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A atuação do psicológico em clínica multidisciplinar

CUIDAR de pessoas que sofrem de dor crônica é um grande desafio. Isso decorre sobretudo, do fato de que, na maior parte dos cursos de formação na área da saúde, os indivíduos são treinados e capacitados para tratar e curar. Essa premissa nem sempre pode ser aplicada ao paciente com dor. Felizmente, essa perspectiva vem mudando gradativamente no Brasil, e os profissionais imbuídos do tratamento em equipes, passam a oferecer uma escuta mais atenta, compreensiva e integrada aos sofredores de dor crônica11 Rangel RF, Costenaro RG, Ilha S, Zamberlan C, Siqueira HC, Backes DS. Formação para o cuidado integral: percepção de docentes e discentes de Enfermagem. Rev Pesq: Cuidado é Fundamental Online. 2017;9(2):488-94..

Quando a dor se cronifica, deixa de ser apenas um sintoma e passa a ser definida como doença. Isso faz com que o sujeito, afastado da sua rotina, tenha que se relacionar consigo próprio e com o mundo, a partir da história do seu sofrimento. O fato de ter uma dor contínua e diária traz um impacto muito negativo na qualidade de vida dessas pessoas; afeta o padrão do sono, hábitos alimentares, relações afetivas, capacidade de trabalho, funcionalidade, e outros aspectos da sua vida22 Salvetti Mde G, Cobelo A, Vernalha Pde M, Vianna CI, Canarezi LC, Calegare RG. [Effects of a psychoeducational program for chronic pain management]. Rev Lat Am Enfermagem. 2012;20(5):896-902. English, Portuguese, Spanish.. A estreita associação de transtornos psiquiátricos, dentre os quais a ansiedade e depressão em pessoas com dor crônica, faz com que seja necessário um cuidado integral e interdisciplinar, cujo objetivo será o de proporcionar o maior controle possível dos sintomas.

Avaliar o paciente que sofre de dor crônica implica em desenvolver uma escuta ativa; isso porque a dor é sempre inferida tendo como base as informações fornecidas pelo próprio paciente. A história da dor está inserida em uma história de vida, no percurso do adoecimento, nas relações estabelecidas com o trabalho e essa é uma rede de complexos significados envoltos em fatores culturais, sociais e fisiológicos33 Pinheiro RC, Uchida RR, Mathias LA, Perez MV, Cordeiro Q. Prevalência de sintomas depressivos e ansiosos em pacientes com dor crônica. J Bras Psiquiatr. 2014;63(3):213-9..

No Centro de Dor, a presença da equipe multiprofissional é de fundamental importância para que a assistência seja integral. Em nosso Ambulatório de Dor do C-HUPES/UFBA, criado em janeiro de 199911 Rangel RF, Costenaro RG, Ilha S, Zamberlan C, Siqueira HC, Backes DS. Formação para o cuidado integral: percepção de docentes e discentes de Enfermagem. Rev Pesq: Cuidado é Fundamental Online. 2017;9(2):488-94. foi desenvolvido com a premissa interdisciplinar. Após um ano de estudo e elaboração do Projeto, o serviço foi criado por um médico, uma psicóloga, um fisioterapeuta e uma enfermeira, com a perspectiva de atender pessoas de todo o estado da Bahia com diagnostico de dor crônica. Após a matrícula do paciente no serviço, é iniciado seu acompanhamento pela equipe assistente, a começar pelo médico clínico que define o diagnóstico da dor e estabelece a conduta terapêutica mais adequada para cada indivíduo. Em seguida, o paciente é encaminhado para avaliação psicológica para avaliar o comprometimento funcional desproporcional com o resultado clínico, intensos estresses psicológicos ou para pacientes que fazem uso exagerado dos serviços de saúde, de fármacos psicotrópicos ou álcool. Na Psicologia, utiliza-se um protocolo específico, a partir de uma avaliação psicodiagnóstica com a utilização de entrevistas para coleta de dados da história de vida e da dor, assim como uso de técnicas psicológicas e aplicação de diversas escalas, além do acompanhamento clinico com base na terapia cognitivo-comportamental.

O atendimento psicológico visa minimizar o sofrimento percebido e provocado pela experiência do adoecimento. O sujeito, quase sempre, peregrina por inúmeros especialistas em busca do diagnóstico e tratamento adequados. Quando, apesar dos tratamentos, o indivíduo não responde positivamente ao tratamento, e não há alívio dos sintomas, ele frequentemente apresenta discurso de raiva e revolta pela persistência da dor. Dessa forma, o psicólogo oferece uma escuta atenta e cuidadosa com o objetivo de amenizar e orientar o sujeito quanto à repercussão do processo álgico na rede familiar, conjugal, social, sexual e laboral. Além do atendimento ao paciente, é fundamental que o psicólogo realize entrevistas com familiares, desenvolvendo a psicoeducação e orientando acerca das limitações e possibilidades do novo significado; neste caso, a família passa a ser um parceiro ativo na recuperação e reinserção no mundo44 Turra V, Almeida FF, Doca FN, Costa Júnior AL. Protocolo de Atendimento Psicológico em Saúde Orientado para o Problema. Hospital Universitário de Brasília Distrito Federal, DF, Brasil. Universidade de Brasília Distrito Federal, DF, Brasil. 2012;43(4):500-9..

Sendo parte integrante da equipe de saúde, o psicólogo divide os saberes técnicos com os demais profissionais, e o compartilhamento desse discurso é o que provoca uma comunicação efetiva. A autonomia de cada membro da equipe e uma boa comunicação entre eles, é um grande diferencial para o sucesso das terapêuticas propostas e da vinculação do paciente ao tratamento55 Castro EK, Barreto SM. Critérios de médicos oncologistas para encaminhamento psicológico em cuidados paliativos. Psicol Ciênc Prof. 2015;35(1):69-82..

O atendimento psicológico, no referencial cognitivo-comportamental para o paciente com dor, tem como objetivo educar o sujeito acerca da fisiopatologia da dor, estimulando a prática de exercícios físicos, a autoconfiança, ao estabelecimento de metas, das atividades de lazer, técnicas de relaxamento, treina uma comunicação mais assertiva, desenvolve estratégias de coping e enfrentamento, ensina o paciente a fazer uma reestruturação cognitiva para que possa favorecer a modificação de comportamentos mais dolorosos e de uma postura mais ativa diante do tratamento22 Salvetti Mde G, Cobelo A, Vernalha Pde M, Vianna CI, Canarezi LC, Calegare RG. [Effects of a psychoeducational program for chronic pain management]. Rev Lat Am Enfermagem. 2012;20(5):896-902. English, Portuguese, Spanish..

É necessário que essa equipe estabeleça um olhar cuidadoso um com o outro, para que as dificuldades advindas do atendimento ao paciente com dor possam ser minimizadas. A equipe de saúde precisa “aprender” a ouvir o que o paciente fala, respeitando de forma integral suas crenças, as atitudes tomadas para o controle da dor, e tendo muita tolerância com seu discurso e enfrentamento, pois afinal de contas, essa foi a nossa escolha.

A escuta cuidadosa da equipe de psicologia faz com que possamos, aos poucos, colher a história de vida do paciente e, como em um quebra-cabeça, reorganizar uma parte das suas peças para que, arrumando de outra forma, possamos tecer um novo caminho que seja funcional. Assim, podemos ressignificar o processo vivido por ele, dando um novo sentido à sua história.

Martha Moreira Cavalcante Castro
Universidade Federal da Bahia
Instituto de Ciências da Saúde, Departamento de Fisioterapia
40110-902 Salvador, BA, Brasil.
E-mail: marthmccastro@gmail.com

REFERENCES

  • 1
    Rangel RF, Costenaro RG, Ilha S, Zamberlan C, Siqueira HC, Backes DS. Formação para o cuidado integral: percepção de docentes e discentes de Enfermagem. Rev Pesq: Cuidado é Fundamental Online. 2017;9(2):488-94.
  • 2
    Salvetti Mde G, Cobelo A, Vernalha Pde M, Vianna CI, Canarezi LC, Calegare RG. [Effects of a psychoeducational program for chronic pain management]. Rev Lat Am Enfermagem. 2012;20(5):896-902. English, Portuguese, Spanish.
  • 3
    Pinheiro RC, Uchida RR, Mathias LA, Perez MV, Cordeiro Q. Prevalência de sintomas depressivos e ansiosos em pacientes com dor crônica. J Bras Psiquiatr. 2014;63(3):213-9.
  • 4
    Turra V, Almeida FF, Doca FN, Costa Júnior AL. Protocolo de Atendimento Psicológico em Saúde Orientado para o Problema. Hospital Universitário de Brasília Distrito Federal, DF, Brasil. Universidade de Brasília Distrito Federal, DF, Brasil. 2012;43(4):500-9.
  • 5
    Castro EK, Barreto SM. Critérios de médicos oncologistas para encaminhamento psicológico em cuidados paliativos. Psicol Ciênc Prof. 2015;35(1):69-82.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2017
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