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O que é geografia jurídica crítica? Origens, trajetórias e possibilidades

What is Critical Legal Geography? Origins, Trajectories, and Possibilities

Resumo

Este artigo apresenta a geografia jurídica crítica como uma vertente de pesquisa sobre as intersecções entre normatividade e espacialidade. Suas origens e trajetórias são retratadas considerando as múltiplas possibilidades que oferece, com foco na contribuição específica para os estudos sociojurídicos. Partindo disso, problematizam-se categorias teóricas úteis para investigar empiricamente as relações entre direito e espaço.

Palavras-chave:
Pensamento jurídico crítico; Estudos sociojurídicos; Geografia jurídica crítica

Abstract

This work presents critical legal geography as a stream of scholarship on the intersections between normativity and spatiality. The origins and trajectories of legal geography are portrayed considering the multiple possibilities it offers, with a focus on its specific contribution to sociolegal research. Based on this, theoretical categories that are useful to investigate the relations between law and space empirically are problematized.

Keywords:
Critical Legal Thinking; Sociolegal Studies; Critical Legal Geography

1 INTRODUÇÃO

O que é geografia jurídica crítica? Há algum tempo tenho sido confrontado com esta indagação.1 1 Este artigo é produto do projeto Geografias Jurídicas da Cidade, executado em colaboração com a equipe do Grupo de Pesquisa Direito e Sociedade (GPDS) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A pretensão de transcender a divisão do trabalho entre juristas e geógrafos (BLOMLEY; BAKAN, 1992BLOMLEY, Nicholas; BAKAN, Joel. Spacing out: towards a critical geography of law. Osgoode Hall Law Journal, v. 30, n. 3, p. 661-690, 1992.: 662), por meio de um diálogo com viés declaradamente interdisciplinar, pode se mostrar desconcertante, especialmente para quem está habituado a áreas do conhecimento estabelecidas como são o Direito e a Geografia. Por isso, para responder a essa pergunta não basta apresentar a geografia jurídica como “[...] uma corrente de estudos que faz das interconexões entre direito e espacialidade, especialmente a sua construção recíproca, seu objeto central de investigação” (BRAVERMAN et al., 2014BRAVERMAN, Irus; BLOMLEY, Nicholas; DELANEY, David; KEDAR, Alexandre (Ed.). The expanding spaces of law: a timely legal geography. Stanford: Stanford University Press, 2014.: 1, tradução minha). Para que essa definição possa ter dinamicidade é preciso discutir as suas origens, trajetórias e possibilidades.

A gênese da geografia jurídica é discutida na seção 2 deste artigo. Procuro explicar como emergiram, ao longo dos anos 1980, sobretudo no contexto do Reino Unido e dos países da América Anglo-saxônica, os trabalhos pioneiros que viriam a ser reconhecidos, já na década seguinte, como estudos de Critical Legal Geography, no sentido hodierno desta expressão. Desenvolvo o argumento de que essa vertente de pesquisa surgiu em um momento de intensa agitação político-cultural, a partir da convergência de duas tradições de pensamento social crítico que despontaram de modo relativamente independente entre finais dos anos 1960 e princípios dos anos 1970, os Critical Legal Studies e a Critical Geography.

Na seção 3, as trajetórias da geografia jurídica são retratadas. Busco revisar, ainda que de maneira não sistemática e exaustiva, a vasta literatura produzida nas últimas duas décadas desde que a geografia jurídica consolidou-se internacionalmente como linha de pesquisa, com a publicação de uma série de coletâneas de estudos teóricos e empíricos. Examinando o estado da arte da geografia jurídica, identifico os principais trabalhos que foram publicados e assinalo algumas das lacunas e insuficiências remanescentes. Comento a questão acerca do quão crítica tem sido, efetivamente, a pesquisa em geografia jurídica para, ao final dessa sucinta revisão de literatura, destacar as trajetórias percorridas pela geografia jurídica na América Latina. Afinal, toda forma de conhecimento tem a sua geografia.

A seção 4 enfoca, entre as múltiplas possibilidades que a geografia jurídica oferece, a sua contribuição específica para os estudos sociojurídicos. Pretendo mostrar como categorias teóricas desenvolvidas a partir da perspectiva da geografia jurídica podem ser úteis para investigar as relações entre normatividade e espacialidade empiricamente, tornando possível a compreensão da experiência jurídica como uma dimensão da produção social do espaço e vice-versa. Ilustro essa explicação apresentando um conjunto de pares conceituais que conformam uma teoria da regulação do espaço: normas ideológicas e representações do espaço, normas jurídicas e espaços jurisdicionais, práticas jurídicas e táticas espaciais, e normas sociais e espaços territoriais.2 2 Desenvolvi esta teorização em trabalhos anteriores (KONZEN, 2013, 2013a, 2016, 2020).

2 DE ONDE VIEMOS: A GÊNESE DA GEOGRAFIA JURÍDICA CRÍTICA

Desde o segundo pós-guerra, há registro de trabalhos doutrinários esparsos que procuraram, de algum modo, discutir as relações entre as áreas do Direito e da Geografia. No Brasil, são exemplos os textos do jurista e geógrafo paranaense José Nicolau dos Santos (1954DOS SANTOS, José Nicolau. Fundamentos da geografia jurídica. Revista da Faculdade de Direito da UFPR, v. 2, p. 174-261, 1954., 1955DOS SANTOS, José Nicolau. Direito comparado e geografia jurídica. Revista da Faculdade de Direito da UFPR, v. 3, p. 348-371, 1955.). Porém, tais estudos doutrinários estão distantes não só temporal, mas sobretudo epistemologicamente do que se conhece hoje por geografia jurídica, uma vez que foram desenvolvidos sob a influência da Teoria do Estado e do Direito Comparado, vertentes tradicionais do conhecimento jurídico que em considerável medida reproduzem os fundamentos do paradigma dogmático na pesquisa em direito. Assim, é preciso reconhecer a descontinuidade dessa literatura brasileira dos anos 1950 com a perspectiva da geografia jurídica contemporânea: definitivamente, daí não viemos.

Na verdade, a geografia jurídica emergiu décadas depois, como resultado do entrecruzamento de duas tradições intelectuais bem diferentes: a Critical Geography e os Critical Legal Studies. Ambas são correntes de pensamento crítico radical, com matizes materialistas e inclinações políticas de esquerda, que despontaram em universidades do Norte global anglófono entre finais dos anos 1960 e princípios dos anos 1970. Isso ocorreu em um momento histórico de efervescência político-cultural nas grandes cidades dos países centrais do capitalismo ocidental, que impulsionou novos ativismos sociais como o movimento afro-americano pelos direitos civis, os protestos contra a Guerra do Vietnã, as lutas pelos direitos das mulheres e as mobilizações contra a poluição ambiental. Nesse sentido, desde o princípio essas correntes estiveram expostas à influência do pensamento pós-estruturalista e das teorias críticas racial, decolonial, feminista e ambientalista.

A Critical Geography é tributária da “virada espacial” na teoria social crítica,3 3 A noção de teoria social crítica remete ao projeto marxiano de crítica às contradições da sociedade capitalista e aos saberes que a legitimam como ponto de partida para a busca por alternativas emancipatórias. que ao enfrentar a problemática urbana, deslocou para o centro da reflexão teórico-filosófica a questão da produção material e discursiva da espacialidade do mundo social.4 4 Para uma discussão mais elaborada sobre a “virada espacial”, consulte Soja (1989) e Brenner (2009). Resgatando a herança teórica marxista a fim de teorizar os laços entre o processo de urbanização e os conflitos sociais que permeiam as sociedades capitalistas, as obras seminais do filósofo francês Henri Lefebvre (1968LEFEBVRE, Henri. Le droit à la ville. Paris: Anthropos, 1968., 1970LEFEBVRE, Henri. La révolution urbaine. Paris: Gallimard, 1970., 1974LEFEBVRE, Henri. La production de l’espace. Paris: Anthropos, 1974.), do sociólogo espanhol Manuel Castells (1972)CASTELLS, Manuel. La question urbaine. Paris: Maspero, 1972. e do geógrafo britânico David Harvey (1973)HARVEY, David. Social justice and the city. London: Edward Arnold, 1973. contribuíram para o desenvolvimento da tese de que a espacialidade da vida em sociedade resulta de um processo social de produção. Segundo essa tese, os espaços refletem e condicionam as relações sociais, constituindo-se em um equívoco teórico a tentativa de reduzi-los a receptáculos passivos dessas mesmas relações, como se fossem palcos sobre os quais se distribuem as distintas ações humanas.

Com a “virada espacial”, influentes trabalhos sobre as contradições que permeiam os processos de produção social do espaço urbano no capitalismo – por exemplo, os artigos do próprio Harvey (1972)HARVEY, David. Revolutionary and counter revolutionary theory in geography and the problem of ghetto formation. Antipode, v. 4, n. 2, p. 1-13, 1972. sobre a formação de guetos e de Neil Smith (1979)SMITH, Neil. Gentrification and capital: theory, practice, and ideology in Society Hill. Antipode, v. 11, n. 3, p. 24–35, 1979. sobre a gentrificação nas cidades – começaram a aparecer em periódicos acadêmicos como Antipode: A Radical Journal of Geography, fundado em 1969 nos EUA; e Progress in Human Geography, estabelecido em 1977 no Reino Unido. Se, no início, essas publicações eram consideradas marginais, atualmente estão entre os principais meios de divulgação científica na área da Geografia, disseminando regularmente trabalhos de pesquisa politicamente engajados sobre as relações entre espacialidades, conflitos e desigualdades (em termos de classe, gênero, idade, sexualidade, raça etc.), mas que não deixam de ser rigorosos tanto do ponto de vista teórico quanto empírico.

Ao longo das décadas de 1970 e 1980, em paralelo ao surgimento dos estudos de geografia crítica, emergiram os Critical Legal Studies. Combinando posicionamentos político de esquerda, aportes de filosofia política e insights empíricos sobre uma miscelânea de temas – sistema de justiça, profissões jurídicas, educação em direito etc. – os provocativos escritos de professores de direito como Karl Klare (1979)KLARE, Karl. Law-making as praxis. Telos, n. 40, p. 123-135, 1979., Mark Kelman (1979KELMAN, Mark. Choice and utility. Wisconsin Law Review, n. 3, p. 769-779, 1979., 1984KELMAN, Mark. Trashing. Stanford Law Review, v. 36, n. 1/2, p. 293-348, 1984.) e Duncan Kennedy (1976KENNEDY, Duncan. Form and substance in private law adjudication. Harvard Law Review, v. 89, n. 8, p. 1685-1778, 1976., 1982KENNEDY, Duncan. Legal education and the reproduction of hierarchy. Journal of Legal Education, v. 32, p. 591-615, 1982.) contribuíram decisivamente para revigorar a crítica na cultura jurídica estadunidense.5 5 Para apreciações sobre os Critical Legal Studies na época de seu apogeu, veja Unger (1983) e Tushnet (1991). Consulte também o levantamento bibliográfico elaborado por Kennedy e Klare (1984). No contexto dos EUA, essa escola foi a principal expressão do pensamento jurídico crítico, termo que abarca a profusão de correntes críticas surgidas no último terço do século XX que, embora heterogêneas entre si, almejavam a desconstrução dos fundamentos do paradigma dogmático na produção de saberes sobre o direito (WOLKMER, 2012WOLKMER, Antonio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.).

Ainda que tenham entrado em franco declínio a partir dos anos 1990, os estudos jurídicos críticos concorreram para consolidar nos EUA, Canadá e Reino Unido uma outra escola de pensamento bem menos eclética, o Law and Society Movement,6 6 Sobre a formação do Law and Society Movement e seu desenvolvimento até a década de 1980, veja os trabalhos de Friedman (1986) e Trubek (1990). que acreditava na possibilidade de aproximar o estudo do direito da tradição das ciências sociais. Assumindo paulatinamente premissas como a busca pela compreensão do funcionamento da experiência jurídica na realidade, a contextualização social do direito, a centralidade da pesquisa empírica e o pluralismo jurídico, esse movimento foi responsável por articular o paradigma científico que guia a pesquisa sociojurídica contemporânea. A Law and Society Review, fundada em 1964, nos EUA; o Journal of Law and Society, estabelecido em 1977, no Reino Unido; e o Canadian Journal of Law and Society, lançado em 1986, no Canadá; estão entre os principais periódicos que se especializaram na divulgação de pesquisas sociojurídicas.

Com a ascensão da Critical Geography e dos Critical Legal Studies, estavam dadas as condições de possibilidade para o aparecimento da geografia jurídica crítica. Expoentes do pensamento crítico tanto na área da Geografia quanto na área do Direito haviam começado a questionar seriamente os conceitos centrais de suas respectivas especialidades, bem como seu isolamento em relação às demais áreas do conhecimento (BLOMLEY, 2003BLOMLEY, Nicholas. From “what?” to “so what?”: law and geography in retrospect. In: HOLDER, Jane; HARRISON, Carolyn (ed.) Law and geography. Oxford: Oxford University Press, 2003. p. 17-33.: 22). Os geógrafos críticos estavam convencidos de que estudar o espaço era uma tarefa demasiadamente importante para que ficasse apenas sob o seu encargo e, em considerável medida, a mesma opinião era compartilhada pelos juristas críticos com relação ao direito enquanto fenômeno social (BLOMLEY; BAKAN, 1992BLOMLEY, Nicholas; BAKAN, Joel. Spacing out: towards a critical geography of law. Osgoode Hall Law Journal, v. 30, n. 3, p. 661-690, 1992.: 661).

Essa confluência de vertentes críticas de pensamento oportunizou, no decorrer da década de 1980, uma efetiva aproximação dos juristas críticos em relação à problemática do espaço e dos geógrafos críticos em relação à do direito. Novamente, a questão urbana serviu de gatilho para a produção de trabalhos acadêmicos que, anos depois, seriam considerados como precursores da geografia jurídica crítica. Exemplificam essa tendência os estudos do jurista Gerard Frug (1980)FRUG, Gerard. The city as a legal concept. Harvard Law Review, v. 93, n. 6, p. 1057-1154, 1980. e do geógrafo Gordon Clark (1985)CLARK, Gordon. Judges and the cities: interpreting local autonomy. Chicago: University of Chicago Press, 1985. sobre governança local e autonomia municipal nos Estados Unidos. Contudo, por mais original que fosse o estudo de Frug, ele tratava da espacialidade praticamente sem conhecer os debates disciplinares da Geografia; ao passo que Clark, embora fosse iniciado nos debates do Direito, mantinha-se arraigado a uma concepção do fenômeno jurídico como algo essencialmente vinculado ao Estado. Ademais, se ambas as abordagens eram compatíveis com o ecletismo dos Critical Legal Studies, destoavam da perspectiva sociológica e do rigor teórico-metodológico perseguidos pelo Law and Society Movement.

O trabalho do geógrafo britânico-canadense Nicholas Blomley (1989)BLOMLEY, Nicholas. Text and context: rethinking the law-geography nexus. Progress in Human Geography, v. 13, n. 4, p. 512–534, 1989., entretanto, retrata uma inflexão nesse processo de comunicação entre comunidades acadêmicas distintas. Ele nota que uma agenda de pesquisa sobre o nexo entre direito e espaço se tornara factível à medida em que ocorria “[...] uma reorientação geográfica na literatura em sociologia do direito, embora ainda sem reconhecimento explícito da espacialidade do direito e da natureza jurídica do espaço” (BLOMLEY, 1989BLOMLEY, Nicholas. Text and context: rethinking the law-geography nexus. Progress in Human Geography, v. 13, n. 4, p. 512–534, 1989.: 523, tradução minha). Blomley destaca o estudo de Boaventura de Sousa Santos (1987)SANTOS, Boaventura de Sousa. Law: a map of misreading. Toward a postmodern conception of law. Journal of Law and Society, v. 14, n. 3, p. 279-302, 1987., sociólogo do direito português que estreitara laços com o Law and Society Movement durante seu doutoramento nos EUA, em que são desenvolvidas categorias teóricas para compreender o direito a partir de analogias com conceitos próprios à cartografia, como escala, projeção e simbolização, tendo como premissa o pluralismo jurídico. Para Blomley, interfaces produtivas poderiam ser estabelecidas entre a sociologia do direito e a geografia humana pela investigação da espacialidade em situações de pluralismo jurídico (1989: 526).

Mais tarde, o próprio Blomley, em artigo em coautoria com o jurista crítico canadense Joel Bakan (1992), passa a designar a nascente vertente de pesquisa empregando o termo Critical Legal Geography, salientando a interdisciplinaridade como a sua marca distintiva. Na obra seminal Law, Space, and Geographies of Power (1994), em que Blomley estuda empiricamente conflitos envolvendo a propriedade imobiliária, essa visão sobre a geografia jurídica aparece com toda a força. Trata-se de um livro da área da Geografia ou do Direito? É difícil definir. A mesma ambivalência se faz presente em outros textos da década de 1990 vistos posteriormente como pertencentes à geografia jurídica. É o caso dos trabalhos do geógrafo estadunidense Don Mitchell (1995MITCHELL, Don. The end of public space? People’s Park, definitions of the public, and democracy. Annals of the Association of American Geographers, v. 85, n. 1, p. 108-133, 1995., 1996MITCHELL, Don. Political violence, order, and the legal construction of public space: power and the public forum doctrine. Urban Geography, v. 17, n. 2, p. 158-178, 1996., 1997MITCHELL, Don. The annihilation of space by law: the roots and implications of anti-homeless laws. Antipode, v. 29, n. 3, p. 303-333, 1997.) sobre a regulação dos espaços públicos urbanos, dos estudos da jurista britânica Davina Cooper (1996COOPER, Davina. Talmudic territory? Space, law, and modernist discourse. Journal of Law and Society, v. 23, n. 4, p. 529-448, 1996., 1998COOPER, Davina. Governing out of order: space, law and politics of belonging. New York: New York University Press, 1998.) sobre os territórios simbólicos de comunidades judaicas ortodoxas e das contribuições dos professores de direito estadunidenses Richard T. Ford (1994FORD, Richard. The boundaries of race: political geography in legal analysis. Harvard Law Review, v. 107, n. 8, p. 1841–1921, 1994., 1998FORD, Richard. Law’s territory: a history of jurisdiction. Michigan Law Review, v. 97, n. 4, p. 843-930, 1998.) e David Delaney (1998)DELANEY, David. Race, place, and the law: 1836-1948. Austin: University of Texas Press, 1998. aos debates sobre a história da segregação racial e dos usos do conceito de jurisdição.

A partir dos anos 2000, pode-se falar na consolidação de uma tradição investigativa em geografia jurídica, aberta a abordagens multifacetadas. Isso é evidenciado pela organização de uma série de coletâneas internacionais sob esse rótulo (BLOMLEY; DELANEY; FORD, 2001BLOMLEY, Nicholas; DELANEY, David; FORD, Richard (ed.). The legal geographies reader: law, power, and space. Oxford: Blackwell, 2001.; HOLDER; HARRISON, 2003HOLDER, Jane; HARRISON, Carolyn (ed.) Law and geography. Oxford: Oxford University Press, 2003.; SARAT; DOUGLAS; UMPHREY, 2003SARAT, Austin; DOUGLAS, Lawrence; UMPHREY, Martha (Ed.). The place of law. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2003.; TAYLOR, 2006TAYLOR, William (ed.). The geography of law: landscape, identity, and regulation. Oxford: Hart Publishing, 2006.; F. BENDA-BECKMANN; K. BENDA-BECKMANN; GRIFFITHS, 2009BENDA-BECKMANN, Franz; BENDA-BECKMANN, Keebet; GRIFFITHS, Anne (ed.). Spatializing law: an anthropological geography of law in society. Farnham: Ashgate, 2009.; BRAVERMAN et al. 2014BRAVERMAN, Irus; BLOMLEY, Nicholas; DELANEY, David; KEDAR, Alexandre (Ed.). The expanding spaces of law: a timely legal geography. Stanford: Stanford University Press, 2014.; O’DONNELL; ROBINSON; GILLESPIE, 2020O’DONNELL, Tayanah; ROBINSON; Daniel; GILLESPIE, Josephine. Legal geography: perspective and methods. Abingdon; New York: Routledge, 2020.). Partindo da ideia de que normatividade e espacialidade são dimensões mutuamente constitutivas da vida social (DELANEY, 2010DELANEY, David. The spatial, the legal and the pragmatics of world-making: nomospheric investigations. London: Routledge, 2010.: 7-8), tais coletâneas aglutinam, sobretudo, estudos sociojurídicos, mas também contêm ensaios de filosofia social crítica e até mesmo textos doutrinários.

Contudo, essa consolidação não significa que a geografia jurídica hoje se configure como um campo acadêmico institucionalizado e coeso, dada a inexistência de periódicos especializados, associações científicas ou programas de pós-graduação com essa área de concentração; com efeito, raramente encontra-se alguém cuja identidade profissional seja a de “geógrafo jurídico” (BRAVERMAN; BLOMLEY; DELANEY; KEDAR, 2014BRAVERMAN, Irus; BLOMLEY, Nicholas; DELANEY, David; KEDAR, Alexandre (Ed.). The expanding spaces of law: a timely legal geography. Stanford: Stanford University Press, 2014.: 2). Nascida com as ambições típicas de um novo projeto intelectual, a geografia jurídica aos poucos foi perdendo a sua radicalidade crítica original, tendo se estabilizado como uma linha de pesquisa, seja na área da Geografia, seja na área do Direito.

3 ONDE ESTAMOS: O ESTADO DA ARTE DA GEOGRAFIA JURÍDICA

Nas últimas décadas, expandiram-se os estudos de geografia jurídica, a ponto de já ser possível falar em um processo de produção de conhecimento cumulativo sobre as interconexões entre direito e espaço. Há fartas evidências no sentido de que podemos encontrar o direito materializado por toda parte, nos mais diversos lugares, seja em um condomínio residencial, em uma alfândega do aeroporto ou na órbita do planeta. Dado a vasta literatura atualmente disponível e os limites desta subseção, qualquer tentativa de revisá-la com pretensão de completude estaria fadada ao fracasso; assim, pretende-se aqui apenas destacar estudos representativos do estado da arte da geografia jurídica.

Na explicação sobre onde o direito acontece, sua espacialidade de referência, faz-se indispensável recorrer a conceitos teóricos, abstrações que nos ajudem a organizar o pensamento. Um ponto de partida dos mais utilizados nos estudos de geografia jurídica tem sido o conceito de escala. Na Cartografia, saber técnico relacionado à elaboração de mapas, essa noção remete à relação entre as dimensões de um objeto qualquer do mundo real e sua representação gráfica. Quanto menor a escala, menor a quantidade de detalhes representada; inversamente, quanto maior a escala, mais detalhada será a representação. Por exemplo, a planta de um apartamento é uma representação gráfica em escala grande, ao passo que um planisfério consiste em uma representação gráfica em escala pequena.

Partindo dessas noções, ainda nos primórdios da geografia jurídica, Santos já assinalava que “o Estado moderno assenta no pressuposto de que o direito opera segundo uma única escala, a escala do Estado” (1988: 148). Em sua proposta de cartografia simbólica do direito, ao lado do direito nacional estatal (média escala), distinguia o direito local (grande escala) e o direito mundial (pequena escala). De acordo com Santos, na sociologia do direito, “[...] a investigação sobre o pluralismo jurídico chamou a nossa atenção para a existência de direitos locais nas zonas rurais, nos bairros urbanos marginais, nas igrejas, nas empresas, no desporto, nas organizações profissionais” (1988: 149). Da mesma forma, “[...] permitiu detectar a emergência de uma nova lex mercatoria, um espaço jurídico internacional em que operam diferentes tipos de agentes econômicos cujo comportamento é regulado por novas regras internacionais e relações contratuais [...]” (149).

Do nível do corpo individual ao nível do globo terrestre, as mais diversas escalas de análise do espaço social têm sido consideradas de interesse pela geografia jurídica. Em um extremo, o das escalas muito grandes, há estudos empíricos sobre formas de exercício de micropoderes na hiper-regulação dos corpos vivos, seja corpos de seres humanos em banheiros públicos (BRAVERMAN, 2009BRAVERMAN, Irus. Loo Law: the public washroom as a hyper-regulated space. Hastings Women’s Law Journal, v. 20, n. 1, p. 45–71, 2009.; KOGAN, 2009KOGAN, Terry. Transsexuals in public restrooms: law, cultural geography and Etsitty v. Utah Transit Authority. Temple Political and Civil Rights Law Review, v. 18, p. 673–697, 2009.) e salas de aeroportos (BRAVERMAN, 2011BRAVERMAN, Irus. Hidden in plain view: legal geography from a visual perspective.Law, Culture and the Humanities, v. 7, n. 2, p. 173–186, 2011.); de animais mantidos em cativeiro em zoológicos (BRAVERMAN, 2012BRAVERMAN, Irus. Zooland: the institution of captivity. Stanford: Stanford University Press, 2012.); ou de oliveiras em assentamentos rurais (BRAVERMAN, 2008BRAVERMAN, Irus. “The tree Is the enemy soldier”: a sociolegal making of war landscapes in the occupied West Bank. Law & Society Review, v. 42, n. 3, p. 449-482, 2008.). No outro extremo, o das escalas muito pequenas, há trabalhos sobre a regulação do posicionamento de satélites no cinturão de cerca de 30 km de extensão conformado pela órbita geoestacionária da Terra (COLLINS, 2009).

A escala própria à governança da vida urbana, entretanto, tende a ser priorizada na literatura da geografia jurídica, com destaque para a temática da regulação dos espaços públicos (MITCHELL, 2003MITCHELL, Don. The right to the city: social justice and the fight for public space. New York: The Guilford Press, 2003.; STAEHELI; MITCHELL, 2008STAEHELI, Lynn; MITCHELL, Don. The people’s property? Power, politics, and the public. New York: Routledge, 2008.; BLOMLEY, 2011BLOMLEY, Nicholas. Rights of passage: making sidewalks and regulating public flow. New York: Routledge, 2011.; VALVERDE, 2012VALVERDE, Mariana. Everyday law on the street: city governance in an age of diversity. Chicago: Chicago University Press, 2012.; KONZEN, 2013KONZEN, Lucas P. Norms and space: understanding public space regulation in the tourist city. Lund: Lund University, 2013.). A utilização das calçadas nas ruas das cidades (BLOMLEY, 2011BLOMLEY, Nicholas. Rights of passage: making sidewalks and regulating public flow. New York: Routledge, 2011.), o trabalho dos vendedores ambulantes de mercadorias nas praias urbanas (KONZEN, 2013aKONZEN, Lucas P. Spatializing social and legal norms: street vending regulation in Acapulco, Mexico. In: BAIER, Matthias (Ed.). Social and legal norms: towards a socio-legal understanding of normativity. Farnham: Ashgate, 2013a. p. 141-156.), a circulação de bicicletas nas ciclovias (MENESES REYES, 2016MENESES REYES, Rodrigo. Derecho y movilidad: relatos etnográficos sobre la regulación de las ciclovías en la Ciudad de México. In: AZUELA, Antonio (Ed.). La ciudad y sus reglas: sobre la huella del derecho em el orden urbano. México: UNAM, 2016. p. 451-482.), são alguns dos infindáveis exemplos de práticas sociais observáveis diretamente na vida cotidiana das cidades convertidas em problemáticas de pesquisa, a fim de evidenciar como espaços são construídos pelo direito de modo a controlar ou até mesmo excluir grupos sociais marginalizados.

Se um determinado nível de análise pode ser privilegiado para fins de estudos empíricos, isso não significa que estejamos diante de escolhas similares a de quem brinca com matrioscas, as conhecidas bonecas russas que se encaixam umas sobre as outras. Ao contrário do que sugere esta metáfora, o espaço social não é algo que possa ser fatiado em pedaços: um corpo não está simplesmente contido em uma casa, que por sua vez está contida em um condomínio, que integra uma vizinhança, que faz parte de uma cidade, de uma região, de um país e do planeta (DAVIES, 2017DAVIES, Margaret. Legal geographies and non-human materiality. In: DAVIES, Margaret. Asking the law question. 4. ed. Sidney: Thomson Reuters, 2017. p. 436-450.: 441). Conforme nota Santos (1987)SANTOS, Boaventura de Sousa. Law: a map of misreading. Toward a postmodern conception of law. Journal of Law and Society, v. 14, n. 3, p. 279-302, 1987., são as interações entre escalas espaciais superpostas e interdependentes de juridicidade que constituem os padrões de regulação da vida social.

Na análise do espaço social, uma divisão estanque entre o local, o nacional e o global pode até ser útil analiticamente, desde que considere que também essas escalas são construções sociais.7 7 Para uma discussão mais aprofundada sobre escalas na geografia humana, veja Souza (2013: 179-215). Afinal, mesmo as fronteiras político-administrativas entre países, províncias e municipalidades, instituídas e mantidas pelos modernos Estados-nação, são espacialidades sujeitas a contestações e construídas historicamente por lutas sociais. Outras tantas espacialidades, para além destas, podem ser instituídas pelo Estado por meio da edição de normas jurídicas, dando origem a espaços sociais onde vigoram regimes jurídicos diferentes daqueles estabelecido para o seu entorno. O exemplo mais evidente são os cadastros oficiais dividindo porções da superfície terrestre em glebas e lotes, constituindo a paisagem da propriedade privada imobiliária (BLOMLEY, 2004BLOMLEY, Nicholas. Unsettling the city: urban land and the politics of property. New York; London: Routledge, 2004.).

Em um clássico da geografia jurídica, Ford (1998)FORD, Richard. Law’s territory: a history of jurisdiction. Michigan Law Review, v. 97, n. 4, p. 843-930, 1998. mostra que o advento da Cartografia e os avanços nas técnicas de georreferenciamento foram fatores importantes para a conformação de jurisdições pelo Estado. Antes de mais nada, "[...] uma jurisdição categoriza os elementos sobre os quais será exercida autoridade primariamente por área e, secundariamente, se for o caso, por tipo" (FORD, 1998FORD, Richard. Law’s territory: a history of jurisdiction. Michigan Law Review, v. 97, n. 4, p. 843-930, 1998.: 852, tradução minha). Segundo, é conceitualmente vazia, abstrata e homogênea, isto é, “[...] o espaço de uma jurisdição é concebido como independente de qualquer atributo específico deste espaço" (853). Por fim, suas fronteiras “[...] não são ambíguas ou contestáveis, exceto em casos anômalos ou em tempos de crise ou transição. Se a ambiguidade surge, geralmente é causa de embaraço e é resolvida o mais rápido possível” (852-853).

Os pioneiros da geografia jurídica já apontavam a discrepância entre o conteúdo abstrato dos textos legislativos e o modo como as autoridades jurídicas fazem cumprir essas disposições em determinados lugares situados dentro dos limites de uma mesma jurisdição. Válidas no âmbito de determinadas fronteiras geográficas, as regras do direito estatal acabam por ser aplicadas de forma desigual pelos próprios agentes da burocracia do Estado, a depender das correlações de força, ideologias políticas e interesses em jogo. Em trabalhos como o de Mariana Valverde (2012)VALVERDE, Mariana. Everyday law on the street: city governance in an age of diversity. Chicago: Chicago University Press, 2012. sobre a governança cotidiana da diversidade social na cidade de Toronto e de Antonio Azuela e Rodrigo Meneses Reyes (2016)MENESES REYES, Rodrigo. Derecho y movilidad: relatos etnográficos sobre la regulación de las ciclovías en la Ciudad de México. In: AZUELA, Antonio (Ed.). La ciudad y sus reglas: sobre la huella del derecho em el orden urbano. México: UNAM, 2016. p. 451-482. sobre a venda ambulante na Cidade do México, percebe-se o quanto a geografia jurídica leva a sério as diferenças entre o direito dos códigos e o direito em ação.

São muitos os estudos de sociologia do direito que buscaram desvendar como múltiplas ordens normativas surgem e persistem na ausência, ou apesar da existência, de normas jurídicas formuladas e institucionalizadas pelo Estado (ELLICKSON, 1991ELLICKSON, Robert. Order without law: how neighbors settle disputes. Cambridge: Harvard University Press, 1991.), dentro do debate mais amplo sobre o fenômeno do pluralismo jurídico. Essa premissa de que o conteúdo das normas jurídicas nem sempre coincide com o das normas sociais, as quais também podem variar espacialmente, tem sido incorporada à literatura de geografia jurídica. Porém, persiste um descompasso entre esses avanços teóricos no estudo das normas sociais e a compreensão empírica nos estudos de geografia jurídica de seus vínculos com os processos de territorialização ou desterritorialização, como aqueles que afetam comunidades de migrantes ou famílias ocupantes de terras, por exemplo.

Se a análise das espacialidades desvinculadas do Estado vem assumindo relevo, uma das mais surpreendentes insuficiências remanescentes na literatura em geografia jurídica diz respeito justamente ao estudo dos espaços diretamente relacionadas ao funcionamento das instituições do sistema de justiça e ao cotidiano prático-profissional no direito. São escassos os estudos sociojurídicos empíricos sobre a espacialidade dos tribunais, escritórios de advocacia e delegacias de polícia, por exemplo.8 8 Para notáveis exceções, ver Mulcahy (2010) e Carlsson e Baier (2002).

Nos últimos anos, outra insuficiência, de ordem metodológica, passou a ser remediada. Com o surgimento de tecnologias da informação mais amigáveis aos usuários, o processo de coletar, arquivar e analisar informações empíricas referenciadas segundo um sistema de coordenadas e elaborar representações cartográficas para visualizar e reportar essas informações são agora tarefas muito menos exigentes tecnicamente que outrora, estando ao alcance de cientistas sociais das mais variadas áreas do conhecimento. Nos últimos anos, são cada vez mais frequentes os trabalhos de geografia jurídica que fazem uso de bancos de dados georreferenciados e que comunicam visualmente os resultados das análises por meio da elaboração de mapas, cartas e plantas.

Com o amadurecimento teórico e metodológico, a autoconsciência dos pesquisadores sobre as limitações da geografia jurídica aflorou. Em princípios dos anos 2010, um de seus principais expoentes escreveu: “[...] se a quantidade e sofisticação do trabalho em geografia jurídica cresceu significativamente nos últimos 15 anos, há no presente momento uma sensação de impasse” (DELANEY, 2010DELANEY, David. The spatial, the legal and the pragmatics of world-making: nomospheric investigations. London: Routledge, 2010.: 12). Críticas passaram a ser direcionadas aos rumos dessa linha de pesquisa, vista como excessivamente presa ao estudo da jurisdição como forma específica de manifestação espacial do direito (PHILIPPOPOULOS-MIHALOPOULOS, 2010). Surgiram demandas pelo desenvolvimento de conceitos teóricos que permitissem pensar para além de categorias binárias como “espaço” e “direito'" (BLOMLEY, 2003BLOMLEY, Nicholas. From “what?” to “so what?”: law and geography in retrospect. In: HOLDER, Jane; HARRISON, Carolyn (ed.) Law and geography. Oxford: Oxford University Press, 2003. p. 17-33.: 30), respondidas ora com inovações terminológicas estéreis,9 9 Multiplicaram-se os neologismos enfatizando a ideia de que direito e espaço são mutuamente constituídos, como nomosphere (DELANEY, 2010) ou lawscape (PHILIPPOPOULOS-MIHALOPOULOS, 2015). ora com propostas mais efetivas (BUTLER, 2009BUTLER, Chris. Critical legal studies and the politics of space. Social & Legal Studies, v. 18, p. 313-332, 2009.; DELANEY, 2010DELANEY, David. The spatial, the legal and the pragmatics of world-making: nomospheric investigations. London: Routledge, 2010.). Somam-se a isso exigências de que sejam contempladas as dinâmicas temporais inerentes ao nexo entre direito e espaço (F. BENDA-BECKMANN; K. BENDA-BECKMANN, 2014BENDA-BECKMANN, Franz; BENDA-BECKMANN, Keebet. Places that come and go: a legal anthropological perspective on the temporalities of space in plural legal orders. In: BRAVERMAN, Irus; BLOMLEY, Nicholas; DELANEY, David; KEDAR, Alexandre (Ed.). The expanding spaces of law: a timely legal geography. Stanford: Stanford University Press, 2014. p. 30-52.; VALVERDE, 2014VALVERDE, Mariana. Time thickens, takes on flesh: spatiotemporal dynamics in law. In: BRAVERMAN, Irus; BLOMLEY, Nicholas; DELANEY, David; KEDAR, Alexandre (Ed.). The expanding spaces of law: a timely legal geography. Stanford: Stanford University Press, 2014. p. 53-76.), considerando a volatilidade de determinadas formas de espacialidade e juridicidade que surgem, mas logo evanescem.

Outra tendência que se verifica a partir da virada do século é a maior internacionalização da geografia jurídica. Ainda que, em termos de geografia do conhecimento, a produção de estudos nessa linha de pesquisa permaneça concentrada nos Estados Unidos, Canadá e Reino Unido, agora também se faz saliente em outros países do Norte global, como França, Austrália e Israel (KEDAR, 2014KEDAR, Alexandre. Expanding legal geographies: a call for a critical comparative approach. In: BRAVERMAN, Irus; BLOMLEY, Nicholas; DELANEY, David; KEDAR, Alexandre (Ed.). The expanding spaces of law: a timely legal geography. Stanford: Stanford University Press, 2014. P. 96-119.: 95). Ademais, com menor visibilidade internacional, também no Sul global trajetórias têm sido percorridas pela geografia jurídica, especialmente no contexto da América Latina.

Uma coletânea de estudos latino-americanos de geografia jurídica não poderia deixar de incluir algumas pesquisas pioneiras com foco em temas urbanos e ambientais, a exemplo dos trabalhos de Antonio Azuela (2006)AZUELA, Antonio. Visionarios y pragmáticos: una aproximación sociológica al derecho ambiental. México: IIS/UNAM e Fontamara, 2006., Emilio Duhau e Angela Giglia (2008), no México; e Gabriela Merlinsky (2013)MERLINSKY, Gabriela. Política, derechos y justicia ambiental: el conflicto del Riachuelo. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 2013., na Argentina. Se tais estudos não chegam a se autodescrever como integrando uma linha de pesquisa em geografia jurídica, uma nova leva de estudos empíricos (KONZEN, 2013KONZEN, Lucas P. Norms and space: understanding public space regulation in the tourist city. Lund: Lund University, 2013.; AZUELA; MENESES REYES, 2014AZUELA, Antonio; MENESES REYES, Rodrigo. The everyday formation of the urban space: law and poverty in Mexico City. In: BRAVERMAN, Irus; BLOMLEY, Nicholas; DELANEY, David; KEDAR, Alexandre (Ed.). The expanding spaces of law: a timely legal geography. Stanford: Stanford University Press, 2014. p. 167-189.; KONZEN; VIVIAN, 2020KONZEN, Lucas P.; VIVIAN, Mariana. A revitalização Cais Mauá, em Porto Alegre, na perspectiva da geografia jurídica. Revista de Direito da Cidade, v. 12, n. 1, p. 335-366, 2020.) o faz explicitamente. Embora esparsos, oferecem aportes significativos para a compreensão do papel do pluralismo jurídico no funcionamento dos circuitos inferior e superior da economia urbana latino-americana, outrora problematizado pelo geógrafo crítico brasileiro Milton Santos (2004)SANTOS, Milton. O espaço dividido: os dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. Tradução de Myrna T. Rego Viana. 2. ed. São Paulo: EDUSP, 2004..

Em seu conjunto, esses estudos dialogam com os chamados por um movimento teórico crítico e decolonial de guinada espacial na área do Direito (FRANZONI, 2019FRANZONI, Julia Ávila. Geografia jurídica tropicalista: a crítica do materialismo jurídico-espacial. Revista Direito e Práxis, v. 10, n. 4, p. 2923-2963, 2019.), que seja capaz de contribuir para explicar na perspectiva da transformação social o entrelaçamento entre direito e espaço (FRANZONI; HOSHINO, 2019FRANZONI, Julia Ávila; HOSHINO, Thiago. Notas para um (des)curso de Direito Urbanístico. In: SOUSA JR., José Geraldo et al. (Org.). O direito achado na rua: introdução crítica ao Direito Urbanístico. Brasília: UnB, 2019. p. 124-130.: 125). Há muito por se avançar em uma agenda de pesquisa em geografia jurídica capaz de abarcar as intersecções entre a regulação do espaço e as profundas desigualdades de classe, raça, status e gênero existentes nas sociedades latino-americanas.

4 PARA ONDE VAMOS: TEORIZANDO A REGULAÇÃO DO ESPAÇO

Uma das principais tarefas dessa agenda de pesquisa em geografia jurídica é avançar na compreensão das razões pelas quais as ações sociais são reguladas de maneira diferente a depender do lugar onde acontecem. Tenho buscado contribuir nesse sentido, desenvolvendo a partir de estudos empíricos os elementos de uma teoria da regulação do espaço.10 10 Para diferentes estágios desta construção teórico-conceitual, cf. Konzen (2013: 266-299; 2013a: 150-155; 2014: 137-143; 2016: 438-446); Konzen e Vivian (2020: 343-344); e Konzen (2020: 12-22). Discuto a seguir como o nexo entre direito e espaço pode ser teorizado em estudos sociojurídicos lançando mão de um conjunto de quatro pares conceituais: normas ideológicas e representações do espaço, normas jurídicas e jurisdições espaciais, práticas jurídicas e táticas espaciais, normas sociais e espaços territoriais.

4.1 Normas ideológicas e representações do espaço

O ponto de partida da teoria da regulação do espaço é uma categoria influente na geografia jurídica, o conceito de representações do espaço. Formulado por Lefebvre (1974)LEFEBVRE, Henri. La production de l’espace. Paris: Anthropos, 1974., faz parte de uma tríade conceitual, completada pelos conceitos de prática espacial e espaços representacionais, que permite analisar a produção social do espaço (LEFEBVRE, 1974LEFEBVRE, Henri. La production de l’espace. Paris: Anthropos, 1974.: 48-49 e ss.). As representações do espaço remetem aos espaços concebidos por urbanistas, empreendedores imobiliários, tecnocratas do planejamento urbano e regional etc., com base em saberes que se impõem como técnicos, mesmo misturando conhecimento e ideologia, os quais tendem a assumir o controle da produção do espaço nas sociedades capitalistas.

Sem desmerecer a originalidade do pensamento de Lefebvre, há que se reconhecer que, em larga medida, sua teoria negligencia a análise da dimensão jurídica da produção do espaço. Por isso, enquanto instrumental teórico para a pesquisa sociojurídica, precisa ser articulada com uma teoria sobre a regulação do espaço. Afinal, as representações do espaço assumem caráter normativo, influenciando ações normativas na sociedade, na medida em que definem usos, presenças e discursos incentivados ou permitidos em determinados lugares. Ao investigar empiricamente a regulação dos espaços públicos, percebi que normas jurídicas, práticas jurídicas e normas sociais podem ser influenciadas por determinadas representações do espaço, propondo o conceito de normas ideológicas para explicar como essa relação funciona (KONZEN, 2013KONZEN, Lucas P. Norms and space: understanding public space regulation in the tourist city. Lund: Lund University, 2013.: 77-82 e 281-299; KONZEN, 2014KONZEN, Lucas P. Tourist representations and public space regulation. International Journal for the Semiotics of Law, v. 27, n. 1, p. 135-160, 2014.).

Imperativos de conduta informais e não-institucionalizados, reproduzidos na área da cultura de massa e do saber especializado, as normas ideológicas desempenham um papel central na intersecção entre o campo jurídico e outros campos de ação social. Mesmo tendo caráter vago e indeterminado, são pervasivas na vida social. Normas deste tipo expressam, na prática, interesses de grupos específicos, mas são apresentadas discursivamente como um conjunto compreensivo e difuso de ideias de “interesse da sociedade”. Além disso, não dependem, em última instância, da força coercitiva do Estado; em vez disso, estão relacionadas a mecanismos indiretos para sancionar comportamentos transgressores, que sob o capitalismo tendem a assumir caráter econômico. Afinal, espera-se que a ação conforme às normas ideológicas beneficie toda uma coletividade, não apenas alguns grupos particulares.

Investigar empiricamente as relações entre direito e espaço por meio deste par conceitual, normas ideológicas e representações do espaço, é um desafio metodológico para a geografia jurídica. Em estudo anterior, ao discutir o papel das representações turísticas na regulação do espaço (KONZEN, 2013KONZEN, Lucas P. Norms and space: understanding public space regulation in the tourist city. Lund: Lund University, 2013., 2013aKONZEN, Lucas P. Spatializing social and legal norms: street vending regulation in Acapulco, Mexico. In: BAIER, Matthias (Ed.). Social and legal norms: towards a socio-legal understanding of normativity. Farnham: Ashgate, 2013a. p. 141-156.), recorri à semiótica para analisar dados empíricos extraídos de materiais visuais como cartões-postais e mapas turísticos; e realizei entrevistas com funcionários de agências da burocracia estatal para compreender seus discursos. Também os espaços representacionais, que abrangem memórias de experiências passadas, situações imaginadas e desejos vivenciados em relação ao espaço – incluindo normas ideológicas dos grupos sociais não hegemônicos – podem ser estudados empiricamente a partir desse tipo de estratégia metodológica.

4.2 Normas jurídicas e espaços jurisdicionais

As normas jurídicas distinguem-se em vários de seus atributos das normas ideológicas, embora possam ser entendidas, de certo modo, enquanto um conjunto de representações espaciais (BUTLER, 2009BUTLER, Chris. Critical legal studies and the politics of space. Social & Legal Studies, v. 18, p. 313-332, 2009.: 322), remetendo a uma categoria já consolidada na geografia jurídica, o conceito de jurisdição no sentido de espacialidade estatal. Assim como outros tipos de normas, são instruções de conduta socialmente reproduzidas que regem o comportamento social de forma imperativa. Porém, possuem atributos específicos: são oriundas da intepretação por autoridades de textos normativos formais, emanados do Estado, como as leis e as decisões judiciais; e são reproduzidas no âmbito do campo jurídico, sendo que alegações de descumprimento podem, em última análise, estar sujeitas à apreciação judicial e à aplicação de sanções aos infratores com o respaldo da força coercitiva estatal.

As normas jurídicas editadas por instituições governamentais para fins de organização do poder e execução de determinadas políticas tendem a delimitar com bastante precisão espaços jurisdicionais. No estudo que desenvolvi sobre a regulação dos espaços públicos (KONZEN, 2013KONZEN, Lucas P. Norms and space: understanding public space regulation in the tourist city. Lund: Lund University, 2013.), analisei práticas sociais nas praias urbanas de Acapulco, no Estado de Guerrero, México. Foi possível distinguir claramente dois espaços jurisdicionais: a Zona Federal Marítimo Terrestre (Zofemat), de um lado; e o perímetro municipal de Acapulco, de outro. Ambos são espaços jurisdicionais com propósitos múltiplos, formalmente definidos por normas jurídicas emanadas de diferentes níveis de governo. No caso da Zofemat, o processo decisório relevante ocorre em nível federal, sendo definido pela legislação que faz parte do patrimônio nacional a faixa de 20 metros de largura de terra firme, transitável e contígua à praia. No caso do perímetro municipal de Acapulco, os limites precisos do espaço jurisdicional são estabelecidos por normas jurídicas emanadas do nível federativo intermediário, o Estado de Guerrero. Comparando os mapas da Zofemat e do Município de Acapulco, é possível verificar que esses espaços jurisdicionais estão parcialmente sobrepostos.

Para fins de regulação de determinadas práticas espaciais como a venda ambulante de mercadorias, entretanto, as normas jurídicas são interpretadas de uma forma que resulta na conversão da Zofemat e do Município de Acapulco em espaços jurisdicionais contíguos, sujeitos a regras de conteúdo diferente. Não só as normas aplicáveis são distintas de um espaço jurisdicional para outro, mas também as agências da burocracia estatal responsáveis por zelar pelo seu cumprimento. Quando realizei a pesquisa empírica, dois órgãos federais compartilhavam responsabilidades pela gestão das praias urbanas; fora dos limites da Zofemat, atuavam os órgãos da municipalidade. As normas jurídicas operam pelo estabelecimento de fronteiras rígidas e precisas que definem os limites entre países, províncias e municípios. No entanto, essas mesmas normas também criam uma complexa teia de espaços jurisdicionais para fins de organização da atuação governamental, demarcando as fronteiras geográficas da ação estatal: a “Zofemat” ao longo da costa mexicana; o “perímetro municipal” de Acapulco, ou ainda o “Parque Papagaio”, controlado pelo Estado de Guerrero.

Os espaços jurisdicionais podem ser definidos como representações do espaço. Por essa razão, em certa medida, podem ser considerados uma criação arbitrária de instituições governamentais; são principalmente ferramentas convenientes para o desenvolvimento de políticas públicas, podendo levar à criação de novas subjetividades e posições jurídicas. O território nacional? O Mercosul? A Amazônia Legal? Uma microrregião de um estado federado? Um Parque Nacional? A zona industrial delimitada na lei do plano diretor de um município? Uma praça prevista no projeto e memorial descritivo de um loteamento registrado no cartório? Uma Área de Preservação Permanente? Uma Zona Especial de Interesse Social? Um imóvel rural? Um Distrito Sanitário Especial Indígena? É muito extenso o rol de espaços jurisdicionais criados e delimitados pelo direito estatal brasileiro, enquanto representações inscritas em documentos normativos oficiais. O mesmo acontece em outros contextos.

4.3 Práticas jurídicas e táticas espaciais

Os agentes da administração pública estão oficialmente autorizados a fazer uso de meios coercitivos a fim de fazer cumprir as normas jurídicas. A espacialidade dessas práticas jurídicas tende a ser definida em termos narrativos e por meio de marcos espaciais concretos, de maneira mais imprecisa, flexível e discricionária, a partir da interpretação por autoridades desses enunciados normativos abstratos, processo condicionado por disputas de poder e interesses de todo tipo. Assim, as estratégias para o monitoramento e controle de seu cumprimento e a aplicação de eventuais sanções aos transgressores conformam um conjunto de táticas espaciais de distintos agentes e instituições em diferentes lugares. A depender de onde se esteja, as ações concretas de implementação e fiscalização realizadas pelos órgãos da burocracia estatal tendem a variar significativamente, ou até mesmo inexistir, uma vez que o exercício do poder de polícia administrativa admite uma ampla margem de discricionariedade.

As normas jurídicas assumidas como aplicáveis em um espaço jurisdicional provavelmente serão implementadas dentro dessas fronteiras de forma desigual pelos órgãos da burocracia estatal, com as pessoas mudando suas concepções sobre quais são os comportamentos adequados de acordo com o funcionamento efetivo das táticas espaciais. Por exemplo, nos bairros da periferia de uma cidade, pode haver tolerância para com quem realiza determinadas ações contrárias à legislação, mas não nos bairros centrais, onde autos de infração são lavrados e multas aplicadas; o contrário pode igualmente ser verdadeiro, a depender das ilegalidades a serem gerenciadas. Em determinadas circunstâncias, fazer cumprir integralmente o que determina a lei pode estar totalmente fora de questão. Por exemplo, fiscais estão cientes de que há determinadas atividades econômicas criminalizadas, mas que são consideradas socialmente legítimas por muitos grupos sociais; a erradicação completa dessas práticas como um objetivo de política pública pode ser virtualmente impossível, seja por conta dos interesse em jogo, seja pela falta de recursos humanos, tecnológicos e financeiros, que tendem a se mostrar aquém do exigido para controlar certas atividades ao longo de espaços jurisdicionais, por vezes, imensos.

Além disso, autoridades governamentais podem acreditar que há razões — a preservação da imagem de uma cidade, a pressão de grupos de interesse, a mobilização de empresários ou membros de organizações não governamentais – para intensificar ou rarear as ações de monitoramento ou simplesmente concentrá-las em determinadas áreas em detrimento de outras. Dito de outro modo: a ação repressiva do Estado não tende a ser a mesma em todos os lugares. Com frequência, as agências estatais recorrem a mecanismos informais de zonificação espacial para organizar táticas espaciais mais eficazes para obter o cumprimento das normas jurídicas. São instituições estruturadas para atuar rotineiramente de maneira a selecionar determinados indivíduos e grupos sociais como alvos prioritários das estratégias de controle social.

As táticas espaciais apoiam-se em uma geografia definida por marcos específicos, em termos narrativos e dinâmicos. Mapas, quando existem, são apenas esquemáticos, pois o espaço é entendido pelo nome dos lugares, de modo muito mais concreto, nas operações regulares ou especiais de órgãos de fiscalização. As práticas jurídicas também se manifestam, em considerável medida, pela ação regulatória informal exercida por atores sociais oficialmente autorizados a usar meios coercitivos para aplicar certas regras. Os mecanismos oficiais de aplicação de normas jurídicas podem ser bastante diversificados e até mesmo diferentes daqueles previstos na legislação, como expulsar alguém de determinado local, ou invés de confiscar maquinário ou mercadorias, aplicar uma multa ou efetuar sua detenção. A margem de manobra associada à ação regulatória do Estado significa que as práticas jurídicas envolvem conduzir negociações, celebrar acordos, tolerar em maior ou menor medida determinadas situações individuais e coletivas, mediar interesses de diferentes grupos e transferir estrategicamente práticas sociais de um lugar para outro.

4.4 Normas sociais e espaços territoriais

As normas sociais operam cotidianamente assegurando a coesão interna de comunidades unidas por laços de proximidade afetiva, cultural, política ou econômica que asseguram um sentido de pertencimento. Estão associadas a comunidades de diversos tipos, tais como famílias, vizinhanças e congregações religiosas, que as desenvolvem para reger a conduta de seus membros e se responsabilizam por assegurar a sua observância. As normas sociais ajudam a distinguir, no cotidiano de uma comunidade, quem pertence de quem não pertence a determinado espaço social (STAEHELI; MITCHELL, 2008STAEHELI, Lynn; MITCHELL, Don. The people’s property? Power, politics, and the public. New York: Routledge, 2008.: 148), levando à conformação de territorialidades definidas de modo concreto, fluido e por vezes até mesmo efêmero – mais vulneráveis à desterritorialização, portanto.

As normas sociais tendem a assumir relevo nas comunidades em que práticas jurídicas não conseguem desempenhar papel determinante em termos de regulação da vida cotidiana. Ao longo do tempo, é possível que organizações comunitárias passem a estabelecer normas sociais informais ou até mesmo formais regulando a apropriação de determinados territórios por seus membros. Surgem daí espaços territoriais sobrepostos aos espaços jurisdicionais, onde vigoram normas sociais cujo conteúdo pode inclusive ser contrário ao das normas jurídicas vigentes. Os indivíduos seguem essas normas porque sabem que suas ações estão sujeitas à aprovação ou desaprovação dos demais membros das comunidades a que pertencem. Se a aplicação das normas sociais se mostra difusa, violações mais graves podem suscitar consequências severas, levando até mesmo à exclusão de membros da comunidade, inclusive por meio do exercício da violência física.

Espaços territoriais com limites mais ou menos precisos são definidos e organizados concretamente, por meio de práticas cotidianas de produção e aplicação de normas sociais no âmbito das organizações comunitárias. À medida que esses espaços territoriais se consolidam, podem vir a ser reconhecidos pelas autoridades estatais, mas dificilmente uma jurisdição rígida e fixa no tempo coincidirá com a espacialidade mais fluida própria às territorialidades.

Para construir sua identidade, uma comunidade indígena, quilombola ou ribeirinha em muitos casos depende de reivindicações relacionadas a noções de autonomia, separação, autodeterminação e preservação cultural, pois seu poder está diretamente relacionado à sua capacidade de exercer o controle de um território cultural, político ou economicamente significativo para seus membros. O mesmo ocorre com as vilas e favelas, espaços territoriais na América Latina tipicamente constituídos de modo informal, regulados por normas sociais de origem comunitária, em um intricado diálogo com as normas jurídicas próprias aos espaços jurisdicionais.

Se as normas sociais são de importância inequívoca para alcançar a coesão interna comunitária e fortalecer o controle territorial, também podem vir a desempenhar um papel muito mais ambíguo e excludente. Uma vez que as normas sociais afetam pessoas de dentro e de fora da comunidade desigualmente, a questão de como se define uma comunidade, bem como suas hierarquias internas de poder, assume crucial importância. Afinal, “as normas [sociais] e as definições comunitárias raramente são examinadas criticamente ou acordadas coletivamente; mais frequentemente, são simplesmente asseveradas” (STAEHELI, MITCHELL, 2008STAEHELI, Lynn; MITCHELL, Don. The people’s property? Power, politics, and the public. New York: Routledge, 2008.: 148, tradução minha). Além disso, as reivindicações de pertencimento a uma comunidade estão muitas vezes sujeitas às influências do poder político e econômico (STAEHELI, MITCHELL, 2008STAEHELI, Lynn; MITCHELL, Don. The people’s property? Power, politics, and the public. New York: Routledge, 2008.: 148).

Estudos de geografia jurídica apontam que, na perspectiva de quem está de fora de determinada comunidade, os espaços territoriais podem até mesmo ser vistos como tentativas de “[...] criar um domínio privado ou comum [...] às custas de outras comunidades (e da comunidade em geral)" (COOPER, 1996COOPER, Davina. Talmudic territory? Space, law, and modernist discourse. Journal of Law and Society, v. 23, n. 4, p. 529-448, 1996.: 535, minha tradução). Portanto, normas sociais e espaços territoriais não podem nem ser condenados como formas opressivas de ordem sem direito, nem celebrados como formas emancipatórias de ação coletiva, devendo ser compreendidos criticamente em suas complexas inter-relações com as espacialidades hegemônicas representadas tanto pelas normas jurídicas quanto pelas práticas jurídicas.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS: UM CONVITE À GEOGRAFIA JURÍDICA

Ao longo deste artigo, apresentei a geografia jurídica crítica como uma vertente de pesquisa sobre as intersecções entre normatividade e espacialidade. Busquei retratar as suas origens e trajetórias, pois acredito que entendendo de onde viemos e onde estamos, temos melhores condições de imaginar futuras possibilidades e decidir para onde vamos. Espero ter contribuído para esclarecer o que a geografia jurídica tem efetivamente significado até agora, mas também o que pode vir a ser – mesmo que ambas as questões possam admitir múltiplas respostas, diferentes das minhas.

O que já sabemos e o que ainda precisamos aprender sobre as intersecções mutuamente constitutivas entre direito e espaço? Oferecendo a uma audiência brasileira um sucinto panorama introdutório ao estado da arte da geografia jurídica, pretendo igualmente encorajar colegas da área do Direito a compartilhar desse desafio de empreender uma agenda de pesquisa crítica sobre as relações entre direito e espaço. Mostrando um possível caminho para desenvolvê-la no âmbito dos estudos sociojurídicos, procurei introduzir um conjunto de conceitos relativamente simples, mas que têm se mostrado úteis como marco teórico para investigar empiricamente a regulação do espaço.

Destacando especificamente a relevância da geografia jurídica como linha de pesquisa nos estudos sociojurídicos, subscrevo uma entre tantas narrativas possíveis, privilegiando aquela que melhor reflete minha própria posição enquanto coparticipante desse movimento intelectual. A geografia jurídica se faz possível e necessária, hoje, no contexto brasileiro, porque ignoramos muito do real funcionamento do direito na vida social, incluindo sua espacialidade. Compreender, pelos meios que as ciências sociais nos oferecem, as relações entre direito e espaço, permite imaginarmos geografias jurídicas alternativas e emancipatórias, horizontes de possibilidade muitas vezes latentes em meio às contradições do presente. Uma geografia jurídica crítica se faz possível enquanto práxis se insistentemente mantivermos em mente a premissa básica de todo pensamento social crítico: a compreensão teórica do mundo na perspectiva de transformá-lo na prática.

  • 1
    Este artigo é produto do projeto Geografias Jurídicas da Cidade, executado em colaboração com a equipe do Grupo de Pesquisa Direito e Sociedade (GPDS) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
  • 2
    Desenvolvi esta teorização em trabalhos anteriores (KONZEN, 2013KONZEN, Lucas P. Norms and space: understanding public space regulation in the tourist city. Lund: Lund University, 2013., 2013aKONZEN, Lucas P. Spatializing social and legal norms: street vending regulation in Acapulco, Mexico. In: BAIER, Matthias (Ed.). Social and legal norms: towards a socio-legal understanding of normativity. Farnham: Ashgate, 2013a. p. 141-156., 2016KONZEN, Lucas P. La regulación del espacio público: sobre jurisdicciones, zonas y territorios urbanos. In: AZUELA, Antonio (Ed.) La ciudad y sus reglas: sobre la huella del derecho em el orden urbano. México: UNAM, 2016. p. 423-450., 2020KONZEN, Lucas P. Direito e geografia: estendendo a geografia jurídica aos estudos ambientais. In: LEITE, José Rubens Morato; BORATTI, Larissa Verri; CAVEDON-CAPDEVILLE, Fernanda Salles. Direito ambiental e geografia: relações entre geoinformação, marcos legais, políticas públicas e processos decisórios. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020. p. 3-28.).
  • 3
    A noção de teoria social crítica remete ao projeto marxiano de crítica às contradições da sociedade capitalista e aos saberes que a legitimam como ponto de partida para a busca por alternativas emancipatórias.
  • 4
    Para uma discussão mais elaborada sobre a “virada espacial”, consulte Soja (1989)SOJA, Edward. Postmodern geographies: the reassertion of space in critical social theory. New York: Verso, 1989. e Brenner (2009)BRENNER, Neil. What is critical urban theory? City, v. 13, n. 2, p. 198-207, 2009..
  • 5
    Para apreciações sobre os Critical Legal Studies na época de seu apogeu, veja Unger (1983)UNGER, Roberto Mangabeira. The Critical Legal Studies movement. Harvard Law Review, v. 96, n. 3, p. 561-675, 1983. e Tushnet (1991)TUSHNET, Mark. Critical Legal Studies: a political history. The Yale Law Journal, v. 100, n. 5, 1991, p. 1515–1544.. Consulte também o levantamento bibliográfico elaborado por Kennedy e Klare (1984)KENNEDY, Duncan; KLARE, Karl. A bibliography of Critical Legal Studies. The Yale Law Journal, v. 94, n. 2, p. 461-490, 1984..
  • 6
    Sobre a formação do Law and Society Movement e seu desenvolvimento até a década de 1980, veja os trabalhos de Friedman (1986)FRIEDMAN, Lawrence M. The Law and Society Movement. Stanford Law Review, v, 38, n. 3, p. 763-780, 1986. e Trubek (1990)TRUBEK, David M. Back to the future: the short, happy life of the Law and Society Movement. Florida State University Law Review, v. 18, n. 1, p. 1-55, 1990..
  • 7
    Para uma discussão mais aprofundada sobre escalas na geografia humana, veja Souza (2013SOUZA, Marcelo Lopes de. Os conceitos fundamentais da pesquisa sócio-espacial. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013.: 179-215).
  • 8
    Para notáveis exceções, ver Mulcahy (2010)MULCAHY, Linda. Legal architecture: justice, due process, and the place of law. Abingdon: Routledge, 2010. e Carlsson e Baier (2002)CARLSSON, Bo; BAIER, Mattias. A visual self-image of legal authority: “the temple of law”. Social & Legal Studies, v. 11, n. 2, p. 185-209, 2002..
  • 9
    Multiplicaram-se os neologismos enfatizando a ideia de que direito e espaço são mutuamente constituídos, como nomosphere (DELANEY, 2010DELANEY, David. The spatial, the legal and the pragmatics of world-making: nomospheric investigations. London: Routledge, 2010.) ou lawscape (PHILIPPOPOULOS-MIHALOPOULOS, 2015PHILIPPOPOULOS-MIHALOPOULOS, Andreas. Spatial justice: body, lawscape, atmosphere. Abingdon: Routledge, 2015.).
  • 10
    Para diferentes estágios desta construção teórico-conceitual, cf. Konzen (2013KONZEN, Lucas P. Norms and space: understanding public space regulation in the tourist city. Lund: Lund University, 2013.: 266-299; 2013a: 150-155; 2014: 137-143; 2016: 438-446); Konzen e Vivian (2020KONZEN, Lucas P.; VIVIAN, Mariana. A revitalização Cais Mauá, em Porto Alegre, na perspectiva da geografia jurídica. Revista de Direito da Cidade, v. 12, n. 1, p. 335-366, 2020.: 343-344); e Konzen (2020KONZEN, Lucas P. Direito e geografia: estendendo a geografia jurídica aos estudos ambientais. In: LEITE, José Rubens Morato; BORATTI, Larissa Verri; CAVEDON-CAPDEVILLE, Fernanda Salles. Direito ambiental e geografia: relações entre geoinformação, marcos legais, políticas públicas e processos decisórios. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2020. p. 3-28.: 12-22).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    07 Maio 2021
  • Aceito
    10 Maio 2021
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