rev HCPA 2008;28(3):177-87.. Por meio de um termodo colocado sobre a pele da região a ser testada (áreas afetadas pela dor e regiões não afetadas como controle), a temperatura vai sendo aumentada ou diminuída (1 a 4°C/s) até que o paciente aperte um botão, momento em que sente uma determinada sensação, quantificando desta maneira os quatro limiares térmicos de frio, dor por frio, calor e dor por calor. O TQS é usado apenas ocasionalmente na prática clínica por questões de custo e aplicabilidade.

Microneurografia

Esta técnica é mais frequentemente usada em pesquisa do que na prática clínica. Consiste na inserção de uma agulha de tungstênio no nervo a ser estudado33 Schestatsky P. Definição diagnóstico e tratamento da dor neuropática. Rev HCPA 2008;28(3):177-87.. O padrão de atividade das fibras que pequeno calibre (fibras tipo C) é avaliado por esse método. A microneurografia é um método demorado, doloroso e de difícil avaliação, razões pelas quais é pouco utilizado na prática clínica.

CONCLUSÃO

Exames complementares, em conjunto com uma anamnese cuidadosa e exame neurológico focado na propedêutica neurológica, podem fornecer dados importantes para o diagnóstico de DN e são frequentemente utilizados na prática clínica. É fundamental para os profissionais envolvidos no cuidado de paciente com DN o entendimento das principais modalidades de exames complementares e suas indicações.

  • Fontes de fomento: não há.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016
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