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Para inquirir o trabalho: metodologia crítica, investigação-ação e uma nova «enquête operária»(*)

To inquire work: critical methodology, action-research and a reloaded “workers’ inquiry”

Resumo

O ensaio reconstitui a crítica metodológica, a co-pesquisa-ação e a tradição da “enquête operária” tais quais tiveram lugar, como um “Modelo de Pesquisa Colectiva”, no interior do Observatório para as Condições de Trabalho e Vida (OCVT) / NOVA4TheGlobe / Universidade Nova de Lisboa, durante os últimos anos, dando a conhecer uma perspectiva de duplo carácter: o trabalho de pesquisa e a pesquisa do trabalho, em uma concepção dialéctica de trabalho teórico crítico e investigação social empírica, a partir do horizonte de possíveis da centralidade do “trabalho vivo”. Neste sentido, reconstitui o movimento que deu lugar ao intelectual coletivo que anima o OCVT, a partir de uma hora histórica e um lugar social específico, propõe uma conversação em aberto sobre o sentido mesmo da formação da subjetividade do ser-que-trabalha, como agência social e, por fim, de forma tentativa ou exploratória, recoloca a questão da emancipação humana integral. Para isso movimenta-se por diferentes momentos, i) pesquisar o trabalho, ii) trabalhar a pesquisa e iii) para um modelo de pesquisa coletiva, e os excursos, iv) por uma ciência social pública e orgânica ao mundo do trabalho; v) triangulação metodológica combinada ou sistema topológico de centro móvel e vi) algumas anotações à guisa de conclusão: “que fazer” e “por onde começar”?

Palavras-chave:
Teoria crítica; Metodologia; Co-investigação; Pesquisa-ação; Nova enquête operária

Abstract

The essay reconstitutes the methodological critique, the co-research-action and the tradition of the “workers' survey” as they took place, as a “Collective Research Model”, inside the Observatory for Working and Living Conditions (OCVT) / NOVA4TheGlobe / Universidade Nova de Lisboa, during the last few years, making known a dual perspective: research work and work research, in a dialectical conception of critical theoretical work and empirical social research, from the horizon of possibles of the centrality of “living work”. In this sense, it reconstitutes the movement that gave rise to the collective intellectual that animates the OCVT, from a historical time and a specific social place, it proposes an open conversation about the very meaning of the formation of the subjectivity of the being-that-works, as social agency and, finally, in a tentative or exploratory way, raises the question of integral human emancipation. For this, it moves through different moments, i) researching the work, ii) working the research and iii) towards a collective research model, and the excursions, iv) for a public and organic social science to the world of work; v) combined methodological triangulation or mobile center topological system and vi) some notes by way of conclusion: “what is to be done” and “where to begin with”?

Keywords:
Critical Theory; Methodology; Co-research; Research-action and new workers’ inquiry

“É simples imaginar o lugar que o trabalho deveria ocupar em uma sociedade bem organizada: ele deveria constituir-se no seu núcleo espiritual mais fundamental.”

Simone Weil (1909-1943)

Introdução1 1 *) O presente ensaio de interpretação foi, inicialmente, pensado para se constituir numa reflexão crítica sobre um intelectual colectivo, socialmente situado e historicamente datado. Tratava-se dum primeiro diagrama rudimentar sobre o perfazimento do Observatório para as Condições de Vida e Trabalho, sua gênese e devir. Algumas palavras a respeito desta escolha se impõem. O ensaio se caracteriza pela renúncia à busca duma qualquer certeza inexorável, própria à ciência positiva. Na forma-ensaio, os conceitos tornam-se cada vez mais efetivos à medida em que se fertilizam reciprocamente, não comportando, nunca, definições prontas e acabadas. O nexo vivo, entre o pensamento crítico e a imaginação criadora, possibilita uma experiência intelectual ao mesmo tempo mais rica, no “alargamento de possíveis”, mas por isso mesmo mais suscetível ao risco do falhanço e/ou do engano. A forma está estreitamente vinculada a uma concepção de mundo, de vida, de humanidade e conhecimento. Partilha-se cá da preocupação marxiana com os métodos de pesquisa e exposição, é inseparável da sua noção de Crítica crítica e, em última instância, aduzimos que o conteúdo daquilo que se quer conhecer não se mantém incólume - no decurso mesmo de sua descoberta. O ensaio, diferentemente das formas típicas da “teoria tradicional”, não tem como um objetivo principal classificar, categorizar, programar ou quantificar à exaustão o seu objeto, mas compreendê-lo no interior de seu próprio vir-a-ser. Isso não significa, contudo, uma recusa qualquer do conhecimento objetivo. Muito pelo contrário, a própria ideia de saber e objetividade é trans/form/ada, através da mediação do ensaio. Essa forma aberta, longe de ser leviana e/ou sem rigor, é o que se “sedimenta” - em busca do próprio conhecimento - sobre os conceitos e sobre a sua relação com os objetos. Sua forma tentativa e exploratória recusa a conceptualização assente num ideal metódico cartesiano e alheio à contradição em movimento, caracterizada pelo mundo do capital. A primeira apresentação deste texto foi em português europeu, no interior da primeira coletânea do OCVT In: Trabahar e Viver no Séc. XXI, Ed. Húmus, Porto 2021, ISBN 978-989-755-656-2. O presente texto trata-se duma versão revista e ampliada, após 10 anos de vida do OCVT como associação científica autônoma. Este texto, tentativo e exploratório, não seria possível sem o trabalho coletivo junto com Duarte Rolo e Raquel Varela e todos os demais colegas, companheiros e amigos do Observatório das Condições de Vida e Trabalho (OCVT) / Nova4TheGlobe (N4G) / Universidade Nova de Lisboa (UNL), tal qual sujeitos-trabalhadores compartícipes das pesquisas-ações e das co-investigações levadas a cabo nestes últimos anos. O seu título, livremente inspirado num volume histórico, editado a cura do epistemólogo franco-brasileiro Michael Jean-Marie Thiollent, é uma singela homenagem ao responsável primeiro por nos fazer chegar à noção de pesquisa-ação. Sobretudo, é por sua causa que, pela primeira vez, pusemos os olhos na “enquéte ouvriére” do velho mouro. Os nossos primeiros mestres são, sempre, irretribuíveis. É por isso que estendo os meus mais profundos agradecimentos a todos meus queridos mestres do sistema universitário público do Brasil. Por fim, importa referir que o trabalho científico de Michael Burawoy é-nos uma inspiração constante e, em vários momentos, recorremos a seus insights de tal forma imbricados com a estrutura do texto que citá-lo a cada nova referência tornaria a fluidez da leitura algo inconcebível. Aqui referimos sobretudo a noção de ciência reflexiva e a metodologia do estudo de caso ampliado como paradigmas fulcrais de orientação em pesquisa.

O trabalho ocupa um lugar central nas sociedades: na política, na cultura e na economia. Apoia a produção social de bens ou de serviços; tem um valor social - fundamental - e é preponderante na socialização humana; garante o acesso ao consumo; é fonte de direitos sociais e de cidadania política; qualifica e situa as pessoas na sociedade em geral; parece pertinente na resolução de todos os problemas socioambientais - e ecológicos - em geral. Essa proeminente centralidade constituiu-se num caminho complexo de luta e resistência pela dignidade do trabalhador e contra a sua alienação, num raro equilíbrio entre o individual e o coletivo, afirmando-se e reafirmando-se o trabalho humano enquanto um valor histórico universal. Na verdade, o trabalho é tudo isso e muito mais, para o indivíduo e para o género humano. A centralidade do trabalho é um ponto de partida fulcral do trabalho teórico dentro do Observatório para as Condições de Vida e Trabalho (vide Antunes, 2013(2013) Presentation. In: Antunes, Ricardo. Meanings of Work. Brill : Boston, p. 9.; Dejours & Deranty, 2010b; Rolo, 2015b; Lessa, 1997Lessa, Sergio. Centralidade do trabalho: qual centralidade? Revista de Ciências Humanas, v. 15 n. 22, doi.org/10.5007/%25x, 1997.
https://doi.org/10.5007/%25x...
; Harribey, 2017Harribey, Jean-Marie. La centralité du travail vivant. In: Les Possibles, n° 14, 2017., etc.).

A crise económica internacional de 2008 criou, para além do seu séquito de devastações, também condições globais a um retorno do espectro do trabalho no locus acadêmico, o que, em Portugal, encontrou uma nova expressão no sistema universitário português. O Grupo de Estudos Interdisciplinares Globais do Trabalho, pioneiro no sistema académico português desde o último quartel de século. À medida que o seu devido impacto social passou a transbordar ambientes exclusivamente universitários e que a análise exigiu transcender as ciências sociais e humanas - ampliando-se, no tempo ou no espaço -, também se impuseram a necessidade e a possibilidade da criação do Observatório para as Condições de Vida e Trabalho (OCTV), que deu lugar a um renovado e aliciante modelo de pesquisa coletiva, notadamente interdisciplinar, multiprofissional e internacional. São seus métodos, programas e conteúdos de trabalho que nos propomos a expor.

O leitmotiv filosófico de Públio Terêncio (185 a.C.-159 a.C.) não poderia ser-nos mais atual e atuante, no que se refere à nossa concepção total de mundo, nada do que é humano nos é alheio. A “perspetiva de totalidade” converte-se daí num ponto de vista excecional para a própria observação do mundo social na sua inteireza: dinâmicas, estruturas e, sobretudo, a partir do seu complexo sistema de relações sociais. Mais do que um piedoso ideal, trata-se de uma prática efetiva que fundou o próprio OCTV. Criado numa altura em que um quarto da população de Portugal vivia abaixo daquilo que os organismos multilaterais consideram o “limiar da pobreza”,2 2 Como atestam já os vários estudos sobre o Sul do modelo social europeu. Vide Varela, Raquel et. al., A Segurança Social é Sustentável: trabalho, Estado e segurança social em Portugal. Lisboa : Bertrand, 2013. e a maioria da população trabalhadora mundial - nos níveis local, regional e global - assistiu a uma brutal degradação do seu modo de vida e condições de trabalho, fruto do que veio a afirmar-se como as “políticas de austeridade”, que em grande medida acentuaram a desigualdade social e todo o seu rol de problemas sociais crônicos: condições degradadas de trabalho, habitação, saúde, segurança social, alimentação, bem-estar social, lazer, e nexos metabólico-sociais com a natureza. O trabalho é a “questão social”, em última instância, que medeia todas estas problemáticas várias. A partir do Alfa e Ômega de todo problema social relevante e questão humana vital é que assentamos toda a nossa “direção de vida”.

O OCTV é simultaneamente, uma aposta estratégica, um projecto integrador e uma certa “objectivação duradoura”, ampliada tanto no tempo histórico, de longa duração, quanto no espaço social, internacionalista, de estudos, investigações e divulgação pública, com sede em Lisboa, que congrega distintas áreas do conhecimento social-histórico, instituições académicas e ocupações socioprofissionais, em diferentes países de todo mundo. A sua equipa científica - assim como seu respetivo conselho consultivo - perspectivam constituir-se num coletivo intelectual global e um programa científico abrangente de pesquisas vis-à-vis o trabalho social, a saúde, a educação, a alimentação, a habitação, a situação do Estado social (“welfare state”), o sistema de segurança social, os fluxos migratórios, as políticas públicas, o “movimento social como um todo”, a democracia substantiva, as relações internacionais, as formas históricas de opressão social, a crítica da economia política, a consciência adjudicada e as conceções de cultura, além dos nexos dinâmico-causais das populações, o direito à cidade (transportes, infraestruturas, etc.), a história social do mundo do trabalho, a sociabilidade humana, e as assim chamadas “questões do modo de vida” (vide Gramsci, Trotsky e Dias).

Das ciências históricas e sociais - “teoria”, se quiserem -, bem como do sistema de artes, visões sociais de mundo e das humanidades - “cultura”, em síntese -, às ciências exatas e naturais, desde a biologia à medicina, por um lado, até às matemáticas e a estatística, por outro. Dentro daquilo que se convencionou dizer por “ciência”,3 3 Sem querer realizar um circunlóquio metacientífico a respeito, por ora, bastaria com afirmar que o Norte que nos guia passa pelas seguintes coordenadas fulcrais: a) intenção e gesto efectivos pela verdade, b) valor cognitivo do discurso e da prática científica e c) livre debate de ideias teóricas e metodológicas no Grupo. na modernidade-mundo, fazemos questão de congregar um diálogo global, entre as mais diversas áreas disciplinares que co-habitam os saberes.

Neste texto iremos tentar tratar exclusivamente uma série de trabalhos investigativos que, durante os últimos anos, desenvolvemos junto de sindicatos de trabalhadores, ordens profissionais e/ou autarquies públicas. Mais especificamente, trataremos de perquirir com maior detalhe a dupla dimensão - teórico-metodológica e político-social - a respeito dos estudos que desenvolvemos sobre as condições de trabalho e de vida realmente existentes em categorias socio-ocupacionais tão dissimiles quanto o são professores, médicos, estivadores, tripulantes de cabine, funcionários públicos, maquinistas de comboio, operadores de metro, enfermeiros, jornalistas, oficiais de justiça, técnicos de manutenção aérea e metalúrgicos da AutoEuropa, dentre outros. Depois de vários anos, em vários sectores laborais, que incluem sucessivos movimentos de aproximação e distanciamento, desde os primeiros contactos para a pesquisa de campo, na singularidade de cada sector, até o debate público o mais amplo dos relatórios científicos, acreditamos que é chegada a hora de sistematizar e organizar o material resultante de modo coerente e unitário. A partir deste comentário pretendemos daí dar azo a uma reflexão metacientífica ou metaprofissional sobre o conteúdo e o sentido não só do trabalhor em geral, mas também do trabalho teórico em particular. Para isso, dividimos o ensaio em momentos vários, i) pesquisar o trabalho, ii) trabalhar a pesquisa e iii) para um modelo de pesquisa coletiva, e os excursos, iv) por uma ciência social pública e orgânica ao mundo do trabalho; v) triangulação metodológica combinada ou sistema topológico de centro móvel e vi) algumas anotações à guisa de conclusão: “que fazer” e “por onde começar”?.

Pesquisar o trabalho

A negação, pusilânime ou apologética, da centralidade do trabalho - um tema importante e persistente nas ciências sociais e humanas4 4 Vide: Gorz, 1980; Offe, 1984; Kurz, 1991; Castells, v/ed.; Habermas; v/ed.; Arendt, v/ed.; e muitos mais. - tornou-se mais pronunciada nas últimas décadas, coincidindo com a gênese de uma “crise estrutural do capital”. As origens dessa tendência são já antigas. Desde 1925, Karl Mannheim, na sua célebre obra Ideologia e Utopia, afirmava que “as classes estão a fundir-se”, pois que, segundo uma ideia muito mais antiga, emprestada à tradição filosófica alemã, vivemos a “era da equalização.”5 5 Apud Mészáros, István. Presentation. In: Antunes, Ricardo. Meanings of Work. Brill : Boston, 2012, p. 9. Mas, como alguém já disse, uma e outra vez, “tudo o que é sólido se desvanece no ar”.

Poucos anos passaram desde a projeção de Mannheim e, precisamente em 1929, a Grande Depressão acabara por revelar-se uma grave crise sistémica mundial, o que ocorreu ao longo dos anos 30 do século XX, variando em ritmos e intensidade, e se prolongou até à tragédia da Segunda Guerra Mundial, abrindo uma nova era, na década de 30, de revoluções e contrarrevoluções, cujo epicentro foi, mais uma vez, o trabalho. 1929 trouxe uma era de fomes, decadência e desespero - o oposto da “equalização”, e foi considerada a depressão a mais longa, profunda e disseminada do século XX. A tendência real em presença, portanto, foi a de uma equalização das taxas diferenciais de exploração global pela qual a classe capitalista de todo o mundo tratou de repor a força de trabalho da humanidade sob uma forma cada vez mais intensa de subordinação social. O contrarrestar desta tendência teve então o seu ápice na revolução espanhola, na resistência ao nazifascismo e, finalmente, no pacto social, resultante da derrota deste na Europa e países centrais que trouxe - por três décadas, apodadas “anos dourados”6 6 Devemos a Mandel (1962) uma demonstração irrefutável do caráter excecional deste interlúdio histórico. - a crença na possibilidade de se conciliar concentração de riqueza e mitigação da pobreza. Rapidamente, a crise dos anos 1970 iniciou daí a sua reversão histórico-social e a pauperização absoluta retornou aos países centrais, acompanhada duma aguda deslocalização de parte da produção pesada para a Ásia, a entrada do mercado chinês de trabalho super-barato (ou hiper-desprotegido) no mercado mundial, a extensão da precariedade (e das subcontratações) na Europa e o acréscimo exponencial da desigualdade social. As diversas mistificações pseudo-intelectuais já não logravam descartar a “questão social” por “preocupações anacrónicas do século XIX”. A necessidade mesma de desafiar a subjugação hierárquica e estrutural do trabalho ao capital continua, assim, a ser o grande tema do nosso tempo, a saber, a instauração efectiva de uma autêntica democracia substantiva no mundo do trabalho. Pensar e agir sobre esta questão cimeira, na teoria e/ou na metodologia, bem como no âmbito social e político, é impensável sem reafirmar de maneira convincente a centralidade do trabalho em todos os aspetos fulcrais da vida: na seara ontológica ou epistemológica, económico-social e político-cultural, quotidiana e histórica, individual ou coletiva, como meio e fim, em quantidade e qualidade, no passado e no futuro. O sujeito-que-trabalha e o real-do-trabalho são, aí, essenciais. Talvez esta seja uma das principais contribuições dos estudos globais do trabalho que se realizam no OCVT em termos de uma nova perspectiva sobre a sociologia crítica do trabalho.

Para a reafirmação da centralidade do trabalho, é preciso, contudo, elencar de maneira inequívoca as mais diversas dimensões - humanamente objetivas - constituidoras deste ser social.

A globalização neoliberal é um fenómeno social abrangente, que conectou commodities, investimentos e a força de trabalho à escala global. Esse processo refundou o mundo, quantitativa e qualitativamente e adquiriu um novo impulso nas últimas cinco décadas, com a urbanização maciça e o emprego assalariado de milhões de trabalhadores do Sul global. No entanto, ocorreu num movimento desigual e combinado, unindo a mesma enorme cadeia de abastecimento global em diferentes territórios, nacionalidades, regiões, culturas, diferenças em formação e qualificação da força de trabalho, acesso a transporte e serviços (salário social) e níveis salariais muito diversos e/ou condições de vida e de trabalho, em sincronia com diversas migrações populacionais maciças e relocalização de empreses ao redor do globo, dificultando enormemente uma qualquer avaliação de teóricos e pesquisadores estritamente individuais.

Quais são os fatores chave que moldam a atual reestruturação produtiva à escala global, bem como as suas principais tendências? Qual é a relação entre a força de trabalho e as periferias, as semiperiferias e o centro vivo do sistema inter-Estados? Houve um impulso mundial tanto na movimentação de mercadorias (incluindo bens de consumo) quanto na força social de trabalho no mundo, após a década de 1970. Desde então, a cidade e a metrópole prevalecem de uma forma muito preponderante sobre a província e o campo, e a grande maioria da população mundial trabalha para os chamados mercados, nas suas diversas formas sociais, e em relações sociais de trabalho muito heterogéneas, o que rearranjou todo sistema interestatal. Os estudos globais do trabalho - em suas diversas frentes - avançaram já muito a este respeito.

A reprodução ampliada da contradição entre os polos da acumulação e da legitimação tem recrudescido tanto a financeirização do capital, a despossessão do trabalho e uma dinâmica económico-social de baixa intensidade, sobretudo sem a criação de empregos, quanto suscitado um novo discurso chauvinista, a bonapartização política e a violência e fraude sistêmicas, numa escala inaudita. Urge rememorar que a crescente degradação do trabalho amparada pelo estímulo governamental ao empreendedorismo dos subalternos, à imigração laboral e ao trabalho barato não é mais que uma maneira de transubstanciar vinho em água, i.e., tende a agravar os efeitos deletérios do embate entre o polo da acumulação e o polo da legitimação. Numa conjuntura de erosão à escala global dos rendimentos do trabalho, as ilusões sociais populares em soluções de saída individual (imigração) para a crise fatalmente irão esbater face à brutal recessão no horizonte.

Apesar do afã facilmente identificável no noticiário televisivo - por exemplo em relação aos planos de recuperação e resiliência social, transição digital ou reconversão verde (a “bazuca europeia”) -, o chamado “capitalismo do 4.0” simplesmente não pode nunca substituir as velhas promessas do consenso keynesiano do segundo pós-guerra ou o pacto social dos anos dourados, de inserção social via trabalho subsequente à cidadania salarial, exatamente por não ser apto a reproduzir a condição de proletariedade sem marginalizar amplas franjas de trabalhadores do acesso a direitos sociais das mais elementares, inclusivamente, o próprio direito constitucional ao trabalho. A “fordização” do trabalho de serviços - vide tapete rolante que se estende dos hospitais às escolas, e a proletarização / desprofissionalização crónicas que lá imperam - e daí às novas vagas de plataformização do trabalho revelam, em si e para si, a universalização da lógica da concorrência no interior das próprias fileiras dos “de baixo” esposada com o polo da acumulação e, ao mesmo tempo, estruturalmente divorciada do polo da legitimação “por cima”. Neste sentido, não é difícil saber como a crise económica alimenta a crise política, para não falar de desdobramentos militares ou - mais brutalmente - as supostas “salvações sagradas” para a crise são a sua “danação profana”.

A pandemia e a resposta a esta, para não falar sequer da guerra na Ucrânica, enfatizaram a irracionalidade do sistema sociometabólico dominante e chamam à nossa atenção mais uma vez à centralidade do trabalho. É preciso refletir sobre o valor de todo o trabalho humano, sobre os valores nos quais ele deve alicerçar-se, sobre as suas rígidas divisões sociais ou internacionais. A precariedade da vida e a não-regulamentação do trabalho são formas de controle vis, violentas e unilaterais sobre os trabalhadores, favorecendo assim o egoísmo, o utilitarismo e as concentrações escandalosas, injustas e estéreis de riqueza social. O debate sobre o capitalismo voltou para ficar.

Ao lado da centralidade do trabalho, temos de destacar ao menos duas das tendências de significação teórica e metodológica em estudos do trabalho, quais sejam: a teoria social crítica como um horizonte fundador, sobre o modo tradicional de produção do saber, e a primazia da práxis - e.g., o nexo de indissociabilidade de teoria e prática -, como ideada na tradição dialética.

Gramsci (1975Gramsci, Antonio. Quaderni del Carcere. Edizione Critica. Torino, Einaudi, 1975.) vaticinou, a respeito do trabalho científico em ciências sociais e humanas, que “descobrir a substancial diversidade por detrás da aparente identidade (e vice-versa) é a mais delicada, ignorada e, porém, essencial aptidão do crítico das ideias e do historiador do processo social”. Parece-nos que o nexo de unidade e distinção entre as vagas médias dos governos da troika (2011-2014) e da geringonça (2015-2019) - em Portugal - permanece inexplorado entre si e, por outro lado, abstraídos tanto à dinâmica de ciclos curtos como à estrutura de longa duração. Não temos espaço e tempo necessários para desenvolver o fio argumentativo nuclear, mas parece-nos que se enganam tanto aqueles que apelam à identidade absoluta como os que advogam por uma diferença substantiva entre os distintos arranjos governativos dos últimos dez anos que aqui nos ocupam, motivados por intenções alheias à busca da verdade.7 7 Parece-nos, às vezes, que o exercício singelo de cotejar as análises realizadas sobre um período e outro já fariam iluminar as zonas de penumbra entre a essencial identidade por detrás da aparente diversidade. Para não ir longe, sugerimos o singelo cruzar de dados, hipóteses e/ou modelos apresentados ambos em alentadas investigações de pós-doutoramento, conduzidas com mobilidade internacional de quadros supervisionadas: i) no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra com Leandro Galastri (FFC/Unesp) e Elísio Estanque (CES/UC), e, ii) no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa com Marcelo Braz (ESS/UFRJ) e Francisco Louçã (ISEG/UL). Os projetos de pesquisa chamam-se “O atual modelo político português: a construção de alianças à esquerda” (2019), de um lado e “Para a Crítica da Crise” (2015), do outro; diga-se de passegem, da lavra de intelectuais críticos - brasileiros e portugueses - com percursos sérios e reflexives e que gozam de immensa respeitabilidade na acadèmia. Se é verdade que a descontinuidade em relação aos aspetos mais barbarizantes desta crise social mitigou algumas das contradições mais agudas, também o é que o estrutural se manteve, intocável, na degradação dos direitos do trabalho.

A mais laudatória exegese do último período encontra-se em Daniel Finn (2017Finn, Daniel. Luso-Anomalies, In: NLR 106, July-Aug. 2017, newleftreview.org/issues/ii106/articles/daniel-finn-luso-anomalies.
newleftreview.org/issues/ii106/articles/...
), e a mais devastadora crítica pode ser buscada em Mickaël Correia (2019Correia, Mickäel. A face oculta do milagre português. In: Le Monde Diplomatique, Ed. 146., Lisboa, Sep. 2019.), em diametral oposição. O leitor poderá avaliar por si só com o distanciamento crítico necessário às análises supracitadas. A verdade, sem embargo, é que nos últimos dez anos a esfera pública portuguesa esvaiu-se do debate sobre apostas estratégicas, horizontes utópicos e saídas alternativas para a transformação social e a discussão intelectual sobre a política, em sentido mais amplo, quando a houve, gravitou em termos sobretudo de escaramuças sobre a validação de políticas públicas mitigadoras, conflitos palacianos por poder e/ou microguerrilhas tecno-burocráticas a partir da governação do Estado. A clássica distinção entre grande política, da transformação do Estado, e pequena política, das indiscrições dos corredores, tem lugar e hora com contornos dramáticos, posto que é justamente quando a realidade nos exige a vontade e o intelecto de tempos e espaços de crítica e transição que encontramos uma metamorfose social daqueles que se apresentavam tal disruptivos radicais críticos da ordem, e ora, terão sido reconvertidos na representação habitual da ordem face à crítica?

Evidentemente, nada está decidido em definitivo de antemão, e a forma de trânsito geral rumo à centralidade da despossessão de direitos e à coerção estatal sobre os trabalhadores vai depender dos desdobramentos dos conflitos sociais, não só no país, como em toda a Europa. Estaria o regime de regulação - do arranjo governativo - com os dias contados? Afinal, se a especificidade do regime repousa na articulação entre consentimento passivo dos subalternos e consentimento ativo dos dirigentes dos movimentos sociais, como poderá este modelo reproduzir-se sem o assentimento da “base”, seguido pela intensificação da pressão social deste sobre “o topo” da direção das estruturas sindicais? Como veremos a seguir, parece que as condições para o “pacto social” chegaram perto do fim. Neste sentido, o sismógrafo social e político indiciaria uma crise de hegemonia do país. As sucessivas crises políticas e greves no horizonte, do novo governo de “maioria absoluta”, são bastante sintomáticas desta nova etapa.

Entretanto, vimos generalizar-se o teletrabalho e o ensino à distância, além de lay-offs e despedimentos coletivos, do insucesso educativo e do abandono escolar, junto com uma série de dilemas inevitáveis para as condições de trabalho e de vida - além duma renovada agitação social.

O impacto da reconversão digital na organização social do trabalho é algo tão (ou mais) importante quanto o da revolução industrial precedente que deu origem ao Estado social. Dito desta maneira pode soar algo desproporcionado, do ponto de vista lógico e histórico, mas se atentarmos nos nexos psíquicos e físicos de gerações inteiras que já viveram estas grandes transformações no mundo do trabalho e da vida, perceberemos que o próprio sensorium corpóreo - isto é, o aparelho material-sensível de cada organismo humano como um todo - sofreu alterações radicais, não expectáveis, no curso da história recente dos nexos do metabolismo social.

Que o diga quem acompanha mais de perto a educação escolar dos mais jovens que em parte acabaram por realizar a alfabetização informacional antes da sua literacia verbal, ou a vida laboral de quem passou a ser governado pelo acicate do algoritmo-no-trabalho. Não é razoável supor que o lapso entre o campo e a cidade é tão abissal para o trabalho e a vida social quanto o hiato havido do lápis e caneta para as plataformas ou ecrãs digitais? E tais mutações tecnológicas, de tamanha magnitude, são necessariamente acompanhadas por uma reestruturação institucional. Aí a crise social e laboral faz-se acompanhar de uma crise ecológica sem precedentes e coloca em novo patamar a questão da sustentabilidade. Não à tôa fala-se hoje em dia em “policrise” para contextualizar a simultaneidade histórica destas diferentes temporalidades descompassadas. Não espero aqui o consenso com os psicólogos clínicos e/ou os historiadores do trabalho, que tanto do ponto de vista micro quanto do macro, poderiam objetar-nos duma forma ou de outra, mas, pelo menos, interpelar a audiência com um debate crucial, o qual merece ter lugar entre nós. Sem sombra de dúvidas trata-se duma questão social pública da mais elevada importância, para o novo milênio, e que definitivamente veio para ficar.

De acordo com os termos da Constituição da Organização Internacional do Trabalho (OIT), adoptada há mais de um século já, “tal mal-estar constitui uma ameaça à paz e harmonia universais”. O crescimento vertiginoso das desigualdades sociais, o abandono das classes sociais subalternas à precariedade laboral e à subproletarização, as migrações em massa de populações expulsas - pela miséria, guerras ou pela devastação global - suscitam a ira e a violência poliédrica que retroalimentam o retorno dos nacionalismos e das xenofobias. Na maioria dos países, sobretudo com um registo de ajustes estruturais, o ódio latente suscitado pela injustiça social provoca o ressurgir do bonapartismo político - embora de natureza distinta - e as divisões entre “eles” e “nós”. O introito da própria Constituição da OIT e a Declaração de Filadélfia (1944) asseveravam já que “que a paz duradoura só advirá da justiça social”.8 8 Supiot, Alain. Le travail n’est pas une marchandise. Collège de France/Leçons de Clôture. Paris, 2019. As particularidades históricas nacionais, do Sul global, permitem antever, mutatis mutandi, o futuro do Norte mundial.

Os riscos desta submersão na desumanização do trabalho são brutais nesta nova época. Ao domínio de nexo físico sobre o trabalhador acresceu-se já um novo de nexo psíquico. O trabalho vivo das pessoas é reconcebido a partir da protoforma vital do trabalho morto dos computadores, ou seja, como o desígnio mesmo de execução duma programação inamovível. Transformados em novos apêndices de redes computacionais destinadas a tratar, vinte e quatro horas por dia, nos sete dias da semana, de quantum crescente de qualis decrescente, são ora avaliados individualmente com base em indicadores de desempenho isolados da sua experiência concreta nas tarefas a cumprir.9 9 A avaliação individual de desempenho é objeto de crítica, demolidora, em Christopher Dejours (2012). Daí o aumento espetacular do sofrimento psíquico no trabalho, já percebido por todo o mundo. A gestão informacional, com todos os elementos da subsunção salarial, mas sem as antigas garantias, traz consigo um novo cortejo de aviltamento e sujeição.10 10 O tema da servidão voluntária - tipicamente boetiano - ressurge, em uma série de analistas do trabalho, como Antunes (2018), Dejours (2010) e vários outros. Não nos parece obra do acaso e mera coincidência.

A nova era poderia emancipar todas as atividades não calculáveis e não programáveis, a práxis ou a poíesis, em tarefas que supõem a liberdade, a criatividade e a atenção ao outro, mas para tal seriam necessárias relações de direção mais do que de dominação, i.e., o princípio da autoridade do argumento mais do que o argumento de autoridade degenerado em poder: a corresponsabilidade comum no lugar de uma cadeia única de comando. Os novos simuladores de conversação robóticos - verdadeira coqueluche de resignação fatalista e ceticismo cínico -, não obstante demonstraram, desgraçadamente, justamente o seu contrário.

A organização social do trabalho depende dos produtores - e não só consumidores -, ao optarem por uma produção duradoura e sustentável, tanto em relação aos meios quanto no que tange aos fins: para quê e para quem? A mercantilização das esferas da vida como um não-tão-novo hegemon da nossa época parte da generalização absoluta do conceito de capital, inclusivamente o de “capital humano”. Na sua Leçon de Clôture no Còllege de France, Alain Supiot11 11 Idem, ibidem. rogou que: “não esqueçamos que o primeiro inventor (da ideia de ‘capital humano’) foi Stálin,12 12 Joseph Stálin In: “O capital mais precioso é o homem” e “Por uma formação bolchevique” 4/5/1935, Discursos no Kremlin, In: Stálin apud Supiot (2019a). e que o único sentido rigoroso que se lhe pode dar (a ele) está nos ativos dos livros de contabilidade dos proprietários de escravos”. Caso não façamos a Crítica crítica mais desapiedada à ditadura estalinista e às sociedades do Leste a expressão “O trabalho liberta” será um apanágio, exclusivo, dos umbrais dos campos de concentração prisional - e trabalho forçado - de Auschwitz.

Não é uma tarefa nada fácil interpretar um universo tão complexo, multidimensional e/ou esquivo. Para explicar e compreender tais interpenetrações de fenómenos complicados - eventos e processos, factos ou categorias, realidades e/ou representações - exige-se-nos lidar com investigações transdisciplinares e multiprofissionais sólidas em estudos globais, no contexto de vários sistemas académicos. Como podemos então, à medida que a metamorfose do capital global cada vez mais integra todos, resistir às pressões que nos levam ao “nacionalismo metodológico” e aos estudos fragmentados? Ou, o que seria o seu equívoco simétrico, uma abstração olímpica, “universalista”, da particularidade empírica? Será possível objetar esta forma de nexo mitigatório?

Trabalhar a pesquisa

Qualquer investigação se inicia por uma questão, uma dúvida ou uma pergunta - articulada com o conhecimento social anterior, mas que também poderá requerer a criação de novas referências. O ponto de partida que anima toda a atividade científica é o espanto, a admiração e/ou o “estranhamento” face ao que é desconhecido. O que nos provoca, instiga a imaginação filosófica, conduzindo os seus investigadores a confrontar-se com uma dada temática de relevância para o mundo real e a eventual contribuição para um campo particular do saber. O tema não é mais do que o terreno sobre o qual os investigadores formularão os seus problemas mais relevantes de pesquisa social, problemas capazes de suprir lacunas nos saberes previamente existentes. Tais questões devem ser construídas de maneira que as suas soluções não só esclareçam aspectos até então não explicados deste tema, como apontem para novos problemas, para futuras investigações científico-sociais de relevo. Pensar a ciência não em termos de garantias ou validade - o medo de errar poderá ser fatal. De acordo a Benjamin “Methode ist Umweg”, qual seja, o método seria um detóur, um rodear e/ou uma deambulação.

Não existe forma unilateral e esquemática de responder a tal questão nas ciências sociais. Mais ainda na teoria crítica, para a qual a ideia de verdade se transforma, pois o pensamento crítico reconcilia-se com o seu próprio desamparo - e abdica da ilusão das certezas absolutas. Na história das ideias teóricas e metodológicas sobre o trabalho não deve haver qualquer veleidade exclusiva. O que se pode propor - início de conversa - é algo simples: partir da tradição intelectual que conhecemos de perto, a “sociologia do trabalho”, passando então à práxis da história global do trabalho e daí da psicodinâmica do trabalho, respectivamente dinamizadas por Rolo e Varela.13 13 A indicação supra não deve aludir nem à personalização das áreas disciplinares, como as zonas exclusivas dos três autores, nem a uma lógica interdisciplinar de baixa intensidade, como se reduzida ao comparatismo. Na secção presente, portanto, vamos dar azo a angulações que são provenientes de estudos sobretudo das disciplinas da sociologia, da história e da psicologia.

Sociologia: o social do trabalho

As nossas aspas iniciais em “sociologia do trabalho” não põem em xeque, científica ou socialmente, a suprareferida especialidade. Antes partimos da premissa de que a própria origem das ciências sociais - ou a sociologia moderna - tem lugar a partir da crescente divisão do trabalho e na nascente sociedade civil, estreitamente relacionadas ao trabalho assalariado na sociedade do capital - para além das novas (emergentes) questões de método, da acepção do problema social e à conceção de mundo (liberal) a que conleva. Apesar das objeções à centralidade do trabalho - expressadas por parte considerável dos expoentes da sociologia - para o ser social em geral, poucos cientistas sociais negariam o fulcro sobretudo social do fenómeno laboral, isto é, o seu carácter em si - socialmente estruturado e estruturante. Toda a ciência sociológica enquanto tal surge para responder a interrogantes, interpelações, desafios e/ou dilemas postos pela génese do trabalho moderno, na seara mesma da relação dialética entre a teoria social e o mundo do trabalho. Vamos então calcorrer esta primeira contribuição.

De modo algo sinóptico - e para os fins que se fazem aqui necessários -, poderíamos começar por dizer que por sociologia do trabalho se entende uma dada disciplina cuja razão de ser se refere essencialmente ao estudo sistemático e consistente do trabalho humano - e societariamente organizado - e toma por objeto a sua natureza, limitações, contradições e mudanças. Ocupa-se de fenómenos económicos-sociais e político-culturais associados ao mundo do trabalho e ao universo da produção, quais sejam: sujeitos-trabalhadores, quer nas relações sociais de trabalho, quer nos processos sociais de produção, a “questão social” da condição social assalariada a grupos sociais operários, a divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual tipicamente capitalista, o aparelho estatal e o seu ordenamento jurídico, da cultura de classe social, ao quotidiano laboral até ao modo de vida societário dominante, sindicatos, conselhos, partidos políticos ou movimentos sociais das classes trabalhadoras, regimes de acumulação e modos de controlo sociometabólico, reestruturações produtivas e mundialização capitalista, até o mercado mundial, e o sistema internacional de Estados que configuram a ordem social global contemporênea em acto.

Se é bem verdade que todos os principais expoentes clássicos da ciência social moderna têm como objecto de reflexão social a divisão social do trabalho tipicamente capitalista - de Émile Durkheim a Max Weber passando por Vilfredo Pareto -, não seria justo ignorar a centralidade de Karl Marx e Friedrich Engels14 14 Diferentemente dos expoentes clássicos da sociologia a teoria de Marx e Engels desenvolveu-se fora da academia. na explicação e/ou compreensão científico-social do “mundo do trabalho”. Muito embora o projecto intelectual de Friedrich Engels e de Karl Marx fosse muito mais amplo que o estudo do trabalho, este representa um azimute central para a constituição do verdadeiro canteiro de obras que o funda enquanto edifício teórico. Neste sentido, pode-se dizer que a sociologia marxista do trabalho ou os estudos do trabalho de inspiração marxiana são um eixo axial de todo central para a génese e o desenvolvimento de determinadas correntes de pensamento social que irão avançar uma série de teorias, métodos, categorias e procedimentos, dos mais prolíficos nesta zona (como, por exemplo, a sociologia crítica do trabalho, a psicodinâmica do trabalho e a história global do trabalho ora em apreço).

É celebre a distinção feita por Marx, em diferentes momentos da sua vasta obra, entre o “pior arquiteto e a melhor abelha”. O primeiro realiza a prévia-ideação social do trabalho que vai realizar, enquanto a abelha “labora”, por assim dizer, instintivamente. Esse saber-fazer humano-societal tornou a história do ser social verdadeira realização monumental, rica e plena de aventuras e desventuras, desafios e dilemas, de avanços e/ou retrocessos. O espectro da autodeterminação do homem sobre si, o outro e o meio encontrou daí lugar. É a partir deste momentum - o alargamento de barreiras naturais - que se funda a liberdade como tal. O trabalho converteu-se num momento de mediação sócio-metabólica entre a humanidade e a natureza - ser social e ser natural - e ponto de partida para a constituição do ser social. A afirmação sustenta-se em Marx, Lukács, Vigotski e muitos outros pensadores clássicos, mas, apesar do modo expositivo rústico, ainda é mais notória a partir da pena victoriana de Friedrich Engels em A Dialéctica da Natureza (Anti-Duhring) ou, em específico, O papel do trabalho na transformação do macaco em homem (1876), manuscrito este que, durante anos a fio, teve já a sua reputação muito abalada.15 15 A crítica à Dialética da Natureza teve origem na nota de rodapé n.6 de História e Consciência de Classe de Lukács - e tornou-se axiomàtica, para o marxismo ocidental, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial.

A sua verdadeira recuperação como uma peça científica viria não de historiadores sociais e/ou economistas políticos, mas dos mais clássicos cientistas naturais duros. “Em 1975, Stephen Jay Gould, escrevendo na Natural History, celebrou abertamente a teoria evolutiva em Engels, o qual enfatizou o papel do trabalho, descrevendo-a como a noção mais avançada do evolver evolutivo humanoide da era victoriana, o que antecipara a descoberta antropológica, no Século XX, do Australopithecus africanus” (Foster, 2020b). Em 1983, Gould amplia o seu argumento, na New York Review of Books, apontando ora que todas as teorias da evolução humana eram teorias de “coevolução genético-cultural” e que seria o melhor expoente do Século XIX o notável texto de 1876 (publicado, a posteriori, em A Dialéctica da Natureza). Nesta antiga peça inacabada, o autor demonstra a relação íntima entre o trabalho humano e a natureza como um todo, um nexo que, se interrompido, seria devastador para a humanidade, assim como para as demais espécies do Planeta. Para ele, toda a nossa vantagem sobre o meio advém do facto de termos já o proveito da prévia-ideação laborativa - justamente aquilo que nos permite não só “viver em sociedade”, mas “produzir a sociedade”, dirá Maurice Goudelier - uma linha de pesquisa que teve grande revival entre nós a partir da ideia de nexo metabólico.

Marx havia já demonstrado que o trabalho é fundamental na vida real dos homens porque é nada mais e nada menos que o nexo sine qua non para sua própria existência social enquanto tal:

Como criador de valores de uso, como trabalho útil, é o trabalho, por isso, uma condição de existência do homem, independentemente de todas as formas de sociedade, eterna necessidade natural de mediação do metabolismo social entre o homem e a natureza e, portanto, atividade vital humana.16 16 Marx, O Capital, p. 50.

E, ao mesmo tempo em que os indivíduos transformam a sua natureza externa, alteram, também, a sua própria natureza humana, num processo de transformação recíproca - apropriação e objetivação - que reconverte o próprio trabalho social num eixo central de autodesenvolvimento autotélico, da própria sociabilidade humano-social: o homem demiurgo do próprio mundo dos homens à diferença - radical! - de qualquer outro espécime, realmente existente, no Planeta Terra.

Contudo, todo o complexo laborativo real funda-se a partir de um duplo carácter assaz contraditório. Por um lado, trata-se de um momento fundador da vida humana‚ pressuposto no processo de humanização/hominização - filogênico e ontogênico - por outro, a sociedade do capital transformou-o em trabalho assalariado. O que era a finalidade fundadora do ser social converte-se-o, agora, em meio de subsistência. A força social de trabalho torna-se então numa mercadoria, ainda que especial, cujo fim é criar novas mercadorias e, assim, valorizar o capital. Transmuta-se em meio e não em primeira necessidade, ou fim, da própria autorrealização humana.

Com o advento do sistema capitalista, houve uma transformação essencial que alterou e complexificou o trabalho humano. Este duplo carácter, presente no processo de trabalho que, ao mesmo tempo, inventa ou subalterniza, emancipa e aliena, humaniza ou estranha, oferece autonomia mas subordina, liberta e - a um só tempo - também escraviza, teve já, na obra marxista, tratamentos diversos desde os Manuscritos Económico-Filosóficos até O Capital.17 17 Marx, 1844 e Marx, 1867 são as respetivas datas, da primeira publicação, de ambos os materiais, inéditos. Mas não nos encontramos entre aqueles que se reveem na ideia-força de uma espécie de ruptura epistemológica18 18 Contrariamente à tese althusseriana, muitos autores afirmam a continuidade dialéctica de sua laboração. Um exemplo atual, à contrapelo, é a obra Karl Marx’ Writings on Alienation (In: Musto, Palgrave: 2021). entre um jovem Marx e um Marx maduro, buscando flagrar ao largo da sua vida e obra o instante ideal em que se teria convertido em si mesmo, para quem objeta à obra juvenil, ou, a hora da sua “traição”, segundo os críticos da teoria do valor. Haverá sentido nesta disjuntiva?

Muito pelo contrário. Estamos convencidos de que o caminho de Marx, da filosofia até à ciência social e, daí, à própria economia política, traduz distintos níveis de abstração necessários ao evolver da sua própria démarche intelectual para a apreensão mesma da realidade. Da teoria da alienação ao fetichismo da mercadoria, quando fala de auto-estranhamento ou relações sociais de produção - ao valorizar a subsunção real do trabalho ao capital ou a reificação - as categorias não deixam de problematizar, de diferentes formas e sob vários eixos, a crítica da economia política do capital e/ou a emancipação do ser-que-trabalha: do “estranhamento” - nos Grundrisse - até à “mais-valia”, na Crítica da economia política, o que equivale a dizer, desde os seus primeiros rascunhos exploratórios até à obra magna de todo seu pensamento social critico em geral:

O trabalho é, em primeiro lugar, um processo no qual participam o homem e a natureza, e em que o homem, por conta própria, inicia, regula e controla (...) com as suas próprias forças, colocando em movimento braços e pernas, cabeça e mãos, as forças naturais do seu próprio corpo, a fim de se apropriar das produções da natureza de uma forma adaptada aos seus próprios desejos. Agindo assim no mundo externo, e transformando-o, ele ao mesmo tempo muda a sua própria natureza. Ele desenvolve os seus poderes adormecidos - e obriga-os a agirem em obediência ao seu domínio.19 19 Marx, O Capital, Volume I, p. 187.

A sociologia crítica do trabalho e bem como os seus respectivos objetos configuraram-se - historicamente - tanto muito vinculados às várias realidades sociais, económicas, políticas e/ou culturais de cada país, quanto, a partir de finais do século XX, tendencialmente unificadas por uma agenda global em torno a questões afins à relação entre a financeirização da economia, a reestruturação produtiva, o avanço de políticas de austeridade, a transformação dos ciclos de conflito social, a destruição de sistemas de bem-estar tal qual hoje as questões de sustentabilidade.

História: o global do trabalho

A história do trabalho, por sua vez, oferece uma série de perspetivas de investigação. A “lógica da história” é a ciência do diálogo constante entre conceito e evidência. Diálogo este conduzido já por “sucessivas hipóteses” teórico-metodológicas, de um lado, e por “investigação empírico-concreta” de outro, segundo Edward P. Thompson (1978). A especificidade deste ponto de vista avançado pela história social do trabalho tem a ver com a relação estabelecida entre o trabalho, enquanto a atividade vital humana, e os seus nexos eminentemente políticos - quando é reinserida no complexo das relações sociais. Desde a mais austera objetividade, trazida pela perspetiva da teoria do valor-trabalho, até à mais dinâmica subjetividade, evidenciada pelo devir mesmo dos conflitos sociais, são decorrentes das mesmas premissas, classicamente estabelecidas.

Já a global labour history não é uma teoria per se, mas sim um campo de estudo. Diz respeito à história “de todas as pessoas que através do seu labor constroem o mundo moderno”, a partir de uma conceção ampliada da classe trabalhadora20 20 In: Marcel van der Linden & Jan Lucassen, Prolegomena Towards a Global Labour History, IISH, 1999. que interliga a produção à escala global e no tempo histórico. Foca-se nas relações e processos de trabalho destas pessoas e nas suas interligações. Enquanto eixo fulcral dessa abordagem, desenvolveu-se a ideia da plataforma Global Collaboratory on the History of Labour Relations, com o recurso a informações estatísticas e demográficas sobre a distribuição global das ocupações sociais e profissões do século XVI aos nossos dias.21 21 Karin Hofmeester, Global Collaboratory on History of Labour Relations 1500-2000, Amsterdam, 2013. A explicação e compreensão das continuidades e ruturas sinalizadas nas relações de trabalho em todo o globo são uma vantagem adicional do seu collective research model.22 22 Raquel Varela, Shipbuilding & shiprepair workers around the World (1950-2010), Amsterdam, 2015. No interior destas balizas gerais coordenou-se o projeto coletivo global de História das Relações Laborais em Portugal e no Mundo Lusófono 1800-2000 (com edições em Lisboa, Portugal, e no Rio de Janeiro, Brasil)23 23 Raquel Varela et. al., A História das Relações Laborais em Portugal e no Mundo Lusófono, 1800-2000. e fizeram-se vários estudos histórico-sociais sobre Estado social, perquirindo génese e devir, a constituição da força de trabalho e seus nexos fulcrais constitutivos.

A visada predominante sugere uma abordagem macro-analítica, assente numa social science history approach e a história comparativa transnacional - onde amiúde se começa por levantar dados, em bases nacionais, no interior de um mesmo enquadramento de variáveis e, depois, compará-los, no sentido das interações entre padrões e/ou fatores, mas também é possível realizar-se a mirada micro, escalonada por um viés globalizante. A busca de conexões, interações e influências - crescentes e/ou decrescentes - pode dar origem a uma chamada “viragem espacial”, com a ressignificação do “global”. Por outro lado, a superação do nacionalismo metodológico, que encapsulava a impostação programática primeva da historiografia clássica, pode dar lugar à problematização tanto de Estado ou governos (“from above”), quanto das classes e movimentos sociais como um todo (“from bellow”).

De maneira mais clássica poderíamos partir das ciências histórico-filosóficas enquanto pressuposto fundamental da chamada totalidade social, i.e., as práticas, os discursos, estruturas sociais e agências humanas assumem contornos mais nítidos na, com e através da história objetivamente humana enquanto ciência social fulcral. As entrevistas semiestruturadas e focadas no trabalho - mas não reduzidas ao mesmo -, a análise de fontes primárias para a reconstituição de acontecimentos e/ou de processos e a atenção ao “movimento social como um todo”, ofertada pela noção de historicidade, em especial os nexos dialéticos como longa duração/ciclo curto, singular/universal, trabalhador coletivo/indivíduo trabalhador são disposições centrais vitais para a história global do trabalho. Tanto do ponto de vista da coordenação geral quanto do contributo especializado não é um exagero dizer que o papel cumprido pela disciplina é-nos central.

Os relatos orais autobiográficos, a partir das histórias de vida laboral, são parte importante desta contribuição historiográfica. A entrevistas semi-estruturadas, que tem lugar na fase ulterior da pesquisa, são um recurso no qual, de alguma forma e em alguma medida, reconcilia-se todo o liame entre a sociedade como um todo, os millieaux sociolaborais e os indivíduos trabalhadores. As perturbações individuais são reinseridas no nexo alargado de questões públicas tendo as suas determinações e relações as mais diversas estabelecidas por meio dum inquérito que afinal interpela o próprio sujeito-trabalhador individual. Não deixa de ser uma recombinação dos métodos de história de vida oral e da etnografia participante do trabalho. Este dispositivo é, não à-toa já após a recolha de amostra, uma síntese de valências interdisciplinares. A reconstituição da hipótese a partir dos insumos empíricos parte do diálogo crítico entre os investigadores e os sujeitos, através de incessantes expansões metódicas: do micro ao macro, do biográfico ao social e do conceito em direção a uma nova teoria. O concreto pensado, aqui e agora, repensado. Como extrair o universal do particular? Como ir do local ao global? De que maneira ligar o passado ao presente e - então - antecipar-se a futuros possíveis?

Psicologia: o psíquico do trabalho

A psicodinâmica do trabalho, por fim, oferece um instrumental teórico-prático para melhorar a relação entre o homem e o trabalho e responder, daí, às questões sociais geradas pelos problemas laborais, desde os nexos entre a organização do trabalho e as funções psíquicas. Nascida do encontro entre a ergonomia e a psicanálise em França,24 24 Vide os trabalhos de Dejours e Derranty na bibliografia para mais informações sobre esta área de saber. no fim dos anos 70, é uma abordagem científicaa que investiga estratégias de defesa dos trabalhadores frente a situações causadoras do sofrimento, advindas do que é a organização social do trabalho. Direcionada para o estudo das patologias sociais - resultantes das novas formas de gestão da organização social do trabalho - busca explicar e compreender os efeitos do trabalho sobre os seus processos de subjetivação, a descompensação psicossocial e a saúde do e no trabalho. Uma das peculiaridades do dispositivo de inquérito, em psicodinâmica do trabalho, é que ele só pode ser realizado por uma solicitação de transformação formulada pelos próprios representantes dos trabalhadores. O método do inquérito visa à elaboração coletiva, que é a própria fundamentação de uma prática racional de transformação e de organização do trabalho. Para realizar essas “intervenções”, labora-se com organizações que aspiram por melhorar situações de labor e avançar o conhecimento científico sobre trabalho (in: Ganem, 2011Ganem, Valérie. Relato de experiência de terreno em Psicodinâmica do Trabalho (PDT). Laboreal, v. 7 n.º 1, 2011, p.68-75.).

A psicodinâmica do trabalho parte sempre de pressuposto fundamental do trabalho enquanto tal:

pese embora a sua aparente evidência e até trivialidade, o labor quotidiano encerra sempre uma dimensão enigmática. Devemos, no entanto, começar por assinalar que, do ponto de vista conceptual, o trabalho não se cinge, tão-só, ao simples facto de possuir um emprego. Contrariamente às definições mais correntes, o trabalho não é apenas uma profissão, um emprego ou tão-só o complexo de “relações sociais de produção”. Além do mais, quando usamos o termo “trabalho” não nos referimos exclusivamente aos organogramas, aos descritivos funcionais ou aos procedimentos e regras que enunciam as prescrições da organização do trabalho. Referimo-nos, pelo contrário, ao “trabalho real”. Isto pela simples razão de que a atividade dos trabalhadores é sempre diferente das previsões da organização do trabalho. (Rolo, 2018)

Tal como ficou demonstrado pela ergonomia da atividade, a ação dos trabalhadores tem sempre uma componente imprevisível, a qual nunca pode ser planificada de antemão. Os estudos em ergonomia da atividade mostraram que existe sempre uma discrepância entre aquilo que apelidamos de trabalho prescrito, ou seja, os objetivos e as tarefas atribuídas aos operadores e a atividade real, i.e, o que os trabalhadores acabam, realmente, por fazer.

Esta sensível divergência foi muito frequentemente atribuída à irresponsabilidade e à incompetência dos trabalhadores, ou às insuficiências da organização do trabalho. Julga-se habitualmente que se o trabalho estiver “bem-definido” e/ou organizado, e que se os trabalhadores executarem, escrupulosamente, às instruções, o processo produtivo poderá decorrer sem incidentes. No entanto, os diversos estudo realizados na área das “ciências do trabalho” refutaram esta tese. Por muito bem concebida, por muito bem parametrizada ou definida que esteja, não há organização que consiga antecipar a todos os imprevistos. Existem e existirão sempre acasos, os quais não podem ser antecipados pela organização do trabalho. Na psicodinâmica do trabalho (Dejours, 2011a), dá-se daí, a este conjunto de imponderáveis, a designação de “real do trabalho”. O dito trabalho real refere-se a tudo aquilo que escapa ao domínio e à maestria, saber-fazer técnico-científico. “Pese embora todo o conhecimento social acumulado de que dispomos, não há solução antecipada, para as dificuldades do real pois ignoramos os problemas por ele revelados”. (Rolo, 2018, p30).

Por ser imprevisível, o real obriga cada um de nós, enquanto trabalhadores, a improvisar face às vicissitudes do quotidiano laboral real. E é precisamente por isso que trabalhar é, fundamentalmente, inventar. Trabalhar seria, portanto, criar novas formas de contornar a prescrição.25 25 Rolo, idem, ibidem. O labor define-se então como aquilo que o indivíduo deve dar para poder atingir os objetivos que lhe são atribuídos. Ou - ainda - o que ele deve acrescentar de si à organização do trabalho para resolver aquilo que não fora contemplado pelas previsões oficiais. Neste processo reside a dimensão fundamentalmente singular do trabalho, que não nos permite simplesmente deduzir, a partir de estudos anteriores e/ou de modelos teóricos, uma caracterização universal ou tipologias do trabalho socio-humano mais facilmente reproduzível e/ou aplicável - de forma descontextualizada. Todo contexto de trabalho é único e singular. Logo, as formas de se contornar a prescrição são, também elas, inéditas, e estão, portanto, sempre à espera de ser reveladas. Desde logo, destarte, toda e qualquer investigação, no campo do trabalho humano, deve enfrentar-se à partida a este verdadeiro “enigma do trabalho”, o qual consiste em apreender os modos operatórios desenvolvidos pelo trabalhador para mitigar o descompasso existente entre trabalhos prescrito e efectivo. Não nos parece falacioso argumentar pela mútua independência e complementaridade das áreas disciplinares, cada qual iluminando, focalmente, zonas de penumbra umas às outras. (Vale lembrar uma e outra vez: Rolo e Varela são nossas vozes autorais, originárias - em psicodinâmica do trabalho ou em história global do trabalho -, do trabalho dentro do OCVT.)

A partir de agora, iremos tratar do que chamamos por modelo de pesquisa coletiva, o que seria a proposição de uma ciência social pública e orgânica ao mundo de trabalho e o que viemos já há algum tempo a nomear como uma “triangulação metodológica combinada de centro móvel”.

Para um modelo de pesquisa coletiva

A globalização reestruturou às dinâmicas mundiais entorno à reconfiguração regressiva das sociedades nacionais, mercantilização/precarização das relações laborais, degradação e destruição de todo metabolismo social do homem com a natureza em nova escala global, uma obscena financeirização ou deslocação económica, acréscimo exponencial de fluxos imigratórios forçados, o endividamento e a desintegração das famílias, intensificação da exploração e/ou espoliação do trabalho vivo, alteração brutal das relações campo-cidade por conta do modo capitalista de produção internacional e, para colmatar, uma tremenda crise de hegemonia, dos “de cima”, combinada a uma inaudita crise de direção, dos “de baixo”. O que ocorreu não se trata de uma catástrofe natural, mas, sim, de uma tragédia social - evitável, antes, e, felizmente, superável, hoje. Mas, para realmente debelar esta crise orgânica é absolutamente indispensável que uma crítica social radical tenha hora e lugar.

Neste sentido, acreditamos que sejam possíveis e necessárias formas renovadas de ciência, e é neste contexto efectivo que apresentamos um programa de investigação social global, ou ao fim ao cabo, uma “Proposta de Pesquisa Coletiva”, afinada esta aos desafios do século XXI.

A proposta que nos orienta parte do pressuposto global de uma ciência social do trabalho não só crítica e reflexiva, mas, também, pública e orgânica ao mundo laboral do século XXI. Em contexto convulsionado, tal como este, é imperativo que as ciências sociais recuperem a “fibra moral e intelectual” que faz parte de sua própria gênese. Assim, determinado modo de ciência social pública, engajada com o mundo do trabalho, assume sentido e toma forma. No qual uma inexpugnável busca por objetividade científica - com toda responsabilidade ética e compromisso valorativo inerentes a tal - não fica daí baralhada pela adoção de certa neutralidade. Já pelo contrário, procurámos centrar o foco nos nexos realmente existentes entre o que são as perturbações privadas particulares e questões sociais públicas - desde, enfim, o ser-que-trabalha.

Nesta aproximação ulterior não iremos tratar - aqui e agora - às questões de método, nem microscopicamente, qual técnicas ou procedimentos, nem macroscopicamente, enquanto teorias sociais, per se. A metodologia - tal qual aqui referida - tratar-se-á dos nexos entre instrumentos de investigação, de modo restrito, e teoria do conhecimento, de forma mais ampla. Sobretudo, é uma exploração tentativa de dispor dos meios hábeis para se avançar teoricamente desde a ação empírica. Se a ‘tekhné’, stricto sensu, estará preocupada com ferramentas e estratégias de recoleção de dados, já o ‘methodos’ ocupa-se da fertilização recíproca entre dados e teoria no sentido da reconstituição científico-social das realidades. São nexos desigualment combinados.

A proposta que iremos desenvolver parte de determinada metodologia, aquilo que iremos denominar, a partir de certa literatura claramente inspirada no cientista social anglo-saxão Michael Burawoy, como a metodologia do dito “extended case study.” Tal expressão idiomática dificilmente pode ser bem traduzida para línguas neolatinas sem que se perca o seu significado, que envolve sentidos de ampliação e de contextualização. A tradução francesa optou usualmente por “étude de cas élargie” ou “étude de cas situé”, o que produz a certo estranhamento no leitor. Um tradutor26 26 Ricardo Festi é Professor Doutor em Sociologia do Trabalho na Universidade de Brasília (UnB/Brasil). dialeticamente cioso de seu saliente ofício intercultural já nos especificou que “na primeira fórmula, é o estudo que é ‘ampliado’ ao contexto ( = du cas ) e, na segunda, o cerne do problema reside na ‘situação’ do caso ( = cas situe ).” O nó da questão é o de sublinhar a pertinácia da noção (extended) numa língua e a sua impossível versão noutra. Se em idioma espanhol usou-se “el método del caso extendido”, decidimos seguir a tradução adotada no livro Marxismo Sociológico (2014): o “estudo de caso ampliado”. Vamos então - agora - a ela.

A metodologia do estudo de caso ampliado27 27 Nesta secção valemo-nos, extensivamente, dos desenvolvimentos de Michael Burawoy (2014) a respeito. Até onde sabemos por ora, é o único sociólogo a trabalhar em quatro países como operário semiqualificado e decifrar a grandes transformações sociais: a transição pós-colonial (Zâmbia), a transição do fordismo ao neoliberalismo (EUA), e a transição do stalinismo ao capitalismo periférico (Hungria & União Soviética). trata-se de determinada (re)construição da teoria, a partir da recoleção de dados, desde uma observação participante do trabalho. Na verdade, constitui-se numa tentativa de responder às principais críticas classicamente voltadas contra dado viés etnográfico: i) de ser incapaz de generalização / universalização e, portanto, não-científico e ii) de ser assaz micro / ahistórico e, portanto, não-sociológico. À ciência positivista contrapõe-se uma ciência reflexiva, desde o diálogo crítico entre os observadores e os participantes, a partir de sucessivas extensões: do processo micro/local para o macro/extralocal e da teoria consigo mesma - “concreto pensado” e/ou repensado. O objetivo é, no interior da tradição marxista, extrair o universal do particular, mover-se do ‘local’ para o ‘global’, conectar passado e presente e antecipar - deste modo - o futuro. A aposta - resultado de anos de acúmulo em ensino, pesquisa e extensão, sobretudo no legendário campus acadêmico de UCLA Berkley - é bastante exemplar. Vamos acompanhar de perto a formulação última que recebeu nos diversos escritos burawoyanos.

O estudo de caso ampliado emula, daí, a um modelo reflexivo de ciência que pressupõe a assumpção da intersubjetividade de cientistas e sujeitos do estudo. Se a ciência reflexiva valoriza intervenção, processo, estruturação e reconstrução teórica, a ciência positivista, em simultâneo, proscreve a Reatividade e defende outros 3 “r”s: Regularidade, Replicabilidade e Representatividade (Burawoy, idem, ibidem). A ciência positivista - amiúde retratada em pesquisas-tipo survey - opera através de premissas de alienação de ‘sujeitos’, da ciência, e ‘objectos’, do estudo.

Enquanto a ciência positivista teria, como limites, “efeitos de contexto” (e.g. entrevistas, respondentes, campo e/ou situação), a ciência reflexiva apresenta, enquanto limitações, “efeitos de poder” (dominação, subsunção, coisificação e/ou normalização). Com o foco em trânsito - da técnica ao método e do último à teoria -, a metodologia cá exposta pode reconverter-se na forma mais apropriada para, através de uma observação participante do trabalho, (re)construir uma teoria social das relações laborais no capitalismo tardio global.

O conceito sistematiza uma autêntica inovação metodológica. O estudo de caso ampliado busca, através da etnografia do trabalho e duma nova observação laboral participante, analisar aos microfundamentos dos macroprocessos tanto quanto aos macrofundamentos dos microprocessos.

O programa de investigação marxista evita o erro, no mais das vezes banal, da sociologia e/ou da etnografia do labor, de ser excessivamente empirista e relativista e, a etnografia, pode mitigar à tendência do marxismo, a pairar “nas nuvens”, i.e, sua tendência ensaística. E, ambas as vertentes, tendem a ser dinamizadas e reestruturadas a partir de determinada forma de se fazer ciência e de se relacionar com seus públicos, i.e, a ciência social pública. Este modelo de investigação social global do trabalho baseia-se nos pressupostos gerais e descobertas realizadas - nos últimos anos - através do Observatório para as Condições de Trabalho e Vida, como síntese complexa de múltiplas determinações e relações várias. Ainda que de um modo introdutório, pudemos expor as coordenadas centrais do que aqui denominamos, por ora, enquanto um Modelo de Pesquisa Coletiva - do OCTV. Nesta exposição exploratória pudemos enquadrar, na área clássica da teoria e metodologia das chamadas ciências sociais e humanas, alguns designs e/ou dispostivos de inquérito social quantitativo-qualitativo multicêntricos, para perspectivar modelos de triangulação com o cânone das ciências exatas e naturais a rigor com o qual trabalhamos como método ansilar.

Em meio a uma profunda crise simultânea, envolvendo sociedade e ecologia, tecnologia e economia, saúde coletiva e individual do mundo do trabalho, em todo o Planeta, demos lugar, a partir do OCVT, a uma série de inquéritos inédita sobre o mundo do trabalho com base num Modelo de Pesquisa Coletiva com sede em Lisboa e realização de um Programa de Pesquisa Científica, bastante inovador, em perspectiva de totalidade. Nos últimos dez anos, estudamos - então - a realidade socioprofissional do mundo do trabalho de vários sectores em extensas séries de surveys longitudinais nos últimos anos: Professores, Estivadores, Médicos, Jornalistas, Tripulantes, Enfermeiros, Maquinistas de Comboio, Condutores de Metro, Funcionários de Administrações Públicas, Funcionários Judiciários e Metalúrgicos (AutoEuropa). No nosso OCVT nós trabalhamos de modo transdisciplinar com relatórios de pesquisa produzidos por um coletivo de 20 doutores nas seguintes áreas: sociologia, história, direito, antropologia, educação, medicina, psiquiatria, psicanálise, psicologia, saúde, segurança e higiene no trabalho, fisiatria, neurologia (especialista em sonos e turnos noturnos), saúde pública, urbanismo / arquitetura e ordenamento territorial. A influência do cronotipo do sono e o ciclo de vigília nos turnos laborais, a análise multivariada de dados - com matemática estatística e dinâmica de populações -, a geografia do trabalho e seu impacto no metabolismo social, a noção da justiça laboral a quem trabalha, as enfermidades músculo-esqueléticas e a sobrecarga laboral, as interações simbólicas no mundo do trabalho - para citar tão-só a alguns exemplos - não são especialidades aleatórias.

Alguns prolegómenos importantes - iniciativas públicas, no campo científico ou social - são dignos de nota como antecedentes da formação do OCTV. O lançamento de “Quem paga o Estado social?” (2012) e “A Segurança Social é Sustentável” (2014), ambos pela Editora Bertrand, são amostras dum diálogo social público ampliado, que repercutiu entre associações de reformados e, depois, sindicatos de enfermeiros. Outros agrupamentos, como a Revista Rubra e a Associação de Defesa dos Direitos Laborais, Culturais e Sociais / Solid,28 28 A Revista Rubra foi um projeto editorial, afinado com o jornalismo alternativo, com forte pegada social. Enquanto a Solid sediou uma associação cívica em defesa dos direitos do mundo do trabalho em Portugal. por exemplo, reverberaram e ressoaram a necessidade da ampliação de uma esfera pública do trabalho no país. Apenas como exemplo, e sem um compromisso estricto com uma genealogia qualquer, poderia-se citar uma série de movimentos sociais do trabalho que de alguma forma e em alguma medida também deixaram um contributo para germinar a tal ideia, como a campanha “Don’t Fuck My Job!”, do Sindicato dos Estivadores, ou a plataforma “Não TAP os olhos!”, do Pessoal de Vóo. Já os trabalhadores da Carris / Transportes Públicos de Lisboa e os docentes da educação escolar pública - de todas as latitudes e longitudes do país - com diversos ritmos e intensidades, deram azo a uma série de variegadas atividades, no arco do conflito social, importantes para o efeito, durante os duros anos de políticas de austeridade. São indícios duma conjuntura que fica para trás.

Quando em 2017 eclodiu a primeira greve na AutoEuropa, contra uma decisão da gestão da empresa, depois de mais de 25 anos de relativa paz social na qual todos conflitos eram circunscritos entre a administração e a comissão de trabalhadores, houve um verdadeiro divisor de águas. O que estava em jogo era ora a dura imposição de uma laboração contínua compulsória aos sábados, flagrantemente contra a ordenação jurídica laboral do país, por ocasião da força-tarefa para produzir o veículo Volskswagen T-Roc. Era não só a ofensiva contra os metalúrgicos de Setúbal, mas, uma impostura contra o mundo laboral português. Os últimos cinco anos marcaram um voltiface de importante recrudescimento antilaboral e de aberta guerra de classes.

Importantes Órgãos da Comunicação Social e o XXI Governo Constitucional de Portugal desempenharam-se o infeliz papel de criminalizar a uma série de multitudinárias jornadas grevistas, nomeadamente, a batalha dos estivadores pela efectivação dos precários, em Setúbal, a greve cirúrgica da enfermagem, por condições mais decentes de laboração, o embate dos motoristas de matérias perigosas por reposição remuneratória digna e, até a campanha dos docentes, por sua carreira socioprofissional. Boaventura Souza Santos foi mais longe quando sugeriu abertamente que o acto mesmo, da criação de um somero sindicato desafecto da CGTP, significava então a antessala da entrada da nova extrema-direita em Portugal (Portugal, um alvo estratégico da extrema-direita, In: Público, 11 de Ago. 2019). Ao fim e ao cabo, o Estado encetou uma requisição civil-militar contra motoristas que batalhavam por 900 euros de soldo, uma requisição civil contra enfermeiros em greve cirúrgica, uma invasão com força-tarefa policial às atividades de greve dos estivadores de Setúbal e um golpe de força contra os professores para se congelar a contagem dos tempos de serviço da carreira. Muito antes da proibição do direito à greve, previsto nos quadros do Estado de emergência, os aparelhos de Estado - da Procuradoria da República aos Ministérios, e até o Estado-Maior General das Forças Armadas - deram lugar a uma cruenta bonapartização estatal, a saber, a violação sistêmica de direitos, liberdades e garantias do movimento da classe-que-vive-do-próprio-trabalho reconverteu este governo num apparatchik neothatcherista. O Estado-coerção, forte, mostrou sua verdadeira face depois de poucos anos de alguma paz social.

Mais uma vez o OCTV cumpriu a sua função científica e social - em relação aos sectores em cena e a sua própria razão de ser - procurou estudar, analisar e debater publicamente os conflitos que marcaram ampla e extensamente o mundo laboral arriscando compreender seu nexo.

Embora os nossos estudos tenham sido realizados por sobre a realidade social portuguesa, acreditamos que nos fornecem uma perspectiva global - e totalizante - do trabalho, pelas características permanentes, da globalização neoliberal, e pela extensão dos métodos de trabalho gerencial a quase todo o mundo - desde os anos 70 do século XX - em resposta à queda tendencial da lucratividade após a crise cíclica dessa década decisiva e, certamente, o semi-periférico “Sul Global”, onde Portugal está inserido. Em primeiro lugar, porque nossa equipe nuclear é amplamente internacional e transdisciplinar; em segundo lugar, pela razão de que muitos dos sectores já estudados por nós têm trabalhadores imigrantes e emigrantes (por exemplo, as enfermeiras); em terceiro lugar, eles fazem parte de uma logística global e cadeias de transporte, que definem as condições locais de trabalho pelo modelo “just-in-time” (por exemplo, marítimo e aeronáutico); já no campo dos serviços públicos, escolas e hospitais foram “fordizados” e seus métodos de gestão usados ​​pelas fábricas automóveis nos anos 1930 estão contra-intuitivamente generalizados pelo Globo.

No caso dos docentes, temos 15% de respostas (19.000 professores responderam), e 20% de estivadores, enfermeiras 10% (7.000 de 70.000 no país) e 15% do pessoal de cabine (TAP, Easyjet, Ryanair etc.). Combinamos métodos quantitativos e qualitativos, tanto matemática, engenharia e medicina social quanto história social, psicologia e sociologia do trabalho. As metáforas mais metafísicas foram reunidas às ciências duras num diálogo aberto. Percebemos a “psicodinâmica do reconhecimento” entre os professores escolares, o “trabalho emocional” dos tripulantes de cabina, o “esgotamento socioprofissional” das enfermeiras ou a “solidão-no-trabalho” dos estivadores. Depois de descobrirmos que mais de 60% dos nossos inquiridos - 65.000 docentes secundários - estão exaustos, metade dos estivadores portugueses são moralmente assediados no trabalho, quase – dos enfermeiros sentem-se no fim da linha e, por último, mas não menos importante, a tripulação de cabina tem um índice de fertilidade já tão minúsculo quão 1,1 - precisamos preideá-lo desmercantilizado, democratizado e/ou des-alienado.

Nossas pesquisas partem da crítica metodológica às investigações ao trabalho realmente existentes, da enquête ouvrière, de Marx, até a économie du bonheur, de Pierre Bordieu, incorporando e superando o que de melhor já foi feito neste campo. Nos últimos anos, o OCVT tem realizado inúmeras pesquisas-ações-participantes, de ampla extensão e grande profundidade, como autênticos inventários sociais do mundo do trabalho. Com uma longa tradição intelectual, do final do século XIX até os dias atuais - da Tendência Johnson-Forest, de CLR James e Raya Dunayevskaya, nos EUA, passando por Socialisme ou Barbarie, em França, ao operaísmo autónomo, de Quaderni Rossi na Itália -, tais estudos combinam a produção social de conhecimento, o contato vivo com os trabalhadores e uma verdadeira reavaliação do que as estatísticas estatais e prescrições oficiais escondem, constituindo-se num poderoso instrumental de interpretação e de transformação social.29 29 O universo dos “inquéritos operários” - pesquisa-ação própria do mundo do trabalho - tem fortuna crítica digna de nota, In: Haider, A. and Mohandesi, S. Workers’ Inquiry. In: Viewpoint Magazine, Sep./2013; Woodcock, J. Workers’ Inquiry from Trotskyism to Operaismo. In: Ephemera, vol.14/3, 2014; Thorne, J. & Wheeler, S. Workers’ Inquiry and Social Composition. In: Notes from Below, Jan./2018; Hoffmann, M. Militant Acts, Sunny Press, New York, 2019; Ovetz, R. Workers’ Inquiry and Global Class Struggle. Pluto, London, 2021, McAllister, C. Karl Marx’s Worker’s Inquiry. NfB, London, 2022. Já no mundo de fala portuguesa temos: i) Sabino, A. et. al. Cadernos da Prática: inquérito operário e luta política. Lisboa: 1971, ii) Santos, M. L. et. al. O 25 de Abril e as Lutas Sociais. Editora Afrontamento: Lisboa, 1975 e iii) Thiollent, M. Crítica Metodológica, Investigação Social e “Enquête Operária”. Editora Polis, São Paulo, 1987, p. 255. Há uma série de temas que não tiveram lugar nesta primeira aproximação, tais como o conceito mesmo de composição de classe - técnica, social e política -, as categorias de inquérito operário “from bellow” e “from above” e mesmo a sugestiva palavra de ordem de “No politics without inquiry!” (In: Emery, Ed. A Proposal for a Class Composition Inquiry Project 1996-7. Common Sense, N. 18, Dec. 1995 / Notes from Bellow), questões que deverão ser tocades, em futuras publicações — nossas e dos colegas do Observatório. Acaba de ser lançado um novo volume - “a cura” de Murillo van der Laan e Ricardo Antunes - que não só dá notícia de uma nova edição da enquête marxiana como revisita a sua historiografia (Boitempo, SP, 2023). Em seguida, iniciamos a um novo tipo de estudo científico-social interdisciplinar global baseado em cinco eixos: a) um programa de pesquisa social teórico e crítico, b) um método empírico reflexivo e baseado na etnografia laboral dos “estudos de caso ampliados”, c) a pesquisa-ação-participante sobre coletivos de trabalhadores e mediante a sociologia do trabalho, d) uma ciência social global pública e orgânica ao mundo do trabalho, próxima à base dos sindicatos de trabalhadores, ordens profissionais e autarquias públicas, e, e) uma análise coletiva do trabalho mediante a psicodinâmica crítica do trabalho. O raio-x da situação da classe trabalhadora não é auspicioso: semiperiferia, trabalho barato, declínio.

Sobretudo partimos de uma dupla crítica metodológica - e a um só e mesmo tempo teórica - aos thopoi de polo negativo e positivo no escopo hodierno da sociedade do trabalho, a saber, o “Job Burnout” e o “Decent Work.” A crítica ao “Burnout”, já amplamente documentada em nossos relatórios, tem a ver com a primazia dos factores individuais de adoecimento por sobre a organização do trabalho. Enquanto a crítica ao “Decent Work” tem a ver com a ausência do sentido real - e, do conteúdo efectivo do trabalho mesmo -, em sua delineação mais substancial.

Começamos com uma enquête bastante extensa (com cerca de 150 questões) para cada sector, que inclui questões relacionadas à saúde mental (“burnout”), riscos psicossociais, doenças musculoesqueléticas; cansaço, sono e exaustão, cruzamos a estes dados com as condições de trabalho (trabalho por turnos, trabalho nocturno, tipos de contracto de trabalho, regime salarial); questões gerenciais (com o destaque para o assédio moral no trabalho, estudos de gênero, assimetrias entre fixo e precário); impacto na família e na vida pessoal (por exemplo, tempo de lazer e vida social); condições de moradia, incluindo dívidas bancárias; percepção subjetiva dos métodos de gestão (cooperação, competição; avaliação de desempenho, trabalho em equipe, bullying). Esta pesquisa, assim como todo o nosso método de trabalho, parte da pesquisa-ação-participativa em que o objeto não se distingue do sujeito, o trabalhador-participante é sempre o sujeito-da-investigação em uma relação científica e social de co-pesquisa. Todos os nossos respondentes foram alcançados pela equipe, já em conjunto com todos os sujeitos trabalhadores.

A partir daí, partimos de uma crítica teórica, incluindo à psicometria e os próprios dados de survey, à façada ergológica do trabalho real e da ideia central de que o trabalho não se separa do trabalhador (subjetividade e objetividade, como um todo). Segue-se aí a análise coletiva do trabalho, realizado com 15 a 20 trabalhadores voluntários, em “grupos focais”, psicodinâmicos, com conversação ativa: fala diligente e escuta atentiva. Os relatórios de pesquisa são, então, discutidos com todos os trabalhadores em plenário, em conferências abertas. O relatório em si nunca é “coisificado” como uma mercadoria sagrada da divisão acadêmica do trabalho, mas apreciado como um produto não alienado de um labor grupal.

A investigação psicodinâmica do trabalho inicia-se com a formulação de um pedido, de uma demanda. Ou seja, começa pela definição do objeto do inquérito, das questões que pretendemos investigar em prioridade, das interrogações dos participantes etc. Cabe-nos, portanto, numa primeira fase, escutar as preocupações de cada um e tentar chegar a uma formulação minimamente consensual das questões centrais que interessa investigar ou aprofundar. Assim que houver um acordo - sobre os conteúdos e o sentido - deste pedido, passamos à constituição de um ou vários grupos focais. Os grupos são constituídos por voluntários, devidamente informados acerca das exigências, regras e das implicações do inquérito. Para que tal seja possível, a metodologia e o desenrolar do inquérito de seguida são escrupulosamente expostos muito amiúde em conferências dos próprios trabalhadores.

Os grupos assim constituídos participam em sessões coletivas de reflexão de meio dia (2h30-3h) de duração. Cada grupo reúne-se à razão de 2 a 4 sessões com um intervalo (15 dias a um mês de preferência) entre cada sessão. O material recolhido durante as sessões de trabalho será depois compilado pelos investigadores num primeiro relatório, que por sua vez será integralmente apresentado - e revisto, linha a linha - com os participantes do grupo de trabalho. A restituição oral do relatório ocorre também durante uma reunião, que poderá ter uma duração já mais prolongada, cujo objetivo é validar o mesmo. Assim que houver acordo sobre uma versão definitiva este é transmitido aos participantes, que são os seus primeiros destinatários. De acordo com a vontade mesma dos participantes, este relatório poderá ser divulgado e apresentado junto de instâncias e assembleias junto às quais servirá de esteio-mor, para dar azo a reflexão coletiva sobre os nexos labor-saúde.

No seu âmago, o labor é, essencialmente, trabalho vivo (Dejour, 2000; Marx, 1971). Este trabalho humano nada tem a ver com as operações de autómatos ou máquinas, incapazes de lidar com a imprevisibilidade do real, ou de improvisarem soluções face a acidentes, imponderáveis e/ou avarias. O trabalho vivo de que falamos é intangível e inestimável. Consequentemente, o trabalho vivo ou o real-trabalhar não pode nunca ser medido. Pode, naturalmente, ser apreciado e avaliado segundo certos procedimentos, dos quais se ocupa a psicodinâmica do trabalho. Mas não pode ser quantificado nem traduzido em variáveis numéricas. Podemos, na melhor das hipóteses, medir os resultados do trabalho, mas não o trabalho em si. Porque não há qualquer proporcionalidade entre o esforço, a dedicação e/ou o empenho investidos numa tarefa e os seus resultados. O médico psiquiatra, por exemplo, caso tenha ao seu cuidado pacientes novos, com perturbações passageiras para as quais as indicações terapêuticas já existentes são (altamente) eficazes, terá certamente melhores resultados (em estritos termos de indicadores quantitativos) do que ao cuidar de pacientes com afeções crónicas e historial clínico complexo, junto dos quais as soluções terapêuticas disponíveis resultam nem sucesso limitado. Porém, a segunda tarefa exigirá certamente mais esforço e talento, sem, todavia, lograr resultados tão tangíveis quanto isso. Como explica Rolo (2018), os eixos da qualidade e da cooperação laborais são intangíveis.

Tal “inteligência das mãos”30 30 Rolo, idem, ibidem. antecipa-se à consciência do mesmo modo que o real à teoria. Ou seja, existe, sempre, um descompasso entre aquilo que fazemos e a “consciência” que temos das razões pelas quais o fazemos. No mundo do trabalho, o “corpo” antecipa-se e ultrapassa a “mente”. Por isso mesmo, a maior parte de nós somos incapazes de verbalizar o nosso trabalho de modo realista, satisfatório. A sabedoria do trabalho é uma inteligência incorporada, “ser-consciente”, que toma a forma de alguns hábitos, de automatismos, de “artimanhas”, que fazem de tal forma parte de nós, que nos esquecemos que foi preciso inventá-los. O saber-fazer, a destreza e a habilidade profissional são construções nossas. Mas estas criações acabam por nos ser incorporadas, tornando-se deste modo invisíveis e indizíveis, até para seu próprio criador. Por esta razão, falar do trabalho exige um esforço consciente e voluntário de verbalização e de formalização grupal das habilidades práticas.

Antes de passar à nota conclusiva - sobre a triangulação metodológica combinada - vale a pena, pelo menos, esboçarmos aquilo que referimos, por fim, num terceiro lugar: o que seria, afinal de contas, uma ciência social pública, (re)engajada com o mundo do trabalho? É possível uma co-pesquisa-ação do trabalho ainda hoje em dia?

Por uma ciência social pública e orgânica ao mundo do trabalho

A ciência social pública compreende também todo um “estilo”31 31 Vide “Para uma sociologia pública”, Burawoy (2000), e “Abrir as ciências sociais”, Wallerstein (1995). e saber-fazer científico-social que poderíamos qualificar como “engajado”, o qual não confunde ou baralha-se à indispensável busca eternal da objetividade científica - com todas as demandas ético políticas e compromissos intelectuais morais inerentes a essa busca mesma - com a adoção ostensiva de certa neutralidade axiológica ou valorativa. Este debate essencial necessita de retornar - à comunidade e ao campus.

Trata-se de uma forma investigativa que procura iluminar os elos realmente existentes entre perturbações privadas e questões públicas desde a centralidade valorativa do conhecimento dos trabalhadores. Trata-se, antes de qualquer coisa, de um “estilo”, na medida em que também supõe uma maneira de escrever e de se comunicar com diferentes públicos além de supor - também - certa modalidade de compromisso histórico e político. Representa, daí, uma forma consistente e inovadora de problematizar o vínculo cognitivo realmente existente entre o conhecimento científico rigoroso e um engajamento social democrático, transformando-se assim em uma nova síntese possível entre o marxismo e a sociologia, por um lado, e a história global e a psicodinâmica do trabalho, por outro. Os cientistas sociais trabalham, daí, em estreita conexão com um público já denso, visível e à contrapêlo - situável no tempo e localizável no espaço -, um público realmente existente, não-redutível a conceptualizações prévias e/ou a projeções estatísticas e, no mais das vezes, à contrapêlo e/ou à margem da história. Trata-se de um processo de autoeducação recíproca, entre cientistas sociais e público-trabalhador, nos quadros da terceira das Teses de Marx ad Feuerbach, qual seja, aquela que compreende a noção de práxis ou de que “as circunstâncias são transformadas precisamente pelos seres humanos, e também o educador tem ele próprio de ser educado.” Segundo o cânone reflexivo dir-se-ia ser uma dupla acepção: intelectuais trabalhadores, trabalhadores intelectuais.

Mais do que debater técnicas quantum ou qualis, método crítico ou tradicional, ciência macro ou micro, interessa interrogar: para quem e para quê nós exercemos ciências sociais? Ao que poderíamos acrescentar: por que e como trabalhar em geral, e como laborar em ciência social?

É bem verdade que existe um risco “ideológico”, qual seja, o risco de o saber científico ser instrumentalizado por forças político-sociais “exteriores” ao campo - ou cujos interesses predominantes se apresentem como refratários ao ethos científico e ao compromisso com os resultados das diversas investigações. Contudo, o reconhecimento da existência desse tipo de risco não deve servir de pretexto para obliterar a questão fundamental endereçada, ao próprio saber científico, pela ciência social pública: é realmente viável, sustentável ou até mesmo desejável - uma sociologia científica livre de quaisquer compromissos sociais públicos? Os diversos campos científicos constituem-se enquanto autênticas relações de poder que pressupõe clivagens ou conflitos. O maior “risco” - menos alardeado, e muito mais grave - que o saber científico corre é o do reino da razão instrumental sobre as teorias críticas, ou - trocando em miúdos -, as ameaças da tirania de mercado e do despotismo de Estado. O interesse (e a necessidade) pela ciência social pública renovada deriva, em parte, da reação social ao avanço generalizado das políticas de austeridade, da ofensiva neoliberal sobre o Estado social, das duras ameaças constantes contra os direitos humanos, de gravosos ataques ao metabolismo social entre humanidade e natureza, do atentado contínuo a modos de vida, do estado de excepção permanente contra direitos, liberdades e garantias dos que laboram. Trata-se, por isso, de uma defesa qualificada do “social”, em seus mais múltiplos aspectos, em tempos difíceis caracterizados estes pela economia em crise e pelo Estado em débacle, ou, enfim, por uma crise orgânica do capital. Para tanto é mister operar desde o que aqui chamamos “triangulação metodológica combinada.”

Triangulação metodológica combinada ou sistema topológico de centro móvel

A triangulação metodológica combinada - ou TMC - é uma metáfora topológica, à la navegação e agrimensura. Seu azimute - tridimensional e multicentrado - perfaz um tipo de “sistema topológico de centro móvel” no qual pesquisas em ciências sociais e humanas sóem operar. Mas, antes da TMC, é preciso revisar o que se entende como “triangulação” no seu sentido mais básico.

A triangulação envolve o uso de várias fontes, dados e métodos de análise numa mesma investigação para se produzir compreensão. Alguns vêem-na enquanto um “método” para corroborar achados ou um teste de validez e verificação. Isso, porém, é controverso -pressupõe que a fraqueza intrínseca de dado método será compensada por outro (método), e que sempre será possível fazer sentido desde perspetivas distintas. Seria isto provável? Ao invés de considerarmos a triangulação tal qual novo “método”, para a validação e/ou verificação, os pesquisadores “qualitativos” geralmente usam a tal “técnica” para garantir daí um output final rico, robusto, abrangente e bem-desenvolvido - mesmo que tentativo. Uma única abordagem nunca faz lançar luz, adequadamente, sobre dado fenómeno social; o uso de visadas diversas pode ajudar/facilitar entendimentos, mais extensos, e profundos. Para explicitar nosso ponto de vista, lancemos mão da epistemologia de Antonio Gramsci, alargando a citação à qual recorremos para captá-la per se:

A elaboração unitária de uma consciência coletiva exige condições e iniciativas múltiplas. (...). O mesmo raio de luz passa por prismas diversos - e produz diferentes refrações luminosas. (...). Encontrar a identidade real, sob a aparente diferenciação e contradição, e encontrar a diversidade substancial, sob a aparente identidade, essa é a qualidade mais essencial do crítico das ideias e do historiador do processo social (Gramsci. Quaderni del Carcere. Torino, Einaudi, 1975Gramsci, Antonio. Quaderni del Carcere. Edizione Critica. Torino, Einaudi, 1975., Q1, §.43.).

Há uma nova “auscultação” do ente no “mundo do trabalho”, a partir do alargamento das chancelas que se lhe foram impostas a qual permitir-nos-á - de alguma forma e em alguma medida - uma série de retificações de prismas singulares para obter refrações de luz - se nos vale a imagem gramsciana, oriunda da física óptica -, que perpassa a prismas vários, com o fito mesmo de reencontrarmo-nos à dialética viva dos fluxos de unidade e diversidade. Os raios e o prisma sintetizam uma das principais ‘questões de método’ que acompanham o programa de pesquisa carcerário de Gramsci ―, o nexo de aproximação e distanciamento. “Elaborar e tornar coerentes a temas e problemas” já postos pelo mundo do trabalho com a sua “atividade práctica” - tal qual a Gramsci - é uma função da crítica.

Denzin (1978Denzin, N. Sociological Methods: A Sourcebook. New York: McGraw Hill, 1978.) e Patton (1999) identificam a vários tipos de triangulação: a) de técnicas - ou a verificação da consistência de achados gerados por diversos métodos de coleta de dados, e.g. é comum ter dados quali e quanti em um estudo, posto que elucidam a aspectos complementares do mesmo evento e muitas vezes os pontos em que esses dados divergem são de grande interesse para o pesquisador qualititivo e fornecem o máximo de insights; b) fontes - examinando-se a consistência dos diferentes dados, desde dentro do mesmo método, p.ex.: em diferentes lapsos, configurações públicas e privadas, ou comparando a pessoas com diferentes pontos de vista; c) analistas - vários observadores para se revisar descobertas, ou usando vários observadores de campo, o que pode ofertar uma verificação à percepção selectiva e/ou iluminar pontos-cegos desde a interpretação (o objetivo não é buscar consensos, mas entender várias maneiras de ver); d) teorias - utilizando-se várias perspetivas teórico-metodológicas -, para se examinar, agrupar e reinterpretar aos dados. Ao fim e ao cabo, temos aí três modos - ao menos - de aplicabilidade para a triangulação: i) como uma estratégia de validação, ii) enquanto uma abordagem para a generalização de achados, ou iii) como uma rota alternativa e de acumulação ao conhecimento adicional.

O termo não é novo em ciências sociais (Denzin e Lincoln, 2006Denzin, Norman e Lincoln, Yonna. O planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens. Porto. Alegre: Artmed, 2006.). A metáfora de cunho topográfico - como já vimos, pertinaz à navegação e à agrimensura - simboliza à técnica ou saber-fazer para se determinar uma posição topológica e seu alcance desde um ponto referencial, por exemplo, determinado ponto C, desde que se tenham informações suficientes entre distâncias A e B, que ajudam na localização, i.e., o ângulo entre os pontos a formar figuração triangular. Tal modelo, tipicamente e metodologicamente cartesiano - evidentemente -, exige ressignificação transliteral, ou se preferirem, determinada tradução, no caso de paradigmas não-positivos / não-naturais. No drama clássico, e.g. a triangulação (ator-cena-expectador) arroga-se outra conotação, para além do símile de coordenadas e dos quadrantes da engenharia civil e/ou das artes marítimas.

A triangulação é, então, a exposição simultânea de realidades múltiplas refratadas. Cada uma das metáforas “age” no sentido de criar a simultaneidade, e não o ‘sequencial’ ou o ‘linear’. Os leitores - e os públicos - são, daí, convidados a explorarem as visões concorrentes do contexto efectivo, a se imiscuírem ou fundirem a novas realidades sociais a ser compreendidas (2006, p. 20).

Na investigação-ação realizada pelo Observatório para as Condições de Vida e Trabalho, que congrega um grupo de pesquisadores de licenciatura e pós-graduação, desde distintas áreas de conhecimento científico e de atuação profissional, acadêmicas ou extra-acadêmicas, vimos usando a triangulação metodológica combinada, a métodos quantum e qualis de recolha de dados, com técnicas diversas de análise e múltiplas perspetivas de pesquisa empírica e teórica. A investigação acede a um volume diferencial enorme de informações ou dados, que comportam fontes primárias e/ou secundárias. E compreende dados recolhidos por meio de inquéritos sociais operários, observação participante e atos de fala colhidos em entrevistas semiestruturadas ou grupos focais. A análise de dados tem permitido o avanço da crítica social e reflexão teórica, projetos diversos, voltados ao mundo laboral.

As ciências sociais e, entre elas, os estudos do trabalho, vêm se apropriando de estratégias metodológicas capazes de apreender à complexidade de objetivos, nas diversas pesquisas, bem como compromisso com o retorno, aos públicos, sobre os resultados da investigação.

A triangulação metodológica combinada requer a certo design de pesquisa, cujo âmago não deixa de ser a crítica à divisão sociotécnica do trabalho socialmente necessário em geral e, em particular, a autocrítica, de viés reflexivo, sobre o próprio labor da pesquisa: a “teoria do trabalho” deve se voltar aí ao “trabalho da teoria.” A coerência e/ou unidade em termos de técnicas, métodos e teorias - caso se quiser crítica - deve interrogar também aos fins da investigação social, sem fetichizar seus meios ou formas técnicas -; sem tabus. A ideia de sistema topológico de centro móvel ou TMC parte ipso facto da própria noção retroativa - técnicas, métodos e teorias são cá categorias interdependentes. Não se pode isolar a momentos de pesquisa empírica e pesquisa teórica. O diálogo vivo entre conceito e evidência tal como classicamente exposto por Edward P. Thompson - mediado por sucessivas hipóteses aproximativas - segue sendo um critério clássico de verdade geral hoje tal como ontem.

Algumas anotações à guisa de conclusão: “que fazer” e “por onde começar”?

Numa transliteração algo arrojada da noção de programa de pesquisa de I. Lakatos para o marxismo crítico, Michael Burawoy possibilita uma alternativa reflexiva ao impasse da disjuntiva entre o empiricismo da ciência positiva e o teoricismo da ciência pós-moderna. Neste sentido assume o materialismo histórico como uma tradição intelectual que se amplia pari passu a sua zona de engajamento com a realidade social, pela assimilação de novas perspectivas ou correção de debilidades, dando lugar à ampliação e ramificação de direções diversas. A reconstrução teórica através do inquérito social do entrelaçamento de eventos locais e dos processos globais numa nova perspectiva de totalidade. Trata-se duma proposta de heurística positiva onde o hard core de uma determinada problemática é daí defendido, aceitando o desafio de expandir o poder explanatório da corrente de pensamento à que se alia via fórmula de novos termos e categorias ansilares à impostação programática nuclear. Como pre-idear o desenvolvimento transindividual dum programa de pesquisa em ciências sociais solidamente fundada numa tradição própria - no caso deste coletivo intelectual, a teoria marxista - simultaneamente objetando-a e estimulando-a ao mesmo tempo através de pesquisas empíricas? No clássico ensaio Prefácio à Crítica da Economia Política (1857) aduzimos que suas asserções nucleares são:

  • i) Os sujeitos fazem a história, produzindo daí os seus próprios meios de existência;

  • ii) As bases estruturais do modo de produção delineiam os limites superestruturais;

  • iii) Um modo de produção se desenvolve através duma relação assaz contraditória entre forças produtivas (e.g., a forma como os meios de vida é socialmente produzida) e relações de produção existentes (e.g., a forma como o produto do labor é individualmente apropriado);

  • iv) São as lutas de classes a força-motriz que anima a transição a diversos modos de vida

  • v) Uma transição exitosa só pode ocorrer quando há “condições materiais” em vir-a-ser;

  • vi) O processo histórico tende a acompanhar o devir e momentum das forças produtivas;

  • vii) A história da humanidade não é feita às costas - mas de forma social autoconsciente.

Todavia, em textos mais teórico-filosóficos este núcleo racional pode soar algo rígido ou até mesmo estático, por isso é preciso recombinar estas premissas no interior de estudos histórico-concretos, tais como O Dezoito Brumário, dentre muitos outros. A suposta dualidade epistêmica encontraria reflexo enquanto antinomia política: i) economicismo de um lado, ii) voluntarismo de outro. As intervenções do marxismo clássico, de Lenin, Trotsky, Rosa ou Gramsci, contra ambas as deduções do legado marxista elevaram-se, depois, à necessária universalidade teórico-política, constituindo intervenções assaz fundantes contra as posições antípodas reformistas e anarquistas no que se refere à questão do Estado e/ou da revolução. De qualquer forma, aí se encontra - na articulação contraditória entre necessidade e possibilidade - o terreno propício para a formulação histórico-concreta das apostas estretégicas, solo para o qual este debate deve ser transplantado, fecundado pela História e, sobretudo, pela agência social no convulso complexo da luta de classes.

O desenvolvimento dum novo programa de pesquisas não pode ser endereçado como um processo unidimensional ou unilateral, isento de contradições. O cotejo com novas anomalias e novas explicações deverá levar a reelaborações à contrapêlo do seu nódulo racional, mesmo que cada um dos desdobramentos ainda vindique a mesma tradição. A metáfora metabólica de ramais distintos dentro dum mesmo programa de pesquisa alegoriza, desta forma, a dinâmica do advento de correntes frequentemente concorrentes/adversas como, por ex., os marxismos mais afins ao estruturalismo ou humanismo - mais ou menos “deterministas” enfim - mas sempre recusando aos dogmas.

O elã fundante da unidade dilaética entre a teoria e a prática faz então do marxismo uma tradição singular no ambiente das ciências sociais. Para além de qualquer critério de verdade científica ou idoneidade da fibra moral - aos quais, diga-se de passagem, o marxismo deve fazer questão de responder perante a universidade e a sociedade - trata-se de fazer uma teoria viva e pulsante, atualizando daí os seus supostos e tornando-a cada vez mais acutilante no sentido da extinção das sociedades de classes, que Marx não teve maior pudor em apelidar de “velha merda”.

O assim-chamado “estudo de caso ampliado” se caracteriza então a partir duma série de coordenadas de expansão: i) a co-observação amplia-se em co-participação, através da realidade em estudo; ii) a reconstituição dos processos e eventos tem hora e lugar a partir do alargamento do estudo no espaço-tempo; iii) o nexo com as forças sociais macro atravessa o território, com relevo na remodelagem: o aqui-agora das realidades locais micro; iv) a reconstrução que tem lugar da teoria social crítica, que passa a reintegrar o corpus vital do núcleo duro em nova “Aufhebung”.

A ciência, a filosofia e a arte não deixam de elas mesmas atos cujos objetivos conformam a dita “produção social de conhecimento”. Depreende-se disso que as práticas intelectuais são sobretudo relacionadas à produção social, e.g., fazem parte do mundo do trabalho. Em amplo sentido, os cientistas/filósofos/artistas, desde o locus universitário, não são diferentes dos demais trabalhadores sociais. Usam materiais - tangíveis e cognitivos -, bem como seus “cérebros, músculos, nervos, mãos” (In: Marx, O Capital, v/e), para criar e distribuir um produto de trabalho específico, i.e., os próprios saberes. E, na ampla maioria dos casos, encontram-se em relações de trabalho - e sobretudo de labor em educação - na academia. As condições de vida e de trabalho em educação viralizaram uma tendência que se tornou algo mais pronunciada em todo o Planeta: a precarização/intensificação/flexibilização do trabalho acadêmico, que se reflete na progressiva proliferação de contratos temporários, subremuneração crónica, perspectivas de carreira já pouco claras e expectativas declinantes. O trabalho docente na educação escolar, por sua vez, também incide em certa captura da subjetividade, esvaziamento de sentido, deterioração laboral e perda de prestígio ou status. A escola enquanto instituição por excelência voltada para a transmissão do conhecimento acumulado pelo gênero humano a cada ser singular é acometida por uma crise que possui um nexo - ao mesmo tempo - de identidade e distinção, para com os campi universitários: o professor, conferencista, investigador, pesquisador - já seja precário ou fixo -; o “acadêmico”.

A crise e mal-estar da universidade, debatida vastamente em conferências, periódicos especializados e cadernos de jornal mundo-afora, tem também um aspeto laboral: o trabalho académico. Os caracteres referidos sobre paixões tristes e alegres no trabalho tambem têm lugar aqui. Como garantir que haja mais cooperação e menos competição, mais qualis que quantum, mais autonomia do que heteronomia, mais emancipação do que assujeitamento, também no nosso trabalho de pesquisar? Vale a pena olhar mais de perto para as condições e para a organização deste trabalho específico e muito especialmente, ipso factom não programável e nunca calculável.

Em um resumo brutal - e numa elipse narrativa somente justificável numa “fermata alla italiana” -, o que propomos aqui-agora é a questão de saber se académicos, ao fim e ao cabo, devem ser pagos. A pergunta não é autoevidente, e perguntar não ofende. O problema é se os soldos arrecadados são o fim que perseguem ou um meio para alcançá-lo, a saber, o conhecimento científico, o qual não tem preço. Em outras palavras, o trabalho dos pesquisadores pode ser tratado aí como mais uma mercadoria? Ao longo de anos, de lecionação e de investigação, vimos que a dinâmica do mercado caminhava nessa direção, i.e, qual num renovado “mercado de ideias”.

O que testemunhamos no espaço-tempo é o esvaziar-se do campus como locus da crítica. Desde os anos 1970 o seu papel social tem sido de servir o status quo e não o desafiar em nome da justiça, da tradição, da imaginação, do bem-estar social ou visões alternativas de futuro. Não mudaremos isso simplesmente aumentando o financiamento público da universidade em vez de reduzi-lo a um Grau Zero. Vamos mudar isso insistindo que uma reflexão crítica sobre os valores e princípios sociais e humanos deve ser fulcral para tudo o que acontece nas universidades, em rigorosamente todas as áreas. Por fim, o trabalho académico só pode ser defendido enfatizando-se o quão indispensável é; e isso significa insistir em seu papel vital em todo o espectro humano. Não há universidade sem uma investigação social e humana, o que significa que universidades e capitalismo tardio são diametralmente antagonizantes. Quando vamos extrair daí consequências?

Não foi à tóa que nomeamos nossos intertítulos como pesquisar o trabalho e trabalhar a pesquisa. Mais do que um jogo de palavras qualquer, parece-nos que qualquer proposta para um modelo de pesquisa coletiva necessita pensar o trabalho para além do trabalho de pensar. Um trabalho cooperativo não vai ser pré-ideado num ambiente laboral fundado sobre a concorrência desenfreada. Nem a qualidade social do trabalho será bem elaborada por quem só se orienta por quantificações. É urgente selar um compromisso de refundação da existência destes hoje distintos grupos sociais caso queiramos buscar às trilhas nada fáceis de contribuir ao máximo ao bem-estar comum e utilizar da melhor forma o saber para tal. Não se trata de buscar melhores condições para estes ou aqueles. A única estratégia viável passa pela desmercantilização de todo labor, com o fim da alienação de mãos e cabeças, conceber e executar, e, ao fim ao cabo, dirigir e dirigir-se.

O horizonte de possíveis deve tentar reunir, sem cisões e/ou fraturas, a inteligência do trabalho e o trabalho da inteligência. Trata-se de uma tarefa mais facilmente dita do que cumprida.

Mais que um somero relato científico qualquer - que expõe resultados, analisa e sintetiza tendências, nexos e categorias, reelabora propostas ou cenários - expomos um trabalho em que é saliente a interrogação do sentido e do conteúdo do trabalho na autorrealização dos sujeitos, um substrato granítico das pesquisas ora em cena. Em millieux laborais mais igualitários, socialmente cooperantes, criativos e conduzidos por reptos ético-políticos, o trabalho poderá ensejar uma vida plena de sentido, harmoniosa e realizada; em contextos burocráticos, baseados em hierarquias que nada têm a ver com os objetivos profundos do trabalho socialmente necessário, em que o trabalho é marcado pela alienação e pela reificação, de forma diametralmente oposta, o mal-estar abunda.

No gesto e na intenção, que conta com apoio das organizações de trabalhadores, é possível alegar algum possível “pessimismo da razão”, expresso no próprio processo investigativo e que é, dialeticamente, condição para que, com “otimismo da vontade” dê-se a eventual apropriação da teoria advinda do conhecimento da situação em que se encontram, ampliando-se alternativas. O futuro do trabalho sob o mundo do capital é de violência, irracionalismo e distopia. Frente aos decisivos dilemas para a humanidade, reconstituir o sentido intelectual, organizador, projetivo e político do mundo da educação é uma forte dimensão da aposta estratégica de contraofensiva à barbárie que pesa sobre a humanidade e, em especial, sobre a classe que vive do próprio trabalho.

Com cauteloso realismo temos acompanhado o que pretende augurar, tendencialmente, o ocaso da ofensiva neoliberal face às universidades. Numa altura em que a política científica e investigativa europeia oficial, plasmada em programas-quadro como o do Novo Horizonte Europa (2021-2027), acentua a importância de ajustar modelos de avaliação em termos menos métricos e/ou empresarializados (estes, com uma lógica contábil baseada em “produtos” e “serviços”), a centralidade da ciência cidadã e socialmente envolvente, a relevância de incluir vastos atores, movimentos e/ou comunidades em busca da sustentabilidade social, o estímulo à uma nova cultura científica enraizada e abrangente, o encorajamento à co-criação junto à sociedade civil e em participação ampla, sobretudo a ideia-força de uma ciência menos orientada ao produtivismo estéril e algo mais voltada em direção ao cânone da abertura, é chegada a hora de sepultar motes como os de bibliometrics, impact factors, fund raising, new public management e benchmarking... A desmercantilização, democratização e desalienação do trabalho investigativo e docente só pode advir de uma resistência e luta pela livre associação de todos os produtores sociais, sem distinções. Mas não nos enganemos. Nenhum desenvolvimento progressivo terá lugar sem nossa implicação. Para o trabalho poder voltar a ser espaço de jogo, não podemos ignorar o seu lugar atual de luta. Nós somos aquilo que fazemos, mas, sobretudo, aquilo que fazemos para transformar quem somos. Bem unidos, façamos.

“Chegou à altura de nós - académicos - começarmos a fazer por merecer um lugar neste mundo. Graças a um público algo crédulo, nós temos sido celebrados, lisonjeados e até mesmo pagos para produzir os estudos científicos os mais inconsequentes na história da civilização: alguns milhares de artigos e livros, de teses ou de dissertações, já milhões de ensaios por semestre letivo, palestras suficientes como que para ensurdecer aos deuses. Tal como os políticos, temos prosperado sempre a nos fiarmos da vasta inocência do nosso público, com tão-só uma diferença: aos políticos lhes pagam para que se preocupem, quando na realidade não o fazem; e nós somos pagos para não nos preocuparmos quando, na verdade, sim o fazemos.”

Howard Zinn (1922-2010)

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  • 1
    *) O presente ensaio de interpretação foi, inicialmente, pensado para se constituir numa reflexão crítica sobre um intelectual colectivo, socialmente situado e historicamente datado. Tratava-se dum primeiro diagrama rudimentar sobre o perfazimento do Observatório para as Condições de Vida e Trabalho, sua gênese e devir. Algumas palavras a respeito desta escolha se impõem. O ensaio se caracteriza pela renúncia à busca duma qualquer certeza inexorável, própria à ciência positiva. Na forma-ensaio, os conceitos tornam-se cada vez mais efetivos à medida em que se fertilizam reciprocamente, não comportando, nunca, definições prontas e acabadas. O nexo vivo, entre o pensamento crítico e a imaginação criadora, possibilita uma experiência intelectual ao mesmo tempo mais rica, no “alargamento de possíveis”, mas por isso mesmo mais suscetível ao risco do falhanço e/ou do engano. A forma está estreitamente vinculada a uma concepção de mundo, de vida, de humanidade e conhecimento. Partilha-se cá da preocupação marxiana com os métodos de pesquisa e exposição, é inseparável da sua noção de Crítica crítica e, em última instância, aduzimos que o conteúdo daquilo que se quer conhecer não se mantém incólume - no decurso mesmo de sua descoberta. O ensaio, diferentemente das formas típicas da “teoria tradicional”, não tem como um objetivo principal classificar, categorizar, programar ou quantificar à exaustão o seu objeto, mas compreendê-lo no interior de seu próprio vir-a-ser. Isso não significa, contudo, uma recusa qualquer do conhecimento objetivo. Muito pelo contrário, a própria ideia de saber e objetividade é trans/form/ada, através da mediação do ensaio. Essa forma aberta, longe de ser leviana e/ou sem rigor, é o que se “sedimenta” - em busca do próprio conhecimento - sobre os conceitos e sobre a sua relação com os objetos. Sua forma tentativa e exploratória recusa a conceptualização assente num ideal metódico cartesiano e alheio à contradição em movimento, caracterizada pelo mundo do capital. A primeira apresentação deste texto foi em português europeu, no interior da primeira coletânea do OCVT In: Trabahar e Viver no Séc. XXI, Ed. Húmus, Porto 2021, ISBN 978-989-755-656-2. O presente texto trata-se duma versão revista e ampliada, após 10 anos de vida do OCVT como associação científica autônoma. Este texto, tentativo e exploratório, não seria possível sem o trabalho coletivo junto com Duarte Rolo e Raquel Varela e todos os demais colegas, companheiros e amigos do Observatório das Condições de Vida e Trabalho (OCVT) / Nova4TheGlobe (N4G) / Universidade Nova de Lisboa (UNL), tal qual sujeitos-trabalhadores compartícipes das pesquisas-ações e das co-investigações levadas a cabo nestes últimos anos. O seu título, livremente inspirado num volume histórico, editado a cura do epistemólogo franco-brasileiro Michael Jean-Marie Thiollent, é uma singela homenagem ao responsável primeiro por nos fazer chegar à noção de pesquisa-ação. Sobretudo, é por sua causa que, pela primeira vez, pusemos os olhos na “enquéte ouvriére” do velho mouro. Os nossos primeiros mestres são, sempre, irretribuíveis. É por isso que estendo os meus mais profundos agradecimentos a todos meus queridos mestres do sistema universitário público do Brasil. Por fim, importa referir que o trabalho científico de Michael Burawoy é-nos uma inspiração constante e, em vários momentos, recorremos a seus insights de tal forma imbricados com a estrutura do texto que citá-lo a cada nova referência tornaria a fluidez da leitura algo inconcebível. Aqui referimos sobretudo a noção de ciência reflexiva e a metodologia do estudo de caso ampliado como paradigmas fulcrais de orientação em pesquisa.
  • 2
    Como atestam já os vários estudos sobre o Sul do modelo social europeu. Vide Varela, Raquel et. al., A Segurança Social é Sustentável: trabalho, Estado e segurança social em Portugal. Lisboa : Bertrand, 2013.
  • 3
    Sem querer realizar um circunlóquio metacientífico a respeito, por ora, bastaria com afirmar que o Norte que nos guia passa pelas seguintes coordenadas fulcrais: a) intenção e gesto efectivos pela verdade, b) valor cognitivo do discurso e da prática científica e c) livre debate de ideias teóricas e metodológicas no Grupo.
  • 4
    Vide: Gorz, 1980; Offe, 1984; Kurz, 1991; Castells, v/ed.; Habermas; v/ed.; Arendt, v/ed.; e muitos mais.
  • 5
    Apud Mészáros, István. Presentation. In: Antunes, Ricardo. Meanings of Work. Brill : Boston, 2012, p. 9.
  • 6
    Devemos a Mandel (1962) uma demonstração irrefutável do caráter excecional deste interlúdio histórico.
  • 7
    Parece-nos, às vezes, que o exercício singelo de cotejar as análises realizadas sobre um período e outro já fariam iluminar as zonas de penumbra entre a essencial identidade por detrás da aparente diversidade. Para não ir longe, sugerimos o singelo cruzar de dados, hipóteses e/ou modelos apresentados ambos em alentadas investigações de pós-doutoramento, conduzidas com mobilidade internacional de quadros supervisionadas: i) no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra com Leandro Galastri (FFC/Unesp) e Elísio Estanque (CES/UC), e, ii) no Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa com Marcelo Braz (ESS/UFRJ) e Francisco Louçã (ISEG/UL). Os projetos de pesquisa chamam-se “O atual modelo político português: a construção de alianças à esquerda” (2019), de um lado e “Para a Crítica da Crise” (2015), do outro; diga-se de passegem, da lavra de intelectuais críticos - brasileiros e portugueses - com percursos sérios e reflexives e que gozam de immensa respeitabilidade na acadèmia.
  • 8
    Supiot, Alain. Le travail n’est pas une marchandise. Collège de France/Leçons de Clôture. Paris, 2019.
  • 9
    A avaliação individual de desempenho é objeto de crítica, demolidora, em Christopher Dejours (2012).
  • 10
    O tema da servidão voluntária - tipicamente boetiano - ressurge, em uma série de analistas do trabalho, como Antunes (2018)(2018) O Privilégio da Servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo: Boitempo, 325 pp., Dejours (2010) e vários outros. Não nos parece obra do acaso e mera coincidência.
  • 11
    Idem, ibidem.
  • 12
    Joseph Stálin In: “O capital mais precioso é o homem” e “Por uma formação bolchevique” 4/5/1935, Discursos no Kremlin, In: Stálin apud Supiot (2019a).
  • 13
    A indicação supra não deve aludir nem à personalização das áreas disciplinares, como as zonas exclusivas dos três autores, nem a uma lógica interdisciplinar de baixa intensidade, como se reduzida ao comparatismo.
  • 14
    Diferentemente dos expoentes clássicos da sociologia a teoria de Marx e Engels desenvolveu-se fora da academia.
  • 15
    A crítica à Dialética da Natureza teve origem na nota de rodapé n.6 de História e Consciência de Classe de Lukács - e tornou-se axiomàtica, para o marxismo ocidental, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial.
  • 16
    Marx, O Capital, p. 50.
  • 17
    Marx, 1844 e Marx, 1867 são as respetivas datas, da primeira publicação, de ambos os materiais, inéditos.
  • 18
    Contrariamente à tese althusseriana, muitos autores afirmam a continuidade dialéctica de sua laboração. Um exemplo atual, à contrapelo, é a obra Karl Marx’ Writings on Alienation (In: Musto, Palgrave: 2021).
  • 19
    Marx, O Capital, Volume I, p. 187.
  • 20
    In: Marcel van der Linden & Jan Lucassen, Prolegomena Towards a Global Labour History, IISH, 1999.
  • 21
    Karin Hofmeester, Global Collaboratory on History of Labour Relations 1500-2000, Amsterdam, 2013.
  • 22
    Raquel Varela, Shipbuilding & shiprepair workers around the World (1950-2010), Amsterdam, 2015.
  • 23
    Raquel Varela et. al., A História das Relações Laborais em Portugal e no Mundo Lusófono, 1800-2000.
  • 24
    Vide os trabalhos de Dejours e Derranty na bibliografia para mais informações sobre esta área de saber.
  • 25
    Rolo, idem, ibidem.
  • 26
    Ricardo Festi é Professor Doutor em Sociologia do Trabalho na Universidade de Brasília (UnB/Brasil).
  • 27
    Nesta secção valemo-nos, extensivamente, dos desenvolvimentos de Michael Burawoy (2014) a respeito. Até onde sabemos por ora, é o único sociólogo a trabalhar em quatro países como operário semiqualificado e decifrar a grandes transformações sociais: a transição pós-colonial (Zâmbia), a transição do fordismo ao neoliberalismo (EUA), e a transição do stalinismo ao capitalismo periférico (Hungria & União Soviética).
  • 28
    A Revista Rubra foi um projeto editorial, afinado com o jornalismo alternativo, com forte pegada social. Enquanto a Solid sediou uma associação cívica em defesa dos direitos do mundo do trabalho em Portugal.
  • 29
    O universo dos “inquéritos operários” - pesquisa-ação própria do mundo do trabalho - tem fortuna crítica digna de nota, In: Haider, A. and Mohandesi, S. Workers’ Inquiry. In: Viewpoint Magazine, Sep./2013; Woodcock, J. Workers’ Inquiry from Trotskyism to Operaismo. In: Ephemera, vol.14/3, 2014; Thorne, J. & Wheeler, S. Workers’ Inquiry and Social Composition. In: Notes from Below, Jan./2018; Hoffmann, M. Militant Acts, Sunny Press, New York, 2019; Ovetz, R. Workers’ Inquiry and Global Class Struggle. Pluto, London, 2021, McAllister, C. Karl Marx’s Worker’s Inquiry. NfB, London, 2022. Já no mundo de fala portuguesa temos: i) Sabino, A. et. al. Cadernos da Prática: inquérito operário e luta política. Lisboa: 1971, ii) Santos, M. L. et. al. O 25 de Abril e as Lutas Sociais. Editora Afrontamento: Lisboa, 1975 e iii) Thiollent, M. Crítica Metodológica, Investigação Social e “Enquête Operária”. Editora Polis, São Paulo, 1987, p. 255. Há uma série de temas que não tiveram lugar nesta primeira aproximação, tais como o conceito mesmo de composição de classe - técnica, social e política -, as categorias de inquérito operário “from bellow” e “from above” e mesmo a sugestiva palavra de ordem de “No politics without inquiry!” (In: Emery, Ed. A Proposal for a Class Composition Inquiry Project 1996-7. Common Sense, N. 18, Dec. 1995 / Notes from Bellow), questões que deverão ser tocades, em futuras publicações — nossas e dos colegas do Observatório. Acaba de ser lançado um novo volume - “a cura” de Murillo van der Laan e Ricardo Antunes - que não só dá notícia de uma nova edição da enquête marxiana como revisita a sua historiografia (Boitempo, SP, 2023).
  • 30
    Rolo, idem, ibidem.
  • 31
    Vide “Para uma sociologia pública”, Burawoy (2000), e “Abrir as ciências sociais”, Wallerstein (1995).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2023

Histórico

  • Recebido
    05 Ago 2021
  • Aceito
    15 Out 2021
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