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Direitos trabalhistas como direitos LGBTI+: uma leitura queer dos retrocessos sociolaborais no STF

Labor rights as LGBTQ rights: a queer reading of socio-labor setbacks in Brazilian Supreme Court

Resumo

A partir da análise do conjunto decisório do STF, no qual, de um lado, há avanços em matéria de direitos LGBTI+ classicamente entendidos como tais, e, de outro, há graves retrocessos em matéria trabalhista, com especial destaque para as decisões relacionadas ao tema da terceirização, propõe-se uma análise crítica da ambiguidade do comportamento da Corte, considerando os lugares precários ocupados pelas pessoas LGBTI+ no mundo do trabalho. Em uma perspectiva queer, propõe-se uma expansão da compreensão de modo a compreender direitos trabalhistas como direitos LGBTI+.

Palavras-chave:
STF; austeridade; Teoria queer; Trabalho; Gênero e sexualidade

Abstract

Based on the analysis of a series of decisions from Brazilian Supreme Court — in which, on the one hand, there are advances in terms of LGBTQ rights classically understood as such, and, on the other hand, there are serious setbacks in labor matters, with special emphasis on decisions related to the theme of outsourcing — a critical analysis of the ambiguity of the Court's behavior is proposed, considering the precarious places occupied by LGBTQ people in the world of work. From a queer perspective, an expansion is proposed to understand labor rights as LGBTQ rights.

Keywords:
Brazilian Supreme Court; Austerity; Queer theory; Work; Gender and sexuality

1. Introdução

Em contraste com a narrativa que apresenta o Supremo Tribunal Federal (STF) como um espaço homogeneamente progressista em pautas jurídicas de gêneros e sexualidades dissidentes na última década, esse artigo parte de uma leitura mais complexa da atuação da Corte, sobretudo no que concerne aos direitos sociais, observando que diversas decisões recentes afetaram de forma direta e profundamente negativa a vida de pessoas LGBTI+. Para tanto, pretende-se lançar luzes sobre o impacto imediato, sensível, vivido, encarnado, de retrocessos sociais afiançados pelo STF na vida de pessoas LGBTI+, especialmente em matéria trabalhista. E, assim, propor a ideia de direitos trabalhistas como direitos LGBTI+.

O ponto de partida é uma crítica de identidades compreendidas como tais de modo isolado. Para pessoas LGBTI+, a vivência de suas identidades de gênero e sexualidade não se passa em abstrato: são LGBTI+ enquanto vivem a materialidade da vida, enquanto se relacionam, enquanto se movimentam socialmente, enquanto buscam a sobrevivência. E, numa sociedade capitalista, que segue fundada na extração do valor do trabalho das pessoas, vivem suas vidas LGBTI+ enquanto trabalham, de maneira protegida ou precária; de maneira pobre ou violentada; informal ou ilegal; ou, ainda, quando sequer podem trabalhar.

Consideradas as condições materiais que co-consituem essas existências, toma-se como suposto a leitura da proteção social e trabalhista a partir da perspectiva das vidas LGBTI+, tratando-a não como elemento acessório, mas como condição inseparável das possibilidades de ser e viver como LGBTI+ na materialidade de uma sociedade de classes.

O objetivo geral é, a partir da análise do conjunto decisório do STF em matéria de trabalhista, com especial destaque para aquelas afetas ao tema da terceirização, compreender como as vidas de pessoas LGBTI+ têm sido especificamente precarizadas a partir de retrocessos jurídicos não dirigidos, de modo imediato, às temáticas de gênero e sexualidade.

Propõe-se pesquisa teórica e análise jurisprudencial, com angulação atípica tanto para as correntes intelectuais adotadas quanto para as decisões analisadas. Isso porque, de um lado, se manejarão imediatamente decisões do STF que não tratam de temas LGBTI+ em sua superfície. E, de outro, far-se-á sua análise crítica a partir de construções da teoria queer e de suas entradas no debate jurídico. A atipia vem justamente de um certo alheamento que ainda parece existir, separando dois universos — trabalho e identidades de gênero e sexualidade —, que não se separam na vida.

A primeira parte do artigo se dedica a compreender as formas de inserção de pessoas LGBTI+ no mercado de trabalho brasileiro, no que diz respeito à sua particular precariedade. Apesar da consideração à heterogeneidade de itinerários profissionais e econômicos dessas pessoas, se dará atenção à forma como a legislação trabalhista distribui a precariedade para corpos preferenciais.

Exploram-se experiências como a legislação específica para o setor de salões de beleza e as escolhas regulatórias incidentes sobre a prostituição, espaços de grande presença de pessoas LGBTI+ (NICOLI; RAMOS, 2020NICOLI, Pedro Augusto Gravatá; RAMOS, Marcelo Maciel. Para mulheres e pessoas LGBT+ o direito fundamental ao trabalho digno é uma disputa. In: VIEIRA, Regina Stela Corrêa; TRAMONTINA, Robison (orgs.). Desafios presentes e futuros do direito do trabalho: buscas entre intersecções por um novo alvorecer. Joaçaba: Editora UNOESC, 2020.). Chega-se, então, à terceirização, especialmente a partir do setor de teleatendimento, no qual há significativa presença de jovens LGBTI+ (VENCO, 2009VENCO, Selma. Centrais de teleatividades: o surgimento dos colarinhos furta-cores? In ANTUNES, Ricardo, BRAGA, Ruy (orgs.). Infoproletários: degradação real do trabalho virtual. São Paulo: Boitempo, 2009.; FLEURY, 2020FLEURY, Flávio Malta. Os sentidos do direito, do sindicato e da vida em disputa: resistências trabalhadoras e sindicais à transfobia e ao cissexismo no telemarketing. 2020. Mestrado (Direito) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.) e em que foram gestadas e aprofundadas muitas das práticas precárias do trabalho terceirizado.

A segunda parte consistirá em uma apresentação do conjunto de decisões do STF a ser analisado. O foco, aqui, será especificamente dirigido às decisões que, no ano de 2018, inauguraram jurisprudencialmente a ampliação (que, em seguida, foi legitimada também pela via legislativa) das possibilidades da terceirização trabalhista no âmbito da iniciativa privada, tornando-a irrestrita no país. Serão particularmente explorados os fundamentos das decisões proferidas no bojo do julgamento da ADPF nº 324 combinado com o julgamento do RE 958.252, com repercussão geral (Tema nº 725), e do julgamento do RE 791.932, também com repercussão geral (Tema nº 739).

Nesses dois julgamentos paradigmáticos, a Corte Constitucional se posicionou em face da problemática da terceirização trabalhista e de suas incompatibilidades com o nosso sistema de proteção social. Afirmou, ao cabo, que as restrições impostas pela justiça do trabalho à possibilidade de contratação terceirizada pelos empregadores ofenderiam a liberdade de iniciativa assentada no texto constitucional.

Além das contradições que permeiam o julgamento do ponto de vista da restrição dos direitos sociais e de uma leitura desconstituinte do direito do trabalho (PAIXÃO, 2020PAIXÃO, Cristiano. Covid-19 e o oportunismo desconstituinte. 2020. Disponível em: https://www.afbnb.com.br/covid-19-e-o-oportunismo-desconstituinte-por-cristiano-paixao/#:~:text=Logo%20ap%C3%B3s%2C%20outra%20MP%20foi,texto%20exige%20a%20negocia%C3%A7%C3%A3o%20coletiva). Acesso em: 7 fev. 2022.
https://www.afbnb.com.br/covid-19-e-o-op...
), em favor da afirmação de uma perspectiva neoliberal para a regência das relações de trabalho e de uma jurisprudência de austeridade (FERREIRA, 2012FERREIRA, António Casimiro. Sociedade da austeridade e direito do trabalho de exceção. Porto: Vida Económica, 2012.), pretende-se explorar, nesses julgados, a suposta tutela de um sujeito-trabalhador típico, cujo trabalho seria objeto do arranjo terceirizado e que não seria, afinal, impactado negativamente pela forma de contratação.

As referências e exemplificações constantes dos julgados, analisadas em suas entrelinhas, revelam que a Corte não assimila com centralidade nem os impactos da forma de contratação sobre a precarização da vida e do trabalho desse sujeito-trabalhador invocado, tampouco acomoda no argumento jurídico, com equidade, a possibilidade de esse sujeito ser, diversamente do sujeito homem-branco-cis-hetero, alguém cujo corpo e cuja sexualidade implicam a restrição das formas de acesso ao trabalho formal e uma maior vulnerabilidade exatamente a arranjos contratuais precários, que invisibilizam e esvaziam os direitos atinentes ao trabalho formal, como é o caso da terceirização.

O ponto, ainda, dá atenção ao pano de fundo dessas decisões na arena ambígua do Supremo. De um lado, com os avanços em matéria de direitos LGBTI+ classicamente entendidos com tais. E, de outro, com os muitos e graves retrocessos em matéria trabalhista (COUTINHO, 2021COUTINHO, Grijalbo Fernandes. Justiça política do capital: a descontrução do direito do trabalho por meio de decisões judiciais. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2021.; DUTRA; MACHADO, 2021DUTRA, Renata Queiroz; MACHADO, Sidnei (orgs.). O Supremo e a reforma trabalhista: a construção jurisprudencial da reforma trabalhista de 2017 pelo Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre: Editora Fi, 2021.), que consolidaram o STF na posição soturna de uma Corte anti-trabalhadoras e trabalhadores.

A terceira e última parte, ensaiando possíveis conclusões, propõe uma leitura dessas decisões a partir de algumas construções da teoria queer, particularmente de uma crítica queer ao direito. Parte-se da ideia de precariedade (BUTLER, 2015BUTLER, Judith. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.) e vai-se à compreensão desse duplo movimento, concomitante, que é complexificada a partir da reflexão de autoras como Wendy Brown (1995)BROWN, Wendy. States of injury: power and freedom in late modernity. Princeton: Princeton University Press, 1995., em sua leitura da individualização dos problemas sociais na linguagem dos direitos numa sociedade neoliberal, e Dean Spade (2015)SPADE, Dean. Normal life: administrative violence, critical trans politics, and the limits of law. Durham/London: Duke University Press, 2015., na demonstração do impacto sensível para corpos LGBTI+ de outras esferas da regulação que não as das identidades.

Com isso, pretende-se recusar uma leitura unidimensional ou até melancólica que poderia se dirigir aos direitos LGBTI+, propondo a expansão de sua compreensão, a partir da ideia de direitos trabalhistas como direitos LGBTI+. Aqui, insiste-se e elabora-se a ideia de imbricação da identidade e vida concreta e do trabalho como condição definitiva para a vivência de gênero e sexualidade. E, percebendo-se num tempo em profundas disputas, passa-se a ler a luta contra os retrocessos sociais como uma luta jurídica também LGBTI+. Mas, ao mesmo tempo em que acredita, segue desconfiando, num gesto próprio ao queer, ao entender também que para muitas pessoas LGBTI+ (especialmente as trans, pobres e pretas), a própria experiência do trabalho e, sobretudo, do trabalho com direitos trabalhistas, ainda é tida como um privilégio - um privilégio da servidão heterocis, para parafrasear e expandir a construção de Ricardo Antunes (2018)ANTUNES, Ricardo Luiz Coltro. O privilégio da servidão: o novo proletário de serviços na era digital. 2 ed. São Paulo: Boitempo, 2018..

A principal conclusão esperada é um aprofundamento crítico desse duplo movimento do STF, que é, em larga medida, um duplo movimento do direito contemporâneo: avanços e retrocessos concomitantes e disputados. A formulação que se propõe, diante de um recorte específico e de aproximações teóricas não muito comuns, pode contribuir diretamente para a pesquisa de campo nos direitos LGBTI+. Seja ao negar leituras unidimensionais e triunfantes, reforçando o peso e a permanência das disputas, inclusive nas Cortes entendidas como eruditas e progressistas, seja ao estimular o imaginário ao redor desses direitos, sinalizando para futuros que sejam futuros feitos de carne e osso.

2. Pessoas LGBTI+ são pessoas LGBTI+ também no mundo do trabalho: um arco-íris de precariedade laboral

Reduzir a discussão das vidas LGBTI+ à chave das identidades é deixar de compreender um fato elementar: pessoas LGBTI+ são pessoas LGBTI+ em todas as esferas em que circulam. E, por esta razão, enfrentam a partir dessa posição específica todos os desafios que se colocam para a constituição dessa própria vida. Desafios que englobam os complexos processos psicossociais de afirmação de si, mas que também tocam esferas da produção da vida material e social que, de formas diretas ou indiretas, tornam esses processos mais ou menos difíceis. É o caso do que se passa no mundo do trabalho. Para a maioria esmagadora das pessoas LGBTI+ a vida que vivem é marcada pela vulnerabilidade socioeconômica (MARSJIAJ, 2003MARSIAJ, Juan. Gays ricos e bichas pobres: desenvolvimento, desigualdade socioeconômica e homossexualidade no Brasil. Cadernos AEL: Homossexualidade. Sociedade, Movimento e Lutas, Campinas, v. 10. n. 18/19, p. 133-147, 2003.; BADGETT; CHOI; WILSON, 2019BADGETT, M.V. Lee; CHOI, Soon Kyu; WILSON, Bianca D. M. LGBT Poverty in the United States: a study of differences between sexual orientation and gender identity groups. Los Angeles: The Williams Institute UCLA, 2019.). Por isso dependem do próprio trabalho. Já se parte, aqui, portanto, de, no mínimo, uma dupla condição: a dissidência de gênero e sexualidade, de um lado, e a situação socioeconômica ou de classe, de outro, ambas influenciando direta e concomitantemente nas possibilidades de ser sobre o mundo. E essa dupla condição é, a bem da verdade, muito mais do que dupla. Para mulheres lésbicas, homens gays, pessoas trans e travestis, e tantas outras, de diferentes raças, origens, idades, as experiências serão substancialmente diferentes. O que se passará também no trabalho. Mas algo parece comum nessa multiplicidade experienciada na vida laboral LGBTI+: sempre haverá um processo relevante de interimplicação entre gênero, sexualidade e trabalho.

Tudo isso nos conduz a uma premissa para a ideia que formularemos adiante, de direitos trabalhistas como direitos LGBTI+. A premissa de que discutir a vida vivida de pessoas LGBTI+ necessariamente passa pela discussão de como se dá o trabalho dessas pessoas. E essa é uma constatação que, para nós, nesse artigo, se desdobrará em pelo menos duas dimensões. Uma dimensão fática, de natureza mais diretamente social, e uma dimensão jurídica, que interage e circula na produção dessas mesmas condições sociais. Falemos, então, sobre essas duas dimensões.

A dimensão fática ou social da premissa é a própria constatação da particular precariedade sociolaboral a que estão sujeitas as pessoas LGBTI+, influenciada por suas identidades de gênero e sexualidades. A essa dimensão, a bem da verdade, conhecemos apenas ainda parcialmente, pelo “gargalo” de dados estatísticos sistemáticos sobre a população LGBTI+ em geral e por sua situação laboral em particular, tanto no Brasil, quanto no mundo (SILVA; LENA; MIRANDA-RIBEIRO, 2018SILVA, Samuel Araujo Gomes da; LENA, Fernanda Fortes de; MIRANDA-RIBEIRO, Paula de. Demografia e diversidade sexual: uma análise da produção acadêmica sobre gênero e identidade sexual na demografia entre 2000 e 2017. In: XXI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, 2018, Poços de Caldas. XXI Encontro Nacional de Estudos Populacionais, 2018.).

Além dessa simples falta de dados, há, aqui, um certo hiato científico-político, uma separação momentânea que se dá no próprio processo de afirmação e fortalecimento do campo dos estudos de gêneros e sexualidades dissidentes. Os estudos queer e LGBTI+ se constituem a partir de um afastamento dos marcos tradicionais da crítica à sociedade de classes e de uma sociologia do trabalho de matriz mais, digamos, tradicional. Aliás, talvez mais do que um afastamento. Um gesto epistêmico de contestação, que se revelou fundamental para que se pudessem perceber e levar a sério dimensões que historicamente estiveram fora dos modos de refletir da crítica social e das ciências humanas. Mas se fez, também, uma aparente separação, que por vezes parecia permitir falar de pessoas LGBTI+ sem suas condicionantes materiais. Fora de sua interdependência constitutiva e do cotidiano de suas vidas, que se passam também no trabalho.

O próprio campo dos estudos de gênero e sexualidade rapidamente metaboliza essa questão, interpelado por outras perspectivas críticas de classe e raça, por exemplo. Desde o final dos anos 1980, dá-se início a um certo reencontro entre trabalho, gênero e sexualidade dissidentes, sob uma nova chave. Esse é um reencontro fundamental para que se comecem a desvelar as complexidades dos dois universos, inseparáveis na vida. Um número relevante de estudos, em sua maioria de natureza etnográfica e qualitativa, vai ganhando corpo no mundo (HEARN; PARKIN, 1987HEARN, Jeff; PARKIN, Wendy. Sex at work: the power and paradox of organisation sexuality. Nova Iorque: Macmillan St Martins Press, 1987.; WILLIAMS; GIUFFRE, 2011WILLIAMS, Christine; GIUFFRE, Patti. From organizational sexuality to queer organizations: research on homosexuality and the workplace. Sociology Compass, s.l., v. 5, n. 7 p. 551-563, 2011.; BÉRUBÉ, 2011BÉRUBÉ, Allan, My desire for history: essays in gay, community, and labor history. The University of North Carolina Press: Chapel Hill, 2011.; FRANK, 2014FRANK, Miriam. Out in the union: a labor history of queer America. Philadelphia: Temple University Pres, 2014.) e no Brasil (SIQUEIRA; FERREIRA; ZAULI-FELLOWS, 2006SIQUEIRA, Marcus Vinicius Soares; FERREIRA, Renata Costa; ZAULI-FELLOWS, Amanda. Gays no ambiente de trabalho: uma agenda de pesquisa. In: Encontro Anual da Associação Internacional em Administração, 30, 2006, Salvador. Anais. Salvador: ANPAD, 2006.; FERREIRA, 2007FERREIRA, Renata Costa. O gay no ambiente de trabalho: uma análise dos efeitos em ser gay nas organizações contemporâneas. 2007. Mestrado (Administração) - Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil.; POCAHY, 2007POCAHY, Fernando (org.). Rompendo o silêncio: homofobia e heterossexismo na sociedade contemporânea. Porto Alegre: Nuances, 2007.; IRIGARAY, 2008IRIGARAY, Hélio Arthur Reis. A diversidade nas organizações brasileiras: estudo sobre orientação sexual e ambiente de trabalho. 2008. Doutorado (Administração de Empresas) - FGV - Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, SP, Brasil.; RODRIGUES; NARDI, 2009RODRIGUES, Manoela Carpenedo; NARDI, Henrique Caetano. Diversidade sexual e trabalho: reinvenções do dispositivo. Bagoas, Natal, n. 3, p. 127-143, 2009.; VENCO, 2009VENCO, Selma. Centrais de teleatividades: o surgimento dos colarinhos furta-cores? In ANTUNES, Ricardo, BRAGA, Ruy (orgs.). Infoproletários: degradação real do trabalho virtual. São Paulo: Boitempo, 2009.; IRIGARAY, SARAIVA, CARRIERI, 2010IRIGARAY, Hélio Arthur Reis; SARAIVA, Luiz Alex Silva; CARRIERI, Alexandre de Pádua. Humor e discriminação por orientação sexual no ambiente organizacional. Revista de Administração Contemporânea, s.l., v. 14, p. 890-906, 2010.; MAGALHÃES; ANDRADE; SARAIVA, 2017MAGALHÃES, Alex Fernandes; ANDRADE, Carolina Riente de; SARAIVA, Luiz Alex Silva. Inclusão de minorias nas organizações de trabalho: análise semiótica de uma estratégia de recrutamento de uma multinacional de fast food. Teoria e Prática em Administração, João Pessoa, v. 7, p. 12-35, 2017.; OLIVEIRA, 2019OLIVEIRA, João Felipe Zini Cavalcante de. “E travesti trabalha?”: divisão transexual do trabalho e messianismo patronal. 2019. Mestrado (Direito) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.; FLEURY, 2020FLEURY, Flávio Malta. Os sentidos do direito, do sindicato e da vida em disputa: resistências trabalhadoras e sindicais à transfobia e ao cissexismo no telemarketing. 2020. Mestrado (Direito) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.; CAVALCANTE; CAVALCANTI; JESUS, 2021CAVALCANTE, Ilana Ferreira; CAVALCANTI, Natália C. S. Barros; JESUS, Jaqueline Gomes de. Apresentação: Dossiê ‘Mundo do trabalho, educação profissional e identidade de gênero’. Revista Brasileira da Educação Profissional e Tecnológica, Natal, v. 2, p. 1-2, 2021.), debruçados sobre as dimensões de pessoas LGBTI+ no mundo do trabalho.

Desse estado da arte, ainda que entrecortado pela falta de muitos dados, o reconhecimento dessa dimensão fática da precariedade de que falamos já se impõe. A literatura sociológica e organizacional vem apontando há algumas décadas como gênero e sexualidade dissidentes imprimem condições particulares para pessoas LGBTI+. Jeff Hearn e Wendy Parkin (1987), num dos primeiros estudos sobre sexualidade e ambientes de trabalho ao final dos anos 1980, apontam essa condição da sexualidade nas relações de trabalho como algo conhecido, mas obscuro; visto, mas não notado. Uma realidade que pouco a pouco rompe a opacidade do segredo, do silêncio, do não dito.

A condição estrutural da precariedade é confirmada, entre nós, também nos poucos estudos com dimensões quantitativas disponíveis. Estudos que ainda têm universos amostrais marcados pela dificuldade de acesso sistemático à população, mas que já nos dão uma certa dimensão estrutural dessa precariedade. Confirmam, num pano de fundo, as investigações qualitativas que se acumulam. Falam de dados como menores taxas de formalização no trabalho, maior incidência de desemprego na comparação com os dados gerais, grande instabilidade de renda e exposição ao risco de violência para pessoas LGBT nas relações de trabalho (RAMOS; NICOLI; MORAIS; PIMENTA, 2020RAMOS, Marcelo Maciel; NICOLI, Pedro Augusto Gravatá; MORAIS, Gabriella de; PIMENTA, Igor. Relatório de violências contra pessoas LGBT+. Pesquisa da 22ª Parada do Orgulho LGBT de Belo Horizonte - 2019. Belo Horizonte: Diverso UFMG, 2020.; VOTELGBT, 2021VOTE LGBT. Diagnóstico LGBT+ na Pandemia - Desafios da comunidade LGBT+ no contexto de continuidade do isolamento social em enfrentamento à pandemia de Coronavírus. 2021. Disponível em: <https://www.votelgbt.org/pesquisas>. Acesso em 07 fev. 2022.
https://www.votelgbt.org/pesquisas...
).

Um parêntese de reforço deve ser feito, aqui, quanto à distribuição heterogênea dessa precariedade laboral. A realidade da vida de pessoas LGBTI+ também se desdobra no trabalho. O caso das travestis e pessoas trans confirma essa constatação. As pesquisas e dados existentes (OLIVEIRA, 2019OLIVEIRA, João Felipe Zini Cavalcante de. “E travesti trabalha?”: divisão transexual do trabalho e messianismo patronal. 2019. Mestrado (Direito) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.; FLEURY, 2020FLEURY, Flávio Malta. Os sentidos do direito, do sindicato e da vida em disputa: resistências trabalhadoras e sindicais à transfobia e ao cissexismo no telemarketing. 2020. Mestrado (Direito) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.) vão demonstrar uma radical e particular dificuldade, ou impossibilidade mesmo, no processo de afirmação dessas pessoas em relações de trabalho entendidas socialmente como “padrão”. Para travestis e trans, o mundo do trabalho exprime algo que parece ser mais do que precariedade. Um processo de expulsão, rejeição quase absoluta, que tem consequências bem próprias. Retomaremos a questão mais adiante.

De todo modo, de maneira geral, podemos perceber a manifestação da precariedade em todos os momentos das trajetórias de trabalho de pessoas LGBTI+. No acesso e processos de admissão a postos de trabalho; na qualificação profissional e ascensão nas carreiras; na chegada em posições de poder; na permanência no emprego e acesso a mecanismos de segurança laboral e social; nas práticas cotidianas no trabalho; na experiência da dispensa e das passagens pelo desemprego. Em todos esses momentos a LGBTfobia pode se expressar, e recorrentemente se expressa, tornando o trabalho um espaço muito comum para práticas discriminatórias.

Aliás, a discriminação é uma boa entrada para que se possa pensar nos sentidos do direito na dinâmica dessas relações, apresentando a segunda dimensão da precariedade laboral LGBTI+, nossa premissa: a dimensão propriamente jurídica. Poderíamos, aqui, acessar o debate de muitos modos. Mas um exemplo curioso nos pareceu particularmente interessante para elucidar a relação íntima entre trabalho, discriminação e regulação. Adilson Moreira (2017)MOREIRA, Adilson José. O que é discriminação? São Paulo: Letramento, 2017., em seu livro “O que é discriminação?”, de 2017, nos ajuda, ainda que não necessariamente de modo proposital, a entender a dimensão dessa relação intensa. Nesse livro, de linguagem bem direta, Moreira (2017)MOREIRA, Adilson José. O que é discriminação? São Paulo: Letramento, 2017. pretende fornecer subsídios conceituais e estruturais para se pensar juridicamente a discriminação de maneira global. O livro se tornou rapidamente obra de referência na temática. E ele começa com uma descrição de um conjunto de casos de discriminação, provocando a reflexão a partir da experiência concreta de tribunais. Dos nove casos que usa para atiçar a compreensão conceitual a partir da experiência, seis dizem respeito às relações de trabalho. Vejam que se trata de um livro sobre discriminação em geral, não sobre discriminação no trabalho. O primeiro desses casos é assim descrito:

Tauana é funcionária de uma grande fábrica de produtos plásticos. Por ser uma mulher negra e homossexual, ela é tratada de forma claramente inadequada. Sua raça e sua orientação sexual são motivos de constantes comentários preconceituosos por parte do seu superior e de seus colegas, além de serem fatores impeditivos de quaisquer chances de promoção. Essa realidade torna aquele ambiente de trabalho intolerável, motivo de seu pedido de demissão e posterior ação judicial contra a empresa (MOREIRA, 2017MOREIRA, Adilson José. O que é discriminação? São Paulo: Letramento, 2017., p. 13).

O livro vai adiante, relatando diversos casos, alguns dos mais emblemáticos são julgados de tribunais trabalhistas. Algo, aqui nos parece saltar aos olhos: o trabalho se torna de tal modo relevante na experiência da discriminação que, a partir dele, se pode pensá-la conceitual e juridicamente. E isso não se dá por acaso. A visibilização da dinâmica da LGBTfobia e as lutas sociais contra essa forma de violência passam a chegar de muitas maneiras ao mundo do direito. Essa é uma delas: a judicialização da discriminação laboral LGBTfóbica. O judiciário trabalhista de fato tem se debruçado cada vez mais diretamente sobre a temática. Ainda que poucos em comparação com outros casos de discriminação e violência no trabalho, os casos crescem progressivamente, bem como suas análises teóricas, cada vez mais consistentes (SANTOS, 2016SANTOS, Rodrigo Leonardo de Melo. A discriminação de homens gays na dinâmica das relações de emprego: reflexões sob a perspectiva do direito fundamental ao trabalho digno. 2016. Mestrado (Direito) - Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil.; MELLO; RIOS, 2021MELLO, Lawrence Estivalet; RIOS, Roger Raupp. Neoliberalismo, contratualidade trabalhista e homotransfobia: exploração capitalista e discriminação contemporâneas. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito, São Leopoldo, v. 13, p. 245-261, 2021.). E pouco a pouco se vai demonstrando como as relações de trabalho funcionam como arena de discriminação LGBTfóbica disseminada e cotidiana. Como, aliás, nos dados das pesquisas sociais, reforçadas no desenho das disputas judiciais.

Mas também se passa algo mais, ainda mais próprio ao universo da produção do direito. Uma revelação do papel do direito, seja como cúmplice ou partícipe ativo desse regime de vulnerabilidade, de exposição a risco, de violência, a que estão sujeitas pessoas LGBTI+ no ambiente de trabalho. Não só tolerando a discriminação, mas infelizmente fazendo algo mais. Aqui, o direito do trabalho toma parte no processo de distribuição das precariedades, co-constituindo lugares marginais. É a forma completa de nossa segunda dimensão da premissa.

Um parêntese: tomamos condição precária, aqui, em um dos sentidos adotados por Judith Butler (2015BUTLER, Judith. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015., p. 51), como “a condição politicamente induzida na qual certas populações sofrem com redes sociais e econômicas de apoio deficientes e ficam expostas de forma diferenciada às violações, à violência e à morte”. Nesse processo de definição e demarcação de vidas humanas, de corpos que importam, como vimos, as dissidências de gênero e de sexualidade funcionam como elemento de expansão da precariedade. E os modos de regular o trabalho estão fortemente mobilizados nesse processo.

Além de conviver com a discriminação, o direito do trabalho tem reservado historicamente a precariedade de maneira bastante forte às pessoas LGBTI+. E o faz de pelo menos três grandes formas: por desenhar sua não incidência; pela criação de estatutos precários específicos, juridicamente produzidos e legitimados; pela tolerância a práticas precarizantes na regulação do emprego padrão.

A primeira dessas formas deixa de proteger por exclusão direta. É o caso do trabalho autônomo ou por conta própria (na ampla variedade dos modos de ser da informalidade, bastante presente em universos LGBTI+), ou da demarcação de ocupações que sequer são consideradas trabalho. É o que se passa com a prostituição e as vidas de travestis e mulheres trans. Essa é uma ocupação de grande presença entre elas (PELÚCIO, 2005PELÚCIO, Larissa. Na noite nem todos os gatos são pardos: notas sobre a prostituição travesti. Cadernos Pagu, Campinas, n. 25, p. 217-248, 2005.). É certo que não só elas estão nessa ocupação, mas grande parte delas está. Assim, não se assimila a prestação de serviços sexuais como trabalho e se produz sistematicamente, por demarcação jurídica, um estado existencial clandestino. A discussão, aqui, passa ao largo das disputas morais e políticas da prostituição. Mas parte da vida de pessoas trans e travestis largamente ocupadas no setor. Para elas, as formas diretas (criminalização da atividade), indiretas (criminalização de atividades correlatas) e mediatas (criminalização do cliente), terminam por contribuir juridicamente para suas existências concretamente precárias.

O direito do trabalho, aqui, não teria nenhum empecilho para reconhecer proteções a essas trabalhadoras. A prostituição, no Brasil, não é crime. Sua exploração, sim. Nesse caso hipotético, o raciocínio jurídico tradicional deveria aliás conduzir à leitura de profissionais do sexo como vítimas de exploração. E, dentro da teoria trabalhista das nulidades contratuais, reconhecer efeitos a um contrato nulo para proteger a vítima da exploração. Mas não é o que acontece. Os julgados nos tribunais trabalhistas brasileiros, com uma ou duas exceções pontuais, sistematicamente excluem prostitutas do reconhecimento do vínculo de emprego (NICOLI; OLIVEIRA, 2017NICOLI, Pedro Augusto Gravatá; OLIVEIRA, João Felipe Zini Cavalcante de. Sujeitas ou sujeitadas? A prostituição como relação de poder e de trabalho. In: Anais do III Encontro da RENAPEDTS. Belo Horizonte: Initia Via, 2017. v. 1. p. 163-197.).

Além dessa não incidência, dentro de seus domínios, o direito do trabalho dá operacionalidade ao seu segundo modo de produzir precariedade LGBTI+: os estatutos precários juridicamente legitimados. Um bom exemplo é o setor da beleza. O setor da beleza no Brasil é enorme e fortemente caracterizado por relações gendradas, sexualizadas e racializadas. E é um setor no qual, a despeito da inexistência de dados sistemáticos, percebe-se a forte presença de travestis, mulheres trans (OLIVEIRA, 2019OLIVEIRA, João Felipe Zini Cavalcante de. “E travesti trabalha?”: divisão transexual do trabalho e messianismo patronal. 2019. Mestrado (Direito) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.) e gays afeminados. Do ponto de vista jurídico, a beleza e estética, no Brasil, são um laboratório de modelos precários de contratação. Ali, as taxas elevadas de informalidade somam-se a modelos induzidos de precariedade. É o caso do modelo da Lei 13.352/2016, a chamada lei do salão parceiro, que permite a contratação de profissionais por salões sem vínculo de emprego, dentro de um formato que rompe sem constrangimentos com a principiologia do direito do trabalho. A nossa hipótese, aqui, é que a presença de pessoas LGBTI+ nesses setores autoriza a produção de regimes fortes de precariedade. E eles são assimilados com maior facilidade tanto socialmente quanto pelo mundo do direito e seus especialistas justamente por estarem referenciados a essas pessoas. Lembrando que o próprio Supremo Tribunal Federal, que logo tomará o centro da reflexão nesse artigo, recentemente confirmou a constitucionalidade da Lei 13.352/20161 1 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADI 5.625. Plenário. Rel. Min Edson Fachin. Relator p/ acórdão Min. Nunes Marques. Julgamento em 28/10/2021. Pendente de publicação. .

Algo semelhante se passa no terceiro grande modo de produção da precariedade jurídico-trabalhista para pessoas LGBTI+: a legitimação de práticas precárias dentro do emprego padrão, regulado e protegido. Aqui, arranjos que expandem a precariedade na prática, ainda que formalmente dissimulados, passam a ser estimulados. É o caso da terceirização trabalhista. O modelo de interposição de empresa de terceirização na relação entre empregado e empregador é materialmente referenciado, em sua formação histórica e em suas formas contemporâneas, a espaços de trabalho constituídos a partir da subalternização de grupos particularmente vulneráveis, como mulheres, negras e negros. Isso se constata facilmente, para mulheres negras, por exemplo, no setor de limpeza e conservação, o primeiro na história do direito do trabalho brasileiro a ser empurrado ao modelo precário de contratação.

Mas isso ocorre, também, para existências que carregam consigo o potencial disruptivo do queer: lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Em relação aos corpos queer, a terceirização se torna prática de precariedade de maneira bastante impressionante no setor de teleatendimento, por exemplo (VENCO, 2009VENCO, Selma. Centrais de teleatividades: o surgimento dos colarinhos furta-cores? In ANTUNES, Ricardo, BRAGA, Ruy (orgs.). Infoproletários: degradação real do trabalho virtual. São Paulo: Boitempo, 2009.). O teleatendimento, quase integralmente terceirizado no presente, é um setor que literalmente esconde corpos. Na operação telefônica, não se vê com quem se fala. O teleatendimento terceirizado retira da circulação esses corpos ininteligíveis, socialmente repudiados. A gay afeminada, a travesti. Desmaterializa esses corpos, tornando-os vozes. E de preferência, vozes docilizadas, treinadas, calmas, subservientes.

A partir daí, “acolhe” (VENCO, 2009VENCO, Selma. Centrais de teleatividades: o surgimento dos colarinhos furta-cores? In ANTUNES, Ricardo, BRAGA, Ruy (orgs.). Infoproletários: degradação real do trabalho virtual. São Paulo: Boitempo, 2009.) para explorar justamente a condição que lhes torna expurgos do mundo do trabalho em geral. A LGBTfobia estrutural, no setor de teleatendimento terceirizado, é incorporada à dinâmica específica da disciplina de corpos no setor. A abertura radical à terceirização vem acompanhada, então, com altos índices de adoecimento físico e mental, baixas remunerações, condições precárias de trabalho, alta rotatividade, enfim, elementos que reinscrevem a precariedade nesses corpos já precários de quem ali trabalha.

Esses três modos de produção jurídico-trabalhista da precariedade LGBTI+ - demarcação de ocupações ilícitas, criação de estatutos precários fora do emprego, e adoção de práticas precárias dentro do emprego - estão em constante comunicação. Os itinerários de vida de pessoas LGBTI+ são marcados por um trânsito entre essas esferas, e pela total informalidade ou desemprego. E tudo isso compõe juridicamente a arena dos direitos LGBTI+, ainda que não explicitamente se nomeie a discussão nesses termos. É nesse cenário que o Supremo Tribunal Federal, no destaque que vem ganhando na temática de gênero e sexualidade, revela a ambiguidade do seu modo de operar, especialmente em face de decisões que, sistematicamente e dentro de tendências políticas bem definidas, tornam concretamente a vida de pessoas LGBTI+ no trabalho muito mais difícil de se viver.

3. O STF é realmente um tribunal progressista para pessoas LGBTI+? Uma análise a partir da jurisprudência de austeridade

A história recente da regulação do trabalho no Brasil, ao contrário dos reclamos decorrentes da profunda desigualdade e dos marcantes indicadores de precarização do trabalho e informalidade que assolam o país, encaminhou-se no sentido da imposição de uma agenda neoliberal (DARDOT, LAVAL, 2016DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.), por meio da qual foram implementadas, em governos distintos e com velocidades/intensidades diversas, mas com uma continuidade consistente, sucessivas reformas desde a década de 1990. Atingiu-se um momento ápice em 2017, com a edição das Leis nº 13.429/2017 e 13.467/2017, que promoveram profundas alterações desconstitutivas dos sentidos protetivos da legislação do trabalho no país (KREIN; OLIVEIRA; FILGUEIRAS, 2019KREIN, José Dari; OLIVEIRA, Roberto Véras de; FILGUEIRAS, Vitor Araújo (orgs.). Reforma trabalhista: promessas e realidade. Campinas: Curt Nimuendajú, 2019.). Longe de representar o encerramento de um ciclo, esse momento seguiu desdobrando-se, entre 2018 e 2021, em inúmeros instrumentos normativos, por vezes de caráter provisório, que representaram continuidade e aprofundamento da agenda flexibilizadora da regulação do trabalho no país (KREIN; OLIVEIRA; FILGUEIRAS, 2019KREIN, José Dari; OLIVEIRA, Roberto Véras de; FILGUEIRAS, Vitor Araújo (orgs.). Reforma trabalhista: promessas e realidade. Campinas: Curt Nimuendajú, 2019.).

Como observa Ferreira (2012)FERREIRA, António Casimiro. Sociedade da austeridade e direito do trabalho de exceção. Porto: Vida Económica, 2012., a implementação das agendas de austeridade, decorrentes da escalada do neoliberalismo, implica um espectro amplo sobre a sociedade, que alcança alterações significativas no campo do direito, visto como mercadoria a ser oferecida para tornar os países mais competitivos, mas também nas concepções da sociedade a respeito da cidadania e do papel das instituições. Segundo o autor (FERREIRA, 2012FERREIRA, António Casimiro. Sociedade da austeridade e direito do trabalho de exceção. Porto: Vida Económica, 2012.), a austeridade associa-se a narrativas permeadas pelo medo e pela insegurança subjetiva, que se colocam como definidores de um novo modo de vida, pautado na ideia de que a sociedade civil e os mercados são um só e de que os mercados livres e não regulados são o único requisito para que se concretizem direitos individuais e justiça social. Essa subjetivação promove um processo de deslegitimação de qualquer agenda com ethos social, o que se operacionaliza inclusive por meio da captura das instituições e organizações de cidadania social para legitimar a austeridade (FERREIRA, 2012FERREIRA, António Casimiro. Sociedade da austeridade e direito do trabalho de exceção. Porto: Vida Económica, 2012.).

Tal reflexão se aplica de modo pertinente ao cenário brasileiro, quando se observa a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em matéria trabalhista, seja no período anterior à reforma de 2017, seja após a promulgação dessa norma (DUTRA; MACHADO, 2021DUTRA, Renata Queiroz; MACHADO, Sidnei (orgs.). O Supremo e a reforma trabalhista: a construção jurisprudencial da reforma trabalhista de 2017 pelo Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre: Editora Fi, 2021.). Os julgados analisados nesse período estão marcados pela absorção do repertório e da agenda neoliberal, em muitos momentos de modo a afastar a interpretações constitucionais já consolidadas, em favor de imperativos supostamente inevitáveis do mercado globalizado. Trata-se de um processo de captura da Corte Constitucional pela premissa neoliberal de que não existiriam alternativas, com consequências desconstituintes para o direito do trabalho, como observou Paixão (2020)PAIXÃO, Cristiano. Covid-19 e o oportunismo desconstituinte. 2020. Disponível em: https://www.afbnb.com.br/covid-19-e-o-oportunismo-desconstituinte-por-cristiano-paixao/#:~:text=Logo%20ap%C3%B3s%2C%20outra%20MP%20foi,texto%20exige%20a%20negocia%C3%A7%C3%A3o%20coletiva). Acesso em: 7 fev. 2022.
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Assim, o poder judiciário, embora adquirira papel central na garantia de direitos fundamentais e na resolução de conflitos, acaba por inflexionar, hegemonicamente, em relação a essa agenda, conduzindo àquilo que Ferreira (2012)FERREIRA, António Casimiro. Sociedade da austeridade e direito do trabalho de exceção. Porto: Vida Económica, 2012. denomina de uma jurisprudência de austeridade, ou seja, que produz decisões que possam servir aos postulados de austeridade visando colher benefícios futuros (e incertos). Daí decorre uma normatividade de exceção associada à austeridade, tornando a fronteira entre o constitucional e o inconstitucional como um campo de disputa política e ideológica.

Pesquisas revelam que é possível observar, na jurisprudência constitucional produzida na década que precedeu a Reforma de 2017, a pavimentação de suas premissas e a antecipação e alguns dos seus comandos expressos (COUTINHO, 2021COUTINHO, Grijalbo Fernandes. Justiça política do capital: a descontrução do direito do trabalho por meio de decisões judiciais. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2021.; COUTINHO, 2018COUTINHO, Aldacy Rachid. Reforma trabalhista brasileira e o Supremo Tribunal Federal: as escolhas trágicas? Revista da Faculdade Mineira de Direito, Belo Horizonte, v. 21, n. 41, p. 31-52, 2018.; DUTRA; MACHADO, 2021DUTRA, Renata Queiroz; MACHADO, Sidnei (orgs.). O Supremo e a reforma trabalhista: a construção jurisprudencial da reforma trabalhista de 2017 pelo Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre: Editora Fi, 2021.). Enquanto as questões relacionadas ao direito do trabalho passaram a ser mais recorrentemente alçadas ao exame da Corte Constitucional no final dos anos 2000 (GRUPO DE PESQUISA CIRT, 2012GRUPO DE PESQUISA CIRT - Configurações Institucionais e Relações de Trabalho. Constituição e Trabalho: exame das ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas no Supremo Tribunal Federal sobre matéria trabalhista a partir de 1988. Confluências, Niterói, v. 14, n. 2, p. 16-36, 2012.; SILVA; MOURA, 2014SILVA, Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da; MOURA, Eleonora Kira Valdez de. O que os atores demandam perante o Supremo Tribunal Federal em matéria trabalhista? Revista do Direito Público, Londrina, v. 9, n. 2, p. 115-133, mai./ago. 2014.), os julgados que as enfrentaram passaram a encaminhar entendimentos jurídicos cada vez mais afastados dos pressupostos constitucionais de proteção ao trabalho, dando lugar, na fundamentação majoritária dessas decisões, a argumentos consequencialistas, pautados em análises econômicas do direito (COUTINHO, 2018COUTINHO, Aldacy Rachid. Reforma trabalhista brasileira e o Supremo Tribunal Federal: as escolhas trágicas? Revista da Faculdade Mineira de Direito, Belo Horizonte, v. 21, n. 41, p. 31-52, 2018.), e centradas sobretudo em um diálogo com a teoria econômica neoclássica, em detrimento dos compromissos jurídico-políticos de 1988 (MELLO FILHO; DUTRA, 2020MELLO FILHO, Luiz Philippe Vieira de; DUTRA, Renata Queiroz. Desafios da tutela do trabalho no contexto da pandemia: desconstitucionalização, despublicização e desproteção. In: OLIVEIRA, Dalila Andrade; POCHMANN, Márcio (orgs.). A devastação do trabalho: a classe do labor na crise da pandemia. Brasília: Positiva, 2020. p. 141-172.).

Jorge Luiz Souto Maior (2017)SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O que é isso companheir@s? In: Blog do Jorge Luiz Souto Maior. Publicado em 3/1/2017. Disponível em https://www.jorgesoutomaior.com/blog/o-que-e-isso-companheirs, Acesso em 7 de fev. 2022.
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observa que, desde 2009, mas com acentuação de 2016 em diante, há um redirecionamento da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em matéria trabalhista, em tendência ao acolhimento da demanda midiática em torno da ainda idealizada “reforma trabalhista”. Em breve apanhado demonstrativo dessa tendência, o autor remonta aos julgados proferidos pelo STF entre maio de 2009 e outubro de 2016, no âmbito dos quais houve uma sequência de teses restritivas dos direitos sociais e da atuação dos agentes de regulação do trabalho.

Cristiano Paixão e Ricardo Lourenço (2018)PAIXÃO, Cristiano; LOURENÇO FILHO, Ricardo. O STF e o mundo do trabalho: reescrevendo a constituição. Jota, 28 set. 2018. Disponível em: https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-análise/artigos/o-stf-e-o-mundo-do-trabalho-reescrevendo-a-constituicao-28092018. Acesso em: 7 fev. 2022.
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apontam que o Supremo, no trintenário da Constituição, ao protagonizar - antecipando e validando - refluxos na legislação do trabalho, estaria, em verdade, a reescrever a Constituição de 1988, para que, de Constituição Cidadã, esta se transmudasse à condição de constituição do mercado. Ainda segundo os autores (PAIXÃO; LOURENÇO FILHO, 2020PAIXÃO, Cristiano; LOURENÇO FILHO, Ricardo. O STF e o Direito do Trabalho: as três fases da destruição. Jota, 29 jun. 2020. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-stf-e-o-direito-do-trabalho-as-tres-fases-da-destruicao-29062020. Acesso em 7 fev. 2022.
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), a partir da jurisprudência do STF, instituiu-se, no mundo do trabalho, um espaço de não aplicação da Constituição ou um direito do trabalho de exceção (FERREIRA, 2012FERREIRA, António Casimiro. Sociedade da austeridade e direito do trabalho de exceção. Porto: Vida Económica, 2012.).

Curiosamente, de forma simultânea ao processo de desconstrução e desconstitucionalização do direito do trabalho, esse mesmo STF tem sido apontado, a partir da repercussão de algumas decisões contramajoritárias, como um Tribunal progressista em matérias relacionadas aos direitos LGBTI+. Como observam Pedro Nicoli e Regina Vieira (2021)NICOLI, Pedro Augusto Gravatá; VIEIRA, Regina Stela Corrêa. Trabalho de gestantes em ambiente insalubre: gênero e as ambiguidades decisórias do STF na ADI 5938. In: DUTRA, Renata Queiroz; MACHADO, Sidnei (orgs.). O Supremo e a reforma trabalhista: a construção jurisprudencial da reforma trabalhista de 2017 pelo Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre: Editora Fi, 2021. p. 195-215., a Corte tem proferido decisões favoráveis a mulheres e pessoas LGBTI+, merecendo destaque o julgamento da ADPF 457 e da ADI 5537, em 2020, sobre o ensino de gênero e sexualidade e sobre a proposta da “escola sem partido”. Ainda em 2020, houve o julgamento da ADI 5543, a respeito da doação de sangue por homens gays e bissexuais. Em 2019, por meio da ADO 26, reconheceu-se a criminalização da LGBTfobia. Em 2018, por meio da ADI 4275, assegurou-se a mudança do registro civil de pessoas trans e, em 2011, na ADI 4277 e na ADPF 132, as uniões homoafetivas foram reconhecidas.

A questão que se coloca para análise é compreender a ambiguidade em relação ao perfil do Tribunal em matérias afetas aos direitos civis das pessoas LGBTI+, ao passo que promove um retrocesso amplo e supostamente generalizado no campo dos direitos sociais, mas que impacta de forma seletiva e aprofundada a experiência das pessoas LGBTI+.

A chave de leitura para essa questão pressupõe, como apontado no tópico anterior, compreender a heterogeneidade das relações de trabalho no Brasil e o fato de que os processos de precarização e informalidade acentuados pelas reformas de austeridade são atravessados interseccionalmente pelas questões de raça, gênero e sexualidade. Desse modo, a seletividade imposta pelo STF, ao preservar um determinado conjunto de direitos e se dispor a regredir em relação a tantos outros, como regra, produz repercussões distintas a depender dos lugares ocupados pelos sujeitos no campo das relações de trabalho. Nesse sentido, os lugares ocupados pelas pessoas LGBTI+ no mercado de trabalho são indissociáveis das questões relacionadas à dificuldade de reconhecimento dos seus direitos civis, o que leva tais sujeitos/sujeitas a ocupar, preferencialmente, postos de trabalho informais ou precários. Dessa forma, quando as posições precárias são facilitadas pelos julgamentos do STF, é possível dizer que os impactos desse julgamento afetam preferencialmente determinados sujeitos, outrora salvaguardados em seus direitos civis.

Por essa razão, a opção metodológica deste artigo foi analisar, dentro do contexto mais amplo das reformas trabalhistas e das decisões paradigmáticas do STF que antecipam e/ou confirmam os elementos das reformas laborais, as decisões relacionadas à terceirização, tendo em conta que o trabalho terceirizado revelou-se, em pesquisas anteriores, como espaço preferencial da escassa entrada das pessoas LGBTI+ no mundo do trabalho, sobretudo no que concerne à formalidade.

Passaremos, pois, às decisões que, no ano de 2018, inauguraram jurisprudencialmente a ampliação das possibilidades da terceirização trabalhista no âmbito da iniciativa privada, tornando-a irrestrita no país. Serão particularmente explorados os fundamentos das decisões proferidas no bojo do julgamento da ADPF nº 324 combinado com o julgamento do RE 958.252, com repercussão geral (Tema nº 725), e do julgamento do RE 791.932, também com repercussão geral (Tema nº 739)2 2 Importante registrar que, enquanto pendia no STF o julgamento dessas matérias, sobreveio a Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), prevendo expressamente a possibilidade de terceirização de atividade-fim em quaisquer atividades, o que revela um alinhamento dos Poderes da República em torno da liberação da terceirização de forma irrestrita. .

Nesses dois julgamentos paradigmáticos, a Corte Constitucional se posicionou em face da problemática da terceirização trabalhista e de suas incompatibilidades com o nosso sistema de proteção social. Afirmou, ao cabo, que as restrições impostas pela justiça do trabalho à possibilidade de contratação terceirizada pelos empregadores ofenderiam a liberdade de iniciativa assentada no texto constitucional, optando-se, portanto, pela preservação dos direitos fundamentais concernentes à liberdade de iniciativa, em detrimento das alegadas violações de direitos dos trabalhadores afetados pela contratação terceirizada.

No primeiro julgamento, isso se fez em relação à iniciativa privada como um todo, afastando-se a limitação da terceirização às atividades-meio das empresas (materializada na Súmula nº 331 do TST), para permitir a terceirização também das atividades finalísticas. Após longos debates e divergências3 3 Analisados em DUTRA; MATOS, 2019; DUTRA; LOPES, 2021. , a tese firmada foi a de que “é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante” (BRASIL, 2018aBRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 324. Plenário. Relator Ministro Luís Roberto Barroso. Julgamento: 30/8/2018. Publicação: 6/9/2018. Acórdão. (2018a); BRASIL, 2018bBRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 958252 (Tema de Repercussão Geral nº 725). Plenário. Relator Ministro Luiz Fux. Julgamento: 30/8/2018. Publicação: 6/9/2018. Acórdão. (2018b)).

No segundo julgamento, o mesmo entendimento foi aplicado especificamente com relação à terceirização desenvolvida por empresas concessionárias dos serviços de telecomunicações, setor que conta com regulamentação própria (art. 94, II, da Lei 9.472/1997, Lei Geral de Telecomunicações - LGT) e no qual há uma especial absorção da força de trabalho de pessoas LGBTI+ (VENCO, 2009VENCO, Selma. Centrais de teleatividades: o surgimento dos colarinhos furta-cores? In ANTUNES, Ricardo, BRAGA, Ruy (orgs.). Infoproletários: degradação real do trabalho virtual. São Paulo: Boitempo, 2009.), como visto. A controvérsia específica estabelecida em relação à terceirização por tais empresas estava relacionada à regência legal própria e, por conseguinte, à necessidade de observância da cláusula de reserva de plenário para afastar sua aplicação, ainda que não houvesse por parte da Justiça do Trabalho declaração de inconstitucionalidade do dispositivo regente. Ao final, o STF firmou a tese de que “é nula a decisão de órgão fracionário que se recusa a aplicar o art. 94, II, da Lei 9.472/1997, sem observar a cláusula de reserva de Plenário (CF, art. 97), observado o artigo 949 do CPC” (BRASIL, 2018cBRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARE 791932. Repercussão Geral (Tema nº 739). Plenário. Relator Ministro Luís Roberto Barroso. Julgamento: 30/8/2018. Publicação: 6/9/2018. Acórdão. (2018c)), de modo que, a um só tempo, afastou o argumento de que a mera interpretação da Justiça do trabalho acerca do alcance do dispositivo legal não se confundiria com a declaração de inconstitucionalidade do artigo da LGT; e, por outro lado, entendeu que o setor de telecomunicações estava acobertado pela Tese 725, afastando a possibilidade de um tratamento peculiar para o setor de telecomunicações e até mesmo para situações concretas em que houvesse identificação de fraudes, como tentaram resguardar os Ministros Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, vencidos no julgamento.

Além das contradições que permeiam os julgamentos, do ponto de vista da restrição de direitos sociais, de uma leitura desconstituinte do direito do trabalho (PAIXÃO, 2020PAIXÃO, Cristiano. Covid-19 e o oportunismo desconstituinte. 2020. Disponível em: https://www.afbnb.com.br/covid-19-e-o-oportunismo-desconstituinte-por-cristiano-paixao/#:~:text=Logo%20ap%C3%B3s%2C%20outra%20MP%20foi,texto%20exige%20a%20negocia%C3%A7%C3%A3o%20coletiva). Acesso em: 7 fev. 2022.
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) e da submissão a uma agenda neoliberal, que associa o nível de emprego e o desenvolvimento econômico à redução da regulação protetiva do trabalho, como já discutimos no início deste tópico, cumpre observar alguns aspectos na fundamentação desses julgados que revelam uma tomada de posição em relação ao conjunto de direitos das pessoas LGBTI+.

No julgamento da ADPF nº 324, combinado com o julgamento do RE 958.252, ressalvadas as exceções dos votos vencidos - Ministra Rosa Weber, Ministro Edson Fachin, Ministro Ricardo Lewandowski e Ministro Marco Aurélio -, o que salta aos olhos é a prevalência, sobretudo nos votos dos Ministros Fux, Barroso e Gilmar Mendes, que se alongaram quanto ao tema, de um repertório referente à teoria econômica, à teoria da Administração, sempre voltados aos discursos de modernização, eficiência e competitividade, diante de uma realidade de relações produtivas e econômicas supostamente inexoráveis.

Nos votos prevalecentes, houve um esforço significativo por parte dos julgadores de desconstituir a relação entre terceirização e precarização, uns na perspectiva de que a regra da terceirização não é a precarização, que só decorreria do abuso (voto do Ministro Barroso), e outros avançando ainda mais para afirmar o oposto: a terceirização melhoraria as condições de vida dos trabalhadores, por meio de descrédito metodológico a algumas pesquisas que concluíram em sentido contrário (combinado com silêncio sobre tantas outras) e apresentação de pesquisas com dados divergentes (votos dos Ministros Fux e Mendes).

Interessante observar, por exemplo, no voto do relator do RE 958.252, o Ministro Luiz Fux - que foi rigoroso com relação à metodologia da pesquisa apresentada pelo DIEESE/CUT para demonstrar indicadores de precarização na terceirização, descredenciando-a -, que a única pesquisa utilizada para infirmar a relação entre terceirização e precarização que traz dados empíricos sobre o Brasil4 4 A pesquisa citada pelo magistrado no voto foi referida como: ZYLBERSTAJN, 2015. refere-se a uma suposta vantagem remuneratória para os trabalhadores terceirizados dos serviços de vigilância e segurança (cuja terceirização é lícita no Brasil desde a década de 1970, por força da lei 7.102/1983) e para trabalhadores engajados em “ocupações de alta qualificação e que necessitam de acúmulo de capital humano específico, como P&D [pesquisa e desenvolvimento] e TI [tecnologia da informação]”, nas quais a terceirização também implicaria salários maiores. Completa a pesquisa afirmando que os casos em que a terceirização implicaria menores salários, em contrapartida, assegurariam maior nível de emprego (BRASIL, 2018bBRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 958252 (Tema de Repercussão Geral nº 725). Plenário. Relator Ministro Luiz Fux. Julgamento: 30/8/2018. Publicação: 6/9/2018. Acórdão. (2018b), p. 7 e 67), em sinalização de uma perspectiva sacrificial (BROWN, 2018BROWN, Wendy. Cidadania sacrificial: neoliberalismo, capital humano e políticas de austeridade. Rio de Janeiro: Zazie Edições, 2018.) para determinados estratos de trabalhadores e trabalhadoras, em favor da suposta eficiência econômica alcançada.

A despeito dos indicadores de precarização ancorados em pesquisas, o relator do RE 958.252 avança para afirmar que as diferenças salariais eventualmente encontradas entre terceirizados e contratados diretamente não poderiam ser explicadas pela terceirização, mas sim pelas diferenças de qualificação que já estariam assentadas em qualquer modalidade de contratação: “a diferença de salários e jornada de trabalho entre um médico e um faxineiro do mesmo hospital não pode ser explicada pela ‘terceirização’, visto que a disparidade ainda persistiria no caso de ambos serem contratados pela mesma pessoa jurídica” (BRASIL, 2018bBRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 958252 (Tema de Repercussão Geral nº 725). Plenário. Relator Ministro Luiz Fux. Julgamento: 30/8/2018. Publicação: 6/9/2018. Acórdão. (2018b), p. 60).

Assim, tomando as desigualdades existentes no mercado de trabalho brasileiro como suposto e como elemento incontornável, o Ministro relator do RE 958.252 profere sua decisão abstendo-se de analisar as transversalidades que determinam a construção social das desigualdades e, igualmente, afastando qualquer possibilidade de uma leitura constitucional da legislação do trabalho contribuir para o desfazimento desses caminhos.

O que se tem, para além da banalização das desigualdades e naturalização dos lugares sociais vulneráveis de determinadas pessoas - cujas condições peculiares não são mencionadas no julgado - é uma profunda incompreensão (ou negligência) em relação às distinções materializadas no mercado de trabalho em face das formas de contratação, que não se encerram na questão remuneratória, mas que impactam na exequibilidade dos créditos e na importância financeira dos demais direitos sociais, trabalhistas e previdenciários, nos salários diferidos e, sobretudo, nos direitos assegurados por meio de negociações coletivas5 5 Embora os votos prevalecentes tenham se debruçado a respeito da fragilidade ou não das representações sindicais dos trabalhadores e trabalhadoras terceirizados e na existência ou não de causalidade da terceirização em relação ao cenário, o fizeram sem adentrar nas distinções oriundas dos diferentes instrumentos coletivos aplicáveis a cada conjunto de trabalhadores e trabalhadoras, bem como sem considerar as cisões criadas no seio das organizações coletivas. .

Assim, a forma de acesso ao mercado de trabalho, como marcador de estratificações sociais e de discriminações sobretudo com relação a pessoas LGBTI+, parece ser contornada pela simples equação de que, a esses sujeitos, o acesso ao emprego representa muito, ainda que sob condições rebaixadas.

No malabarismo argumentativo que pretende afastar da terceirização a precarização, as exemplificações e setores valorizados na demonstração estatística dos Ministros vencedores revelam a tutela de um sujeito-trabalhador típico, cujo trabalho seria objeto do arranjo terceirizado e que não seria, afinal, impactado negativamente pela forma de contratação, mas eventualmente até beneficiado. Ainda que esse trabalhador estivesse em um espectro de não benefício, dados os salários piores, que as pesquisas adotadas pelos vencedores não ocultam, supostamente seria beneficiado com a oferta de emprego ampliada (dados posteriores à alteração legislativa infirmam essa promessa)6 6 Cf. KREIN; OLIVEIRA; FILGUEIRAS, 2019. . O tratamento jurídico a um trabalhador abstratamente considerado se concretiza na alocação em face de condições piores ou melhores diante da terceirização, conformadas com promessas distintas.

Nesse argumento, fica implícito que as expectativas de proteção jurídica dos trabalhadores afetados pela terceirização são limitadas e diferenciadas, podendo abranger vantagens remuneratórias reais ou a promessa de oferta de emprego com baixos salários - de modo a contemplar, nas entrelinhas, o discurso do “privilégio da servidão” (ANTUNES, 2018ANTUNES, Ricardo Luiz Coltro. O privilégio da servidão: o novo proletário de serviços na era digital. 2 ed. São Paulo: Boitempo, 2018.).

Também não se acomoda, com equidade, a possibilidade de esse sujeito de direitos trabalhistas ser, diversamente do sujeito homem-branco-cis-hetero, alguém cujo corpo, gênero e cuja sexualidade impliquem a restrição das formas de acesso ao trabalho formal e uma maior vulnerabilidade exatamente a arranjos contratuais precários, que invisibilizam e esvaziam os direitos atinentes ao trabalho formal, seja por conta da sua menor qualificação (construída por meio de processos de exclusão que atravessam todas as etapas da vida das pessoas LGBTI+, inclusive a escolarização), seja por conta das discriminações que interditam determinados lugares a esses e essas trabalhadoras. Esse sujeito, invisível, aparece por meio de suas ocupações preferenciais, para ser tratado novamente com invisibilização: o trabalho em call centers e a base da pirâmide salarial dos trabalhadores terceirizados, de modo geral, a despeito do reconhecimento estatístico e até jurídico (BRASIL, 2018cBRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARE 791932. Repercussão Geral (Tema nº 739). Plenário. Relator Ministro Luís Roberto Barroso. Julgamento: 30/8/2018. Publicação: 6/9/2018. Acórdão. (2018c)) de suas especificidades, apenas são convocados na fundamentação dos julgados para, de modo expresso, serem subsumidos à regra geral da terceirização irrestrita.

A retórica de que a diferença salarial se justificaria não pela terceirização, mas pelas ocupações de “faxineiro” ou de ocupações menos qualificadas, como a de teleatendente, nos remete a ocupações racializadas e gendrizadas, em um discurso, primeiro, de indiferença em relação ao rebaixamento salarial e, segundo, de subestimação da regulação do trabalho enquanto elemento apto para atenuar, por meio dos sistemas de proteção, esses supostos da desigualdade.

Por outro lado, as experiências virtuosas de terceirização como arranjo contratual apto a favorecer a condição salarial, são referidas concretamente em relação a categorias majoritariamente masculinas, como foi o caso dos vigilantes, dos profissionais de TI, dos profissionais de P&D, e até mesmo no exemplo singular trazido à baila pelo Ministro Barroso (BRASIL, 2018aBRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 324. Plenário. Relator Ministro Luís Roberto Barroso. Julgamento: 30/8/2018. Publicação: 6/9/2018. Acórdão. (2018a)), de um funcionário do aeroporto de Guarulhos que lhe relatou benefícios com a terceirização...

Ao perceber a regulação do trabalho como empecilho e como fonte de prejuízo a dinâmicas de mercado que, ao final, prejudicariam os próprios trabalhadores e trabalhadoras, a retórica prevalecente na Corte Constitucional se distancia de um debate sobre justiça e direitos fundamentais, para se tornar instituição de operacionalização da agenda neoliberal, capturada pelas suas promessas.

Tal abdicação de um direito protetivo do trabalho não se faz sem a invisibilização das pessoas afetadas por essas modalidades precárias e cujo acesso a esses sistemas já se revelava deficitário. A tessitura argumentativa que 1) instrumentaliza o direito do trabalho para o asseguramento do nível de emprego e para garantia da concorrência; 2) que concentra a avaliação sobre condições de trabalho na questão salarial, desprivilegiando condições psicossociais e de caráter coletivo na avaliação dos impactos da forma contratual, 3) e que analisa os impactos produzidos pelo fenômeno de modo abstrato, desconsiderando as estratificações e especiais vulnerabilidades de pessoas gendrizadas e racializadas, concretiza a crítica de Brown (2019)BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão política antidemocrática no ocidente. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2019. ao esvaziamento da noção de liberdade quando esta é apartada da noção de sociedade, espaço no qual se tornaria democrática, porque passível de ser aninhada na igualdade política: “liberdade sem sociedade é puro instrumento de poder, despida de preocupação com os outros, o mundo ou o futuro” (BROWN, 2019BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão política antidemocrática no ocidente. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2019., p. 57-58).

Portanto, a suposta ambiguidade no comportamento judicial da Corte, que exalta direitos civis e liberdades das pessoas LGBTI+, ao mesmo que que adota decisões restritivas de direitos sociais, com especial afetação desses sujeitos, mais que uma divergência insanável, diz sobre uma concepção restrita de liberdade, assentada no indivíduo e em suas identidades consideradas isoladamente, sem a necessária mediação do convívio, da inserção e concretude da experiência enquanto ser social.

4. Duas notas (quase) conclusivas: a desconfiança queer em face do direito e a ideia de direitos trabalhistas como direitos LGBTI+

A própria construção analítica desse artigo já nos deixa, assim, com uma sensação de uma conclusão, ao menos parcial. Que se dá no acender de um alerta, num estado de incômodo. Falando de como o mundo do direito contemporâneo, especialmente o das decisões de cortes constitucionais atravessadas por várias forças políticas, sociais, econômicas, será invariavelmente um mundo de ambiguidades, de disputa. E por vezes de retrocessos terríveis. No caso do STF, leituras que o consideram pura e simplesmente um “tribunal progressista” em matéria de direitos LGBTI+ só dão conta de metade da história. E, aqui, quisemos falar dessa outra metade — dos retrocessos sociais e da austeridade, da desconstrução dos suportes materiais e jurídicos para uma vida menos desigual, da agenda neoliberal de desvalorização de quem trabalha — e de como ela, também, é uma metade diretamente afeta aos direitos LGBTI+. Leituras como essas têm, a nosso ver, consequências relevantes no modo como entendemos os direitos LGBTI+ no Brasil, e como compreendemos os movimentos, avanços, recuos, deslocamentos dos atores que os produzem, destroem, operam.

Chegamos a essa sensação por meio de dois movimentos investigativos no artigo. O primeiro tomou a relação entre dissidências de gênero e sexualidade, de um lado, e do trabalho, de outro. Aqui, demonstramos com a literatura sociológica como os desenhos das relações laborais de pessoas LGBTI+ são fortemente marcados pela precariedade e como, também, o direito contribuiu para esse estado de coisas. Nessa compreensão do papel do direito, o segundo movimento foi uma pesquisa sobre como o STF tem afetado o trabalho (e com isso a vida) de pessoas LGBTI+ a partir de decisões que expandem a precariedade de suas relações e inserção social, particularmente na matéria do trabalho terceirizado.

Para organizar, portanto, essa conclusão, propomos duas ideias. A primeira é uma nota desconfiada, ligada ao campo crescente da crítica queer ao direito (RAMOS, 2020RAMOS, Marcelo Maciel. Teorias Feministas e Teorias Queer do Direito: gênero e sexualidade como categorias úteis para a crítica jurídica. Revista Direito e Práxis, Ahead of print, Rio de Janeiro, 2020.), e se traduz num reforço do alerta sobre os modos concretos como os direitos são vividos. A segunda quer, talvez, superar uma certa sensação de impotência que invariavelmente vem da primeira, propondo uma reconstrução, uma inflexão ampliativa, uma convocação para que se passe a ler direitos LGBTI+ de maneira radicalmente interdependente, num modo propositivo de metabolizar a ambivalência.

A primeira ideia não é rigorosamente uma ideia nova. As ambiguidades das arenas jurídicas em matéria de direitos afetos às minorias são conhecidas e bem analisadas. A formulação de Wendy Brown, de direitos como paradoxos, é um desses caminhos, e pode nos ajudar:

O paradoxo, então, que direitos que abarcam alguma especificação de nosso sofrimento, dano ou desigualdade nos prendem à identidade definida por nossa subordinação, enquanto direitos que evitam essa especificidade não apenas sustentam a invisibilidade de nossa subordinação, mas a tornam potencialmente mais profunda (BROWN, 2021BROWN, Wendy. Sofrendo de direitos como paradoxos. Direito Público, [S.l.], v. 18, n. 97, p. 459-474, jan./fev. 2021., p. 463).

O STF, como vimos, circula nesse paradoxo. Em matéria de direitos LGBTI+, quanto a direitos que centralizam e especificam certas dimensões da vida LGBTI+, promove avanços importantes. Mas em relação a outros direitos, mais gerais, que materializam consequências muito diretas sobre vidas LGBTI+, retrocede de maneira intensa. Mas muito intensa mesmo, como vimos no conjunto decisório da terceirização.

Como bem pontuam Lawrence Mello e Roger Raupp Rios (2021, p. 259), faz parte do enredo das políticas neoliberais a produção de mais heterossexismo, razão por que é necessário evitar a celebração acrítica de conquistas jurisprudenciais limitadas, fragilizando o enfrentamento “da homotransfobia em suas expressões cotidianas”.

Tudo isso se torna particularmente aflitivo sob o pano de fundo da desconstrução dos sistemas de proteção social e ao trabalho, que podem reforçar a ideia de individualização dos problemas sociais numa sociedade neoliberal (BROWN, 1995BROWN, Wendy. States of injury: power and freedom in late modernity. Princeton: Princeton University Press, 1995.). O que, como vimos, repercute de maneira particularmente forte em pessoas socialmente vulneráveis, como as LGBTI+. É o que, de certo modo, também constata Dean Spade (2015)SPADE, Dean. Normal life: administrative violence, critical trans politics, and the limits of law. Durham/London: Duke University Press, 2015., na demonstração do impacto sensível para corpos LGBTI+ de outras esferas da regulação que não as das identidades, especialmente quando tratamos de retrocessos em direitos de natureza social.

Pensem conosco: para uma mulher trans negra e periférica, operadora de teleatendimento numa grande central terceirizada numa metrópole brasileira, como os direitos são vividos? Certamente o debate sobre o registro de nome e gênero é central. Ou mesmo sobre o casamento. Mas também será central para sua experiência cotidiana no trabalho se tem ou não proteções trabalhistas concretas. Se tem seus salários pagos, horas controladas. Se pode usar o banheiro, se tem direito a intervalos, se não está exposta a metas abusivas. Se pode ou não ser dispensada arbitrariamente. Se seu empregador arcará com os haveres trabalhistas e como.

A nossa proposição aqui, portanto, quer iluminar a interdependência dessas esferas. E não uma oposição. Os direitos que nomeiam e tratam de maneira específica temas afetos às identidades LGBTI+ são intrinsecamente ligados a outros direitos que não operam sob a mesma lógica explícita da nomeação. Mas esses outros direitos não deixam de ser direitos tipicamente LGBTI+ por não se nomearem assim. Se afetam de maneira substancial a vida de pessoas LGBTI+, são direitos LGBTI+. É um modo, talvez, de encaminhar a questão na linha das especulações mais uma vez de Wendy Brown (2021BROWN, Wendy. Sofrendo de direitos como paradoxos. Direito Público, [S.l.], v. 18, n. 97, p. 459-474, jan./fev. 2021., p. 474), que pergunta: “como a atenção ao paradoxo pode ajudar a formular uma luta política pelos direitos (...) como articuladores, por meio de sua instanciação, no que igualdade e liberdade poderiam consistir, e que as excede?”. Uma expansão nos modos de compreensão dos próprios direitos, que os integre numa luta jurídico-política de horizontes mais ampliados. E que evite uma “postura celebracionista diante das conquistas jurisprudenciais” (MELLO; RIOS, 2021MELLO, Lawrence Estivalet; RIOS, Roger Raupp. Neoliberalismo, contratualidade trabalhista e homotransfobia: exploração capitalista e discriminação contemporâneas. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito, São Leopoldo, v. 13, p. 245-261, 2021., p. 259), para se ocupar mais atentamente dos modos de circulação dos atores jurídico-políticos e com o cotidiano das práticas juridicamente formatadas.

É essa, então, a segunda e última ideia dessa conclusão. Uma negativa em face da leitura unidimensional ou até melancólica que poderia se dirigir às ambiguidades em meio das quais circulamos. Por isso propomos: direitos trabalhistas são direitos LGBTI+. Aqui, chamamos atenção à imbricação da identidade e vida concreta e do trabalho como condição definitiva para a vivência de gênero e sexualidade. E, percebendo-se num tempo em profundas disputas, passa-se a ler a luta contra os retrocessos sociais como uma luta jurídica também LGBTI+. É desse fio de navalha, desse ponto de momentânea estabilidade analítica, que se propõe essa ideia de direitos trabalhistas enquanto direitos LGBTI+. Porque, na vida vivida, são feitos da mesma matéria.

  • 1
    BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADI 5.625. Plenário. Rel. Min Edson Fachin. Relator p/ acórdão Min. Nunes Marques. Julgamento em 28/10/2021BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADI 5.625. Plenário. Rel. Min Edson Fachin. Relator p/ acórdão Min. Nunes Marques. Julgamento em 28/10/2021. Pendente de publicação.. Pendente de publicação.
  • 2
    Importante registrar que, enquanto pendia no STF o julgamento dessas matérias, sobreveio a Lei nº 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), prevendo expressamente a possibilidade de terceirização de atividade-fim em quaisquer atividades, o que revela um alinhamento dos Poderes da República em torno da liberação da terceirização de forma irrestrita.
  • 3
    Analisados em DUTRA; MATOS, 2019DUTRA, Renata Queiroz; MATOS, Bianca Silva. A terceirização, o STF e o estado de exceção. Revista Teoria Jurídica Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 4, p. 225-249, 2019.; DUTRA; LOPES, 2021DUTRA, Renata Queiroz; LOPES, João Gabriel Pimentel. O STF e a terceirização: o julgamento da ADI 5685 e da ADI 5695 quanto à constitucionalidade da terceirização irrestrita (Lei 13.429/2017 e Lei 13.467/2017). In: DUTRA, Renata Queiroz; MACHADO, Sidnei (orgs.). O Supremo e a reforma trabalhista: a construção jurisprudencial da Reforma Trabalhista de 2017 pelo Supremo Tribunal Federal. Porto Alegre: Editora Fi, 2021. p. 100-126..
  • 4
    A pesquisa citada pelo magistrado no voto foi referida como: ZYLBERSTAJN, 2015.
  • 5
    Embora os votos prevalecentes tenham se debruçado a respeito da fragilidade ou não das representações sindicais dos trabalhadores e trabalhadoras terceirizados e na existência ou não de causalidade da terceirização em relação ao cenário, o fizeram sem adentrar nas distinções oriundas dos diferentes instrumentos coletivos aplicáveis a cada conjunto de trabalhadores e trabalhadoras, bem como sem considerar as cisões criadas no seio das organizações coletivas.
  • 6
    Cf. KREIN; OLIVEIRA; FILGUEIRAS, 2019KREIN, José Dari; OLIVEIRA, Roberto Véras de; FILGUEIRAS, Vitor Araújo (orgs.). Reforma trabalhista: promessas e realidade. Campinas: Curt Nimuendajú, 2019..

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    30 Jan 2022
  • Aceito
    21 Abr 2022
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