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Medidas de Emergência no Contexto da Covid-19

Emergency Measures in the Covid-19 Context

Resumo

Este artigo aborda as medidas político-jurídicas de que os Estados se valem para enfrentar as situações de crise institucional, em particular o estado de sítio e o estado de defesa, buscando demonstrar sua inadequação para o enfrentamento da Covid-19. Trata, em seguida, das medidas de emergência adotadas no Brasil por conta da crise sanitária para discutir, ao final, sua legalidade e pertinência em face das garantias constitucionais.

Palavras-chave:
Medidas de exceção; Covid-19; Emergência sanitária

Abstract

This article addresses the political and legal measures adopted by States with the purpose of facing crises of institutional nature, particularly the state of siege and the state of national defense, aiming to demonstrate their unsuitability to confront the Covid-19 pandemic. In addition, it analyzes the emergency measures adopted by Brazil in response to the health crisis, in order to discuss their legality and appropriateness under consideration of constitutional guarantees.

Keywords:
Exceptional measures; Covid-19; Health emergency

Introdução

A pandemia do novo coronavírus representa um evento cujo alcance e velocidade de propagação a torna diferenciada de outras pandemias que a humanidade já experimentou. Como assinala Esteves (2020)ESTEVES, Francisco de Assis. Coronavírus impõe guinada à sustentabilidade. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 29 abr.2020. Disponível em: https://ufrj.br/noticia/2020/04/29/coronavirus-impoe-guinada-rumo-sustentabilidade. Acesso em: 24 nov.2020.
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, se ao longo da história as mudanças de hábitos e padrões de relacionamento e produção provocadas por diferentes eventos ocorreram em geral de maneira lenta, durante a pandemia do coronavírus as pessoas tiveram que alterar seu modo de viver de forma repentina. O confinamento foi a principal alternativa encontrada pela ciência e pelos governos da maioria dos países para o controle da pandemia, com metade da população mundial ficando confinada em casa ao mesmo tempo (ESTEVES, 2020ESTEVES, Francisco de Assis. Coronavírus impõe guinada à sustentabilidade. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 29 abr.2020. Disponível em: https://ufrj.br/noticia/2020/04/29/coronavirus-impoe-guinada-rumo-sustentabilidade. Acesso em: 24 nov.2020.
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). Tratou-se de um evento que levou à adoção, em todos os continentes, de diversas medidas na seara jurídica, as quais variaram conforme as características de cada governo, ainda que no essencial guardassem pontos consonantes.

Regra geral, foram tomadas medidas restritivas temporárias, com a decretação de estados de emergência e de calamidade pública, normalmente com respaldo do Parlamento e do Judiciário. Como traço comum, o fato de atribuírem amplos poderes ao Executivo, relacionados a medidas na área sanitária, orçamentária ou na restrição a direitos individuais, como a liberdade de locomoção, entre outros. Ao tempo em que regimes autoritários usaram a crise para endurecer seu controle político, governos democraticamente eleitos combateram a pandemia concentrando poderes de emergência e utilizando instrumentos cuja adoção só seria justificável em momentos de exceção constitucional (IDEA, 2020IDEA - The International Institute for Democracy and Electoral Assistance. A call to defend democracy. 25 June 2020. Disponível em: https://www.idea.int/news-media/multimedia-reports/call-defend-democracy. Acesso em: 24 nov.2020.
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).

A fim de abordar, de forma contextualizada, as medidas de emergência adotadas no enfrentamento à Covid-19 no Brasil, o presente artigo discorre inicialmente sobre o estado de defesa e o estado de sítio, instrumentos que compõem o chamado “sistema constitucional de crises”, conjunto de normas constitucionais que visam restabelecer a normalidade institucional quando esta se encontrar ameaçada. Trata, em seguida, das medidas emergenciais implementadas, discutindo seu alcance e abrangência, em particular no que se refere às limitações impostas a direitos constitucionalmente consagrados. Busca demonstrar, ainda, que tais medidas não necessariamente implicam em retrocesso democrático; antes pelo contrário, contribuíram para impulsionar governantes recalcitrantes a adotar providências para proteger a saúde pública. No bojo do sistema de freios e contrapesos, o Legislativo e o Judiciário, assim como os governos locais, exerceram papel de destaque para garantir a efetividade das dinâmicas que envolvem o combate à crise sanitária.

1. Os sistemas de controle de crises

Os Estados em geral possuem mecanismos político-jurídicos que buscam assegurar a estabilidade do sistema institucional. Estabilidade essa que se identifica com a ideia de “segurança”, entendida como “síntese de conservação e de desenvolvimento, conforme os princípios constitucionais” (VERGOTTINI, 1998, p. 312). A defesa do Estado e das instituições democráticas compreende as modalidades organizativas e funcionais destinadas a garantir os valores essenciais sintetizados no conceito de segurança. Nem sempre há uma indissociável inter-relação entre defesa e uso de força armada, embora seja exato considerar que, nos casos limites, o recurso a providências de cunho militar possa ser a última alternativa de que um Estado se utiliza para enfrentar agressões estrangeiras (VERGOTTINI, 1998, pp. 312-313).

Quando a agressão se processa no interior do ordenamento, utiliza-se expedientes preventivos e repressivos que assumem um papel complementar com relação às opções militares em matéria de defesa, como a declaração de estado de sítio, a proclamação da lei marcial, a instituição de jurisdições de exceção, a intervenção federal etc. Embora os países tratem do tema sob distintos enfoques e variações terminológicas, pode-se considerar, com Carvalho (2012CARVALHO, Osvaldo Ferreira de. O Estado de Necessidade Econômico-Financeiro e os Direitos Fundamentais. Revista da DPU, nº 45, Maio-Jun/2012, pp. 9-40., p. 16), que os sistemas constitucionais de controle das crises que põem em risco a estabilidade institucional e a ordem pública gravitam em torno de dois modelos básicos: (i) o da lei marcial, típico dos ordenamentos anglo-saxônicos, que é jurisprudencial por essência, como a Inglaterra; e (ii) o do estado de sítio, mais rígido e presente em países de tradição romano-germânica, que se apoia em um direito legislado, como Brasil, França, Portugal e Argentina.

Para Carlo Baldi (1998, p. 414), ambos os sistemas se ancoram nos ideais e princípios do Estado de direito; entretanto, os ordenamentos da Europa continental adotam mecanismos de gestão de crise cujos instrumentos estão preventiva e legislativamente disciplinados em disposições legais. Diferente do ordenamento britânico, e em particular do norte-americano, em que há “uma certa elasticidade e empirismo na ação de emergência do Governo”, porém sempre dependente de recorrer à autoridade jurisdicional para um controle dos atos de direito público postos em prática em face da gravidade da situação (BALDI, 1998, p. 414).

Como assinala Carvalho (2012CARVALHO, Osvaldo Ferreira de. O Estado de Necessidade Econômico-Financeiro e os Direitos Fundamentais. Revista da DPU, nº 45, Maio-Jun/2012, pp. 9-40., p. 16), a expressão lei marcial pode ter vários sentidos. Transpondo-a para a realidade dos nossos dias, ela compreende, em sentido estrito, o direito do Estado e de seus agentes de usar a força para repelir invasões, insurreições ou tumultos. O estado de sítio, por sua vez, configura “um regime jurídico excepcional a que uma comunidade territorial é temporariamente sujeita, em razão de uma situação de perigo para a ordem pública”, e que atribui poderes extraordinários às autoridades públicas, criando restrições à liberdade dos cidadãos (BALDI, 1998, p. 413).

Nos anos que antecederam e nos que se seguiram à Primeira Guerra Mundial, entre 1934 e 1948, diante do desmoronamento das democracias europeias, vários países declararam estado de sítio ou editaram “leis de plenos poderes”, assim entendidas aquelas em que se atribui ao Poder Executivo um poder de regulamentação excepcionalmente amplo (AGAMBEN, 2004AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Tradução de Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo, 2004., p. 18-19). Nesse sentido, em uma série de países – como França, Bélgica, Estados Unidos, Inglaterra, Itália, Áustria e Alemanha e mesmo em um país neutro como a Suíça –, houve uma sistemática ampliação dos poderes governamentais em razão do permanente estado de emergência causado pela situação de guerra, e que se manteve mesmo após encerrada esta (AGAMBEN, 2004AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Tradução de Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo, 2004., p. 17). Nos Estados organizados sob a forma de federação foi também largamente utilizado o instituto da intervenção; mais, entretanto, para enfrentar conflitos e refregas políticas no interior das unidades federativas que para combater agressões estrangeiras ou situações que punham em risco a ordem pública, como prevê o texto constitucional brasileiro (art. 34).

Giorgio Agamben (2004AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Tradução de Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo, 2004., p. 13) identifica nos Estados contemporâneos, aí incluídos os Estados democráticos, uma permanente situação de emergência, ainda que não explicitamente declarada, a qual ele designa como estado de exceção, “o paradigma de governo dominante na política contemporânea”. Situado numa “franja ambígua e incerta, na interseção entre o jurídico e o político” (FONTANA, 1999, apud AGAMBEN, 2004, p. 11), o estado de exceção dá ensejo à adoção de medidas excepcionais que são fruto dos períodos de crise política. Como tais, essas medidas devem ser compreendidas no terreno político, e não apenas no jurídico-constitucional.

À incerteza do conceito corresponde a incerteza terminológica, e assim o termo “estado de exceção” é comum na doutrina alemã (Ausnahmezustand, e também Notstand, estado de necessidade), mas estranho às doutrinas italiana e francesa, que preferem falar de decretos de urgência e de estado de sítio (état de siège), prevalecendo, na doutrina anglo-saxônica, os termos martial law e emergency powers (AGAMBEN, 2004AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Tradução de Iraci D. Poleti. São Paulo: Boitempo, 2004., p. 15).

Para Carvalho (2012CARVALHO, Osvaldo Ferreira de. O Estado de Necessidade Econômico-Financeiro e os Direitos Fundamentais. Revista da DPU, nº 45, Maio-Jun/2012, pp. 9-40., p. 37), a expressão “estado de exceção” designa regimes autoritários, desvinculados dos compromissos básicos do constitucionalismo moderno. Os sistemas de crise previstos nas Constituições, a seu ver, são mais adequadamente designados pela expressão “exceção constitucional”, pois esta evidencia “uma medida excepcional disciplinada no Direito, e não à sua margem, servindo como mecanismo de salvaguarda da própria Constituição, e não de ruptura”. É o caso, na realidade brasileira, do estado de defesa, do estado de sítio e da intervenção federal, institutos que o ordenamento constitucional prevê que sejam acionados para debelar as situações de crise e restabelecer a normalidade institucional quando esta se encontrar ameaçada, como se verá a seguir.

2. As medidas de exceção no ordenamento jurídico brasileiro

Três princípios, no dizer de Bulos (2018BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018., p. 1468), informam o sistema de crises no ordenamento constitucional brasileiro: (i) princípio da necessidade – os estados de defesa e de sítio só podem ser declarados à luz de fatos que os justifiquem, como, por exemplo, conturbações da ordem pública, ameaças à paz social, instabilidades institucionais, calamidades naturais etc.; (ii) princípio da temporariedade – os estados de defesa e de sítio têm prazo de duração preestabelecido no texto constitucional; (iii) princípio da proporcionalidade – os estados de defesa e de sítio devem ser proporcionais aos fatos que justificam sua adoção.

Fora desses parâmetros, o recurso aos estados de exceção pode caracterizar situações de golpes de Estado, ditaduras e anormalidades institucionais. Esse uso distorcido, no Brasil, de ambos os institutos, assim como da intervenção federal, ocorreu várias vezes no passado, com sua decretação tendo mais o intuito de reprimir simples divergências político-partidárias que defender a Constituição (SILVA, 2009SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2009., p. 762). Tal se deu, por exemplo, durante o período do Estado Novo, quando a Constituição de 1937, outorgada por Getúlio Vargas, dispôs, em seu art. 186: “É declarado em todo o país o estado de emergência”.

Em compensação, observadas as balizas constitucionais que hoje norteiam a decretação das medidas excepcionais, implanta-se o regime de legalidade extraordinária, que limita e suprime, temporariamente, o gozo de certos direitos e garantias fundamentais, conforme previsto na própria Constituição, sem que as providências adotadas caracterizem arbítrio ou autoritarismo. Por implicar na suspensão de direitos constitucionalmente consagrados, o tema não poderia ser objeto de disciplina infraconstitucional, mas apenas da própria Constituição, como ocorre com o Texto de 1988.

Como medidas que somente podem ser adotadas em circunstâncias excepcionais, o estado de defesa, o estado de sítio e a intervenção federal têm em comum o fato de, uma vez adotadas, impedirem a alteração da Constituição. Assim, o art. 60, § 1º, do texto constitucional, dispõe que “a Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio”. Tais limitações – as chamadas limitações circunstanciais – se impõem para que o texto da Lei Maior não seja passível de sofrer alterações em momentos de anormalidade institucional como são aqueles nos quais tais providências são adotadas.

A Constituição possui posição hierárquica superior às demais normas do sistema jurídico. Dotada de supremacia, ela não pode ser volúvel nem sofrer alterações que venham a ser adotadas ao sabor das circunstâncias, diante de qualquer reação à sua pretensão normativa e disponível para ser apropriada pelas maiorias ocasionais (BARROSO, 2011BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a constituição do novo modelo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011., p. 141). Como assinala Bulos (2018BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018., p. 414), nessas hipóteses falta o equilíbrio para a realização de reformas, tendo as limitações circunstanciais o papel de “assegurar que as deliberações de conjunto sejam tomadas em ambiente de paz e liberdade, evitando possíveis imposições de força ou a prevalência de interesses unilaterais”.

2.1 O estado de defesa

O estado de defesa é medida excepcional cuja adoção somente se justifica em situações de crise. Conforme o art. 136, caput, da Constituição Federal, são pressupostos materiais para sua decretação grave e iminente instabilidade institucional que ameace a ordem pública ou a paz social em locais determinados, ou a existência de calamidades de grandes proporções na natureza que atinjam, igualmente, a ordem pública ou a paz social.

Os pressupostos formais, a seu turno, são a prévia manifestação dos Conselhos da República e de Defesa Nacional (art. 136, caput); decretação pelo Presidente da República (art. 136, caput); determinação do seu tempo de duração, que não poderá ser superior a trinta dias, podendo ser prorrogado uma única vez, por igual período, se persistirem as razões que justificaram a sua decretação (art. 136, § 2º); especificação dos locais a serem abrangidos (art. 136, caput); indicação das medidas coercitivas a serem adotadas (art. 136, § 1º); submissão do ato, com sua justificativa, ao Congresso Nacional, no prazo de vinte e quatro horas (art. 136, § 4º).

A decretação do estado de defesa, como assinala Silva (2009SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2009., p. 765), importa, como primeira consequência, a adoção de legalidade especial para a área abrangida. O decreto indicará as medidas coercitivas a vigorarem durante o estado de defesa, conforme previsto no § 1º do art. 136: a) restrições aos direitos de reunião, ao sigilo de correspondência e ao sigilo de comunicação telegráfica e telefônica; b) ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade pública, respondendo a União pelos danos e custos decorrentes; c) prisão por crime contra o Estado, pelo executor da medida, que deverá comunicá-la, com declaração do estado físico ou mental do detido, ao juiz competente; prisão por outros motivos, nunca superior a dez dias, salvo quando autorizada pelo Poder Judiciário.

Embora a decretação do estado de defesa caiba ao Presidente da República, ele está sujeito aos controles político e jurisdicional de legalidade. Nesse sentido, o Congresso Nacional exerce controle quando aprecia o decreto de instauração e quando se manifesta pela sua prorrogação. Se estiver em recesso, será convocado, extraordinariamente, no prazo de cinco dias, devendo apreciar o decreto dentro de dez dias contados de seu recebimento. Em rejeitando o decreto, cessarão imediatamente seus efeitos, com o Presidente da República devendo acatar a decisão congressual, sob pena de crime de responsabilidade (art. 85, II). Outro controle político é o previsto no art. 140 da Constituição, segundo o qual a Mesa do Congresso Nacional, ouvidos os líderes partidários, designará Comissão composta de cinco de seus membros para acompanhar e fiscalizar a execução das medidas referentes ao estado de defesa.

Uma vez cessado o estado de defesa, as medidas aplicadas em sua vigência devem ser relatadas pelo Presidente da República ao Congresso Nacional, com especificação e justificação das providências adotadas e com relação nominal dos atingidos e indicação das restrições aplicadas (art. 141, parágrafo único). O controle jurisdicional, a seu turno, será exercido quando, na execução das medidas coercitivas previstas no § 1º do art. 136, houver excessos ou desobediência aos comandos constitucionais por parte dos executores do estado de defesa. Assim, o art. 141, caput, prevê que, mesmo cessados os efeitos da medida, os eventuais ilícitos cometidos poderão ensejar a responsabilização dos agentes envolvidos.

2.2 O estado de sítio

O estado de sítio pode ser decretado quando se configurar as situações críticas previstas no art. 137 da Carta Constitucional, com vistas a preservar o próprio Estado democrático, bem como dar condições para a defesa da soberania nacional em caso de guerra (BULOS, 2018BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018., p. 1472). Trata-se de medida mais drástica que o estado de defesa, pois implica na suspensão de um leque mais amplo de garantias constitucionais.

Os pressupostos materiais para a decretação do estado de sítio são comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medidas tomadas durante o estado de defesa (art. 137, I), ou declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira (art. 137, II). Tem-se, assim, a decretação do estado de sítio: quando caracterizado um estado de crise que ponha em perigo as instituições democráticas e a existência do governo fundado no consentimento popular (Silva, 2009SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2009., p. 767); quando se fizer necessária a conversão do estado de defesa em estado de sítio, pela ineficácia das medidas tomadas durante aquele; quando o País entra em guerra (estado de beligerância com país estrangeiro) e quando deva responder a agressão armada.

São pressupostos formais para a decretação do estado de sítio a prévia manifestação dos Conselhos da República e de Defesa Nacional (art. 137, caput); autorização, por voto da maioria absoluta do Congresso Nacional, para sua decretação (art. 137, parágrafo único), e decreto do Presidente da República (art. 138, caput).

A decretação do estado de sítio substitui a legalidade constitucional comum por uma legalidade constitucional extraordinária. O conteúdo desta, com a indicação das garantias constitucionais que serão suspensas, como assinala Silva (2009SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2009., p. 768), depende do decreto que instaura a medida, respeitados os limites indicados na Constituição.

Na vigência do estado de sítio decretado por motivo de comoção grave ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia do estado de defesa (art. 137, I), só poderão ser tomadas as seguintes medidas coercitivas, conforme o disposto no art. 139: a) obrigação de permanência em localidade determinada; b) detenção em edifício não destinado a acusados ou condenados por crimes comuns; c) restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei; d) suspensão da liberdade de reunião; e) busca e apreensão em domicílio; f) intervenção nas empresas de serviços públicos; g) requisição de bens.

Tal como no estado de defesa, o estado de sítio está sujeito aos controles político e jurisdicional. Diferente, porém, do que ocorre no estado de defesa, o controle político do estado de sítio realiza-se de modo antecipado, eis que sua decretação, dada a gravidade da medida, pressupõe a prévia autorização do Congresso Nacional, por maioria absoluta (art. 137). Outro controle é o previsto no art. 140 da Constituição, exercido pela Mesa do Congresso no acompanhamento e fiscalização das medidas, de forma concomitante à sua execução, a exemplo do que se dá com o estado de defesa. No mesmo sentido, uma vez cessado o estado de sítio, o Presidente da República deve enviar mensagem ao Congresso Nacional relatando as medidas aplicadas e a justificação das providências adotadas (art. 141, parágrafo único).

O controle jurisdicional, no estado de sítio, é amplo em relação aos limites de aplicação das restrições autorizadas. Se seus executores cometerem abuso ou excesso de poder, seus atos ficam sujeitos a correção por via jurisdicional, v.g., nas vias de mandado de segurança ou habeas corpus. Como estabelece o art. 141, caput, mesmo cessada a medida excepcional, poderá haver a responsabilização jurisdicional de seus executores ou agentes por atos ou condutas ilícitas cometidas durante sua execução.

Tais medidas caracterizam, portanto, regimes jurídicos excepcionais no seio dos quais a Constituição admite o estabelecimento de restrições a direitos e garantias fundamentais. Exatamente por conta dessas restrições, o texto constitucional elenca taxativamente os requisitos e as condições em que tais mecanismos podem ser adotados, exigindo a manifestação do Poder Legislativo para sua execução. Não obstante serem medidas de caráter excepcional e temporário, ambas se ancoram nos princípios que informam o Estado de Direito, razão pela qual se inserem no Título V da Carta de 1988, que trata “da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas”.

Nenhum desses mecanismos, como se observa, se mostra adequado ao enfrentamento da Covid-19, mais voltados que são a garantir valores sintetizados no conceito de segurança, visando debelar situações de crise em que a normalidade institucional se encontre ameaçada. Diferente do que se dá com a crise da Covid-19, onde questões de natureza médica e sanitária é que pautam a tomada de providências, tendo por escopo a proteção à saúde da população.

Em março, rumores deram conta de que Bolsonaro estava cogitando decretar estado de sítio, tendo essa possibilidade sido imediatamente rechaçada por lideranças do Congresso Nacional e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que apontou a inconstitucionalidade de qualquer tentativa de decretação de estado de sítio em face da emergência do novo coronavírus. Para a OAB, a aprovação de decreto legislativo para declarar estado de calamidade pública “é medida adequada para resolver desafios institucionais que possam vir a ser enfrentados, diferentemente das restrições decorrentes de decretação de estado de sítio”, que só serviria como instrumento de fragilização de direitos e de garantias constitucionais (CONSELHO FEDERAL DA OAB, 2020CONSELHO FEDERAL DA OAB. Parecer PCO/OAB, 20 mar. 2020. Disponível em: http://s.oab.org.br/arquivos/2020/03/6a79790a-d1df-488c-b1c6-b223b92af438.pdf. Acesso em: 13 jun. 2020.
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). O recurso ao estado de sítio, sustentava a OAB, somente se justificaria na ausência de meio menos gravosos, apresentando-se como ultima ratio na defesa do Estado Democrático de Direito.

3. As medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública

A crise da Covid-19 levou à produção de uma farta legislação referente ao assunto, com a edição de leis, decretos e portarias, tanto na esfera federal como estadual e municipal. Somente o governo federal editou 1.236 normas jurídicas relacionadas à pandemia no período de janeiro a maio de 2020 (CONECTAS, 2020). Foram 8 leis, 32 medidas provisórias e 14 decretos, além de centenas de portarias, resoluções e instruções normativas. Entretanto, a falta de sintonia entre a visão do Executivo federal – de negacionismo sobre a gravidade da pandemia e contrária à necessidade de isolamento social – e a dos governadores e prefeitos levou à adoção de medidas, por uns e por outros, que nem sempre guardaram consonância entre si.

Instado a se manifestar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 672 proposta pelo Conselho Federal da OAB contra atos omissivos e comissivos do Poder Executivo federal praticados durante a crise de saúde pública decorrente da pandemia, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os estados, o Distrito Federal e os municípios podem, no exercício de suas atribuições e no âmbito de seus territórios, adotar medidas contra a pandemia. Nesse sentido, os entes federativos dispõem de competência para a adoção ou manutenção de medidas restritivas tais como a imposição de distanciamento social, suspensão de atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais, circulação de pessoas, entre outras.

Para a Corte, a gravidade da emergência causada pela pandemia exige das autoridades, nos diversos níveis de governo, a efetivação concreta da proteção à saúde pública, com a adoção de todas as medidas possíveis e tecnicamente sustentáveis para o apoio e manutenção das atividades do Sistema Único de Saúde (SUS). Como assinalou o ministro-relator da ADFP, Alexandre de Moraes, a Constituição Federal consagra a existência de competência administrativa comum entre União, estados, Distrito Federal e municípios em relação à saúde e assistência pública (art. 23, II e IX). O significado da competência comum é o de que todos os entes da Federação devem colaborar para a execução das tarefas determinadas pela Constituição, ou seja, nenhum ente federado pode atuar isoladamente, nem pode se eximir de implementá-las (BERCOVICI, 2020BERCOVICI, Gilberto. Covid-19, o direito econômico e o complexo industrial da saúde. In: WARDE, Walfrido; VALIM, Rafael; et al. As consequências da COVID-19 no Direito brasileiro. São Paulo: Editora Contracorrente, 2020., p. 247).

Nessa distribuição de responsabilidades comuns, o Sistema Único de Saúde desponta como uma rede de ações e serviços públicos de saúde regionalizada e hierarquizada, nos termos do que estabelece o art. 198 da Constituição1 1 Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade. § 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. . Na arquitetura federativa desenhada pelo texto constitucional, trata-se de um sistema financiado por recursos advindos tanto da União como dos estados, Distrito Federal e municípios, a exigir de todos os entes federativos a execução de políticas públicas de saúde de forma descentralizada, mas com direção única em cada esfera de governo. A coordenação entre essas esferas é condição essencial, evidentemente, para que as diversas iniciativas ocorram de forma alinhada e para que o acesso universal e igualitário aos serviços de saúde seja horizontalmente assegurado.

O texto constitucional também prevê competência concorrente entre União e estados/Distrito Federal para legislar sobre proteção e defesa da saúde (art. 24, XII), permitindo ainda aos municípios a possibilidade de suplementar a legislação federal e a estadual, desde que haja interesse local (art. 30, II) – o que, evidentemente, se configura no momento atual. Conforme a inteligência do dispositivo constitucional, a União deve se ater a editar normas de caráter geral, cabendo aos estados e ao Distrito Federal suplementar a legislação federal de acordo com suas especificidades. Assim, todos os entes federativos dispõem tanto de competência material (administrativa) como legislativa para dispor sobre questões atinentes à saúde.

Nessa toada, o STF entendeu que não compete ao Poder Executivo federal afastar, unilateralmente, as decisões dos governos estaduais, distrital e municipais que adotaram ou venham a adotar medidas restritivas que são reconhecidamente eficazes para a redução do número de infectados e de óbitos no âmbito de seus territórios, como demonstra a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) e vários estudos técnico-científicos.

As posições opostas entre a União, de um lado, e, de outro, os estados e municípios, trouxeram prejuízos para o enfrentamento da doença na medida em que passaram para a população uma mensagem confusa sobre os protocolos a serem seguidos. A posição errática e oscilante do governo federal ficou patente na resistência ao cumprimento das recomendações das autoridades de saúde e na atitude reiterada de minimizar a gravidade da pandemia. A demissão de dois ministros da Saúde no exato momento em que a doença alcançava grande número de pessoas, somada à postura do Presidente da República em comparecer a manifestações e a circular por diferentes pontos da capital federal em contradição com as orientações do governo local e com as regras sanitárias evidenciaram as distintas visões existentes sobre o problema, inclusive no âmbito do próprio Executivo federal.

Outro aspecto que gerou questionamentos na esfera judicial se relaciona à decisão do Ministério da Saúde de modificar a forma de divulgação dos dados sobre a Covid-19, deixando de informar o número total de mortes e casos confirmados e suprimindo tabelas e gráficos que indicavam a evolução da doença. Analisando ação interposta por partidos políticos, o ministro Alexandre de Moraes determinou, em 8 de junho, que o governo federal voltasse a divulgar diariamente, na íntegra, os dados epidemiológicos relativos ao contágio e às mortes pelo novo coronavírus, nos moldes que vinham sendo adotados anteriormente. Para o ministro, isso se faz necessário para que sejam cumpridos “os princípios constitucionais da publicidade e transparência e do dever constitucional de executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica em defesa da vida e da saúde”. Entidades cientificas de diversas áreas também se juntaram na crítica à subtração e manipulação dos dados sobre a evolução da Covid-19 no país.

Em março, a Justiça Federal do Rio de Janeiro determinou a suspensão da campanha “O Brasil não pode parar”, na qual o governo federal defendia a suspensão do isolamento social. A decisão foi depois confirmada pelo STF, que deferiu cautelar, no âmbito da arguição de descumprimento de preceito fundamental proposta pela Rede Sustentabilidade, para vedar a produção e circulação, por qualquer meio, de qualquer campanha que sugerisse que a população deveria retornar às suas atividades plenas, ou, ainda, que expressasse que a pandemia constitui evento de diminuta gravidade para a saúde. Em sua decisão, o ministro Luís Roberto Barroso considerou, ainda, a importância de evitar dispêndio indevido de recursos públicos escassos em momento de emergência sanitária.

Em que pesem as diferentes compreensões que cercam o tema, e os recuos e avanços na definição das políticas de enfrentamento da pandemia, várias medidas de ordem prática e legal foram tomadas pelos distintos níveis de governo. Em 3 de fevereiro de 2020, o Ministério da Saúde declarou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional, por meio da Portaria nº 188, após a OMS ter declarado, em 30 de janeiro, Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional. A portaria do Ministério estabeleceu um Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública com uma série de competências, com base no Decreto nº 7.616/2011, que dispõe sobre a declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) em situações que demandem o emprego urgente de medidas de prevenção, controle e contenção de riscos, danos e agravos à saúde pública.

Segundo o Decreto nº 7.616, a declaração de Emergência de Importância Nacional pode ser declarada em virtude da ocorrência de situação epidemiológica, de desastre ou de desassistência à população. No caso da Covid-19, configurou-se uma situação epidemiológica que apresentava iminente risco de disseminação nacional que logo se confirmou, produzidoproduzida por agente infeccioso inesperado, com gravidade elevada e que extrapolava a capacidade de resposta do SUS. No mesmo sentido, delineou-se uma situação de desastre em razão de um evento que gerou o reconhecimento, pelo Executivo federal, de situação de emergência que impactava diretamente a saúde pública.

Em 6 de fevereiro de 2020 foi editada a Lei nº 13.979, que dispõe sobre as medidas que podem ser adotadas para enfrentamento da emergência de saúde pública. Entre as medidas previstas estão o isolamento, a quarentena, a determinação de realização compulsória de exames médicos, vacinação e outras medidas profiláticas, além da restrição excepcional e temporária, por rodovias, portos ou aeroportos, de entrada e saída do país, assim como a requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas.

Conforme a Lei nº 13.979/2020, o isolamento é compreendido como sendo a “separação de pessoas doentes ou contaminadas, ou de bagagens, meios de transporte, mercadorias ou encomendas postais afetadas”, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus. A quarentena, a seu turno, como a “restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus”.

Em algumas cidades e regiões metropolitanas, medidas mais drásticas foram implementadas, a exemplo do bloqueio total de atividades e de circulação de pessoas (lockdown) em cidades do Maranhão, Pará, Pernambuco e Ceará, com a restrição de direitos que, em princípio, só poderiam sofrer limitação na vigência do estado defesa ou do estado de sítio – caso do direito de ir e vir e da liberdade de reunião. A adoção de lockdown – ou isolamento social rígido – se deu por determinação judicial, a pedido do Ministério Público ou por iniciativa dos governadores. Como consequência, houve a suspensão expressa de todas as atividades não essenciais à manutenção da vida e da saúde; a limitação das reuniões de pessoas em espaços públicos ou abertos ao público; a adoção de medidas de orientação e de sanção administrativa quando houvesse infração às medidas de restrição social, entre outras ações de proteção. É de todo recomendável que uma medida como essa, pelas restrições que gera, seja antecedida de autorização judicial.

A restrição a direitos que têm estatura constitucional se justifica em face da situação de emergência nacional reconhecida não apenas na esfera administrativa, mas também por lei, tendo por escopo a proteção à saúde como direito de todos e dever do Estado, nos termos do que dispõe o art. 196 da Constituição. Como assinala Sarmento (2006, p. 293), “a necessidade de proteção de outros bens jurídicos diversos, também revestidos de envergadura constitucional, pode justificar restrições aos direitos fundamentais”. Considerando, pois, o dever do Estado de implementar as políticas públicas necessárias a proporcionar efetividade ao direito constitucional à saúde, e face ao interesse da coletividade em ver assegurada a redução dos riscos na propagação do vírus em larga escala, justifica-se a adoção de medidas emergenciais que impliquem na restrição a direitos individuais, tendo sempre em vista a proteção da vida.

O STF já se manifestou no sentido de que os direitos fundamentais não são absolutos, sendo necessário analisar seu exercício em contexto que não implique danos à ordem pública ou aos direitos e garantias de terceiros. No julgamento do MS nº 23.452, Rel. Min. Celso de Mello, a Corte firmou o entendimento de que

“não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas – e considerado o substrato ético que as informa – permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.” (MS 23452, Relator: Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 16/09/1999, DJ 12-05-2000).

Uma vez configurada a crise sanitária, e tendo em vista os riscos de colapso do sistema de saúde, os esforços do Poder Público devem, naturalmente, ser direcionados a assegurar a saúde da coletividade, utilizando-se dos meios necessários para evitar a disseminação da doença, mesmo que isso signifique privar momentaneamente o cidadão de usufruir, em plenitude, de certas prerrogativas.

Em 20 de março de 2020 o Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo nº 6, reconheceu o estado de calamidade pública no país. Considerando o aumento de gastos e o impacto que as medidas para conter a pandemia geram na atividade econômica, bem como a diminuição da arrecadação pelos cofres públicos, o governo ficou dispensado de cumprir as metas de execução do orçamento e de limitação de empenho de recursos. É da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000), em seu art. 65, a previsão de que o Executivo fica autorizado a gastar mais do que o previsto quando ocorrer calamidade pública reconhecida pelo Congresso Nacional. A lei prevê, ainda, que a ocorrência de calamidade dispensa o cumprimento de vários limites, vedações e exigências voltadas ao equilíbrio das contas públicas. Providência do mesmo teor da adotada na esfera federal foi aplicada em alguns estados, com as Assembleias Legislativas reconhecendo o estado de calamidade pública estadual.

A disciplina sobre a situação de emergência e o estado de calamidade consta do Decreto nº 7.257, de 4 de agosto de 2010, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Defesa Civil (SINDEC) e sobre o reconhecimento de situação de emergência e estado de calamidade pública, entre outros assuntos. A situação de emergência se configura em casos de anormalidade provocada por desastres que causam danos e prejuízos que impliquem o comprometimento parcial da capacidade de resposta do Poder Público do ente atingido (art. 2º, III, do decreto). Já o estado de calamidade é decretado em situações mais intensamente anormais, decorrentes de desastres que causam danos graves à comunidade e que impliquem o comprometimento substancial (e não apenas parcial) da capacidade de resposta do Poder Público (art. 2º, IV). Ambos os casos, como se percebe, são decorrentes de desastres resultantes de eventos adversos, naturais ou provocados, que causam danos humanos, materiais ou ambientais e consequentes prejuízos econômicos e sociais (art. 2º, II).

Em 6 de maio de 2020, o Congresso aprovou a “PEC do Orçamento de Guerra”, mediante a qual os gastos do Governo no combate à pandemia passaram a ter uma sistemática própria, diferenciando-se do orçamento regular da União. Durante a vigência do estado de calamidade pública nacional reconhecido pelo Congresso, a União ficou autorizada a adotar regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para atender às necessidades dele decorrentes, naquilo em que a urgência for incompatível com o regime regular. Em consequência, o Executivo federal ficou autorizado a adotar processos simplificados de contratação de pessoal, em caráter temporário e emergencial, e de obras, serviços e compras. A PEC dispensa, também, a União de descumprir a chamada “regra de ouro” segundo a qual o governo não pode tomar empréstimo para garantir o pagamento de despesas correntes como salários, benefícios de aposentadoria e outros custeios da máquina pública.

A pandemia da Covid-19 gerou consequências em diferentes níveis de atuação do Poder Público. Assim, em abrilmaio de 2021 o STF se pôs a julgar uma ação que questionava a política de segurança pública adotada pelo governo do Rio de Janeiro, considerando o risco à população e aos serviços de saúde durante as operações policiais. No âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635, ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), o ministro relator, Edson Fachin, emitiutinha concedido, em junho de 2020, decisão liminar que proíbeproibindo a realização de operações policiais em comunidades durante a epidemia da Covid-19, a não ser em hipóteses absolutamente excepcionais que deveriam ser devidamente justificadas por escrito pela autoridade competente, com a comunicação imediata ao Ministério Público estadual. Nos casos extraordinários de realização dessas operações, a decisão recomendarecomendava a adoção de cuidados excepcionais, “devidamente identificados por escrito pela autoridade competente, para não colocar em risco ainda maior a população, a prestação de serviços públicos sanitários e o desempenho de atividades de ajuda humanitária”.

Todas as medidas adotadas, apesar de terem sido instituídas em curto prazo, poderão perdurar por um tempo indefinido, a depender de como a presença do vírus oscilará no país. Como diz Harari (2020)HARARI, Yuval Noah. The world after coronavirus. Londres: Financial Times, 20 mar.2020. Disponível em: https://amp.ft.com/content/19d90308-6858-11ea-a3c9-1fe6fedcca75. Acesso em: 13 jun.2020.
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, essa é a natureza das emergências: decisões aprovadas em questão de horas poderão se arrastar por anos, moldando o mundo que surgirá da crise da Covid-19. E moldando não apenas nossos sistemas de saúde, mas também nossa economia, política e cultura (HARARI, 2020HARARI, Yuval Noah. The world after coronavirus. Londres: Financial Times, 20 mar.2020. Disponível em: https://amp.ft.com/content/19d90308-6858-11ea-a3c9-1fe6fedcca75. Acesso em: 13 jun.2020.
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).

As diretrizes impostas pelos governos poderão, para além da emergência sanitária, implicar naquilo que Harari (2020)HARARI, Yuval Noah. The world after coronavirus. Londres: Financial Times, 20 mar.2020. Disponível em: https://amp.ft.com/content/19d90308-6858-11ea-a3c9-1fe6fedcca75. Acesso em: 13 jun.2020.
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chama de “vigilância totalitária”, na qual tecnologias cada vez mais sofisticadas (sensores ubíquos e algoritmos poderosos) vêm sendo usadas para rastrear e monitorar as pessoas. Em carta aberta que teve como signatários organizações e líderes mundiais de diferentes países, o Instituto Internacional para a Democracia e a Assistência Eleitoral, sediado em Estocolmo, denunciou que regimes autoritários estão “usando a crise para silenciar críticos e endurecer seu controle político” (IDEA, 2020IDEA - The International Institute for Democracy and Electoral Assistance. A call to defend democracy. 25 June 2020. Disponível em: https://www.idea.int/news-media/multimedia-reports/call-defend-democracy. Acesso em: 24 nov.2020.
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). Na mesma medida, assinala o documento, governos democraticamente eleitos combatem a pandemia concentrando poderes de emergência que restringem os direitos humanos, sem consideração às normas e garantias constitucionais e reforçando o “estado de vigilância”, muitas vezes sem acompanhamento parlamentar e sem definição dos marcos temporais para a restauração da ordem constitucional (IDEA, 2020IDEA - The International Institute for Democracy and Electoral Assistance. A call to defend democracy. 25 June 2020. Disponível em: https://www.idea.int/news-media/multimedia-reports/call-defend-democracy. Acesso em: 24 nov.2020.
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).

Agamben (2020), nesse particular, superlativa os riscos das medidas de limitação adotadas pelos governos, considerando-as “irracionais e totalmente desmotivadas”, a reforçar a “tendência crescente de usar o estado de exceção como um paradigma normal de governo”. Sua posição se opõe não apenas às medidas excepcionais, como também minimiza a gravidade da “suposta” pandemia, o que talvez se explique pelo fato de o posicionamento do autor ter se dado em fevereiro de 2020 – antes, portanto, que a OMS declarasse a pandemia de Covid-19, em 11 de março, e que a Itália atingisse elevados números de contaminação e de mortes.

Nesse contexto, a melhor forma que os governos têm para evidenciar a necessidade das medidas excepcionais é dar voz aos cientistas e especialistas em saúde para, em diálogo com a sociedade, deixá-la a par das ameaças existentes e das limitações e proibições que venham a afetar seu dia-a-dia. Como todo ato que limita direitos e que impõe deveres, encargos ou sanções, as medidas restritivas adotadas – em particular a quarentena e a restrição ao direito à locomoção – devem ser devidamente motivadas, com a clara exposição das razões de direito e de fato pelas quais foram adotadas. O princípio da motivação, exigência do Estado Democrático de Direito, implica para a Administração o dever de justificar seus atos, apontando a correlação lógica entre os eventos e situações existentes e a providência tomada (BANDEIRA DE MELLO, 2019BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2019., p. 112-113). No campo da saúde, em particular, é imperativo que medidas restritivas de direitos e liberdades fundamentais sejam baseadas em evidências científicas (VENTURA, AITH e RACHED, 2020VENTURA, Deisy de Freitas Lima; AITH, Fernando Mussa Abujamra; RACHED, Danielle Hanna. A emergência do novo coronavírus e a “lei de quarentena” no Brasil. Revista Direito e Práxis, Ahead of print, Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/49180/32876. Acesso em: 09 jul. 2020. DOI: 10.1590/2179-8966/2020/49180.
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index....
, p. 10).

Mais que apostar em medidas de cunho restritivo, a se estender por tempo indeterminado, as autoridades públicas devem apostar em informações honestas e em formas de cooperação que esclareçam a população, fazendo-a compreender que as limitações adotadas são temporárias e estão voltadas à proteção da saúde, não a um controle autoritário. Afinal, “uma população motivada e bem informada é geralmente muito mais poderosa e eficaz do que uma população ignorante e policiada” (HARARI, 2020HARARI, Yuval Noah. The world after coronavirus. Londres: Financial Times, 20 mar.2020. Disponível em: https://amp.ft.com/content/19d90308-6858-11ea-a3c9-1fe6fedcca75. Acesso em: 13 jun.2020.
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). Diante de conjunturas graves, é importante que, ao invés de soluções instantâneas, se adote decisões de caráter estratégico e políticas públicas de longo prazo que levem em conta todos os interesses envolvidos, adotadas em um cuidadoso processo de deliberação (GARGARELLA; ROA ROA, 2020GARGARELLA, Roberto; ROA ROA, Jorge Ernesto. Diálogo democrático y emergencia en América Latina. (June 10, 2020). Max Planck Institute for Comparative Public Law & International Law (MPIL). Research Paper No. 2020-21, Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=3623812.
https://ssrn.com/abstract=3623812...
, p. 2).

O exemplo do Brasil é peculiar no contexto mundial: as estruturas legais e judiciais, assim como os governos locais, foram mais eficazes que o governo central, cuja posição foi sempre resistente em reconhecer e tratar com responsabilidade a gravidade da pandemia. Negando-se a dialogar com a comunidade científica, o Executivo federal desprestigiou instâncias como o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), entrou em rota de colisão com os governadores, hostilizou a OMS, propagandeou medicamentos cujos benefícios não estão comprovados para tratamento da Covid-19. O resultado é o avanço descomunal do número de infectados e de mortos, o que levou o presidente brasileiro a ser apontado, dentro e fora do país, como um líder negacionista que politiza a crise do coronavírus e adota uma abordagem irresponsável e perigosa2 2 Nesse sentido: BolsoNero - Brazil’s president fiddles as a pandemic looms. The Economist, Mar 26Th 2020; Jair Bolsonaro’s populism is leading Brazil to disaster. Financial Times, May 25 2020. .

De todo modo, há que se reconhecer, como assinalam Paixão e Benvindo (2020)PAIXÃO, Cristiano; BENVINDO, Juliano Zaiden. Constitutional Dismemberment and Strategic Deconstitutionalization in Times of Crisis: Beyond Emergency Powers, Int’l J. Const. L. Blog, Apr. 24, 2020. In: http://www.iconnectblog.com/2020/04/constitutional-dismemberment-and-strategic-deconstitutionalization-in-times-of-crisis-beyond-emergency-powers/.
http://www.iconnectblog.com/2020/04/cons...
, que o Brasil, apesar de sua acentuada tradição autoritária e do viço reacionário do atual governo, não está vivenciando o abuso típico de poderes de emergência para adotar medidas de cunho antidemocrático. Tal ocorreu, por exemplo, na Hungria, Turquia, El Salvador e Filipinas, onde governantes autoritários têm se utilizado da pandemia para expandir os poderes de que dispõem (ICNL, 2020). Mesmo quando o Executivo se mostrou refratário a cumprir um papel ativo no combate à Covid-19, como sucedeu com o governo federal, as instituições legislativas e judiciais brasileiras demonstraram capacidade de se posicionar e de apresentar respostas eficazes à gravidade do momento.

Ginsburg e Versteeg (2020, p. 28-29) ressaltam o papel que os tribunais e as casas legislativas desempenharam, no Brasil e em outros países, no asseguramento das medidas de emergência, exigindo que o governo desenvolvesse ações afirmativas para combater o vírus e seus efeitos e para cumprir suas obrigações constitucionais. O que ocorreu no Brasil é um exemplo eloquente de que a inação do Executivo na esfera federal pode ser suprida por uma postura enfática dos estados e municípios e dos demais poderes estatais: órgãos legislativos desempenharam papel ativo na produção e supervisão de legislação específica para a crise; na via judicial, foram tomadas decisões impondo lockdown, determinando a suspensão de atividades não essenciais, a limitação de reuniões públicas e a aplicação de multa a quem não cumprisse as diretrizes emitidas pelas autoridades.

Como regra, em momentos de crise o protagonismo é do Executivo e do Legislativo. Lawson (2007LAWSON, Gary. Ordinary powers in extraordinary times: common sense in times of crisis. Boston University Law Review 87, nº 2 (April 2007)., p. 291) lembra que nos Estados Unidos, por exemplo, a Constituição confere poderes implícitos e explícitos de gerenciamento de crises a esses dois órgãos, como também aos estados, sem menção ao papel dos tribunais. Na realidade brasileira dos dias atuais, a atuação judicial tem sido bastante assertiva, gerando, inclusive, preocupação sobre a excessiva judicialização de questões referentes à pandemia, em que se acentua o questionamento dos órgãos federais de justiça sobre as medidas administrativas de enfrentamento da doença.

Para fazer frente a essa questão, o STF e a Presidência da República encaminharam ao Congresso Nacional projeto de lei emergencial para criar o Comitê Nacional de Órgãos de Justiça e Controle, alterando a Lei 13.979/2020, que versa sobre as medidas para enfrentamento ao surto do novo coronavírus. O comitê terá como objetivos básicos promover a interlocução institucional entre os órgãos de justiça e controle, no âmbito federal, para prevenir ou terminar os litígios, inclusive os judiciais, relativos ao enfrentamento da emergência de saúde pública, e deliberar sobre os pedidos de autocomposição de conflitos que envolvam os órgãos federais de justiça e controle, previamente à adoção de medidas judiciais ou extrajudiciais por parte desses órgãos. Nesse debate, porém, há que se ter claro que as intervenções do Judiciário se deram, em grande medida, a fim de suprir a omissão governamental e a insuficiência das políticas públicas adotadas pelo governo federal ante a situação de emergência.

A postura institucional adotada pelos diversos poderes de Estado demonstra a integridade das medidas de emergência, assim como a busca de equilíbrio entre as restrições de direitos e as preocupações com a saúde pública. Foram medidas que contaram com a chancela de diferentes atores e instâncias governamentais, a acentuar o papel que o sistema de freios e contrapesos pode cumprir durante emergências. Como acentuam Ginsburg e Versteeg (2020, p. 1), a governança de emergência não é, necessariamente, uma “governança do Executivo”: o Poder Executivo pode, sim, ser restringido por outros ramos do poder, até como forma de se evitar que, agindo sozinho e sem controle, ele crie uma erosão das liberdades civis e até retrocesso democrático, como tem ocorrido em alguns países por conta da crise da Covid-19.

3. Considerações finais

Como se constata, as decretações de estados de emergência e de calamidade pública para o enfrentamento da Covid-19 configuram-se como os instrumentos mais adequados para a adoção das medidas de isolamento/distanciamento social e mesmo de lockdown. O estado de defesa e o estado de sítio, dadas suas particularidades e pressupostos, representam medidas inapropriadas, vez que a crise sanitária não se enquadra exatamente nas hipóteses previstas, de forma taxativa, na Constituição, para sua decretação.

A situação de emergência sanitária que se impôs gerou um grande acervo de medidas de ordem judicial, legislativa, administrativa e orçamentária que revelam a especificidade do momento. Tais medidas de exceção, adotadas tanto na esfera federal como estadual e municipal, contaram, para sua execução, com a ação conjugada dos diversos poderes, a evidenciar os impactos que a pandemia gerou na economia, na saúde e na vida das pessoas. Demonstraram, também, que o poder central, e o Executivo em particular, não necessariamente são os protagonistas do processo de integridade das medidas de combate à pandemia. A atitude recalcitrante do governo federal não foi hegemônica, embora tenha influenciado o incremento da doença e os desacertos verificados. Em muitos momentos, teve suas condutas desautorizadas pelo Judiciário e pelo Legislativo, e, em outros, agiu levado pela pressão exercida por governantes estaduais e municipais, que resistiram à abordagem negacionista que Jair Bolsonaro sustentou de forma persistente mesmo quando a crise se agravou e o país atingiu números recordes de infectados e mortos.

As restrições estabelecidas ao exercício de direitos fundamentais encontram justificativa na necessidade de preservar o interesse da coletividade, ameaçada pela propagação de um vírus letal cujos índices de contaminação revelaram-se extremamente elevados. São restrições que visam evitar o colapso do sistema de saúde e resguardar sua capacidade de resposta, bem como facilitar a implementação de políticas públicas que tornem efetivo o direito constitucional à saúde – direito esse que assume especial relevância em um quadro de desastre sanitário cujo alcance e consequências não foram, ainda, capazes de ser inteiramente mensurados.

Tais medidas foram utilizadas dentro dos marcos institucionais previstos, e sua adoção representou tomadas de decisão sem as quais o quadro de perplexidade e desnorteamento social com o avanço da doença restaria agravado. Para além de terem sido decretadas em inúmeros países, são medidas legítimas porque motivadas, com a explicitação das razões científicas e das recomendações dos especialistas da área que justificavam sua adoção. E também porque implementadas por meio de lei (e não de ato unilateral do Executivo, como o decreto), que alcança a todos de maneira geral e indistinta. Em se tratando de medidas com o teor de limitação que a quarentena e o isolamento social acarretam, não há espaço para decisões que não permitam a aferição de sua necessidade e a proporcionalidade em sua efetivação, com a clara indicação do seu tempo de duração.

No cenário de insegurança e incerteza causado pela Covid-19, as medidas emergenciais tomadas representam importantes mecanismos para que o Poder Público forneça respostas eficazes ao alastramento da doença. Há que haver cautela, porém, na aplicação e prolongamento dessas medidas, para que a intervenção nas liberdades públicas e no exercício dos direitos humanos fundamentais se dê em proporção que não abale a confiança que a sociedade deposita no Estado Democrático de Direito e em sua capacidade de enfrentar a singular crise dos dias atuais.

  • 1
    Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III - participação da comunidade. § 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.
  • 2
    Nesse sentido: BolsoNero - Brazil’s president fiddles as a pandemic looms. The Economist, Mar 26Th 2020; Jair Bolsonaro’s populism is leading Brazil to disaster. Financial Times, May 25 2020.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2022

Histórico

  • Recebido
    19 Jul 2020
  • Aceito
    30 Nov 2020
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