Acessibilidade / Reportar erro

Dor em pacientes atendidos na classificação de risco de um serviço de urgência

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A dor é um dos principais sintomas responsáveis pela procura de serviços de urgência. O objetivo deste estudo foi verificar a presença de dor em pacientes atendidos na classificação de risco.

MÉTODOS:

Estudo transversal e descritivo, realizado em um serviço de urgência. Foi utilizado formulário que continha os dados sócio-demográficos e clínicos, classificação de risco, analgesia e registro da dor em prontuário. Foi calculado o Índice de Manuseio da Dor proposto pela Organização Mundial de Saúde.

RESULTADOS:

Dos 102 pacientes incluídos no estudo, 82 (80,2%) relataram dor, 45 (54,9%) eram do gênero feminino, 48 (58,5%) eram casados, a maioria (62 - 75,6%) residentes da grande Aracaju, 28 (34,1%) foram classificados como amarelo. A dor aguda, intensa à moderada foi a mais frequente. Em 71 (86,6%) casos, a dor do tipo continua motivou a procura pelo serviço de urgência. O registro de dor esteve presente na quase totalidade dos prontuários, sendo 80,5% realizados pelos médicos. Os analgésicos simples e anti-inflamatórios não esteroides foram os mais prescritos (59 - 72%). O manuseio da dor foi inadequado em 86,6% dos casos e existiu grande variação entre o tempo de admissão e administração da primeira analgesia (média: 94,5min; mín-máx: 8-360min).

CONCLUSÃO:

A ausência de protocolos de analgesia na classificação de risco pode dificultar o adequado manuseio do fenômeno doloroso.

Descritores:
Dor; Enfermagem em emergência; Mensuração da dor; Triagem

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Pain is a major symptom responsible for the search for urgency care. This study aimed at checking the presence of pain in patients attending the risk classification.

METHODS:

This is a cross-sectional and descriptive study carried out at an urgency care unit, using a form with socio-demographic and clinical data, risk classification, analgesia and pain record on medical charts. Pain Management Index proposed by the World Health Organization was calculated.

RESULTS:

From 102 patients included in the study, 82 (80.2%) reported pain, 45 (54.9%) were females, 48 (58.5%) were married, most (62 - 75.6%) lived in Greater Aracaju, 28 (34.1%) were classified as yellow. Acute, severe to moderate pain was the most frequent. In 71 (86.6%) cases, continuous pain has motivated the search for urgency care. Pain recording was present in almost all medical charts, being 80.5% performed by physicians. Simple analgesics and non-steroid anti-inflammatory drugs were the most frequently prescribed analgesics (59 - 72%). Pain management was inadequate in 86.6% of cases and there has been wide variation between admission and administration of first analgesia (mean: 94.5 min; min-max: 8-360 min).

CONCLUSION:

The lack of analgesic protocols at risk classification may impair adequate pain management.

Keywords:
Nursing at emergency; Pain; Pain Measurement; Screening

INTRODUÇÃO

A procura por atendimentos de urgência tem aumentado e grande parte dos pacientes relata dor no momento da triagem. A partir dessa queixa são utilizados recursos para classificar e organizar as prioridades dos pacientes. A dor destaca-se como um dos principais motivos que levam ao sofrimento humano, trazem incapacidades que refletem na qualidade de vida (QV) e proporcionam grandes repercussões psicossociais e econômicas11 Sousa FA, Pereira LV, Cardoso R, Hortense P. Multidimensional pain evaluation scale. Rev Lat Am Enfermagem. 2010;18(1):3-10..

Definida como uma experiência sensorial e emocional desagradável, a dor é associada a uma lesão tecidual real ou potencial, ou descrita em termos de tal lesão22 International Association for Study of Pain (IASP). Consensus development conference statement: the integrated approach to the management of pain. Accid Emerg Med. 1994;6:491-92.. Sendo assim, é visível a necessidade de mensurar a dor desde a chegada do paciente à unidade de urgência até sua alta hospitalar.

A dor é um sintoma comum nos pacientes que buscam o serviço de urgência. Estudo que avaliou a dor em vítimas de trauma identificou sua presença em 90% dos casos33 Calil AM, Pimenta CA, Birolini D. The "oligoanalgesia problem" in the emergency care. Clinics. 2007;62(5):591-8.. Portanto, há real necessidade de um manuseio adequado da dor nesses grupos de pacientes, com vistas a ofertar melhor atendimento e, por conseguinte, assegurar as recomendações estabelecidas pela International Association for the Study of Pain (IASP) e pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

No Brasil, a Política Nacional de Humanização (PNH), criada pelo Ministério da Saúde em 200344 Ministério da Saúde (BR). Política Nacional de Humanização. Formação e intervenção. [internet]. 1st ed. Brasília (BR): Ministério da Saúde; 2010. [acesso em: 15 maio 2015]. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_humanizaSUS.pdf>.
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
, prevê o acolhimento com classificação de risco para proporcionar ao usuário do SUS uma assistência holística, acolhedora e humanizada.

Os serviços de saúde têm adotado o Protocolo de Manchester para organizar as filas nos serviços de urgências. Esse protocolo é construído por categorias de sinais e sintomas e não por escalas de urgência pré-estabelecidas. A partir dos dados clínicos (sinais e sintomas), o indivíduo é classificado por cores (vermelho, laranja, amarelo, verde e azul) e o tempo de atendimento deverá ser estabelecido conforme a gravidade55 Souza CC, Toledo AD, Tadeu LF, Chianca TC. Risk classification in an emergency room: agreement level between a Brazilian institutional and the Manchester Protocol. Rev Lat Am Enfermagem. 2011;19(1):26-33.. A presença da dor durante a triagem associada aos demais sinais e sintomas apresentados, direciona a classificação do paciente de acordo com o protocolo instituído no serviço.

O objetivo deste estudo foi verificar a presença da dor, suas características e manuseio entre pacientes atendidos na classificação de risco do principal serviço de urgência de Sergipe. Esse estudo justifica-se pela necessidade de conhecer o perfil do público atendido na classificação de risco, sobretudo em relação à dor enquanto sintoma motivador para a procura por serviços de urgência.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal, descritivo e exploratório referente a 102 pacientes atendidos na classificação de risco, no período de março a abril de 2015, no principal hospital público de urgência de Sergipe-Brasil, localizado no município de Aracaju, capital do estado. Esse hospital é referência para os atendimentos de urgência e emergência para todo o estado de Sergipe e é responsável por aproximadamente 250 atendimentos semanais. Assim, para a estimativa de tamanho da amostra foi considerada uma proporção esperada que 30% dos pacientes procuram o serviço de saúde devido a dor. Com esse parâmetro, e considerando um nível de 95% de confiança, poder de 80 a amostra estimada foi de 102 pacientes.

Os critérios de inclusão foram possuir mais de 18 anos e condições cognitivas para responder aos questionamentos. Foram considerados critérios de exclusão pacientes instáveis, instabilidade hemodinâmica e ser vítima de trauma. Inicialmente, foi realizado teste piloto com sete pacientes atendidos no serviço para calibração do instrumento de coleta e pesquisadores, os quais foram excluídos da amostra final. A sistemática da coleta de dados ocorreu após serem avaliados na classificação de risco e pelo médico plantonista. Os pacientes que atenderam aos critérios de inclusão foram convidados a participar da pesquisa. Após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), assistentes de pesquisa treinados realizaram a aplicação do formulário e a análise documental dos prontuários foi feita pelos pesquisadores.

Para coleta de dados foi utilizado um questionário estruturado com as seguintes informações: dados sócio-demográficos e clínicos, classificação de risco, analgesia utilizada previamente e durante o atendimento no serviço de urgência, presença, intensidade e duração da dor, sua periodicidade, localização, fatores atenuantes e agravantes e registro da dor no prontuário.

Para mensuração da dor foi utilizada escala numérica, onde zero foi considerado ausência de dor e 10 refletiu a dor máxima22 International Association for Study of Pain (IASP). Consensus development conference statement: the integrated approach to the management of pain. Accid Emerg Med. 1994;6:491-92.. Os pacientes foram solicitados a responder verbalmente o valor correspondente à sua dor.

Para analisar o manuseio da dor segundo as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS)66 World Health Organization. Cancer pain relief with a guide to opioid availability (2nd ed.). Geneva: WHO; 1996., foi realizado o cálculo do Índice de Manuseio da Dor (IMD). Esse índice leva em consideração o fármaco analgésico utilizado e a intensidade da dor referida pelo paciente e é estabelecido da seguinte forma: subtrai-se a potência do analgésico da intensidade da dor referida pelo paciente. O IMD varia de -3 a +3; escores negativos apontam para o uso de analgésicos inadequados, já escore zero ou positivo indica adequação da analgesia66 World Health Organization. Cancer pain relief with a guide to opioid availability (2nd ed.). Geneva: WHO; 1996.. Os analgésicos foram classificados conforme sua potência analgésica (PA), onde zero significa ausência de fármaco analgésico; 1 - analgésico anti-inflamatório não esteroide (AINE); 2 - opioide fraco; 3 - opioide forte. A intensidade da dor (ID) foi classificada em zero - ausência de dor, 1 - dor leve (1 - 4), 2 - dor moderada (5 - 7) e 3 - dor intensa (8 - 10)77 Calil AM, Pimenta CA. [Pain intensity of pain and adequacy of analgesia]. Rev Lat Am Enfermagem. 2005;13(5):692-9. Portuguese..

Análise estatística

Todas as informações obtidas foram codificadas e inseridas em um banco de dados. Em seguida, foram realizadas análises exploratórias dos dados. As variáveis categóricas foram descritas usando frequências absolutas e percentuais. Para verificar a normalidade (simetria) da distribuição das variáveis numéricas foi utilizado o teste Kolmogorov-Smirnov. Como a distribuição foi assimétrica, foi utilizado o teste não paramétrico de Mann-Whitney. Para avaliar a associação entre o perfil dos participantes e a presença de queixa de dor durante a avaliação, foi utilizado o teste do Qui-quadrado ou o teste Exato de Fisher. Foi estabelecida significância estatística de 5% (p<0,05). Os dados foram analisados no software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 20.0, e apresentados por meio de tabelas. Em todas as etapas da pesquisa foram seguidas as recomendações da resolução 466/2012 do Conselho Nacional da Saúde.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Sergipe, CAAE 40884415.0.0000.5546.

RESULTADOS

Um total de 102 pacientes foi elegível para o estudo. Entretanto, um participante foi excluído por ter menos de 18 anos. Dentre os entrevistados, 19 (18,8%) não relataram dor. A amostra final foi constituída por 82 (80,2%) pacientes, com mediana (intervalo interquartil, IIQ) de idade de 36 anos (27-49), dos quais 54,9% eram do gênero feminino, 58,5% eram casados, 75,6% residem na grande Aracaju, 43,9% possuíam ensino fundamental e 34,1% foram classificados como risco amarelo (Tabela 1).

Tabela 1
Caracterização sócio-demográfica e clínica dos usuários atendidos no setor de classificação de risco em um serviço de urgência. Aracaju, SE, Brasil, 2015

A amostra foi considerada homogênea para as características sócio-demográficas, visto que não foram evidenciadas diferenças significativas entre pacientes que relataram ou não queixa de dor na classificação de risco (Tabela 1). Contudo, pacientes que referiram dor apresentaram idade menor do que aqueles sem dor (p=0,027, Mann-Whitney teste).

Os resultados do estudo demonstram que os pacientes tiveram uma média (desvio padrão) da dor de 7,4 (2,8), sendo aguda em 95,1% dos pacientes, intensa e moderada em 53,7% e 36,6%, respectivamente. O fenômeno doloroso era do tipo contínuo em 56,1% dos casos e em 86,6% esteve associado ao motivo principal de procura ao serviço de urgência. O repouso e a mudança de posição foram fatores atenuantes e agravantes e, quanto à localização, a região abdominal foi a mais frequente (32,9%). Na quase totalidade dos prontuários houve registro da presença de dor (95,1%), sendo que em 80,5% dos casos os registros eram realizados pelos médicos (Tabela 2).

Tabela 2
Avaliação da dor dos usuários atendidos no setor de classificação de risco de um serviço de urgência. Aracaju, SE, Brasil, 2015

Neste estudo identificou-se que 46,3% dos pacientes fizeram uso de analgesia sem prescrição médica antes da procura pelo serviço de urgência. Destes, 4,9% não sabiam informar qual o fármaco utilizado; 26,8% afirmaram ter feito uso de analgésicos simples e/ou AINES; e 14,6% relataram ter feito uso de fármacos antiespasmódicos ou relaxantes musculares de maneira isolada ou associada a AINES (Tabela 3).

Tabela 3
Consumo de analgésicos em um serviço público de urgência. Aracaju, SE, Brasil, 2015

Foi observada prescrição de analgésicos pelos médicos emergencistas do serviço na quase totalidade dos casos (97,6%), sendo os analgésicos simples e AINES os mais prescritos em 72% dos casos, caracterizando, assim, a prática da oligoanalgesia (Tabela 3).

Apesar de a dor ser classificada de moderada a intensa, a analgesia utilizada não foi adequada para o alívio do fenômeno doloroso em 86,6% dos casos. O tempo médio de admissão no serviço de urgência e administração da analgesia foi de 94,5 (50,7 - 172) minutos tendo em vista que o tempo mínimo foi de oito e máximo de 360 minutos (Tabela 4).

Tabela 4
Adequação do tratamento analgésico e tempo entre a admissão e primeira analgesia em um serviço de urgência. Aracaju, SE, Brasil, 2015

DISCUSSÃO

A dor é um sintoma comum nos serviços de urgência, especialmente na classificação de risco, o que requer dos profissionais da saúde estratégias eficazes para seu alívio. Assim, devem-se evitar efeitos deletérios decorrentes da dor não tratada e, por conseguinte, propiciar aos pacientes uma assistência pautada na ética e na humanização.

A maioria dos pacientes deste estudo era do gênero feminino. Estudos88 Oliveira GN, Silva MF, Araujo IE, Carvalho-Filho MA. Profile of the population cared for in a referral emergency unit. Rev Latino Am Enfermagem. 2011;19(3):548-56.,99 Wheeler E, Hardie T, Klemm P, Akanji I, Schonewolf E, Scott J, et al. Level of pain and waiting time in the emergency department. Pain Manag Nurs. 2010;11(2):10814. que avaliaram a dor em serviços de emergência identificaram dados similares. Acredita-se que o fato de as mulheres terem uma preocupação maior com a saúde, culminou em maior frequência desse gênero.

Nesta pesquisa houve predomínio de pacientes que possuíam ensino fundamental completo ou incompleto. Estudo enfatiza que pessoas com menor grau de escolaridade têm pouca perspectiva para lidar com processos dolorosos de maneira satisfatória1010 Joynt M, Train MK, Robbins BW, Halterman JS, Caiola E, Fortuna RJ. The impact of neighborhood socioeconomic status and race on the prescribing of opioids in emergency departments throughout the United States. J Gen Intern Med. 2015;28(12):1604-10.. A pouca escolaridade, associada às condições socioeconômicas desfavoráveis, pode dificultar o entendimento das funções das atenções primária e terciária da saúde. Portanto, a falta de conhecimento da real função do serviço de urgência sobrecarrega a atenção terciária, aumenta o tempo de espera, a insatisfação dos pacientes e, dessa forma, altera a logística desses serviços.

Quanto à classificação de risco, aproximadamente um terço dos pacientes foram classificados como amarelo. Estudo que objetivou verificar o grau de concordância entre os protocolos institucional e o de Manchester encontraram resultados divergentes55 Souza CC, Toledo AD, Tadeu LF, Chianca TC. Risk classification in an emergency room: agreement level between a Brazilian institutional and the Manchester Protocol. Rev Lat Am Enfermagem. 2011;19(1):26-33.. Esses pesquisadores identificaram que os pacientes foram classificados como vermelho e laranja. Conforme protocolo de Manchester1111 van der Wulp I, Sturms LM, de Jong A, Schot-Balfoort M, Schrijvers AJ, van Stel HF. Pain assessments at triage with the Manchester triage system: a prospective observational study. Emerg Med J. 2011;28(7):585-9., os pacientes são classificados, de acordo com a gravidade em vermelho (risco iminente de morte), laranja (muito urgente), amarelo (sem iminência de morte), verde (risco moderado) e azul (baixo risco). A maior frequência de pacientes classificados como amarelo (,) está relacionada ao fato de, no serviço pesquisado, os pacientes com risco iminente de morte serem encaminhados diretamente à área vermelha do pronto-socorro.

A dor aguda esteve presente na quase totalidade dos pacientes. Estudo1212 de Oliveira Ribeiro Mdo C, Pereira CU, Sallum AM, Martins-Filho PR, Desantana JM, da Silva Nunes M, et al. Immediate post-craniotomy headache. Cephalalgia. 2013;33(11):897-905. que identificou a dor no pós-operatório de craniotomia evidenciou dados semelhantes a esta pesquisa. A dor aguda pode causar alterações na pressão arterial, temperatura, frequência cardíaca, diminuição da oferta de oxigênio aos tecidos e prejuízos nas atividades de vida diária.

A dor intensa e moderada, de caráter contínuo, foi a mais frequente, contrapondo estudo realizado nos Estados Unidos que avaliou o manuseio da dor no serviço de emergência1313 Tood KH, Ducharme J, Choiniere M, Crandall CS, Fosnocht DE, Homel P, et al. Pain in the emergency department: results of the pain and emergency medicine initiative (PEMI) multicenter study. J Pain. 2007;8(6):460-6.. A dor intensa provoca sofrimento físico e emocional, não somente para os pacientes como familiares. Ademais, a dor contínua é caracterizada por ser súbita e espontânea, ou relacionada a uma determinada atividade. Dessa forma, o manuseio adequado do fenômeno doloroso é de fundamental importância para proporcionar conforto aos pacientes, evitar efeitos maléficos da dor não tratada, recidiva do processo doloroso, bem como retornos frequentes dos pacientes aos serviços de urgência.

A dor esteve associada ao motivo principal de procura pelo serviço de urgência na maioria dos casos, sendo mais frequente a dor abdominal. Contrastam os resultados desta pesquisa com estudo que apontou a dorsalgia como tipo predominante1414 Langley PC. The prevalence, correlates and treatment of pain in the European Union. Curr Med Res Opin. 2011;27(2):463-80.. As dores lombares e abdominais prejudicam a produção e a produtividade, além de afetar a QV dos pacientes.

Os fatores que atenuaram e agravaram a dor foram respectivamente, o repouso e a mudança de posição. Os profissionais de saúde dispõem de vários métodos para o tratamento da dor, dentre eles as terapias farmacológicas e não farmacológicas. Por conseguinte, devem lançar mão de todos os recursos disponíveis existentes, com vistas a promover o alívio do fenômeno doloroso e, dessa forma, aumentar a satisfação dos usuários que buscam os serviços de saúde.

Houve inadequação analgésica neste estudo, visto que, apesar de a dor ser intensa na maior parte dos casos, os analgésicos simples e AINES foram os fármacos mais prescritos, o que caracteriza a prática de oligoanalgesia. Esse dado corrobora estudo realizado em um hospital escola nos Estados Unidos1515 Cordell WH, Keene KK, Giles BK, Jones JB, Jones JH, Brizendine EJ. The high prevalence of pain in emergency medical care. Am J Emerg Med. 2002;20(3):165-9.. Foi possível também observar o baixo uso de opioides fortes, os quais são altamente recomendados para dores intensas1616 Calil AM, Pimenta CA. Importance of pain evaluation and standardization of analgesic medication in emergency services. Acta Paul Enferm. 2010;23(1):53-9.. Embora exista no mercado uma grande disponibilidade de opioides, a prescrição de analgésicos simples e de AINES ainda é uma prática comum no serviço de urgência.

No que concerne ao tempo entre admissão e primeira analgesia no serviço de urgência, foi observada uma demora, em alguns casos, para a administração do primeiro analgésico. Esses resultados corroboram resultados de estudo no qual pesquisadores evidenciaram tempo médio de 90 minutos1313 Tood KH, Ducharme J, Choiniere M, Crandall CS, Fosnocht DE, Homel P, et al. Pain in the emergency department: results of the pain and emergency medicine initiative (PEMI) multicenter study. J Pain. 2007;8(6):460-6., o que revela que a sobrecarga dos serviços de urgência é um problema comum também em outros países. Adicionalmente, de acordo com o protocolo de Manchester1111 van der Wulp I, Sturms LM, de Jong A, Schot-Balfoort M, Schrijvers AJ, van Stel HF. Pain assessments at triage with the Manchester triage system: a prospective observational study. Emerg Med J. 2011;28(7):585-9., os pacientes classificados como amarelos devem ser atendidos em, no máximo, 60 minutos. No presente estudo, embora quase um terço dos pacientes tenham sido classificados dessa forma, 69,5% dos pacientes foram atendidos em período superior ao preconizado. A superlotação nos serviços de urgência, aliada à ausência de protocolos de analgesia e de ordenação do fluxo de pacientes, podem contribuir para a demora no início do tratamento e recebimento da analgesia, além de aumentar os riscos para desfechos negativos.

Os registros sobre dor eram realizados em sua maioria por médicos, entretanto não existiam especificações nos prontuários sobre as características do fenômeno doloroso. Em contrapartida, o estudo1212 de Oliveira Ribeiro Mdo C, Pereira CU, Sallum AM, Martins-Filho PR, Desantana JM, da Silva Nunes M, et al. Immediate post-craniotomy headache. Cephalalgia. 2013;33(11):897-905. identificou que na maioria dos prontuários não havia registros sobre dor pela equipe multiprofissional e, quando existiam, eram realizados por médicos. Em outro estudo realizado na Turquia, apenas 35,1% dos enfermeiros relataram manter o registro da dor em todos os prontuários1717 Ucuzal M, Dogãn R. Emergency nurses' knowledge, attitude and clinical decision making skills about pain. Int Emerg Nurs. 2015;23(2):75-80.. O registro apropriado e completo da dor no prontuário consiste em uma ferramenta importante para o direcionamento da conduta terapêutica e avaliação da sua eficácia, sobretudo para os profissionais de enfermagem, com vistas a assegurar o respaldo ético-legal.

CONCLUSÃO

O estudo sobre dor nos pacientes atendidos na classificação de risco de um serviço de urgência possibilitou as seguintes conclusões: o gênero feminino foi predominante, constituído por adultos jovens; o principal motivo de procura pelo serviço de urgência esteve relacionado ao fenômeno doloroso; o repouso e a mudança de posição foram os fatores atenuantes e agravantes da dor, respectivamente.

Parte dos pacientes foi classificada como amarelo e a dor foi descrita como aguda, contínua, de intensa a moderada, contudo, houve manuseio inadequado. Os médicos foram os profissionais que mais registraram a dor nos prontuários, no entanto, não existiam as suas características.

Diante do exposto, algumas inquietações são suscitadas: por que não existem protocolos de analgesia na classificação de risco? Por qual razão há um grande contingente de pacientes que diuturnamente optam pelos serviços de urgência ao invés de buscarem a atenção primária? Por que a prática da oligoanalgesia ainda é frequente? As respostas a esses questionamentos são complexas e necessitam de novos estudos, que busquem solucionar essas indagações.

  • Fontes de fomento: não há.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Sousa FA, Pereira LV, Cardoso R, Hortense P. Multidimensional pain evaluation scale. Rev Lat Am Enfermagem. 2010;18(1):3-10.
  • 2
    International Association for Study of Pain (IASP). Consensus development conference statement: the integrated approach to the management of pain. Accid Emerg Med. 1994;6:491-92.
  • 3
    Calil AM, Pimenta CA, Birolini D. The "oligoanalgesia problem" in the emergency care. Clinics. 2007;62(5):591-8.
  • 4
    Ministério da Saúde (BR). Política Nacional de Humanização. Formação e intervenção. [internet]. 1st ed. Brasília (BR): Ministério da Saúde; 2010. [acesso em: 15 maio 2015]. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_humanizaSUS.pdf>.
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_humanizaSUS.pdf
  • 5
    Souza CC, Toledo AD, Tadeu LF, Chianca TC. Risk classification in an emergency room: agreement level between a Brazilian institutional and the Manchester Protocol. Rev Lat Am Enfermagem. 2011;19(1):26-33.
  • 6
    World Health Organization. Cancer pain relief with a guide to opioid availability (2nd ed.). Geneva: WHO; 1996.
  • 7
    Calil AM, Pimenta CA. [Pain intensity of pain and adequacy of analgesia]. Rev Lat Am Enfermagem. 2005;13(5):692-9. Portuguese.
  • 8
    Oliveira GN, Silva MF, Araujo IE, Carvalho-Filho MA. Profile of the population cared for in a referral emergency unit. Rev Latino Am Enfermagem. 2011;19(3):548-56.
  • 9
    Wheeler E, Hardie T, Klemm P, Akanji I, Schonewolf E, Scott J, et al. Level of pain and waiting time in the emergency department. Pain Manag Nurs. 2010;11(2):10814.
  • 10
    Joynt M, Train MK, Robbins BW, Halterman JS, Caiola E, Fortuna RJ. The impact of neighborhood socioeconomic status and race on the prescribing of opioids in emergency departments throughout the United States. J Gen Intern Med. 2015;28(12):1604-10.
  • 11
    van der Wulp I, Sturms LM, de Jong A, Schot-Balfoort M, Schrijvers AJ, van Stel HF. Pain assessments at triage with the Manchester triage system: a prospective observational study. Emerg Med J. 2011;28(7):585-9.
  • 12
    de Oliveira Ribeiro Mdo C, Pereira CU, Sallum AM, Martins-Filho PR, Desantana JM, da Silva Nunes M, et al. Immediate post-craniotomy headache. Cephalalgia. 2013;33(11):897-905.
  • 13
    Tood KH, Ducharme J, Choiniere M, Crandall CS, Fosnocht DE, Homel P, et al. Pain in the emergency department: results of the pain and emergency medicine initiative (PEMI) multicenter study. J Pain. 2007;8(6):460-6.
  • 14
    Langley PC. The prevalence, correlates and treatment of pain in the European Union. Curr Med Res Opin. 2011;27(2):463-80.
  • 15
    Cordell WH, Keene KK, Giles BK, Jones JB, Jones JH, Brizendine EJ. The high prevalence of pain in emergency medical care. Am J Emerg Med. 2002;20(3):165-9.
  • 16
    Calil AM, Pimenta CA. Importance of pain evaluation and standardization of analgesic medication in emergency services. Acta Paul Enferm. 2010;23(1):53-9.
  • 17
    Ucuzal M, Dogãn R. Emergency nurses' knowledge, attitude and clinical decision making skills about pain. Int Emerg Nurs. 2015;23(2):75-80.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2016

Histórico

  • Recebido
    26 Out 2015
  • Aceito
    21 Jan 2016
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 cj 2, 04014-012 São Paulo SP Brasil, Tel.: (55 11) 5904 3959, Fax: (55 11) 5904 2881 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: dor@dor.org.br