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O Aborto e o NCLA: O Caso Boliviano

The abortion and the NLAC: the Bolivian case

Resumo

Este artigo visa analisar a interrupção voluntária de gravidez a partir do Novo Constitucionalismo Latino-Americano (NCLA), realizando um estudo de caso da Sentença Constitucional Plurinacional 0206/2014 (Bolívia). Para tanto, faz-se breve análise do modelo constitucional e apresenta-se o debate do aborto, analisando, após, o precedente boliviano. Ao final, é feita análise crítica da decisão, destacando pontos relevantes e controvertidos.

Palavras-chave:
NCLAl; Aborto; Bolívia

Abstract

This article analyzes the voluntary termination of pregnancy from the perspective of New Latin-American Constitutionalism studies, exploring a case study on Plurinational Constitutional Sentence 0206/2014. For this purpose, an analysis on this constitutional model is made; the abortion debate is presented, investigating the Bolivian precedent. Finally, a critical review on the decision is formulated, highlighting its relevant and controversial points.

Keywords:
NLAC; Abortion; Bolivia

Introdução

Poucos temas no Direito são tão intensamente disputados e debatidos quanto a legalização e descriminalização da interrupção voluntária da gravidez – ou, simplesmente, aborto. A ambivalência da discussão é latente: se, por um lado, se tem a impressão de haver certo esgotamento e repetição das argumentações favoráveis ou contrárias, por outro, o tema parece se encontrar em permanente estado de urgência, demandando sempre novos estudos, argumentos e contribuições.

Sendo um tema tão controvertido, seja na academia, nas ruas, no parlamento, nos templos religiosos ou mesmo em reuniões sociais, é necessário um posicionamento prévio em relação à seguinte indagação: se os limites da vida e a interrupção da gravidez são assuntos que ocupam principalmente a arena pública e política, há legitimidade e capacidade institucional de análise, discussão e decisão por parte do Judiciário? Não seria este um debate mais adequado às tribunas e palanques do Congresso Nacional do que aos bancos e mesas de magistrados?

É verdade que, em tese, em Estados que se pretendem democráticos, é a lei (elaborada por representantes do povo) que costuma definir os marcos temporais, as hipóteses e a regulamentação jurídica da interrupção voluntária da gravidez – e é necessário que assim continue sendo. Entretanto, o idealismo do modelo é desafiado por uma realidade conflitiva, contraditória, desigual e excludente. Como frequentemente ocorre quando direitos fundamentais são confiados exclusivamente às leis, as imperfeições e vícios destas põem aqueles em constante risco de ofensa e desrespeito. Daí, portanto, a necessidade, legitimidade e responsabilidade de juízes e tribunais em uma democracia constitucional no exercício da jurisdição constitucional: resguardar direitos fundamentais, fazendo-o, não raramente, de forma contra-hegemônica.

Dito isso, o presente trabalho consiste em um estudo de caso, elaborado a partir de pesquisa teórica documental, bibliográfica e jurisprudencial acerca da Sentença Constitucional Plurinacional 0206/2014, oriunda do Tribunal Plurinacional da Bolívia, que analisou a constitucionalidade de uma série de dispositivos do Código Penal boliviano que afetavam direitos das mulheres – dentre os quais, a autonomia reprodutiva, o direito ao próprio corpo e, consequentemente, a interrupção voluntária da gravidez. Tendo em vista que a Bolívia é um dos polos de referência do chamado “Novo Constitucionalismo Latino-americano”, modelo constitucional inovador e com aspectos e características próprias, intenta-se verificar se houve influência deste modelo na fundamentação e no dispositivo do referido julgado. Visa-se analisar, também, qual foi o peso deste novo paradigma na garantia e no reconhecimento judicial dos direitos das mulheres em casos de interrupção voluntária da gravidez, e se é possível extrair lições para o contexto brasileiro.

Para tanto, em um primeiro momento, será feita análise a respeito do chamado “Novo Constitucionalismo Latino-americano” (NCLA), referencial teórico adotado neste trabalho; após, serão realizadas breves considerações sobre o debate da legalização da interrupção voluntária de gravidez; na sequência, apresenta-se o caso levado à Corte boliviana e, a título conclusivo, busca-se responder às perguntas inicialmente formuladas.

1. Breves Linhas Sobre o Novo Constitucionalismo Latino-Americano

O NCLA é considerado, de acordo com Ana Micaela Alterio (2014)ALTERIO, Ana Micaela. Corrientes del Constitucionalismo contemporâneo a debate. Anuario de Filosofía y Teoría del Derecho, Núm. 8, enero-diciembre de 2014, p. 227-306., uma corrente constitucional em construção doutrinária. Suas bases seriam os movimentos sociais populares constituintes e as de países da América Latina.1 1 O rol de países que se enquadram no movimento do NCLA não é pacífico na doutrina. Se, por exemplo, autores como Uprimny (2011) consideram um amplo rol de participantes no movimento, como Brasil (1988), Costa Rica (1989), México (1992), Paraguai (1992), Peru (1993), Colômbia (1991), Venezuela (1999), Equador (1998 e 2008) e Bolívia (2009), outros, como Salazar Ugarte (2012), restringem o rol a apenas Equador, Bolívia e Venezuela. Já Antonio Carlos Wolkmer e Lucas Machado Fagundes (2011) defendem que o constitucionalismo latino-americano contemporâneo pode ser dividido em ciclos: um primeiro ciclo pautado na descentralização do poder (Brasil e Colômbia), um segundo ciclo, que amplia mecanismos de democracia participativa (Venezuela), e um terceiro ciclo, no qual se aprofundam direitos das populações originárias e da construção de Estados Plurinacionais (Equador e Bolívia). Os problemas centrais para o NCLA são, na visão da autora, a marginalização político-social de certos grupos – em especial, dos povos originários2 2 Apesar de se adotar, em termos descritivos, o NCLA como marco teórico para o trabalho, não se desconhece – aliás, ratifica-se – a crítica relativa ao silêncio e ausência quanto às opressões sofridas pela população negra, o que não torna o movimento, entretanto, menos legítimo; cuidam-se, em nosso sentir, de desafios e questões a serem mais discutidas e tratadas no interior do NCLA. Sobre isto, conferir Gabrielle Sá (2016) e Evandro Duarte, Gabrielle Sá e Marcos Queiroz (2016). – e a desigualdade social resultante da adoção de políticas neoliberais. Em sua percepção, o NCLA pretende ser plenamente normativo e constituir um Estado Constitucional, tendo por principal objetivo a constitucionalização do ordenamento jurídico. Importa notar como o NCLA supera o conceito de constituição como limitadora do poder constituído e avança na definição desta como fórmula democrática onde o poder constituinte expressa sua vontade.

Alterio analisa os modelos de constitucionalismo (no caso, neoconstitucionalismo, constitucionalismo popular e NCLA) em cinco aspectos: (a) pretensões normativas; (b) modelos de legitimidade democrática; (c) institucionalização do controle de constitucionalidade proposto por cada teoria; (d) teorias da democracia em cada modelo; e, por fim, (e) relações entre direito constitucional e política.

O modelo de legitimidade do NCLA seria um modelo procedimentalista débil, no qual o poder constituinte revolucionário se incumbiria da reconstrução do Estado, não se diluindo uma vez cumprida sua missão. Seu arranjo institucional seria de constitucionalismo forte, não elitista, no qual se prevê uma constituição rígida, com forte judicial review, e se atribui forte protagonismo à participação popular, que vai muito além da eleição de representantes. O modelo passa a refletir instâncias cidadãs de controle da gestão pública e reconhecer formas de democracia comunitária desenvolvida pelos povos originários, além de mecanismos informais de participação, como o direito de resistência. O NCLA passaria, assim, a refletir a vontade de refundar o legado constitucional em chave republicana democrática, com o objetivo de dar resposta a algum dos principais desafios que o século XXI coloca na região.

Dessa forma, para o poder constituinte originário não existiriam espaços vedados nem âmbitos indecidíveis (o que se exemplifica no caso da participação/eleição de juízes pelos cidadãos, caso da Bolívia). São visualizadas novas funções e poderes do Estado (saindo do modelo liberal clássico de três poderes), tudo isso em constituições dirigistas e de governo econômico.

Sobre a teoria da democracia empregada no NCLA, observa-se a adoção de uma democracia participativa, incluídos mecanismos de democracia direta. Seria, nas palavras de Alterio, uma democracia radical, agonista, combinada com modelos de democracia deliberativa. Há um difícil equilíbrio entre as ideias substancialistas e procedimentais para sustentar a legitimidade, apesar de se falar, ainda, em uma “democracia intercultural”. O risco do modelo é o de enveredar para uma democracia populista, ou de “cesarismo democrático”, com reforço a tendências autoritárias na região, convertendo a democracia participativa em mera ilusão.

Por fim, entre direito e política verifica-se uma forte relação, na qual a dimensão jurídica da Constituição se combina com sua legitimidade democrática. Há, assim, um evidente predomínio do político sobre o jurídico.

Buscando inspiração na análise de Siddharta Legale (2016)LEGALE, Siddharta. O que é a vida segundo as Cortes do Novo Constitucionalismo latino-americano? Revista Publicum, Rio de Janeiro, Número 2, 2016, p. 222-244., o NCLA parece decorrer mais da atuação de movimentos sociais na América Latina do que de teorizações acabadas oriundas da academia. Legale analisa o NCLA por três marcos: histórico, filosófico e sociológico.

Por marco histórico, são apontadas as transformações decorrentes dos movimentos sociais que culminaram na aprovação de novas Constituições do Brasil de 1988, Colômbia de 1991, Venezuela de 1999, Equador de 2008 e Bolívia de 20093 3 Enumeração, como dito anteriormente, controvertida. , todas analíticas, férteis em direitos e reconhecimento de minorias, como os povos originários.

Como marco filosófico, o NCLA estaria apoiado na reivindicação de um processo descolonizador, descrito a partir da epistemologia do Sul, ou filosofia da libertação4 4 Sobre o tema, ver Boaventura de Sousa Santos (2010), Quijano (2002, 2009), Dussel (1985). . Por essa razão, busca inspiração em conceitos e visões de mundo de povos originários.

O marco sociológico, por fim, seria resultado da dinâmica dos movimentos sociais na América Latina em defesa de maior pluralismo cultural, econômico e social como forma de que o Estado seja plurinacional (ou pluriétnico).

2. O Debate da Interrupção Voluntária da Gravidez: Considerações Preliminares

Apesar de não ser o objeto do trabalho, convém dedicar algumas páginas ao debate da criminalização do aborto. Para que o presente estudo se mantenha nos limites de seu objeto, a abordagem se iniciará a partir de breves considerações criminológicas, demarcando-se posição no debate feminista da interrupção voluntária da gravidez; na sequência, apresentam-se notas históricas sobre o bem jurídico ofendido pelo delito de aborto; após, um breve painel do debate contemporâneo, identificando direitos e interesses em jogo; e, por fim, será feito um levantamento dos principais casos e decisões judiciais em matéria de direito à vida e interrupção voluntária da gravidez.

Justifica-se esta forma de enquadramento do problema por ser o objeto do trabalho uma decisão judicial de uma Suprema Corte Constitucional – o que faz com que a discussão, argumentos e nossa aproximação sofram certas modificações e restrições, em função dos atores envolvidos, seus discursos, e de sua legitimidade e capacidade institucional.

Em vários países, é verdade que a questão conseguiu (ou vem conseguindo) equacionamento na esfera política em sede legislativa.5 5 Processos importantes e recentes de legalização são verificados em Portugal (2007), Uruguai (2012), e se esboça um movimento na Argentina, ainda em andamento, para a regulamentação da interrupção voluntária da gravidez, que parece contar com apoio contundente da população e do Parlamento. Destaca-se também o caso irlandês, no qual um referendo realizado em maio de 2018 contou com 66% dos votos pela legalização do aborto até a 12ª semana. Porém, neste trabalho, prioriza-se a investigação dos momentos históricos em que a arena é deslocada para o Judiciário ou instâncias com competência decisória, como as Cortes Internacionais de Direitos Humanos e demais órgãos de proteção e implementação de tratados internacionais, analisando suas manifestações e decisões ante a demanda por sopensando entre proteção à vida do feto e os direitos fundamentais das mulheres.

2.1 Breves Notas Sobre Criminologia Crítica Feminista

Sabe-se que a construção dos saberes guarda, em si, teorias de gênero e de raça pressupostas. Se nas primeiras análises atinentes ao comportamento humano nunca se falou a respeito de raça ou gênero, isso não significa que esses marcadores não interagissem com os fenômenos analisados – significa, sim, que o indivíduo padrão para as investigações realizadas se supunha universal quando, na verdade, era o único que detinha voz política. Critérios como neutralidade e objetividade, assim, foram cunhados por atores socialmente privilegiados.

Quando se fala a respeito de Direito Penal esse cenário não é diferente: homens brancos detiveram, durante muito tempo, a voz hegemônica a respeito da construção dos saberes criminais. Essa centralidade autocolocada determinou não só uma suposta neutralidade por parte dos emissores como também a positivação de posições racistas e sexistas nas legislações penais.6 6 A criminalização de práticas relacionadas a religiões de matriz africanas são um exemplo da positivação do racismo na legislação brasileira.

O advento de teorias feministas na criminologia intenta romper com o suposto consenso a respeito da padronização de comportamentos desviantes e da produção dos saberes. A inserção do gênero como eixo de análise visa a identificar circunstâncias próprias às mulheres e inseri-las como personagens centrais no pensamento penal – não apenas como um tópico particular dentro de uma teoria hegemônica. Além disso, a criminologia feminista preocupa-se em pacificar que corpos femininos não são arena de controle estatal e que a voz feminina não pode ser sequestrada por processos de persecução criminal.

A construção de uma Criminologia Crítica Feminista assinala que não só a punição institucional é instrumento que aprofunda opressões como é preciso questionar o poder simbólico por trás das penalizações. Autoras como Abreu (2007)ABREU, María Luisa Maqueda. “¿Es la estrategia penal una solución a la violencia contra las mujeres? Algunas respuestas desde un discurso feminista crítico” in Revista para el análisis del derecho, Barcelona, out/2007., Andrade (1997)ANDRADE, Vera Pereira Regina de. “Criminologia e feminismo: da mulher como vítima à mulher como sujeito de construção da cidadania” in Revista Sequência, n°35, Curso de Pós Graduação em Direito - UFSC, dez/97. e Karam (1996KARAM, Maria Lúcia. “A esquerda punitiva” in Discursos Sediciosos: crime, direito e sociedade. Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p.79-92, 1996.; 2006________ “Violência de gênero: o paradoxal entusiasmo pelo rigor penal” in Boletim do IBCCrim, nº 168, novembro de 2006.) chamam a atenção para o fato que mesmo quando o Direito Penal é convocado a agir diante de violações específicas dos direitos das mulheres, como a violência doméstica, por exemplo, o resultado obtido não é uma maior libertação feminina. Não haveria, na expansão penal, transformações sociais efetivas – apenas uma maior punição dos indivíduos que já são mais intensamente vigiados por critérios discriminatórios relacionados a raça e classe.

No crime de aborto – e, mais precisamente, no autoaborto previsto no art. 124 do Código Penal – o controle sobre o corpo da mulher é explícito, assim como a sobrecriminalização das mulheres negras e pobres.7 7 Aplicação relevante da teoria do impacto desproporcional na matéria. Sobre isto, ver SARMENTO, 2010. Esse tipo penal, de cometimento exclusivo feminino, conecta-se à ideia central da tutela do Estado sobre o corpo e a sexualidade da mulher. O reforço punitivo empregado pelo art. 126 sublinha que corroborar com iniciativas de interrupção voluntária da gravidez é algo vedado pelo Estado brasileiro. Trata-se de punição institucionalizada às mulheres que rompem com as construções sociais de gênero impostas pela sociedade, num esforço do Estado patriarcal a fim de recolocar a mulher em seu papel social de reprodução pré-definido pelo gênero (NETTO, BORGES, 2013NETTO, Helena Henkin Coelho; BORGES, Paulo César Corrêa. A mulher e o direito penal brasileiro: a criminalização pelo gênero e a ausência de tutela penal justificada pelo machismo. Revista de Estudos Jurídicos UNESP, ano 17, n.25, 2013, p. 317-336., p. 329-330).

A criminalização do aborto está, portanto, vinculada ao controle social da mulher, que não se restringe a impedir somente seu poder de decisão, mas também em determinar sobre o seu corpo e sua vontade, fixando-a em dado local na ordem social e perpetuando dor, sofrimento e morte das classes vulnerabilizadas (MARTINS; GOULART, 2016MARTINS, Fernanda; GOULART, Mariana. Feminismo, direito e aborto: articulações possíveis e necessárias para emancipação de gênero. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, v. 24, n. 123, p. 233-258, set. 2016.).

2.2 Identificando os Direitos e Interesses em Jogo no Debate

Hoje, como entendimento predominante, afirma-se que o bem jurídico ofendido pelo aborto é a vida humana em desenvolvimento (HUNGRIA, 1979HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno. Comentários ao Código Penal. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979., p. 285-287; FRAGOSO, 1988FRAGOSO, Heleno. Lições de Direito Penal. Atual. por Fernando Fragoso. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988., p. 136; BITENCOURT, 2018BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, volume 2. 18ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2018., p. 185; GRECO, 2018GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 12ª ed. rev, ampl. e atual. Niterói: Impetus, 2018., p. 382).8 8 Como assinala Nilo Batista (1979), já foi considerado, ao longo da história, que o aborto afetava a ordem familiar e moralidade pública, os interesse demográfico, a integridade física da mãe, o direito dos pais à prole, o direito ao normal desenvolvimento intrauterino e, por fim, a vida. Entre os assírios, por exemplo, o aborto representava “a baixa prematura de um soldado”; no Direito Romano, até 195 d.C não se punia o aborto (não se considerava um homem o produto da concepção). Quando começou a ser punido, o aborto era considerado fraude ao marido (pater familias), ao seu direito à prole (seu consentimento descriminava o fato). Curiosamente, do ponto de vista civil foi atribuída grande feixe de garantias patrimoniais ao nascituro e ao concepturo (notadamente no direito das sucessões). Conforme o Direito Canônico (notadamente, nas interpretações de Santo Tomás de Aquino) a animação do feto se dava aos 40 dias da concepção, sendo homem, e 80 dias, sendo mulher (o aborto anterior ao período de animação era mais brandamente punido que o realizado durante, por razões de “proteção da alma”: sua punição se dava, a partir desta justificativa teológica, da mesma forma que um homicídio). Já na Idade Média, o feto só era considerado vivo de 30 a 80 dias após a concepção. De fato, a incriminação do aborto começa, de fato, a partir do início do século XIX nos EUA e Inglaterra, em função da necessidade de mão-de-obra para o nascente capitalismo industrial (BATISTA, 1979). Portanto, observa-se que o crime de aborto é dotado de objetividade jurídica complexa, ao menos quando analisado em perspectiva histórica. Há, no Código Penal pátrio, a figura do aborto provocado pela gestante ou com o seu consentimento (art. 124) e o aborto provocado por terceiro (artigos 125 e 126) – sendo os artigos 127 e 128 voltados a explicitar, respectivamente, a forma qualificada do crime e as hipóteses de autorização à prática.

Conforme dicção do art. 128 do Código Penal, não se pune o aborto que é realizado por médico em duas circunstâncias: se a vida da gestante se encontra em risco (sendo esta modalidade conhecida como “aborto necessário”) e se a gravidez resulta de estupro. Essa autorização legal traz em si uma análise relevante. Se, diante de um necessário sopesamento entre bens jurídicos, estiverem em jogo a vida da mulher e a vida intrauterina do feto, aquela deve prevalecer. Se, por outro lado, a gestação for provocada por uma violência sexual, a lei penal admite a interrupção voluntária da gravidez mesmo que não haja risco à vida da mulher.

A respeito dessa segunda circunstância autorizadora, nota-se uma evidente vinculação entre a falta de voluntariedade da prática sexual que gerou a concepção e a possibilidade de interromper a gestação. Sendo a mulher vítima de um estupro, não há, para a lei penal brasileira, que se falar em priorização da vida do feto. Não é relevante o fato de essa vida intrauterina ser potencialmente viável se sua existência não adveio de uma relação sexual consensual.

Explicita-se, aí, o controle dos corpos femininos que a legislação penal emprega. Em dado limite, percebe-se que não se busca proteger a vida em desenvolvimento, mas sim regulamentar sob que circunstâncias deve a mulher arcar com uma gravidez no Brasil. Se a gestação foi decorrente de uma iniciativa sexual voltada para a satisfação das pessoas envolvidas, o Estado prega que não há hipótese, dentro da legalidade, de interromper uma possível gravidez que subseguir. Em outras palavras: se a mulher teve prazer sexual na concepção, deve enfrentar o ônus de uma gravidez mesmo que indesejada.

Nota-se, na análise de tipos penais que envolvem questões de gênero, a grande permeabilidade da imposição de padrões morais patriarcais na sociedade brasileira. O legislador penal de 1940 parece querer proteger muito mais uma honra familiar (ou masculina) envolvida em uma suposta pureza sexual feminina do que de fato a voluntariedade da mulher em determinar o momento em que quer ser mãe.

Assim, dentre os direitos ou interesses em jogo no debate, é possível citar: o direito à vida em formação; a disponibilidade do direito à vida; a dignidade do feto; a dignidade da mulher; o direito da mulher ao seu corpo; sua liberdade e autonomia reprodutiva; sua autodeterminação sexual; e, por fim, a igualdade de gênero na sociedade.

Necessário ressaltar que, na discussão da interrupção voluntária da gravidez, deve-se atentar ao Princípio das Razões Públicas de Raws9 9 Princípio de interpretação constitucional, contemporaneamente defendido no Brasil por Daniel Sarmento e Cláudio Pereira de Souza Neto, 2012, p. 447-450. em vista do pluralismo ideológico, religioso e moral na sociedade; sendo que na esfera política, ao lidar com temas essenciais, como os que concernem aos direitos humanos, só são admissíveis argumentos independentes de doutrinas religiosas ou metafísicas controvertidas a que cada cidadão adira. Só são admissíveis argumentos racionalmente aceitáveis, independente de crenças religiosas ou metafísicas.

2.3 Direito à Vida, Aborto e Direitos das Mulheres para Além dos Parlamentos: Alguns Casos de Referência

2.3.1 No Direito Internacional

No Direito Internacional, destacam-se os seguintes casos:

  1. i

    Caso L.C vs. Peru (2011), perante o Comitê para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), em que se decidiu que negar o direito ao aborto terapêutico, quando há grave perigo para a saúde física e mental da mãe, constitui discriminação de gênero e uma violação de seu direito à saúde;

  2. ii

    Caso Artavia Murillo e outros vs. Costa Rica (2012), perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, o qual tratava da permissão de fecundação in vitro; porém, além de afirmar este direito, a Corte reconheceu o direito à autonomia reprodutiva da mulher; citando o caso L.C vs Peru;

  3. iii

    Caso A, B e C vs. Irlanda (2010), perante a Corte Europeia de Direitos Humanos, em que, embora a Corte tenha decidido que o aborto não é um direito fundamental da mulher (não de acordo com a Convenção Europeia de Direitos Humanos), admitiu que os Estados europeus estão, contudo, livres para legislar sobre o tema, ressalvando, no caso da Irlanda, que o país deve emitir regulamentação mais contundente a respeito do direito de aborto da mulher cuja gravidez implica risco à sua vida ou à sua saúde.

2.3.2 No Direito Comparado

Uma das decisões mais famosas no Direito Comparado é o julgamento do caso Roe vs. Wade, 1973, EUA. A Suprema Corte estadunidense reconheceu aqui o direito à privacidade (já reconhecido pelo Tribunal no caso anterior Griswold vs. Connecticut, 1965), envolvendo o direito da mulher de decidir sobre a continuidade ou não da gestação. Declarou-se a inconstitucionalidade de uma lei do Texas que criminalizava a prática do aborto a não ser nos casos em que este fosse realizado para salvar a vida da gestante. Firmou-se o direito à livre interrupção da gestação nos três primeiros meses de gestação por decisão da gestante, que deveria ser aconselhada por médico. No segundo trimestre a interrupção ainda seria permitida, mas apenas diante da proteção à saúde da gestante, com procedimento médico regulado. Decidiu-se, por fim, que a partir do 3º trimestre de gestação, período de viabilidade da vida fetal extrauterina, os Estados podem proibir a realização do aborto, ressalvando a vida ou saúde da mãe.

Duas outras decisões famosas são os chamados casos “Aborto I” e “Aborto II”, na Alemanha.10 10 Sobre elas, em maior aprofundamento, SARMENTO, 2010. No “Caso Aborto I”, de 1975, o Tribunal Constitucional Federal julgou inconstitucional uma lei que descriminalizava o aborto praticado por médico, a pedido da mulher, nas doze primeiras semanas de gestação. No “Caso Aborto II”, de 1993, a Corte Constitucional foi mobilizada para lidar com uma celeuma advinda da reunificação alemã. Na Alemanha Oriental, o aborto era livre no primeiro trimestre de gestação; com o advento de uma Lei de 1992, que permitia o aborto nos primeiros três meses de gravidez, a Corte foi provocada para verificar sua constitucionalidade. Aqui, a Corte novamente a julgou, mas ressalvou que a proteção ao feto não precisava ser realizada necessariamente através dos meios repressivos do Direito Penal.

Vale mencionar também a Corte Constitucional Colombiana, nas Sentenças C-355/06 e T-388/09 sobre o aborto, a qual estabeleceu que a interrupção voluntária da gravidez é direito constitucional em três casos: (i) se a vida ou saúde da mulher estiverem em perigo (sendo esta saúde de ordem física ou mental); (ii) se a gravidez for resultado de estupro ou incesto; (iii) se a malformação fetal for incompatível com a sobrevida extrauterina do feto.11 11 Para maior aprofundamento, conferir LEGALE, 2016.

2.3.3 Direito à Vida e Aborto na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

Finalmente, convém apresentar um pouco da trajetória jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal (STF) na temática do direito à vida e da interrupção voluntária da gravidez.

O primeiro julgado emblemático é a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3510, de 2008, na qual se assentou a constitucionalidade da lei de biossegurança, admitindo-se que pesquisas com células-tronco embrionárias não violam o direito à vida, tampouco a dignidade da pessoa humana.

Quatro anos depois, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, o STF declarou inconstitucional a interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencefálico é conduta típica nos artigos 124, 126 e 128 do Código Penal, restando pacificado tratar-se de conduta atípica, portanto.

Mais recentemente, no Habeas Corpus (HC) 124.306, de 2016, a 1ª Turma decidiu, por maioria, seguir o voto-vista do Ministro Luís Roberto Barroso, que, incidentalmente, concluiu pela inconstitucionalidade da criminalização do aborto voluntário nos três primeiros meses de gestação, por ser medida legal desproporcional que viola direitos fundamentais das mulheres, incluindo direito sexuais e reprodutivos, autonomia, integridade física, psíquica e igualdade.

Por último, faz-se necessário assinalar a respeito de duas ações ainda estão sem julgamento. A primeira, ADI (cumulada com ADPF) 5581, também de 2016, foi proposta pela Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP). Ela demanda interpretação conforme à Constituição Federal dos artigos 124, 126 e 128 do Código Penal para que se declare a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual seria configurado crime de aborto a interrupção da gestação em relação à mulher que comprovadamente tiver sido infectada pelo Zika vírus. Como pedido sucessivo, requer interpretação conforme a Constituição do art. 128, I e II nesse sentido, além de sustar os inquéritos policiais, prisões em flagrante e processos em andamento envolvendo grávidas infectadas pelo vírus zika. A presente ação obteve parecer favorável pela Procuradoria Geral da República.

A segunda ação, a ADPF 442, de 2017, também sem julgamento, foi proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Foi feito pedido de declaração de não recepção parcial dos artigos 124 e 126 do Código Penal para excluir do âmbito de incidência a interrupção da gestação induzida e voluntária realizada nas primeiras 12 semanas, sem necessidade de qualquer forma de permissão específica do Estado, bem como garantir aos profissionais de saúde o direito de realizar o procedimento. O agendamento de uma audiência pública para agosto de 2018, a fim de instruir o processo, demarca um passo relevante para o debate da temática no Brasil.

2.3.4 A Atualidade do Aborto no Legislativo Brasileiro

Em 2017, foi proposta a PEC 181, sob o pretexto de se tratar de direitos trabalhistas e previdenciários das mulheres. Ocorre que a referida proposta explicita uma “proteção ao direito à vida desde a concepção”. Desde os debates na Assembleia Constituinte,12 12 Sobre o tema, por todas e todos, VIDAL, 2012. quando se invocou (ou se invoca) uma “proteção à vida desde a concepção”, esta cláusula sempre representou, nos debates e afirmações de congressistas e partidos políticos conservadores, tentativas de alargamento da criminalização do aborto, incluindo casos de estupro. Esta argumentação se faz presente nas justificativas e argumentos do referido projeto, que, até o momento, encontra-se em tramitação no Congresso, sem avançar.

3. A Sentença Constitucional Plurinacional 0206/2014, Bolívia13 13 A versão consultada encontra-se disponível em < http://catolicasbolivia.org/wp-content/uploads/2015/09/cpe.-sentencia-constitucional-plurinacional-0206-2014.pdf> . Acesso em 25 mar. 2018.

A referida decisão foi proferida a partir de uma ação de inconstitucionalidade abstrata proposta pela Deputada Patricia Mansila Martinez em 2012, questionando a constitucionalidade de vários dispositivos do Código Penal boliviano que afetavam direitos fundamentais das mulheres – desde normas relativas ao cumprimento de pena em estabelecimentos prisionais, passando por delitos de abandono e desamparo material (arts. 245 e 250)14 14 Delitos mais ou menos equivalentes aos delitos de abandono brasileiros – artigos 133, 134, 244 e 246, CP. , homicídio privilegiado (art. 254), infanticídio (art. 258), aborto (art. 263, 264, 265, 266, 269)15 15 Sendo os delitos objetos do trabalho, convém transcrever os dispositivos: Art. 263(Aborto). El que causare la muerte de un feto en el seno materno o provocare su expulsión prematura, será sancionado: 1) Con privación de libertad de dos (2) a seis (6) años, si el aborto fuere practicado sin el consentimiento de la mujer o si ésta fuere menor de diez y seis años (16). 2) Con privación de libertad de uno (1) a tres (3) años, si fuere practicado con el consentimiento de la mujer. 3) Con reclusión de uno (1) a tres (3) años, a la mujer que hubiere prestado su consentimiento. La tentativa de la mujer, no es punible. Art. 264 (Aborto seguido de lesión o muerte). Cuando el aborto con el consentimiento de la mujer fuere seguido de lesión, la pena será de privación de libertad de uno (1) a cuatro (4) años; y si sobreviniere la muerte, la sanción será agravada en una mitad. Cuando del aborto no consentido resultare una lesión, se impondrá al autor la pena de privación de libertad de uno (1) a siete (7) años; si ocurriere la muerte, se aplicará la de privación de libertad de dos (2) a nueve (9) años. Art. 265. (Aborto honoris causa). Si el delito fuere cometido para salvar el honor de la mujer, sea por ella misma o por terceros, con consentimiento de aquella, se impondrá reclusión de seis (6) meses a dos (2) años, agravándose la sanción en un tercio, si sobreviniere la muerte. Art. 266. (Aborto impune). Cuando el aborto hubiere sido consecuencia de un delito de violación, rapto no seguido de matrimonio, estupro o incesto, no se aplicará sanción alguna, siempre que la acción penal hubiere sido iniciada. Tampoco será punible si el aborto hubiere sido practicado con el fin de evitar un peligro para la vida o la salud de la madre y si este peligro no podía ser evitado por otros medios. En ambos casos, el aborto deberá ser practicado por un médico, con el consentimiento de la mujer y autorización judicial en su caso. Art. 269. (Práctica habitual de aborto). El que se dedicare habitualmente a la práctica de aborto, incurrirá en privación de libertad de uno (1) a seis (6) años. e “rapto” para fins matrimoniais (art. 315 e 317). Como apontado desde o princípio, trataremos da parte relativa aos dispositivos que envolvem a interrupção voluntária da gestação.

A Bolívia possui dispositivos razoavelmente semelhantes aos brasileiros em matéria de aborto: pune o autoaborto, o aborto consentido, e o não consentido, praticado por terceiro. Chama a atenção que, ao contrário do Brasil, a tentativa de autoaborto não é punível. Pontos mais problemáticos, contudo, estão no art. 266, que condiciona a não punição pelo aborto humanitário ao início da ação penal, no caso de gravidez oriunda de estupro ou outra violação, e à autorização judicial no caso de aborto praticado em razão de risco à vida da mãe.

A ação de inconstitucionalidade baseou-se em diversos fundamentos de fato e de direito, como a consagração dos direitos das mulheres bolivianas na Carta Constitucional de 2009 e seu compromisso com a erradicação do machismo, do patriarcalismo e do colonialismo. Invocou-se disposições, normas e tratados internacionais (notadamente, a Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher – CEDAW; a Convenção Interamericana para Prevenir, Sancionar e Erradicar a Violência contra a Mulher, a Convenção Americana de Direitos Humanos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Declaração de Beijing, de 1994). No que diz respeito ao aborto, argumentou-se pela violação aos direitos reprodutivos da mulher e seu direito à saúde, pleiteando-se interpretação constitucional no sentido de assegurar o direito à interrupção voluntária da gravidez (com posterior regulação no âmbito da saúde pública e não do Direito Penal) e, no artigo 266, que este fosse interpretado admitindo-se que basta a mera denúncia da mulher (e não o início da ação penal), no caso de aborto humanitário, e, no caso de aborto para situações de risco de vida da mulher, que se dispensasse a exigência autorização judicial para sua realização. Por fim, no artigo 269, foi requerida interpretação no sentido de se afastar do âmbito de incidência da norma os profissionais de saúde legalmente habilitados e permitidos para a realização de interrupção voluntária de gravidez.

A Corte Constitucional boliviana intimou o órgão que elaborou a norma para se manifestar: no caso, o Vice-Presidente do Estado e Presidente da Assembleia Legislativa Plurinacional, Álvaro Marcelo García Linera, que essencialmente defendeu a constitucionalidade de todas as normas penais impugnadas, valendo destacar que, no que diz respeito ao aborto, sustentou a prevalência do direito à vida, os direitos do concepturo (previstos no Pacto de São José da Costa Rica, tal qual defendido), e que os alegados direitos de reprodução da mulher não estariam contemplados no ordenamento jurídico boliviano – ao menos, estes não permitiriam a interrupção voluntária da gravidez.

A Corte, então, declarou a constitucionalidade do art. 263, permitindo o aborto em algumas exceções, como, por exemplo, com o consentimento da mulher em caso de perigo de vida para mãe ou como resultado de um crime. Procurou-se contextualizar a constitucionalidade da tipificação do aborto e declarar a inconstitucionalidade de procedimentos que dificultassem a realização do aborto legal: assim, no art. 266, foi dispensada a autorização judicial para casos de risco à vida da mãe, e o início da ação penal para o aborto humanitário; no art. 269, o TCP excluiu de sua incidência os procedimentos realizados por profissionais de saúde dentro das hipóteses autorizadas.

Apesar de ser uma decisão tímida na garantia dos direitos das mulheres, o caso não é desimportante, sobretudo por seus fundamentos. A ênfase que atribuiu à liberdade da mulher a partir de uma ótica descolonizadora e despatriarcalizadora, como objetivo do Estado plurinacional boliviano, foi extremamente original, e a Corte salientou como historicamente a interrupção voluntária da gestação por parte das mulheres de comunidades originárias foi uma forma de resistência ao colonizador europeu para que seus filhos não fossem escravizados.

Destaca-se também a definição que a decisão trouxe do direito à vida sob o ponto de vista de uma cosmologia indígena da pachamama, na qual a vida é concebida como um ciclo.16 16 Sobre isto, ZAFFARONI, 2011. A “ciclicidade” da vida e da comunidade humana não é isolada do cosmos, da pacha, sendo a vida criação da própria pacha a partir do fluxo e movimento de energias. Decorrentes da energia e movimento, esta profundidade, “manqha pacha”, complementa e se perfaz na realidade no micro cosmo (aka pacha) sem início, nem fim. Sobre o direito à vida, a Corte discorre o seguinte:17 17 No idioma original: “[L]a “vida” desde la concepción de las naciones y pueblos indígenas es un “estar” en diferentes espacios del cosmos o pacha, cumpliendo la ley cósmica de la ciclicidad, es la eterna “transición” en diferentes momentos y espacios cósmicos, y como el ser humano, transita a diferentes espacios (cuatro espacios), la vida se concibe de manera holística; en el que todos los “seres vivos” son parte del cosmos, y como tales llegan a constituirse en la comunidad cósmica (sentido propio), en cualquiera de los espacios: aka pacha, manqha pacha, alax pacha y hanan pacha”.

[A] “vida” da concepção das nações e povos indígenas é um “ser” em diferentes espaços do cosmos ou pacha, cumprindo a lei cósmica da ciclicidade, é a eterna “transição” em diferentes momentos e espaços cósmicos, e como o ser humano transita para diferentes espaços (quatro espaços), a vida é concebida de maneira holística; em que todos os “seres vivos” são parte do cosmo e, como tal, passam a ser constituídos na comunidade cósmica (sentido em si), em qualquer um dos espaços: também conhecido como pacha, manqha pacha, alax pacha e hanan pacha. (tradução e destaques nossos)

As concepções tradicionais denominam filho ou filha, em aymara, de wawa. Ser wawa abrange as expressões dos ciclos de fertilidade e crescimento, inclusive das plantas e animais. A wawa e a mulher são parte da comunidade. Em síntese, wawa é a transição para outros espaços, a continuidade da constituição da terra, a energia em um eterno espiral que se transmite na transição natural ao outro. Nas culturas ancestrais, wawa é merecedora de proteção e cuidado.

Nessa linha, demonstra-se que, em diversas etnias, o aborto (sullu) é como um acidente ou fato natural na pachamama. A mãe natureza possui efeitos simbolicamente abortivos, por exemplo, em fenômenos naturais, como o vento, chuva e solo e também no aborto. Considera-se a vida como energia e movimento. Com essa argumentação, a Corte não reconhece, entretanto, um direito absoluto ao aborto, admitindo-se a legitimidade da proteção penal nas últimas etapas da gestação e a legitimidade da criminalização do infanticídio, desde que inferior ao homicídio. O Tribunal exortou, ao fim, o Legislativo e o Executivo para desenvolver políticas públicas que diminuíssem os abortos clandestinos, desenvolvessem programas de apoio social a favor das mães que chefiam famílias monoparentais, políticas de educação da reprodução sexual, programas de apoio aos pais de filhos com enfermidades congênitas e políticas de adoção.

A Corte foi, assim, enfática ao afirmar que um aborto incondicional, em qualquer etapa da gestação, não é compatível com a Lei Fundamental boliviana. Apenas em certos casos, como os de risco de morte, ou diante de violações e delitos graves (como estupro) e com consentimento da mulher, sua realização seria possível, sem violar a cosmovisão indígena. A autorização para sua realização, no marco da interculturalidade e do pluralismo jurídico, apoia-se na compreensão de que a vida é concebida como energia vital, movimento do cosmos, criação da pachamama, o que implica perpetuidade constante “sem início ou sem fim”, razão pela qual se compreende a vida em sentido amplo.

Do ponto de vista penal, vale notar como a Corte destacou a importância dos princípios limitadores do poder punitivo estatal – fazendo menção expressa às obras críticas de Raúl Zaffaroni e Alessandro Baratta. É curioso e paradoxal constatar que, apesar de uma visão crítica, limitadora e garantista ter sido ventilada nos fundamentos da decisão, seu dispositivo acabou por reconhecer a constitucionalidade dessa criminalização, ressalvando e reinterpretando a forma de realização das permissões legais do aborto.

Do ponto de vista internacional reconhece-se paradoxo semelhante: apesar de a Corte admitir a relevância da atuação da Comissão Americana de Direitos Humanos, a importância do Caso 2141, Baby Boy vs. EUA (em que se afirmou que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos não seria interpretável no sentido de se conferir um direito absoluto à vida desde a concepção – resolução 23/81), e mesmo o bloco de constitucionalidade e convencionalidade ao qual se insere a Bolívia, tampouco tais fundamentos redundaram no reconhecimento do direito à interrupção voluntária da gravidez.

Considerações Finais

É um desafio compreender como a Corte boliviana, inspirada e inserida em um movimento constitucional tão ambicioso e pródigo em projetos de emancipação, de garantia de direitos e da democracia, foi capaz de manter a interrupção voluntária da gravidez criminalizada – ressalvando apenas certas exigências legais excessivas para o aborto legal, dispensando a autorização judicial para comprovação de risco de vida ou saúde da gestante, e início da ação penal para casos de estupro ou violações sexuais. Assim, primeiramente, buscaremos responder às perguntas inicialmente formuladas para, após, esboçar uma análise crítica.

Verifica-se que os postulados e princípios do NCLA foram determinantes no julgamento do caso. A fundamentação reflete um comportamento institucional aparentemente democrático ou majoritário: uma intenção menos a de salvaguardar direitos na lógica de uma “esfera do indecidível” (confirme dicção de Ferrajoli), ou de o Tribunal se colocar “acima” do povo (de forma elitista), e mais a de integrar e justificar todos os direitos e interesses em jogo à luz não apenas do bloco de convencionalidade e constitucionalidade, mas também e principalmente das visões de mundo do povo boliviano – com mais ênfase e destaque aos povos originários.

Identificar essa “sinergia constitucional” nos ajuda a compreender e desfazer os aparentes paradoxos na fundamentação: a Corte reconheceu, admitiu e manejou praticamente todos os argumentos de cunho mais “progressista” no debate: desde a igualdade entre homens e mulheres, o respeito aos povos originários, visões críticas e limitadoras do direito penal até casos emblemáticos do próprio direito internacional. Contudo, o resultado prático da decisão foi tímido, insuficiente para garantir e assegurar os mesmos direitos enunciados. Por quê?

Respeitando interpretações diversas, parece-nos que a razão para esse resultado se encontra no seio do próprio movimento do NCLA: a forte dimensão comunitarista, ou solidarista atribuída aos direitos fundamentais nesse modelo. Ao longo do acórdão, a Corte parece deixar muito claro que não visualiza nem a vida em desenvolvimento do feto e nem os direitos da gestante de forma individualista: a vida daquele ser em formação integra a cosmovisão indígena da pachamama e demais valores existenciais comuns tanto quanto a mulher em relação ao seu corpo e autonomia.

Se a argumentação ocidental dos países do Norte tende, em certas versões mais extremadas, a “sacralizar” o direito à vida, localizando-o no núcleo essencial da dignidade da pessoa humana, a argumentação do Tribunal Plurinacional substitui o conteúdo judaico-cristão colonial desse direito por outra visão de mundo, comunitária e decolonial, igualmente aplicável aos direitos da mulher.

O resultado, assim, é uma decisão que, se por um lado, desfruta de maior legitimidade popular – até por ter sido proferida por julgadores eleitos pelo povo –, é mais atenta aos direitos da mulher (os quais, em debates ocidentais do Norte, muitas vezes sequer são enunciados ou lembrados), e ostenta um sentido político mais emancipatório da própria história do povo boliviano, por outro, é essencialmente conservadora e acaba contribuindo muito pouco para a luta feminista por direitos e igualdade.

  • 1
    O rol de países que se enquadram no movimento do NCLA não é pacífico na doutrina. Se, por exemplo, autores como Uprimny (2011)UPRIMNY, Rodrigo. Las transformaciones constitucionales recientes en América Latina: tendencias y desafios. In: GARAVITO, César Rodriguez. El derecho en América Latina: un mapa para el pensamiento jurídico en el siglo XXI. Buenos Aires: Siglo XXI, 2011, p. 109-137. consideram um amplo rol de participantes no movimento, como Brasil (1988), Costa Rica (1989), México (1992), Paraguai (1992), Peru (1993), Colômbia (1991), Venezuela (1999), Equador (1998 e 2008) e Bolívia (2009), outros, como Salazar Ugarte (2012)SALAZAR UGARTE, Pedro. El nuevo Constitucionalismo Latinoamericano: uma perspectiva crítica (2012). Disponível em: < https://archivos.juridicas.unam.mx/www/bjv/libros/7/3271/22.pdf>, acesso em 25 mar 2018.
    https://archivos.juridicas.unam.mx/www/b...
    , restringem o rol a apenas Equador, Bolívia e Venezuela. Já Antonio Carlos Wolkmer e Lucas Machado Fagundes (2011)WOLKMER, Antonio Carlos e FAGUNDES, Lucas Machado. Tendências contemporâneas do constitucionalismo latino-americano: Estado plurinacional e pluralismo jurídico. Pensar – Revista de Ciências jurídicas v. 16, n. 2 de jul./dez., 2011, p. 371-408. defendem que o constitucionalismo latino-americano contemporâneo pode ser dividido em ciclos: um primeiro ciclo pautado na descentralização do poder (Brasil e Colômbia), um segundo ciclo, que amplia mecanismos de democracia participativa (Venezuela), e um terceiro ciclo, no qual se aprofundam direitos das populações originárias e da construção de Estados Plurinacionais (Equador e Bolívia).
  • 2
    Apesar de se adotar, em termos descritivos, o NCLA como marco teórico para o trabalho, não se desconhece – aliás, ratifica-se – a crítica relativa ao silêncio e ausência quanto às opressões sofridas pela população negra, o que não torna o movimento, entretanto, menos legítimo; cuidam-se, em nosso sentir, de desafios e questões a serem mais discutidas e tratadas no interior do NCLA. Sobre isto, conferir Gabrielle Sá (2016)SÁ, Gabrielle Barreto de. A América Afro-Latina enquanto um desafio ao novo constitucionalismo latino-americano: o caso dos afro-bolivianos. In: TARREGA, Maria Cristina Vidotte Blanco; SANTAMARIA, Rosembert Ariza; FILHO, Carlos Frederico Marés de Souza; CALEIRO, Manuel. Estados e povos na América Latina plural. Goiânia: PUC Goiás, 2016, p. 293-315. e Evandro Duarte, Gabrielle Sá e Marcos Queiroz (2016)DUARTE, Evandro Charles Piza Duarte; SÁ, Gabriela Barretto de; QUEIROZ, Marcos Vinícius Lustosa. Os locais e as ausências da diáspora africana no Novo Constitucionalismo Latino-americano. In: Anais do II Simpósio Internacional Pensar e Repensar a América Latina (2016). Disponível em: < http://sites.usp.br/prolam/wp-content/uploads/sites/35/2016/12/DUARTE-SA%CC%81-QUEIROZ-SP21-Anais-do-II-Simp%C3%B3sio-Internacional-Pensar-e-Repensar-a-Am%C3%A9rica-Latina.pdf> . Acesso em 25 mar 2018.
    http://sites.usp.br/prolam/wp-content/up...
    .
  • 3
    Enumeração, como dito anteriormente, controvertida.
  • 4
    Sobre o tema, ver Boaventura de Sousa Santos (2010)SANTOS, Boaventura de Souza; MENESES, Maria Paula (orgs). Epistemologias do Sul. Coimbra: Almedina, 2009., Quijano (2002QUIJANO, Aníbal. Colonialidade, poder, globalização e democracia. Novos Rumos, ano 17, nº. 37, 2002, p. 4-28., 2009________. Colonialidade do poder e classificação social. In: SANTOS, Boaventura de Sousa e Meneses, Maria Paula. (Orgs.) Epistemologias do Sul. Coimbra: Almedina, 2009, p. 73-117.), Dussel (1985)DUSSEL, Enrique. Philosophy of liberation. Nova Iorque: Oribs Books, 1985..
  • 5
    Processos importantes e recentes de legalização são verificados em Portugal (2007), Uruguai (2012), e se esboça um movimento na Argentina, ainda em andamento, para a regulamentação da interrupção voluntária da gravidez, que parece contar com apoio contundente da população e do Parlamento. Destaca-se também o caso irlandês, no qual um referendo realizado em maio de 2018 contou com 66% dos votos pela legalização do aborto até a 12ª semana.
  • 6
    A criminalização de práticas relacionadas a religiões de matriz africanas são um exemplo da positivação do racismo na legislação brasileira.
  • 7
    Aplicação relevante da teoria do impacto desproporcional na matéria. Sobre isto, ver SARMENTO, 2010SARMENTO, Daniel. Legalização do aborto e Constituição. In: ______. Livres e iguais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 95-137..
  • 8
    Como assinala Nilo Batista (1979)BATISTA, Nilo. Aborto: a retórica contra a razão. Revista de Direito Penal, Rio de Janeiro, n. 27, p. 40-48, jan./jun. 1979., já foi considerado, ao longo da história, que o aborto afetava a ordem familiar e moralidade pública, os interesse demográfico, a integridade física da mãe, o direito dos pais à prole, o direito ao normal desenvolvimento intrauterino e, por fim, a vida. Entre os assírios, por exemplo, o aborto representava “a baixa prematura de um soldado”; no Direito Romano, até 195 d.C não se punia o aborto (não se considerava um homem o produto da concepção). Quando começou a ser punido, o aborto era considerado fraude ao marido (pater familias), ao seu direito à prole (seu consentimento descriminava o fato). Curiosamente, do ponto de vista civil foi atribuída grande feixe de garantias patrimoniais ao nascituro e ao concepturo (notadamente no direito das sucessões). Conforme o Direito Canônico (notadamente, nas interpretações de Santo Tomás de Aquino) a animação do feto se dava aos 40 dias da concepção, sendo homem, e 80 dias, sendo mulher (o aborto anterior ao período de animação era mais brandamente punido que o realizado durante, por razões de “proteção da alma”: sua punição se dava, a partir desta justificativa teológica, da mesma forma que um homicídio). Já na Idade Média, o feto só era considerado vivo de 30 a 80 dias após a concepção. De fato, a incriminação do aborto começa, de fato, a partir do início do século XIX nos EUA e Inglaterra, em função da necessidade de mão-de-obra para o nascente capitalismo industrial (BATISTA, 1979BATISTA, Nilo. Aborto: a retórica contra a razão. Revista de Direito Penal, Rio de Janeiro, n. 27, p. 40-48, jan./jun. 1979.). Portanto, observa-se que o crime de aborto é dotado de objetividade jurídica complexa, ao menos quando analisado em perspectiva histórica.
  • 9
    Princípio de interpretação constitucional, contemporaneamente defendido no Brasil por Daniel Sarmento e Cláudio Pereira de Souza Neto, 2012SOUZA NETO, Cláudio Pereira de e SARMENTO, Daniel. Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte: Fórum, 2012., p. 447-450.
  • 10
    Sobre elas, em maior aprofundamento, SARMENTO, 2010SARMENTO, Daniel. Legalização do aborto e Constituição. In: ______. Livres e iguais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 95-137..
  • 11
    Para maior aprofundamento, conferir LEGALE, 2016LEGALE, Siddharta. O que é a vida segundo as Cortes do Novo Constitucionalismo latino-americano? Revista Publicum, Rio de Janeiro, Número 2, 2016, p. 222-244..
  • 12
    Sobre o tema, por todas e todos, VIDAL, 2012VIDAL, Adriana. A Constituição da Mulher Brasileira: uma análise dos esterótipos de gênero na Assembleia Constituinte de 1987-1988 e suas consequências no texto constitucional. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), 2012..
  • 13
    A versão consultada encontra-se disponível em < http://catolicasbolivia.org/wp-content/uploads/2015/09/cpe.-sentencia-constitucional-plurinacional-0206-2014.pdf> . Acesso em 25 mar. 2018.
  • 14
    Delitos mais ou menos equivalentes aos delitos de abandono brasileiros – artigos 133, 134, 244 e 246, CP.
  • 15
    Sendo os delitos objetos do trabalho, convém transcrever os dispositivos: Art. 263(Aborto). El que causare la muerte de un feto en el seno materno o provocare su expulsión prematura, será sancionado: 1) Con privación de libertad de dos (2) a seis (6) años, si el aborto fuere practicado sin el consentimiento de la mujer o si ésta fuere menor de diez y seis años (16). 2) Con privación de libertad de uno (1) a tres (3) años, si fuere practicado con el consentimiento de la mujer. 3) Con reclusión de uno (1) a tres (3) años, a la mujer que hubiere prestado su consentimiento. La tentativa de la mujer, no es punible. Art. 264 (Aborto seguido de lesión o muerte). Cuando el aborto con el consentimiento de la mujer fuere seguido de lesión, la pena será de privación de libertad de uno (1) a cuatro (4) años; y si sobreviniere la muerte, la sanción será agravada en una mitad. Cuando del aborto no consentido resultare una lesión, se impondrá al autor la pena de privación de libertad de uno (1) a siete (7) años; si ocurriere la muerte, se aplicará la de privación de libertad de dos (2) a nueve (9) años. Art. 265. (Aborto honoris causa). Si el delito fuere cometido para salvar el honor de la mujer, sea por ella misma o por terceros, con consentimiento de aquella, se impondrá reclusión de seis (6) meses a dos (2) años, agravándose la sanción en un tercio, si sobreviniere la muerte. Art. 266. (Aborto impune). Cuando el aborto hubiere sido consecuencia de un delito de violación, rapto no seguido de matrimonio, estupro o incesto, no se aplicará sanción alguna, siempre que la acción penal hubiere sido iniciada. Tampoco será punible si el aborto hubiere sido practicado con el fin de evitar un peligro para la vida o la salud de la madre y si este peligro no podía ser evitado por otros medios. En ambos casos, el aborto deberá ser practicado por un médico, con el consentimiento de la mujer y autorización judicial en su caso. Art. 269. (Práctica habitual de aborto). El que se dedicare habitualmente a la práctica de aborto, incurrirá en privación de libertad de uno (1) a seis (6) años.
  • 16
    Sobre isto, ZAFFARONI, 2011ZAFFARONI, Eugenio Raúl. La pachamama y el humano. Buenos Aires: Ediciones Madres de Plaza de Mayo, 2011..
  • 17
    No idioma original: “[L]a “vida” desde la concepción de las naciones y pueblos indígenas es un “estar” en diferentes espacios del cosmos o pacha, cumpliendo la ley cósmica de la ciclicidad, es la eterna “transición” en diferentes momentos y espacios cósmicos, y como el ser humano, transita a diferentes espacios (cuatro espacios), la vida se concibe de manera holística; en el que todos los “seres vivos” son parte del cosmos, y como tales llegan a constituirse en la comunidad cósmica (sentido propio), en cualquiera de los espacios: aka pacha, manqha pacha, alax pacha y hanan pacha”.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2019
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2019

Histórico

  • Recebido
    12 Jun 2018
  • Aceito
    15 Dez 2018
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