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Estudo comparativo entre cetamina e morfina peridural em pacientes submetidas à mastectomia

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O objetivo deste estudo foi comparar a S(+) cetamina em relação à morfina associada à ropivacaína por via peridural torácica em operações de mastectomia. MÉTODOS: Estudo prospectivo com 26 pacientes com idade entre 18 e 70 anos submetidas à mastectomia, divididas em dois grupos de igual tamanho. As pacientes do Grupo M (morfina) receberam 12 mL de ropivacaína a 0,75% associadas a 2 mg de morfina sem conservantes, e as pacientes do Grupo C (cetamina) receberam 12 mL de ropivacaína a 0,75% associadas a 50 mg de S(+) cetamina sem conservantes. Foram avaliados os parâmetros hemodinâmicos, a necessidade de vasopressores, os fármacos para sedação, a escala analógica visual de dor nas primeiras 24 horas, consumo de analgésicos e de antieméticos e a incidência de náuseas e vômitos. RESULTADOS: Não houve diferença estatística entre os grupos em relação a dados demográficos, níveis de pressão arterial sistólica e diastólica, quantidade de anestésico local utilizado ou necessidade de vasopressores. O GC demandou maior uso de midazolam para controle da sedação (p = 0,0005). Este grupo apresentou menores escores de dor ao serem avaliados na alta da sala de recuperação pós-anestésica (p = 0,0018), após 12 horas do procedimento (p = 0,0001) e após 24 horas (p = 0,0094). O grupo morfina apresentou maiores escores de dor na sala de recuperação pós-anestésica, após 12 e 24 horas, demandando maior uso de analgésicos no pós-operatório (dipirona, p = 0,0009) assim como antieméticos (metoclopramida, p = 0,0032). CONCLUSÃO: Observou-se que a S(+) cetamina na dose avaliada foi segura e eficaz do ponto de vista hemodinâmico, apresentando melhor desempenho no controle de dor pós-operatória, gerando menor consumo de analgésicos, assim como menor incidência de náuseas e vômitos.

Analgesia; Anestesia peridural; Cetamina; Mastectomia


BACKGROUND AND OBJECTIVES: This study aimed at comparing epidural thoracic S(+) ketamine and morphine, both associated to ropivacaine, for mastectomy procedures. METHODS: This is a prospective study with 26 patients aged between 18 and 70 years, submitted to mastectomy, who were divided into two equal groups. Group M (morphine) patients have received 12 mL of 0.75% ropivacaine associated to 2 mg preservative-free morphine; Group K (ketamine) patients have received 12 mL of 0.75% ropivacaine associated to 50 mg of preservative-free S(+) ketamine. We have evaluated hemodynamic parameters, need for vasopressors, drugs for sedation, pain visual analog scale in the first 24 hours, analgesic and antiemetic consumption, and incidence of nausea and vomiting. RESULTS: There has been no statistical difference between groups in demographics, systolic and diastolic blood pressure, amount of local anesthetics or need for vasopressors. The ketamine group has demanded more midazolam to control sedation (p = 0.0005). This group had lower pain scores at post-anesthetic care unit discharge (p = 0.0018), 12 hours after procedure (p = 0.0001) and 24 hours later (p = 0.0094). The morphine group had higher pain scores at post-anesthetic care unit, 12 and 24 postoperative hours, and has demanded more postoperative analgesics (dipirone, p = 0.0009) and antiemetics (metoclopramide, p = 0.0032). CONCLUSION: It has been observed that S(+) ketamine in the evaluated dose was hemodynamically safe and effective, with better performance to control postoperative pain, generating less analgesic consumption as well as lower incidence of nausea and vomiting.

Analgesia; Epidural anesthesia; Ketamine; Mastectomy


ARTIGO ORIGINAL

Estudo comparativo entre cetamina e morfina peridural em pacientes submetidas à mastectomia * Endereço para correspondência: Dr. Fabrício Tavares Mendonça SMHS - Área Especial - Quadra 101 Hospital de Base do Distrito Federal. 2º Andar. Unidade de Anestesiologia 70330-150 Brasília, DF E-mail: fabriciotmendonca@hotmail.com

Fabrício Tavares Mendonça; Manuela Freire Caetano de Almeida; Cristina Carvalho Rolim Guimarães; Yuri Moreira Soares (TSA); Luise Aníbal Calvano

Hospital de Base do Distrito Federal. Brasília, DF, Brasil

Correspondence Endereço para correspondência: Dr. Fabrício Tavares Mendonça SMHS - Área Especial - Quadra 101 Hospital de Base do Distrito Federal. 2º Andar. Unidade de Anestesiologia 70330-150 Brasília, DF E-mail: fabriciotmendonca@hotmail.com

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O objetivo deste estudo foi comparar a S(+) cetamina em relação à morfina associada à ropivacaína por via peridural torácica em operações de mastectomia.

MÉTODOS: Estudo prospectivo com 26 pacientes com idade entre 18 e 70 anos submetidas à mastectomia, divididas em dois grupos de igual tamanho. As pacientes do Grupo M (morfina) receberam 12 mL de ropivacaína a 0,75% associadas a 2 mg de morfina sem conservantes, e as pacientes do Grupo C (cetamina) receberam 12 mL de ropivacaína a 0,75% associadas a 50 mg de S(+) cetamina sem conservantes. Foram avaliados os parâmetros hemodinâmicos, a necessidade de vasopressores, os fármacos para sedação, a escala analógica visual de dor nas primeiras 24 horas, consumo de analgésicos e de antieméticos e a incidência de náuseas e vômitos.

RESULTADOS: Não houve diferença estatística entre os grupos em relação a dados demográficos, níveis de pressão arterial sistólica e diastólica, quantidade de anestésico local utilizado ou necessidade de vasopressores. O GC demandou maior uso de midazolam para controle da sedação (p = 0,0005). Este grupo apresentou menores escores de dor ao serem avaliados na alta da sala de recuperação pós-anestésica (p = 0,0018), após 12 horas do procedimento (p = 0,0001) e após 24 horas (p = 0,0094). O grupo morfina apresentou maiores escores de dor na sala de recuperação pós-anestésica, após 12 e 24 horas, demandando maior uso de analgésicos no pós-operatório (dipirona, p = 0,0009) assim como antieméticos (metoclopramida, p = 0,0032).

CONCLUSÃO: Observou-se que a S(+) cetamina na dose avaliada foi segura e eficaz do ponto de vista hemodinâmico, apresentando melhor desempenho no controle de dor pós-operatória, gerando menor consumo de analgésicos, assim como menor incidência de náuseas e vômitos.

Descritores: Analgesia, Anestesia peridural, Cetamina, Mastectomia.

INTRODUÇÃO

A anestesia regional é uma técnica segura, de baixo custo, com a vantagem de oferecer estabilidade hemodinâmica no intraoperatório e de prolongar a analgesia no pós-operatório. O tratamento efetivo da dor pós-operatória reduz significativamente as respostas autonômicas, neuroendócrinas e somáticas desencadeadas pelo trauma cirúrgico1 o que gera importante impacto na redução da morbimortalidade perioperatória. Para tratamento do câncer de mama, a peridural torácica alta tem sido usada em diversos centros como técnica anestésica em substituição à anestesia geral.

Paralelamente ao desenvolvimento das técnicas de anestesia regional, foram realizados estudos com a finalidade de melhorar a sua qualidade e prolongar a analgesia. Inicialmente, os opioides foram associados ao anestésico local. Atualmente, novos adjuvantes têm sido utilizados, até mesmo como fármaco único em bloqueios regionais. Entre estes estão incluídos os inibidores do receptor N-metil-d-aspartato (NMDA), que tem a cetamina como seu principal representante2,3, com propriedades analgésicas por inibir o receptor NMDA, ativar o sistema inibitório descendente monoaminérgico, ativar receptores opioides e colinérgicos, além de bloquear os canais de sódio de forma semelhante aos anestésicos locais4-6.

Muitos estudos vêm avaliando o efeito deste fármaco no neuroeixo6,7, porém nenhum deles analisou o seu efeito no espaço peridural torácico superior, onde está a emergência dos ramos simpáticos cardioaceleradores8. Muitos temem a adição de fármacos nessa região devido à possível interação local da cetamina às fibras cardioaceleradoras, com possível efeito estimulante cardiovascular direto do sistema nervoso simpático9, e possível neurotoxicidade. Diferentes vias de administração foram usadas para estudos clínicos realizados com a cetamina racêmica ou seu componente levógiro, em baixas doses, isolados ou associados com outros fármacos10.

A cetamina racêmica e seu derivado levógiro, mesmo sem conservante, podem estar associados à neurotoxicidade espinhal, portanto não devem ser administrados por via subaracnoidea, especialmente em altas doses11-15, apesar de o clorobutanol (conservante) ser considerado o grande responsável16,17. Há evidências de que a infusão contínua de cetamina por via subaracnoidea está relacionada com achados histopatológicos de vacuolização da medula espinhal18,19. Por outro lado, existem estudos que utilizaram a cetamina racêmica20 ou a S(+)cetamina16,21 por via peridural sacral em crianças ou peridural lombar em adultos22,23 e não relataram neurotoxicidade, sendo especialmente recomendada a cetamina sem conservantes24,25. Autores12, em editorial, chamaram atenção para o uso promissor da mistura racêmica de cetamina associada a outros agentes analgésicos por via peridural.

Diante do exposto, este estudo teve por objetivo comparar a qualidade da analgesia perioperatória da S(+) cetamina e da morfina, associadas à ropivacaína, por via peridural alta em intervenções cirúrgicas torácicas, para tratamento de câncer de mama e constatar sua segurança.

MÉTODO

Participaram deste estudo analítico, intervencional, clínico, prospectivo, aleatório e duplamente encoberto, 26 pacientes, do sexo feminino, na faixa etária de 18 a 70 anos, estado físico ASA I e II, submetidas à mastectomia, sob anestesia peridural torácica. Todas as pacientes foram operadas no Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF) entre janeiro de 2009 e dezembro de 2010 e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Foram excluídas do estudo as pacientes que se recusaram a se submeter ao procedimento e as que apresentavam contraindicações para realização de punção peridural, como infecção no local da punção, hipovolemia não corrigida, distúrbios de coagulação, anormalidades anatômicas e dificuldades técnicas.

A monitorização durante a anestesia foi realizada com cardioscópio, oxímetro de pulso e monitor de pressão arterial (PA) não invasiva. A hidratação foi feita com solução de Ringer com lactato e/ou solução fisiológica (NaCl) a 0,9%, após punção venosa com cateter de teflon 18G. As pacientes não receberam medicação pré-anestésica.

A anestesia peridural torácica foi realizada com as pacientes na posição deitada, em decúbito lateral esquerdo preferencialmente, nos espaços T2-T3, T3-T4 ou T4-T5 com agulha Tuohy 16G seguida de passagem e fixação do cateter. As pacientes do Grupo M (morfina) receberam 12 mL de ropivacaína a 0,75% associadas a 2 mg de morfina sem conservantes e as pacientes do Grupo C (cetamina) receberam 12 mL de ropivacaína a 0,75% associadas a 50 mg de (S+) cetamina sem conservantes. Todas as pacientes receberam sedação venosa com midazolam e/ou fentanil.

Após a realização da punção, as pacientes retornaram à posição supina, observando-se o nível sensitivo do bloqueio peridural, assim como monitorizadas a PA sistêmica e a frequência cardíaca (FC) depois da anestesia peridural. Quando ocorreram sinais clínicos ou respostas hemodinâmicas que sugeriram níveis inadequados de anestesia (hipertensão arterial, taquicardia, queixa de dor pela paciente) foi administrada ropivacaína, em doses intermitentes, via cateter e, quando ocorreram sinais clínicos que sugeriram níveis inadequados de sedação, administrou-se midazolam e/ou fentanil, em doses intermitentes, por via venosa.

Quanto à sedação intraoperatória, alteração contínua do estado de alerta que pode chegar à inconsciência; podem ocorrer níveis de depressão da consciência, que variam de leve a profundo. Na sedação leve, o nível de depressão da consciência é mínimo e o paciente é capaz de contatar com o ambiente, responder a comandos, distinguir eventos e relatar fatos. Para verificação do nível de consciência, foi utilizada a escala numérica proposta por Filos et al.26: 1 - acordado e nervoso; 2 - acordado e calmo; 3 - sonolento, mas facilmente despertável; 4 - sonolento com despertar difícil. Adotaram-se como referência de sedação os escores três e quatro dessa escala.

Os dados da PA, FC, SpO2, foram registrados após a monitorização, a realização da anestesia peridural e, a seguir, de 15 em 15 minutos até o término da intervenção cirúrgica. Terminado o procedimento, os pacientes eram encaminhados à sala de recuperação pós-anestésica (SRPA).

Diminuição da pressão arterial sistólica (PAS) abaixo de 30% dos níveis pré-bloqueio ou inferior a 90 mmHg foi corrigida com administração de amina simpaticomimética de ação mista (efedrina), por via venosa; diminuição acentuada na FC menor que 50 bat.min-1, ocasionando baixo débito, foi tratada com atropina, por via venosa.

Com relação à analgesia pós-operatória, a intensidade da dor foi analisada utilizando-se a escala analógica visual de 10 cm (EAV), sendo o extremo "zero cm" correspondente à "ausência de dor", variando até "10 cm", correspondente à "pior dor imaginável" nos seguintes momentos: alta da SRPA; 12h e 24h após o término da operação.

Quando houve necessidade de complementação analgésica, foi administrada dipirona e/ou tramadol, por via venosa. A quantidade de analgésico necessária nas 24h foi registrada.

Foram comparadas as seguintes variáveis entre os dois grupos: idade, peso, altura, estado físico, presença de comorbidades e uso de fármacos no pré-operatório. Foram anotados os valores de PA, da FC, as intercorrências anestésico-cirúrgicas, necessidade de suplementação analgésico-sedativa, além do consumo de vasopressores no período intraoperatório. No pós-operatório, foram comparados, entre os dois grupos, os seguintes parâmetros: avaliação de dor através da EAV, o consumo total de analgésicos e antieméticos e a ocorrência de efeitos colaterais e possíveis complicações.

O tamanho da amostra foi estimado com base em estudo anterior semelhante. A média da EAV de dor ao final das 24 horas de pós-operatório foi 2,25 ± 1,6 no subgrupo morfina27. Doze pacientes em cada grupo foram suficientes para demonstrar uma diminuição na EAV de dor com um erro tipo I de 0,05 e um poder de 80%. O número foi aumentado para 26 pacientes por segurança. Para a análise estatística dos resultados foram utilizados testes paramétricos e não paramétricos, levando-se em consideração a natureza das variáveis estudadas. Foram aplicados os testes Qui-quadrado, Exato de Fisher e Mann-Whitney-Wilcoxon para os dados não paramétricos e t de Student e ANOVA para os demais dados paramétricos. Um valor de p < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo. Os dados foram expressos como média ± 2 desvio-padrão da média, ou número de pacientes por evento.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, com parecer nº 380.599.

RESULTADOS

Do total de 26 pacientes, 4 pacientes foram excluídas por se recusarem a participar do estudo. Os dados demográficos e clínicos não evidenciaram diferença estatística entre os grupos (Tabela 1).

A duração das cirurgias não foi diferente entre os grupos, assim como a incidência de taquicardia, bradicardia, hipotensão, hipertensão (Tabela 2) e a dose total de anestésico local utilizada (Tabela 3).

Todas as pacientes necessitaram de sedação complementar sem apresentar queixa de dor concomitante. A dose total de midazolam utilizada foi maior no GC (p = 0,0005). A dose total de fentanil utilizada também foi maior no GC, porém essa diferença não foi estatisticamente significante (Tabela 3).

A estabilidade hemodinâmica foi satisfatória no intraoperatório, a PAS e a PAD não variaram entre os grupos (Figura 1). No entanto, o GC apresentou maiores valores da FC em relação ao GM até 2h30 de cirurgia (Figura 2), sem a ocorrência de taquicardia.



No pós-operatório o GM apresentou maior incidência de vômitos (p = 0,034) (Tabela 4) e maior consumo de dipirona (p = 0,009), tramadol (p = 0,0268) e metoclopramida (p = 0,032) em relação ao GC (Tabela 5).

O GC obteve menores escores de dor na alta da SRPA (p = 0,018), após 12h (p = 0,0001) e após 24h (p = 0,0094) após o fim da cirurgia (Figura 3).


DISCUSSÃO

Os resultados do presente estudo confirmam dados da literatura nacional e internacional sobre os efeitos analgésicos perioperatórios da cetamina administrada por via peridural27,28. Este estudo permitiu identificar e analisar variáveis capazes de auxiliar profissionais que atuam no controle da dor aguda no melhor manuseio do paciente cirúrgico.

Os resultados apresentados evidenciam que a S(+) cetamina possui algumas vantagens em relação à morfina (derivado fenantrênico tido como "padrão-ouro" no manuseio da dor pós-operatória)29, principalmente no que se refere à analgesia pós-operatória, consumo de analgésicos e incidência de vômitos no período pós-operatório.

Há poucas referências abordando o uso peridural da S(+) cetamina e parece que a analgesia produzida por este fármaco apresenta perfil dose-dependente e também dose-teto. Em relação à dose adequada a ser utilizada via peridural, estudos indicam uma variação entre 30 e 50 mg30,31.

Apesar da necessidade de doses significativamente maiores de midazolam para se manter níveis adequados de sedação, o presente estudo enfatiza as vantagens e a eficiência da técnica condutiva, pois a mistura de anestésico local e adjuvantes por via peridural promove melhor atenuação da resposta metabólica ao trauma cirúrgico1 e analgesia de melhor qualidade que o uso de anti-inflamatórios não hormonais e morfina por via venosa em cirurgias de grande porte27,32.

Os presentes resultados confirmam observações similares relatados por outros estudos2,6,7, porém, é único em analisar os efeitos da S(+) cetamina (50 mg) no espaço peridural superior, de onde emergem as fibras cardioaceleradoras sem a interferência da associação com anestesia geral.

Os dados indicam que a S(+) cetamina em associação à ropivacaína é segura quando administrada no espaço peridural superior, pois manteve adequada estabilidade hemodinâmica em se tratando de FC e PA, apesar de encontrados maiores valores da FC. É de se esperar que a cetamina provoque aumento da FC e PA secundárias à estimulação simpática e à inibição da recaptação de catecolaminas, tanto em nível central como periférico33. O mecanismo por meio do qual a cetamina atua no sistema vascular é complexo. Existem algumas evidências de que a cetamina atenue na função dos barorreceptores, via alteração da função de receptores NMDA nos núcleos do trato solitário34. Esse fármaco também propicia a liberação de noradrenalina dos feixes adrenérgicos, elevando sua concentração no sangue venoso. A simpatólise do bloqueio peridural e o uso dos benzodiazapinicos podem inibir esses efeitos35, no entanto, ainda observou-se no presente estudo um aumento significativo dos valores da FC.

O uso clínico da cetamina esteve, por muitos anos, restrito à indução anestésica de pacientes hipovolêmicos, asmáticos ou a situações em que havia precariedade de material para suporte de anestesia. Atualmente, seu uso vem sendo ampliado para sedação, manutenção de técnicas de anestesia venosa total e controle da dor pós-operatória10. A descoberta do papel dos receptores NMDA na analgesia, no fenômeno wind-up e na possível atividade durante o desenvolvimento de tolerância aguda aos opioides, ao bloquear os receptores NMDA (inibindo a ação do aspartato e do glutamato), proporciona novas áreas de indicação para uso da cetamina36. O uso venoso em baixas doses é capaz de reduzir de forma significativa o consumo de opioides e de halogenados no intraoperatório, mostrando, assim, a inibição do sistema pró-nociceptivo, com bloqueio da hiperssensibilidade central e consequente hiperalgesia33. As pesquisas utilizando a cetamina no neuroeixo sempre tiveram como fator limitante a toxicidade dos conservantes químicos, inicialmente o clorobutanol, logo substituído pelo cloreto de benzetônio. Entretanto, com o desenvolvimento da S(+) cetamina livre de conservantes, tornou-se possível a utilização segura por via peridural com baixa incidência de paraefeitos12. Neste estudo não foi realizada avaliação de neurotoxicidade clínica, e o tempo de observação das pacientes foi limitado a 24 horas, o que pode ser considerada uma limitação. Há ainda controvérsias sobre o uso de cetamina no neuroeixo, mesmo sem conservantes, como é o caso do isômero S(+) cetamina. Estudo recente realizado com esse fármaco administrado por via subaracnoidea em cães, sugere que esse fármaco seja evitado por essa via37.

O presente estudo verificou que a S(+) cetamina foi superior à morfina na prevenção da dor pós-operatória, assim como no consumo de analgésicos logo de imediato pela sua grande lipossolubilidade. Após 12 e 24 horas, os escores de dor foram ainda menores provavelmente por sua ação preemptiva38 e interação com receptores glutamato não NMDA, nicotínicos, muscarínicos, monoaminérgicos e serotoninérgicos, além de ação nos receptores mu e kappa em nível espinhal e mu em nível supraespinhal39.

CONCLUSÃO

A S(+) cetamina apresentou perfil adequado para uso em anestesia peridural torácica superior, sendo segura e eficaz do ponto de vista hemodinâmico, apresentando melhor desempenho no controle de dor pós-operatória quando comparada à morfina, gerando menor consumo de analgésicos, assim como menor incidência de efeitos adversos.

Apresentado em 02 de maio de 2013.

Aceito para publicação em 06 de setembro de 2013.

Conflito de interesse: Nenhum.

* Recebido do Centro de Ensino e Treinamento do Serviço de Anestesiologia do Hospital de Base do Distrito Federal (HBDF), Brasília, DF.

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  • Endereço para correspondência:
    Dr. Fabrício Tavares Mendonça
    SMHS - Área Especial - Quadra 101
    Hospital de Base do Distrito Federal. 2º Andar. Unidade de Anestesiologia
    70330-150 Brasília, DF
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Out 2013
    • Data do Fascículo
      Set 2013

    Histórico

    • Recebido
      02 Maio 2013
    • Aceito
      06 Set 2013
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