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Rio de Janeiro e o Pensamento Criminológico

Rio de Janeiro and the Criminological Thinking

Resumo

O presente artigo busca demonstrar como a cultura jurídica criminal, mais precisamente os principais juristas e professores de Direito Criminal, das Faculdades de Direito do Rio de Janeiro, Viveiros de Castro, Lima Drummond e Esmeraldino Bandeira absorveram e aderiram aos postulados do positivismo criminológico, sobretudo italiano, no período da Primeira República.

Palavras-chave:
Positivismo criminológico; Discurso liberal; Cultura jurídica criminal

Abstract

This article tries to demonstrate how the criminal legal culture, more precisely the main jurists and Criminal Law professors from the Faculties of Law, in Rio de Janeiro, Viveiros de Castro, Lima Drummond e Esmeraldino Bandeira absorbed and adhered to the criminological postulates, especially Italian Positivism, in the period of the First Republic.

Keywords:
Criminological positivism; Liberal speech; Criminal legal culture

Introdução

O Positivismo Penal, ou seja, o Direito Penal reconfigurado a partir das premissas da criminologia positivista, surge na Itália em uma conjuntura de desgaste liberal: emergiam as ideias socialistas e apareciam reivindicações que demandavam do Estado um maior intervencionismo – a área penal é especialmente tocada, pois o aumento da criminalidade é atribuído ao falho sistema penal liberal. O socialismo contribui ainda para o desgaste do individualismo, centro da ordem burguesa, e para a valorização da sociedade em detrimento do indivíduo ( FREITAS, 2002 FREITAS, R. B. A. P. As razões do Positivismo Penal no Brasil: a dimensão do antigarantismo na doutrina penal brasileira (1884-1936). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. , p. 52). Nesse contexto de tensões, a ciência penal passa a voltar-se também para a realidade social, com fins de nela intervir, para conter a criminalidade e as massas.

Quando o pensamento criminológico é absorvido no Brasil, o país se aproximava do fim da escravidão e transitava do Império para República. Nesse processo de consolidação do Estado republicano, o liberalismo foi um ideário utilizado como instrumento legitimador, muito embora, na prática, o Estado Republicano tenha assumido um perfil bastante autoritário, pois tendeu à intervenção, a qual não se deu pela via da consolidação dos direitos sociais e políticos, mas como Estado interventor no que se refere ao controle da população - polícia e higiene pública.

De qualquer modo, os juristas da Primeira República tendiam a vincular-se ao discurso liberal. E, no que se refere aos criminalistas isto não era exceção: assumiam o discurso liberal e, como veremos, aderiam ao positivismo penal.

Liberalismo e Positivismo Penal não se excluíam, como se poderia supor e este é o caso de Viveiros de Castro e Esmeraldino Bandeira, declaradamente liberais e adeptos da Nova Escola Penal. Esta combinação aparece também em Lima Drummond, que demonstra uma constante preocupação com os direitos individuais, mas desde que combinados com a necessidade de defesa da sociedade.

Assim, tendo como pano de fundo esta peculiar combinação, o presente artigo analisa como se deu a absorção do pensamento criminológico e do positivismo penal em três juristas, professores de direito criminal nas Faculdades de Direito do Rio de Janeiro: Viveiros de Castro, um dos primeiros propagandistas, Lima Drummond, bastante difundido e marcado pelo tom conciliatório entre as escolas (clássica e positiva) e Esmeraldino Bandeira, o qual demonstra uma adesão consistente e bastante madura, sem concessões conciliatórias.

O marco temporal refere-se à Primeira República justamente porque o pensamento criminológico penetra na cultura jurídica brasileira a partir da década de 80 do século XIX e consolida-se ao longo de todo o percurso republicano (1889-1930), sobretudo a partir do início do século XX, não por acaso, período em que o Brasil começava a se deparar com novos problemas sociais e econômicos, que demandavam mecanismos de controle e defesa social. 1 1 Este artigo é fruto de uma pesquisa de doutorado, a qual analisa a recepção do pensamento criminológico na cultura jurídica criminal do Brasil, no período da Primeira República, mais especificamente no âmbito do ensino do direito criminal. (DIAS, Rebeca Fernandes. Criminologia no Brasil: Cultura Jurídica Criminal na Primeira República. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017).

I. Viveiros de Castro, a Nova Escola Penal e a inserção da criminologia positivista no Rio de Janeiro

Francisco José Viveiros de Castro formou-se em 1883, em direito, na Faculdade de Recife e foi fortemente influenciado pela Escola do Recife e, sobretudo, pela figura de Tobias Barreto, a quem confessa “devotar quasi um fanatismo” ( CASTRO, 1894 CASTRO, V. A Nova Escola Penal. Rio de Janeiro: Domingos de Magalhães, 1894. , p. 3). Foi lente de direito criminal da Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro.

Em 1894 este autor publica A Nova Escola Penal, obra em que pretendeu divulgar as novas ideias do direito penal que, em sua opinião, ainda eram pouco conhecidas no âmbito nacional. O autor faz o seu diagnóstico, em tom significativamente pessimista, da cultura jurídica criminal da época, segundo ele, atrasada e miserável, reduzida a uma “formalística ridícula de chicanas e rabulices” 2 2 “No direito criminal estamos em uma ignorancia mizeravel. Na magistratura, no professorado, na advocacia, na litteratura não ha sinão atrazo e pobreza (...) Os professores ignoram a revolução que tem modificado tão profundamente o direito penal, são incapazes de fazerem uma exposição rasoavel das ideias de um Lombroso, de um Ferri, de um Lacassagne (...) repetem em postillas sebentas como ultima novidade as licções de um Ortolan ou de um Bertauld. Os nossos magistrados reduziram o direito penal a uma formalistica ridicula de chicanas e rabulices (...) elles annulam um processo porque não consta dos autos ter o beleguim tocado o balado ao abrir a audiencia ou não ter o escrivão copiado os termos do formulário com todos os seus pontos e virgulas. Os advogados entregaram o foro criminal a uma meia duzia de especuladores ignorantes e atrevidos”. (CASTRO, V. A Nova Escola Penal. Rio de Janeiro: Domingos de Magalhães, 1894, p. 8-9). . Na opinião de Viveiros de Castro, a Nova Escola no Brasil deveria fazer frente, não a uma sólida e sofisticada cultura jurídica criminal, mas sim, a uma cultura criminal pobre, repetidora das teorias e autores franceses (identificados com a Escola Clássica), presa a um tosco formalismo e reproduzida por juristas pedantes e superficiais, apegados à beleza das palavras e resistentes às verdades da ciência.

A despeito desses comentários ácidos no início de seu texto, talvez decorrentes da herança de seu quase fanatismo a Tobias Barreto, esta obra é essencialmente explicativa das novas ideias. A Lombroso, Viveiros de Castro confere a glória de ter sistematizado os “esboços” esparsos da Antropologia Criminal (Quetelet, Broca e Gall) e de ter efetivamente criado uma nova ciência e descoberto o criminoso nato. E a Garofalo, por sua vez, confere a honra de ter estabelecido as (novas) bases da ciência penal – a defesa social como fundamento do direito de punir e a temibilidade como critério da punição ( CASTRO, 1894 CASTRO, V. A Nova Escola Penal. Rio de Janeiro: Domingos de Magalhães, 1894. , p. 6).

O evolucionismo é o terreno de base para recepcionar as ideias positivas e problematizar os fundamentos da Escola Clássica, sobretudo a ideia de uma justiça absoluta e o livre-arbítrio. Os argumentos contra o livre-arbítrio são os da Nova Escola – sendo este o critério da responsabilidade, justamente os mais perigosos ficam impunes, colocando em risco a defesa social. Sendo assim, seguindo Garofalo, defende que o critério deve ser o da temibilidade, medidos pelo grau de privação dos sentimentos fundamentais da piedade e probidade.

Viveiros de Castro segue seu texto apresentando as ideias centrais de Lombroso: o atavismo, a relação entre o criminoso e o selvagem, as características físicas e psicológicas daquele ( CASTRO, 1894 CASTRO, V. A Nova Escola Penal. Rio de Janeiro: Domingos de Magalhães, 1894. , p. 66). De Enrico Ferri, fundador da Sociologia Criminal, apresenta a lei da saturação criminosa 3 3 Segundo Ferri, o nível de criminalidade depende da combinação de vários fatores: condições do meio físico e social combinado com as tendências hereditárias e os impulsos dos indivíduos. e a ideia dos substitutivos penais (discorrendo sobre os diferentes tipos – de ordem econômica, científica, política, legislativa e administrativa, religiosa, familiar, educativa), ambos combinados e decorrentes da concepção de Ferri de que a pena tem uma eficácia muito limitada, agindo apenas em relação a uma parte de indivíduos e deixando a maioria de fora.

Depois de apresentar as principais ideias de alguns dos pensadores que eram responsáveis pela transformação na ciência penal de então, passa o autor a analisar alguns temas centrais da Nova Escola: a classificação dos criminosos ( CASTRO, 1894 CASTRO, V. A Nova Escola Penal. Rio de Janeiro: Domingos de Magalhães, 1894. , p. 158); os fatores do crime (Ibidem, p. 201); o papel da mulher na etiologia do crime (Ibidem, p. 203-213); a instituição do júri (outro lugar comum nas argumentações dos positivistas, contrários a tais instituições por julgarem com base no sentimento, ignorantes de questões científicas e técnicas, que o direito penal exige, sobretudo, nos parâmetros da Nova Escola) (Ibidem, p. 217-245); a Sociologia Criminal e suas aplicações à processualística penal 4 4 Indicando reformas como a supressão do júri como medida radical e a introdução do Casier Judiciaires, que consiste em registrar no distrito natal do criminoso as condenações em qualquer lugar e época, para fins de controle de antecedentes; a separação entre magistratura civil e criminal, por esta exigir conhecimentos mais específicos de Antropologia e Sociologia Criminal, medicina legal, anatomia, psiquiatria, estatística. (CASTRO, V. A Nova Escola Penal. Rio de Janeiro: Domingos de Magalhães, 1894, p. 267). ; as diferenças entre ação pública e ação privada no direito penal (contra a qual se coloca a partir dos fundamentos da Nova Escola, sobretudo, a necessidade de defesa social) ( CASTRO, 1894 CASTRO, V. A Nova Escola Penal. Rio de Janeiro: Domingos de Magalhães, 1894. , p. 276-291); o hipnotismo (Ibidem, p. 308-310); a embriaguez (Ibidem, p. 344-345); a questão da infância abandonada (Ibidem, p. 347-359); o contágio do crime (Ibidem, p. 362-372); os regicidas; os oradores do júri (em que critica o então desleixo e inabilidade dos advogados na prática oratória do júri).

Sobre a importância da perícia, o que já aparece nessa obra, quando comenta a reforma do júri, Viveiros de Castro a ressalta ainda mais, em um texto publicado em 1894, chamado Attentados ao pudor. Neste o jurista busca fazer uma explanação, a partir das maiores autoridades no assunto da época (Krafft-Ebing, Mantegazza, Lacassagne, Julio de Mattos, Sighele...), sobre as principais aberrações dos instintos sexuais. Contaminado pelo pessimismo do final do século, por conta do aumento do alcoolismo, do suicídio, da loucura, da criminalidade e das neuroses em suas várias manifestações, identifica o desenvolvimento espantoso das aberrações dos instintos sexuais como sinais de degeneração agravados pela hereditariedade. É interessante como Viveiros de Castro mescla a Escola Clássica com a Positiva: seu fundamento é a partir da Escola Positiva, a defesa social, mas uma das conclusões será de acordo com a clássica – a irresponsabilidade dos degenerados. Vejamos como expõe:

O fundamento da pena é a defesa social posta em perigo pela temibilidade do delinquente (...). É certo que ele é degenerado, mas faz mal, é perigoso e ninguém se expõe ao sacrifício para divertimento dos loucos. Reconhecido seu carcater impulsivo, o juiz manda recolhel-o aos azylos de alienados. A sociedade pois não corre o menor risco com a admissão dessa teoria (CASTRO, 1895 ______. Attentados ao pudor. Rio de Janeiro: Domingos Magalhães Editor, 1895. , p. 364-365).

É curioso o fato de Viveiros de Castro não mencionar o termo “manicômios criminais”, uma das instituições mais defendidas pela Nova Escola – apenas se refere a “asilos de alienados”, uma instituição para alienados e não loucos criminosos. Para Viveiros de Castro, o reconhecimento médico da loucura, identificando não se tratar de um “malvado”, pode evitar inconvenientes como punir o degenerado, agravando ainda mais sua patologia, e indicar o tratamento, pelo qual em alguns casos curáveis, pode transformar um indivíduo perigoso em um cidadão útil à sociedade (CASTRO, 1895 ______. Attentados ao pudor. Rio de Janeiro: Domingos Magalhães Editor, 1895. , p. 366).

Em Viveiros de Castro parece prevalecer a influência “clássica” – aos degenerados que não podem se autodeterminar não se aplica punição, porque são irresponsáveis. Em suas palavras: “Há o criminoso e há o degenerado. O primeiro deve ser punido, o segundo é irresponsável.” (CASTRO, 1895 ______. Attentados ao pudor. Rio de Janeiro: Domingos Magalhães Editor, 1895. , p. 363). E, nos termos da Nova Escola, defende a importância do exame médico legal, pois o estado mental só pode ser definido por especialistas, técnicos habilitados. E, imediatamente, rebate possíveis argumentos contrários a essa ideia, baseados na invasão do direito pela medicina: “Nem se diga que assim procedendo apaga-se o papel do magistrado, converte-se ele em um simples rubricador das sentenças dos peritos, tornados em definitivo arbitros da repressão (...)” (CASTRO, 1895 ______. Attentados ao pudor. Rio de Janeiro: Domingos Magalhães Editor, 1895. , p. 363-364).

Em outra publicação, Jurisprudencia Criminal, essa mescla entre escolas também emerge em seu discurso. Em um texto específico dessa obra, em que analisa algumas decisões, discorre sobre a responsabilidade dos epilépticos, a partir de um caso específico. Discordando de Lombroso, para ele, os epilépticos são irresponsáveis sempre, mesmo tendo cometido o crime em um momento lúcido – não são perversos, mas doentes mentais, com lesões cerebrais que produzem um conjunto psicológico profundamente, senão perpetuamente, perturbado ( CASTRO, 1894 CASTRO, V. A Nova Escola Penal. Rio de Janeiro: Domingos de Magalhães, 1894. , p. 344-345); não devem ser presos, mas representando um perigo, devem ser segregados da sociedade e encaminhados para o asilo de alienados (por tempo indeterminado), resguardando-se assim a segurança social. Curioso notar que seu argumento aqui também parte da responsabilidade moral – estes doentes não a possuem e por isso a medida contra eles não é a punição, assim como o termo por ele usado não é manicômio criminal, mas asilo de alienados. Todavia, expõe amplamente sobre as similitudes entre o epiléptico, o louco moral e o criminoso (análise lombrosiana), estados patológicos nos quais há uma “intima afinidade de natureza” (CASTRO, 1900a ______. Jurisprudência Criminal: casos julgados, jurisprudência estrangeira, d outrina jurídica. Rio de Janeiro: Livreiro Editor, 1900a. , p. 131).

Viveiros de Castro defende que o exame pericial não tem força obrigatória, não determina a decisão do juiz, mas é apenas mais um meio de prova. Pode-se perceber que o jurista é bastante cauteloso em conciliar sua defesa à necessidade dos exames periciais e ao mesmo tempo resguardar a autonomia e independência do juiz na hora de decidir. Não há uma invasão de poder, mas apenas a complementação de um saber, contribuindo para o estabelecimento da verdade, segundo Viveiros de Castro (CASTRO, 1900a ______. Jurisprudência Criminal: casos julgados, jurisprudência estrangeira, d outrina jurídica. Rio de Janeiro: Livreiro Editor, 1900a. , p. 114-134).

Em 1900, publica Questões de Direito Penal, em que analisa alguns pontos do direito penal, articulando-os com os fundamentos da Nova Escola. Nessa obra, poucos anos depois da obra de divulgação, em que acidamente lamentava o atraso da cultura jurídica penal brasileira e sua ignorância quanto à evolução no direito penal, já proclamava morta a Escola Clássica e, mais otimista, afirma: “reunidos os elementos para a nova edificação como já se acha, si bem que esparsos, o architeto genial há de aparecer, como depois de Aristoteles e de Bacon apareceu Augusto Comte” (CASTRO, 1900b ______. Questões de Direito Penal. Rio de Janeiro: Jacintho Ribeiro dos Santos Editor, 1900b. , p. 7).

Nesta mesma obra, Viveiros de Castro deixa bastante claro seu espírito liberal: quando defende por exemplo a separação entre Estado e religião, a liberdade de culto, a liberdade de expressão (quando discorre sobre a crítica literária e suas imunidades), a liberdade de profissão (não considerando crime a prática de curandeirismo).

Espírito liberal que já havia declarado em um texto de 1892, Ensaios Juridicos, em que propõe soluções ligadas a questões de interesse social e organização da família, as quais poderiam não agradar a muitos, mas se consolava “com a crença de havel-as animado o largo espirito liberal, desassombrado de preconceitos” (CASTRO, 1892 ______. Ensaios Jurídicos. Rio de Janeiro: Laemmert & C., 1892. , p. 7). Neste mesmo texto, a despeito de seu sincero e convicto liberalismo, Viveiros de Castro defende a pena de morte como o meio mais enérgico e eficaz de defesa social, a partir de uma lógica darwinista social eugênica e de um discurso que cinde a humanidade entre homens honestos e monstros sanguinários (termos usados pelo autor, além de “féras brávias”, “sêres bárbaros, que do homem só tem a forma” (CASTRO, 1892 ______. Ensaios Jurídicos. Rio de Janeiro: Laemmert & C., 1892. , p. 64-65)).

Este espírito liberal de Viveiros de Castro está tão presente em seus textos quanto os mestres do positivismo penal e seus fundamentos, os quais poderiam ser considerados, na verdade, antiliberais: a defesa social é um fundamento que coloca a sociedade e não o indivíduo em primeiro foco; há a demanda de uma intervenção estatal forte por meio das instituições de repressão e tratamento em nome da defesa social, bem como em função do foco preventivo, que tende a atingir as causas da criminalidade; o critério da temibilidade é bastante subjetivo, porque foca o sujeito e não o ato, o que pode comprometer a legalidade, também colocada em risco pela defesa de mais arbítrio por parte do juiz.

Ainda, pela análise dos textos de Viveiros de Castro, pode-se constatar que embora o autor se considere um adepto e propagandista da Nova Escola, não deixa de apresentar elementos fortes da Escola Clássica, muito embora tenha buscado adaptá-las aos novos ventos. Se a partir de uma leitura superficial sua adesão parece plena, uma análise mais atenta nos mostra como a absorção do pensamento criminológico se deu de maneira complexa, embora tenha de fato se intensificado ao longo dos anos republicanos, a despeito do Código Penal de 1890 (considerado clássico e por isso mesmo atrasado).

Um dos fatores que marcam a complexidade de tal quadro é justamente esta imbricação entre o discurso liberal, que parte da defesa dos indivíduos e o positivismo penal, cujo fundamento central é a defesa da sociedade, o que também se verificará nos demais juristas que analisaremos.

Compreender esta aparente contradição é compreender a cultura jurídica criminal da época e como esta absorveu o discurso criminológico positivista.

II. João da Costa Lima Drummond: uma adesão moderada e conciliatória

Lima Drummond foi lente catedrático de Direito Criminal da Faculdade Livre de Sciencias Juridicas e Socies do Rio de Janeiro, por mais de dez anos e membro honorário do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros. Foi um jurista bastante ativo e de forte influência no campo criminal. Suas preleções de direito criminal elaboradas por Paulo Domingues Vianna foi uma das obras mais consultadas, por exemplo, na Faculdade de Direito de Curitiba.

Esse jurista, embora bastante familiarizado com as novas ideias, mostra-se mais moderado e cauteloso em declarar-se um adepto ou propagandista.

Comecemos analisando uma obra sua, publicada em 1898, a qual corresponde, como explica em seu prólogo, a um conjunto de publicações em jornais e revistas jurídicas do Distrito Federal. Já na apresentação justifica a elaboração de tal obra em função “da valiosa contribuição trazida á sciencia do Direito Penal pela aplicação do methodo experimental e de observação aos fenômenos jurídicos, com que ella se preocupa e do intuito de acentuar e limitar o verdadeiro alcance de semelhante contribuição, em certos assumptos peculiares á mesma sciencia.”. Como podemos perceber, sua intenção é mostrar não só as contribuições das novas ideias, mas também os seus limites. Já se percebe o tom do autor, não laudatório, mas cauteloso, receptivo, mas também em certo sentido contido. A outra razão que o faz publicar esses textos, ainda, era a discussão no Congresso Nacional sobre a reforma do Código Penal de 1890. Para Lima Drummond, a vinda do novo Código Penal não deveria ser apressada, “com prejuizo da utilissima collaboração que ainda podem trazer, a esse monumento legislativo, criminalistas pátrios” ( DRUMMOND, 1898 DRUMMOND, J. C. L. Estudos de Direito Criminal. Rio de Janeiro: Maemmert & C.- Editores, 1898. , p. 1).

Lima Drummond recomenda, para o Brasil, exatamente a orientação dada no Congresso de Antropologia Criminal (1885) para a Itália, qual seja, a perspectiva de que ainda não era possível se reduzir em preceitos legais as ideias da Escola Positiva e que, enquanto isso, as reformas sugeridas, que poderiam ser adotadas nos Códigos, fossem independentes do acolhimento de um ou outro sistema (Escola Clássica ou Positiva), aprovando-se assim a proposta segundo a qual as legislações deveriam adaptar-se gradativamente, progressivamente, o que explica também o porquê de Lima Drummond não ter pressa em ver aprovada a reforma do Código Penal.

Acompanhando a linha de raciocínio apontada por Marcos César Alvarez, podemos verificar em Lima Drummond a tentativa de identificar, combinar as duas escolas penais, Clássica e Positiva. Lima Drummond é bem claro quanto à sua percepção de que as duas escolas tinham divergências muito mais aparentes do que reais e que a legislação deveria absorver elementos de ambas as escolas, desde que compatíveis às circunstâncias reais. Portanto, não se tratava tanto de definir qual escola uma legislação deve adotar, mas quais elementos das diferentes correntes absorver, levando em conta as necessidades do meio. Em suas palavras:

as divergências entre a Escola Clássica e positiva, sendo muitas vezes menos reais que aparentes em suas consequências praticas, resultando da virulência com que se exerce a propaganda das novas idéas e da systematica oposição do inveterado classicismo, não impedem que os sectários de ambas as escolas contribuam para a elaboração das leis, desde que se adaptem o mais possível os seus princípios ao meio e ás circumstancias para que se legisla (...) O que convém é que se congreguem os esforços de todos os criminalistas afim de serem banidos do direito escripto essas demasias rethoricas que tão escandalosamente protegem aos criminosos contra a sociedade ( DRUMMOND, 1898 DRUMMOND, J. C. L. Estudos de Direito Criminal. Rio de Janeiro: Maemmert & C.- Editores, 1898. , p. 71).

Esta conciliação entre escolas pode ser identificada também, por exemplo, quando o autor discorre sobre a ação penal e a pertinência ou não das ações privadas. Lima Drummond apresenta as concepções de Garofalo e Ferri, para quem o critério deve ser não o tipo de delito, mas a perversidade do agente. Mais uma vez busca conciliar as escolas Clássica e Positiva neste quesito:

Sobre a inconveniência do exclusivismo da iniciativa da ação penal pelo ministério publico, nenhuma divergência se descobre estre a Escola Clássica e a Escola Positiva, que, pretendendo o equilíbrio entre os direitos individuais e sociaes, não poderia deixar de conceder ao individuo garantias positivas e racionaes contra os abusos e a incúria do poder social. Têm, outrossim, um caracter individualista – segundo observa Ferri – as reformas preconizadas pela Escola Positiva e não é incompleto esse individualismo como o da Escola Clássica, que se limita a acercar de garantias o individuo criminoso sem cogitar das victimas, indivíduos mais dignos de sympathia e proteção ( DRUMMOND, 1898 DRUMMOND, J. C. L. Estudos de Direito Criminal. Rio de Janeiro: Maemmert & C.- Editores, 1898. , p. 90).

É curioso mesmo perceber nesse trecho como não apenas o autor busca conciliar as escolas, no sentido de não identificar divergências significativas em relação a este tema, como também constata um individualismo ainda maior na Escola Positiva se comparado à Clássica, por proteger os direitos individuais não apenas dos criminosos, mas também da vítima, e afirma isso com um discurso que cinde criminoso/vítima, a partir de um critério de dignidade – esta mais digna que aquele e que, portanto, merece mais a atenção da lei quanto à proteção dos seus direitos individuais. Ao tentar conciliar a disputa entre as escolas, o autor busca conciliar também a proteção dos direitos individuais e a defesa da sociedade, deixando à mostra que muito dessa disputa doutrinária se dava pelo foco de atenção de seus discursos: direitos individuais versus segurança/defesa da sociedade. Essa conciliação se dá no jurista brasileiro, justamente a partir de uma das premissas explícitas e fundantes da Escola Positiva, qual seja, a de uma dualidade entre sujeitos (criminosos/vítimas).

Esta tentativa não apenas de conciliar as escolas, mas o individualismo com a defesa social como fundamento do direito de punir aparece também quando discorre sobre um tema polêmico, qual seja, a prisão preventiva. Afirma Drummond:

Por maior que seja, no emtanto, o respeito tributado á liberdade individual e por mais preciosas que se afigurem as garantias a ella outorgadas, em um paiz civilizado, neste século – não se concilia a abolição completa da prisão preventiva com a necessidade de conservação da ordem social pela tutela da ordem juridica (...). É mister harmonizar os direitos do individuo e os da sociedade em proveito do equilíbrio racional e positivo desses direitos igualmente respeitáveis ( DRUMMOND, 1898 DRUMMOND, J. C. L. Estudos de Direito Criminal. Rio de Janeiro: Maemmert & C.- Editores, 1898. , p. 49).

Percebe-se que o jurista não deixa de apreciar a necessidade de proteção aos direitos individuais, mas busca conciliá-los com a necessidade de defesa social e, nesse trecho, o argumento da utilidade social, para justificar a necessidade da prisão preventiva, parece prevalecer à liberdade individual.

O jurista brasileiro, diferentemente da Escola Positiva, defende a pena de prisão celular, o caráter aflitivo da pena, ressalta seu aspecto regenerador, defende a religião como instrumento moralizador, e é contra a pena de morte. Todavia, quando discorre sobre a reincidência, a influência positiva é bastante significativa. Para o jurista brasileiro, a reincidência ocorre por conta de três causas: legislativa, judiciária e penitenciária. Nos três âmbitos são necessárias reformas, mas estas podem traduzir-se em realidade, desde que se tenha em vista um critério fundamental: a distinção dos criminosos em de ocasião (primários) e criminosos profissionais (de hábito), conforme a classificação de Ferri. Quanto aos primeiros, deve-se manter a benignidade, e em relação aos segundos deve-se tornar a repressão mais severa ( DOMINGUES, 1914 DOMINGUES, P. Regime Penitenciario: segundo as Prelecções de Lima Drummond. Rio de Janeiro: Jacinto Ribeiro dos Santos, 1914. , p. 77).

O caráter indeterminado da pena também foi tema amplamente discutido no Congresso Jurídico Brasileiro de 1908 (assim como no Congresso de Washington de 1910). No encontro brasileiro ficaram estabelecidas as conclusões de que pode ser adotado, sem prejuízo às garantias individuais, o sistema das sentenças indeterminadas, desde que relativa – quarta tese ( BRASIL, 1909 BRASIL. Relatório Geral dos Trabalhos do Primeiro Congresso Juridico Brazileiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1909. , p. 713). No encontro americano, a maioria dos votos também foi no sentido da sentença indeterminada relativa.

Lima Drummond considera a prefixação da pena como um princípio clássico por excelência. Mas concebe-o como insustentável, pois não há que se permitir o retorno do criminoso à sociedade, independente da sua regeneração. A sua emenda é condição necessária para sua reintegração social. Essa lógica tenderia ao princípio da indeterminação absoluta, ou seja, sem qualquer limite. Mas Lima Drummond não o defende. Embora lógico, para o jurista esse princípio “poderá fazer com que colida a indeterminação da pena, com o grande principio da garantia da liberdade individual” o que, em sua opinião, “repugna á consciência jurídica da época” ( DOMINGUES, 1914 DOMINGUES, P. Regime Penitenciario: segundo as Prelecções de Lima Drummond. Rio de Janeiro: Jacinto Ribeiro dos Santos, 1914. , p. 81).

Assim, a solução seria a indeterminação relativa da pena (indeterminação condicionada a um máximo e um mínimo), pois dessa maneira combina-se o máximo de defesa social com o mínimo de sofrimento individual. A preocupação de Lima Drummond com as garantias da liberdade individual é a verdadeira razão de optar por esse princípio intermediário. Como se viu, até o momento, essa opção intermediária se coaduna plenamente com sua postura conciliatória entre as Escolas Clássica e Positiva, que também neste tema traduziu-se na conciliação entre liberdade individual e defesa social 5 5 “E tão garantidor é da liberdade individual o systema da indeterminação relativa da pena, que os sectários da indeterminação absoluta pensam haver igualdade fundamental entre esse systema e o da prefixação da pena. Logo, si o regimen da prefixação garante a liberdade individual, o regimen da indeterminação relativa garante-a também. Mas, não há essa igualdade fundamental, porque são mais seguras as garantias oferecidas á liberdade individual no systema da indeterminação relativa do que no regimen actual da prefixação.” (DOMINGUES, P. Regime Penitenciario: segundo as Prelecções de Lima Drummond. Rio de Janeiro: Jacinto Ribeiro dos Santos, 1914, p. 82). .

Lima Drummond, portanto, não parece tão alheio à percepção de que a Escola Positiva e a efetivação plena de seus fundamentos poderia acarretar um perigo, ao menos um alerta de sinal vermelho, à proteção das garantias das liberdades individuais. Como os juristas ligados a Francesco Carrara, pertencentes à intitulada por Ferri “Escola Clássica”, Lima Drummond é atento “ás intimas relações existentes entre o direito publico constitucional e o direito penal dos povos cultos (...)” (VIANNA, 1915, p. 32). Assim, para ele a associação entre a indeterminação relativa da pena com a prefixação (modelo clássico) tem um aspecto positivo, pois demonstra a preocupação na primeira também com a defesa da liberdade individual, sendo esta, inclusive, na visão de Drummond, mais ampla na opção pela indeterminação, por defender os direitos individuais também da vítima (uma vez que a possibilidade de devolver à sociedade um criminoso regenerado é muito maior).

Em suas Preleções de Direito Criminal, quando discorre sobre o fundamento do direito de punir, apresenta as diferentes correntes (morais absolutas, utilitárias relativas e mistas) e atribui a Carrara e seus seguidores o mérito de terem desenvolvido a mista, na qual “O ponto de vista individual e o ponto de vista social se integram sem demasias, no verdadeiro conceito do principio fundamental do direito de punir” (VIANNA, 1915, p. 50). Mais uma vez, portanto, explicita sua preocupação com a conciliação entre direitos individuais e defesa da sociedade.

Dedica, nas preleções, todo um capítulo relativo ao Crime e criminoso segundo a escola anthropologica criminal; delicto natural; classificação dos delinquentes, mas faz críticas contundentes à Nova Escola (VIANNA, 1915, p. 90). Comentando a classificação dos criminosos, por exemplo, apresenta a mais conhecida e elogiada, ou seja, a de Ferri (Ibidem, p. 101). Quanto à imputabilidade penal, Lima Drummond é assertivo em definir-se de acordo com a responsabilidade moral. Não admite a crítica dos deterministas de que a liberdade da vontade a partir do livre-arbítrio é uma liberdade indiferente a motivos. Os motivos existem, mas eles não determinam a vontade, mas sim, esta se determina à vista dos motivos 6 6 “A verdade é que a natureza concede ao homem no estado normal, bastante força e vigor para resistir á preferencia que ele possa dar ao mal, na escolha entre o mal e o bem previamente discriminados (...) As noções fundamentaes da Escola Clássica de direito penal dominam todas as legislações modernas.” (VIANNA, P. D. Direito Criminal: segundo as preleções professadas pelo Dr. Lima Drummond na Faculdade livre de Sciencias Juridicas e Sociaes do Rio de Janeiro. 2 ed. Rio de Janeiro: F. Briguiet e Cia, 1915, p. 108). . Porém, no que diz respeito aos loucos criminosos, Lima Drummond segue a Nuova Scuola, defendendo a necessidade de criação dos manicômios penais, estabelecimentos específicos para eles, onde se combinem tratamento e medidas de segurança especiais 7 7 O autor menciona o Decreto n. 1.132, de 1903, que reorganizou a assistência aos alienados, o qual, no artigo 11, menciona expressamente os manicômios criminais: “ Enquanto não possuírem os Estados manicômios criminaes, os alienados delinquentes e os condemnados alienados somente poderão permanecer em asylos públicos, nos pavilhões que expressamente se lhes reservem.”. De acordo com Lima Drummond, essas instituições deveriam ser destinadas não apenas aos criminosos loucos e aos loucos criminosos, mas também os loucos perigosos, ou seja, àqueles que ainda não cometeram um delito, mas cujo estado psíquico pode facilmente conduzi-lo para tanto, devendo haver diferentes seções para cada tipo para que não convivam em promiscuidade. (VIANNA, P. D. Direito Criminal: segundo as preleções professadas pelo Dr. Lima Drummond na Faculdade livre de Sciencias Juridicas e Sociaes do Rio de Janeiro. 2 ed. Rio de Janeiro: F. Briguiet e Cia, 1915, p. 170). .

Quando discorre sobre as circunstâncias atenuantes e agravantes parece assumir uma tendência mais próxima à Escola Positiva, pois defende como preferível o sistema do arbítrio conferido ao juiz e não o da especificação na lei, porque aquele consagra melhor o princípio da individualização da pena. Sua argumentação também ocorre nos termos da Nova Escola, relacionando medicina e doentes, crime e criminosos 8 8 “Diz-se em medicina que não há doenças mas sim doentes. Com as devidas reservas no tocante aos princípios fundamentaes, também se poderá dizer no direito penal que não há propriamente crimes mas sim criminosos e assim se justifica o principio da individualização da penalidade ”. (Ibidem, p. 170). . Todavia, é categórico em afirmar que a individualização da pena e o estudo do criminoso não são prerrogativas dos deterministas, pois “A Escola Clássica no estudo das causas e das circunstacias pessoaes que dirimem, justificam ou atenuam a responsabilidade criminal, estuda forçosamente o criminoso (...)” (VIANNA, 1915, p. 172-173).

No que se refere à premeditação, apresenta as concepções da Escola Positiva (a premeditação não é necessariamente sinal de uma maior perversidade do autor) e entende que de fato deve-se levar em consideração o caráter do delinquente, em combinação com a premeditação, para que ela seja uma agravante. Mas em seu ponto de vista “não é inconciliável a these determinista com o principio clássico no que toca á circunstancia agravante da premeditação” (VIANNA, 1915, p. 180). Mais uma vez, percebe-se que persiste o cuidado do autor em tentar conciliar as doutrinas, ou seja, em buscar eliminar supostas oposições que são mais aparentes do que efetivas, como bem já havia pontuado.

O que percebemos em Lima Drummond, portanto, é uma adesão em termos “oportunistas”, no sentido de que absorvia alguns elementos da Escola Positiva, mas sem romper com determinados fundamentos da Escola Clássica. A conciliação entre as escolas, tentando eliminar suas oposições, demonstrando-as mais aparentes do que reais, parece ser a marca do autor. Podemos ler essa combinação como a tendência brasileira ao sincretismo ou, nos termos de Marcos Cesar Alvarez, segundo o qual os juristas adeptos da Escola Positiva se mostravam propensos a estabelecer algum tipo de compromisso entre as concepções liberais e as da criminologia (não apenas propondo a substituição de uma escola pela outra) 9 9 “Aliás, esta parece ter sido a vocação principal dos juristas reformadores: situados bem no cerne da tensão estabelecida entre os ideais de igualdade política e social do novo regime e as desigualdades sociais percebidas como constitutivas da sociedade, eles tiveram que articular demandas opostas e quase contraditórias. Assim, os juristas tiveram que conciliar as concepções liberais acerca do Estado às novas necessidades de intervenção e controle das populações urbanas; de adequar o Código Penal de 1890, ainda concebido de acordo com os preceitos da Escola Clássica de direito penal, aos dispositivos legais e institucionais propostos pela Escola Positiva, de manter a responsabilidade penal, e ao mesmo tempo, ampliar e sofisticar os critérios de irresponsabilidade; de articular os campos da lei e da norma .” (ALVAREZ, M. C. Bacharéis, criminologistas e juristas: saber jurídico e nova escola penal no Brasil. São Paulo: Método, 2003, p. 214). . Mas talvez possamos ir além e identificar que esta conciliação entre escolas faz parte de uma combinação mais complexa entre liberalismo e positivismo penal, combinação que marca grande parte dos juristas do período.

III. Esmeraldino Bandeira: um fiel seguidor

Formou-se em direito pela Faculdade de Recife. Foi lente durante muitos anos de Direito Criminal da Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro, que depois, em 1920, funde-se com a Faculdade de Sciencias Sociaes e Juridicas, formando a Faculdade Nacional de Direito, na qual também lecionou.

Da análise dos seus programas de disciplina, pode-se constatar que Esmeraldino Bandeira foi um dos professores de direito criminal que mais minuciosamente trabalhava com os principais temas do positivismo criminológico, tanto na disciplina de Direito Criminal, quanto na de Direito Penal Militar e Regime Penitenciário. Do programa de Direito Criminal, a parte geral, em que estes temas são desenvolvidos, conta com vinte e três páginas, enquanto a parte especial apenas duas.

Esmeraldino Bandeira e Lima Drummond foram contemporâneos, lecionaram direito criminal no mesmo período (da década de 90 do século XIX até meados do século XX). Todavia, pode-se dizer que a postura de Bandeira é muito mais receptiva à Escola Penal Positiva que a de Lima Drummond. Pode-se mesmo considerá-lo um exímio admirador e fiel seguidor. Em discurso pronunciado, em 21 de novembro de 1908, no Teatro S. Pedro de Alcantara, na cidade do Rio de Janeiro, em homenagem a Enrico Ferri, ressalta que teria sido Ferri o gênio que tão bem divulgou, organizou, sistematizou e aperfeiçoou as ideias de Lombroso, formando uma doutrina integral e sintética (BANDEIRA, 1912b ______. Enrico Ferri e a Escola Positiva de Direito Criminal. In: ______. Estudos de Politica Criminal. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1912b. , p. 227).

Crítico do Código de 1890, considera-o atrasado e lacunoso e sustentava a necessidade de substitui-lo por um Código moderno, ou seja, mais de acordo com as ideias da Nova Escola (BANDEIRA, 1910 ______. Relatórios dos anos de 1909 e 1910 apresentado ao presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil em abril de 1910. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, p. XXXII, 1910. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1906/000001.html>; Acesso em 26 mar. 2015.
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1906/000...
, p. XXXII).

Em Estudos de Politica Criminal 10 10 Bandeira define Política Criminal nos termos de Ferri, ou seja, a parte dos estudos criminais que buscam aplicar os princípios da Sociologia Criminal. condensa uma série de artigos publicados no Jornal do Commercio e alguns outros até então inéditos. No prefácio de apresentação percebe-se seu tom de adesão muito mais categórico que o de Lima Drummond, crítico e ao mesmo tempo conciliador, como se viu. Deixa bastante claro que procurou apresentar nos artigos “os principaes ensinamentos da Escola Positiva de direito criminal, fundada na Italia por Lombroso, Ferri e Garofalo” (BANDEIRA, 1912c ______. Estudos de Politica Criminal. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1912c. , p. 7). Aproveita o ensejo para defender a Nova Escola dos seus opositores (a Escola Clássica e a Terza Escola), os quais considera impotentes para refutá-la e critica o debate que se fazia de modo unilateral, apenas impugnando as conclusões sem levar em conta os fundamentos da sistematização, nos quais “Não havia tocar por serem verdades demonstradas de sciencias positivas (...)”(BANDEIRA, 1912c ______. Estudos de Politica Criminal. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1912c. , p. 7-8).

Nesse texto introdutório de Esmeraldino Bandeira há elementos bem interessantes para se analisar. Para ele, o erro do direito antigo era tirar do criminoso sua qualidade humana; os criminosos eram, portanto, demonizados, vistos como um ser à parte, carregados de maldade. A partir de fins da Idade Média, o criminoso passa a ser visto como um homem a “hombrear entre os honestos e perfeitos”. Mas, objeta Esmeraldino Bandeira,

Identificar, entretanto, o homem criminoso ao homem normal na sua constituição bio-psychica, nos moveis de sua conducta e na pratica de suas ações, equivale a confundir indivíduos que sentem, pensam e agem de modos fundamentalmente diversos e opostos. O direito moderno, por iniciativa da escola italiana, poz afinal o problema em seus termos verdadeiros – mantendo no criminoso a sua qualidade humana e distinguindo em certos homens a anormalidade criminal (BANDEIRA, 1912c ______. Estudos de Politica Criminal. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1912c. , p. 9).

Na leitura, portanto, de Esmeraldino Bandeira, a Escola Italiana (positiva) teria encontrado um meio termo – os criminosos são homens, mas não são normais, são diferentes porque contaminados pela anormalidade criminal e “a criminologia estuda particularmente o homem anormal” (BANDEIRA, 1912c ______. Estudos de Politica Criminal. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1912c. , p. 10). Todavia, o próprio uso recorrente da palavra “malfeitor” para se referir aos criminosos é um sinal bastante forte de que em alguns autores da Escola Positiva, como é o caso de Garofalo, trata-se de uma humanidade tão diferenciada e inferior que parece aproximá-la da primeira fase histórica criticada por Bandeira. Há também na Nova Escola um discurso demonizador, mas agora a maldade está inscrita no organismo, a partir de uma linguagem biológica, médica, científica. Bandeira não se dá conta desse viés na Escola Positiva, concebendo-a como uma evolução que teria, enfim, encontrado a verdadeira forma de abordar o homem criminoso em sua especificidade.

Acredita que a criminalidade é primeiramente orgânica e biológica, embora o meio ambiente, social e jurídico, favoreça a eclosão do seu desenvolvimento. Apresenta a classificação de Ferri como a mais verdadeira e científica. Para o jurista brasileiro,

A classificação dos criminosos em suas categorias essenciaes, a votação de uma lei liberal e previdente e a acção de uma administração penitenciaria, moralizada e capaz, supprirão em muito as lacunas da penalogia contemporânea (BANDEIRA, 1912c ______. Estudos de Politica Criminal. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1912c. , p. 64).

Prever a classificação dos criminosos não contrasta, portanto, em sua visão, com a aprovação de uma lei liberal – são ambos complementares para a melhoria da penalogia de então.

Defende a individualização da pena de acordo com o caráter do delinquente, que vise não apenas adaptar a pena às exigências da correção moral, mas às exigências da eliminação natural ou artificial, conforme a temibilidade do delinquente. Essa individualização pode ser feita em três etapas. Cabe à lei dispor ao juiz e ao administrador penas de natureza e regimes diferentes – os tipos de pena devem ser definidos objetivamente pela lei. Também entende Bandeira que a lei deveria determinar medidas de caráter preventivo, de viés mais sociológico do que penitenciário, portanto. A individualização judiciária é mais exequível, pois o juiz tem diante de si o criminoso e pode estudá-lo em sua individualidade antropológica e social, averiguando se o crime é compatível com sua personalidade ou não. Cabe a ele determinar a natureza e propor o regime da pena. Defende, nos termos da Escola Positiva, um processo com mais informações científicas e menos formalidades judiciárias e uma magistratura mais especialmente instruída. A individualização administrativa, por sua vez, realizada pela administração penitenciária é a que de fato pode detectar a possibilidade ou impossibilidade de reforma e readaptação. Para Bandeira, é a ela que incumbe definir o regime (cuja prescrição pode ser cumulativa com o juiz) e, sobretudo, a duração da pena.

Para o jurista brasileiro, a individualização da pena nesses termos é muito mais vantajosa para a defesa pessoal e coletiva que a doutrina da proporção entre a pena e o delito.

Em sua opinião, seguindo a Escola Positiva, são necessárias penas distintas para categorias distintas de criminosos. Uma mesma pena para todos parte da premissa errada da igualdade entre os homens. Para que haja igualdade da pena, ela deve ser tão diversificada quanto são diversos os criminosos. A forma mais oportuna, segundo Ferri, para se adaptar a forma de reação à ação antissocial é a análise do motivo determinante, combinada com o critério da categoria do agente. Esmeraldino Bandeira defende, todavia, não ser possível estabelecer todas as categorias de delinquentes na lei e por isso a escolha da pena, a partir dos tipos estabelecidos em lei, deve ser do juiz, que tem contato direto com o delinquente e pode analisar suas condições individuais e concluir pelo tipo de pena mais adequado.

Para Bandeira, as penas que visam à emenda ou reforma devem ser aplicadas àqueles criminosos passíveis de reforma, como os primários ou de hábito que não tenham cometido faltas muito graves. Todavia, diferentemente de Lima Drummond, entende que existem criminosos incorrigíveis e para estes cabem apenas as medidas repressivas 11 11 “Embora o conceito da incorrigibilidade ainda esteja para ser formulado sob o ponto de vista legal e penalogico, quer quanto á natureza, quer quanto ao numero das infrações que o devem integrar: em todo caso a incorrigibilidade de certos criminosos é um fato de existência material e tangível que ninguém, com efeito poderá negar.” (BANDEIRA, E. Sentenças Indeterminadas. In: _____. Estudos de Politica Criminal. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1912f, p. 53). .

Considera o móvel tão importante que na discussão do projeto que visava implantar no Brasil o sistema da suspensão da condenação em certos crimes e delitos, quando se tratasse de delinquente primário, propõe a inclusão do artigo que dispunha não ser possível a concessão da suspensão da pena no caso em que as circunstâncias materiais e os motivos morais do delito revelassem a perversidade ou corrupção do caráter do delinquente (artigo quinto) ( BANDEIRA, 1912a BANDEIRA, E. Adaptação da Lei Bérenger no Brazil. Discurso e apresentação do respectivo projecto na sessão de 18 de julho de 1906 na Camara dos Deputados Federaes. In: _____. Estudos de Politica Criminal. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1912a. , p. 244). Na exposição de motivos de seu projeto indica que tal instituto correspondia à tendência moderna de subjetivação do direito penal (que é a tendência da Escola Positiva). Indica, ainda, nessa mesma exposição, que não se tratava de uma “lei de bondade, de indulgência, de mansuetude, de perdão... e, sim, de inspirada providência social, pois a absolvição de uma primeira falta não representa o seu escopo, senão meio de evitar outras faltas futuras” tratando-se pois, “de um substitutivo penal, um tratamento suscetível de rigor.” ( BANDEIRA, 1912a BANDEIRA, E. Adaptação da Lei Bérenger no Brazil. Discurso e apresentação do respectivo projecto na sessão de 18 de julho de 1906 na Camara dos Deputados Federaes. In: _____. Estudos de Politica Criminal. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1912a. , p. 245).

Defende que o alcance do sursis deveria levar em conta a distinção entre os incorrigíveis e inadaptáveis e aqueles que cometeram um crime por um deslize momentâneo, mas que são homens moralizados e normais. Portanto, sempre como fundamento de fundo, a dualidade de sujeitos.

É a favor, ainda, da sentença indeterminada em termos absolutos, não aceitando as relativamente indeterminadas como professado por Lima Drummond. Para Bandeira, “A indeterminação é um conceito que não admite graos de significação, quer sob o ponto de vista abstrato e logico; quer sob o aspecto objetivo e pratico.” (BANDEIRA, 1912f ______. Sentenças Indeterminadas. In: _____. Estudos de Politica Criminal. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1912f. , p. 39). Assim, a pena só deve terminar quando houver prova da emenda do criminoso – se não há como pré-determinar o tempo para a emenda, não há como pré-definir o período da pena.

Esmeraldino Bandeira está ciente de que essa questão tem como pano de fundo uma outra, ainda mais importante: o confronto entre a liberdade individual e a defesa social e responde:

Em tese penso com Enrico Ferri: - ceda o primeiro em proveito do segundo (...) Por toda parte a liberdade cede á necessidade (...) Assim como o individuo é um simples elemento da sociedade, a liberdade individual é uma simples parcela da defesa social (...) Além disso importa distinguir entre a liberdade que se deve a um homem normal e a liberdade que se póde conceder a um homem criminoso. As garantias de direito são regras abstractas que se têm de condicionar em sua aplicação aos homens e aos fatos. A atividade honesta e a atividade deshonesta não podem pretender acolhida igual nas regras de direito (BANDEIRA, 1912f ______. Sentenças Indeterminadas. In: _____. Estudos de Politica Criminal. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1912f. , p. 41-42).

Esse trecho é emblemático em Esmeraldino Bandeira. Nele é explícita a opção pela defesa social. De toda forma, em Esmeraldino Bandeira a prevalência da sociedade sobre o indivíduo, bem como a cisão entre homem normal e anormal, ou seja, o espaço sacro da liberdade aos homens normais e dele excluídos os anormais, possibilita a utilização de mecanismos que afrontem a liberdade destes últimos sem maiores restrições. A desigualdade em sua condição de homem não permite que seus direitos sejam garantidos da mesma forma, afinal, em sua opinião “Não há duvida que o melhor dos criminosos é sempre peor que o mais vulgar dos homens honestos (...).” (BANDEIRA, 1912e ______. O Patronato. In: _____. Estudos de Politica Criminal. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1912e. , p. 151).

Porém, como Lima Drummond, defende a importância e necessidade dos Patronatos para auxiliar os ex-condenados no processo de reintegração social, uma vez que as condições negativas e miseráveis em que se encontram quando deixam a prisão muitas vezes os levam a reincidir, e o aumento da criminalidade se dá muito mais pela reincidência do que pelo aparecimento de novos delinquentes. Inclusive, foi por sua iniciativa, quando Ministro da Justiça e Negócios Interiores, que se aprovou o Decreto n. 8.233, de 22 de Setembro de 1910, relativo ao Patronato, cujo projeto havia sido elaborado por Lima Drummond.

Esmeraldino Bandeira, apesar de sustentar a assistência aos criminosos por meio do Patronato, vendo este como justo e legítimo, não deixa de demonstrar em seu discurso uma dose de leitura malthusiana sobre a miséria. Entende, por exemplo, que a pobreza muitas vezes é consequência da ociosidade e da preguiça e a miséria o resultado de taras congênitas e moléstias adquiridas,

De modo que, em si próprias as causas da pobreza e da miséria não devem em muitos casos despertar as sympathias que, aliás, sempre despertam (...) Confromtem-se o vicio e a ociosidade; a enfermidade e a segregação numa penitenciaria que se acharão de natureza muito parecida as causas mais comuns do pauperismo e do delicto (BANDEIRA, 1912e ______. O Patronato. In: _____. Estudos de Politica Criminal. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1912e. , p. 152).

Contudo, entende que apesar de doutrinas que sustentam a eliminação dos mais fracos e defeituosos, os séculos XIX e XX marcavam-se pela ênfase na assistência e proteção dos mais desgraçados. De qualquer forma, o pensamento que ilumina os debates sobre o patronato, segundo Bandeira, é o de que

Mais do que o criminoso vale o homem honesto, e mais do que o crime vale a miséria inofensiva (...) beneficiando embora a pessoa do criminoso, o patronato tem como objetivo superior a prevenção da reincidência, quer dizer, a defesa do agregado social contra a reiteração da criminalidade (BANDEIRA, 1912e ______. O Patronato. In: _____. Estudos de Politica Criminal. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1912e. , p. 172).

Em Esmeraldino Bandeira, a questão do equilíbrio entre os direitos individuais e a defesa social parece dar-se exatamente nos termos da Escola Positiva concebidos por Ferri. Para este, uma característica importante desta escola, e que inclusive corresponde a uma oposição à Escola Clássica, é a valorização do equilíbrio entre direitos individuais e sociais. A crítica de Ferri é que a Escola Clássica prioriza excessivamente os primeiros em detrimento da sociedade, uma vez que seu individualismo, para o autor, está focado essencialmente na figura do delinquente. Um dos meios para se chamar atenção a essa nova abordagem da Escola Positiva foi a valorização da vítima e sua família, bem como seus direitos no processo criminal 12 12 “(...) penso que os protagonistas do drama judiciário sejam três: o julgável, o Estado que julga e a vítima do crime: a parte lesada, que é um protagonista do processo penal e deve ser colocada em primeiro plano nas preocupações jurídicas e morais da justiça penal (...)”. Tradução livre de: “(...) Io penso (...) che i protagonisti del drama giudiziario siano tre: il giudicabile, lo Stato che giudica e la vitima del reato: la parte lesa, che è un protagonista del processo penale e deve essere messa in prima linea nelle preocupazioni giuridiche e morali della giustizia penale (…)”. (FERRI, E. Il progetto del Codice di procedura penale – Discorso parlamento (22 de maio de 1912) In: _____. Difesi penali, v. III. Turim: Utet, 1886, pp. 324). . Na verdade, na maior parte dos argumentos da Escola Positiva, os interesses da sociedade tendem a prevalecer sobre os do indivíduo. O equilíbrio, então, parece ser buscado a partir do discurso que valoriza o indivíduo-vítima e não o criminoso, o que se sustenta e se fortalece por meio da ideia base desta escola, que é a cisão entre o homem criminoso e, portanto, anormal e o homem normal/honesto. Em Esmeraldino Bandeira percebemos essa mesma dinâmica, pois essa cisão é a base a partir da qual pensa a criminalidade e as formas de reação e, ainda, tanto quando defende a substituição da pena de prisão por outros tipos, ou quando sustenta a necessidade do Patronato, em auxílio aos liberados ou egressos, o faz sempre em nome dos interesses do ofendido e da sociedade.

Conclusão

Para Marcos Cesar Alvarez, a peculiaridade do discurso dos juristas, adeptos da criminologia e da Nova Escola penal, consiste, justamente, no fato de este discurso se situar nesse ponto de convergência e composição entre os ideais clássicos (liberais) da justiça penal e as proposições da criminologia, entre o campo da norma e o campo da lei. Os juristas adeptos da criminologia, ao contrário dos médicos, tinham que compatibilizar os muitos dispositivos normalizadores, então propostos pela criminologia, com as estruturas e práticas legais já existentes, articulando lei e norma. Assim, por exemplo, a constante justaposição no discurso dos juristas das diferentes escolas criminológicas e a tendência, que vai se desenhando, de ressaltar as condições sociais envolvidas na gênese do crime e da criminalidade, traduziram a necessidade de evitar que concepções puramente naturalistas subordinassem totalmente o campo da lei ao campo da norma. Ainda, Marcos Cesar Alvarez aponta o caráter conservador do liberalismo (avesso aos ideais democráticos e à ideia de igualdade) como uma das facilidades e abertura para a recepção do pensamento criminológico ( ALVAREZ, 2003 ALVAREZ, M. C. Bacharéis, criminologistas e juristas: saber jurídico e nova escola penal no Brasil. São Paulo: Método, 2003. , p. 215).

Não discordamos da tese de Marcos Cesar Alvarez: de fato, essa combinação existirá em alguns destes juristas e Lima Drummond é um exemplo emblemático – pois ele tenta combinar, internamente na discussão da ciência penal, elementos clássicos e positivos (responsabilidade moral e temibilidade, por exemplo).

Todavia, podemos acrescentar a essa tese um outro tipo de combinação, a que ocorre, por exemplo em Esmeraldino Bandeira, em que há uma adesão integral aos postulados da Escola Positiva (portanto, não se trata como em Drummond de identificar linhas de contato, mas sim, de intensificar a oposição entre as escolas no campo da doutrina penal), sem se romper com o liberalismo, pois, muito pelo contrário, seu positivismo penal combinava-se e embasava-se em um discurso liberal.

Como bem pontuam alguns juristas da época, como Lima Drummond, certos elementos exaltados na Nova Escola (Positiva), já existiam na Clássica (liberal) – a dualidade de sujeitos, a preocupação com a defesa social, a temibilidade, de alguma forma, já aparecem no conceito de perversidade, a norma e a disciplina no cárcere, “normalizando” o delinquente para torná-lo um cidadão útil. Esses elementos são reforçados no discurso positivo que, vinculado ao discurso médico, tende a fortalecer o campo da norma sobre o da lei, e cindir ainda mais a humanidade em tipos de homens graduados pelo perigo social – um perigo que parece medir-se a partir de critérios científicos, mas que decorrem de uma ideologia muito precisa.

Embasar o positivismo criminológico em um discurso liberal não é apenas uma contradição performativa de alguns juristas brasileiros, mas uma possibilidade viabilizada pela própria contradição interna do liberalismo – liberdade/ordem; direitos individuais/defesa da sociedade – que na prática resolvia esse impasse pela dualidade de sujeitos (proprietários/não-proprietários), por uma lógica de exclusão que lhe foi sempre constitutiva. E tal dualidade de sujeitos permite essa conciliação harmônica entre positivismo penal e liberalismo (proteção de direitos individuais de alguns e mecanismos de segurança para outros).

Em Lima Drummond, a combinação entre as escolas também se mostrava como uma tentativa de conciliar esse impasse liberal, a proteção dos direitos individuais e a defesa social e, como se viu, essa conciliação em seu pensamento não deixa de estar “contaminada” pela lógica da dualidade de sujeitos, que não é apenas própria do positivismo penal, mas também está inserida no classicismo liberal.

Na verdade, Lima Drummond, apesar de não aderir explícita e completamente aos postulados da Escola Positiva, argumenta o equilíbrio entre direitos individuais e defesa social em termos muito semelhantes aos de Esmeraldino Bandeira.

Pôde-se constatar que o pensamento de Esmeraldino Bandeira coaduna-se com o liberalismo republicano, que rearticula a dualidade liberal liberdade-segurança, pendendo a balança para a segunda, em nome da defesa da sociedade e, portanto, o papel do direito criminal, nessa dinâmica, enquadra-se mais adequadamente nos termos da Escola Positiva. E, ressalta-se: tratava-se da defesa de uma parte da sociedade – homens honestos –, pois a dualidade de sujeitos é o fio condutor e legitimador de um discurso liberal e positivo-penal, como o que caracteriza o liberalismo republicano desses criminalistas.

Viveiros de Castro embora não adote o tom conciliatório de Drummond - considerava a Escola Positiva a última evolução do direito penal – não apresenta a maturidade e adesão plena de Esmeraldino Bandeira e em alguns momentos parece comprometido com postulados clássicos, quando, por exemplo, considera os loucos inimputáveis e irresponsáveis, como na lógica clássica. Todavia, nele a cisão entre criminosos e homens honestos também é bastante clara e não o impede de declarar-se explicitamente liberal e republicano e ao mesmo tempo defensor da pena de morte.

O tom republicano e liberal de Viveiros de Castro, embora um passo à frente do liberalismo do Império, afinal não se têm mais escravos, ainda está muito vinculado a uma lógica conservadora que tendeu a prevalecer sobre a radical, pois a cisão da humanidade (construída pelo discurso racial, pelas lentes evolucionistas e darwinistas sociais) é um pano de fundo a partir do qual Viveiros de Castro concebe a criminalidade e as formas de combate a ela. Em vários momentos do seu texto, essa cisão emerge, como quando defende a pena de morte e em sua forte adesão a Garofalo, um dos mais conservadores dos criminólogos positivistas.

A dualidade liberal liberdade-ordem refletiu uma dualidade de sujeitos, homens honestos-malfeitores. Essa dualidade não é própria apenas do positivismo penal, mas faz parte da cultura penal desde Beccaria e Bentham. O campo de exclusão esteve sempre presente ao lado do espaço sacro da liberdade (da inclusão). Uma tendência do liberalismo, mais radical, de fato, representou lutas para incluir cada vez mais sujeitos neste campo sacro: mulheres, negros (no século XX e XXI os homossexuais). Não se pode negar o aspecto positivo e as margens de possibilidade de abertura que o liberalismo apresenta, em que pese sua dualidade. O liberalismo conservador, todavia, que prevaleceu no Brasil, também na República, conteve as arestas do âmbito sacro, criando cada vez mais marcadores da diferença e, nesse aspecto, o pensamento criminológico tornou-se bastante útil.

Talvez se possa afirmar que essa “não percepção” dos juristas brasileiros de uma “possível” (ainda que aparente) incompatibilidade entre liberalismo e positivismo penal denuncia a própria dualidade liberal, que pressupõe um campo de exclusão: para quem está fora do espaço sacro da liberdade – o criminoso/malfeitor – se aplicam premissas cujas consequências podem ser a afronta aos seus direitos individuais. Assim, deve prevalecer a segurança social que age contra os malfeitores e protege os direitos individuais dos incluídos no espaço sacro. Dessa forma, a defesa social e a defesa dos direitos individuais não são incompatíveis – pois se defende a sociedade constituída pelos indivíduos que compõem o espaço sacro, enquanto os meios de defesa social aplicam-se àqueles que estão fora, e em relação a estes as garantias individuais podem ser suspensas.

Portanto, tratava-se de uma combinação bastante possível, uma vez que o positivismo penal é a exacerbação de um dos aspectos do liberalismo – ordem/segurança – que se intensifica juntamente com a sua crise. Crise que na Europa ocorre muito antes do que no Brasil, mas que, sobretudo, nas primeiras décadas do século XX, aqui também se passará, com a disseminação das ideias socialistas e anarquistas e o agravamento das questões sociais. Não à toa, nesse mesmo período, o pensamento criminológico aqui se fortalece, angariando novos adeptos fervorosos como Moniz Sodré, Candido Motta, Evaristo de Moraes, Lemos Britto, entre outros.

  • 1
    Este artigo é fruto de uma pesquisa de doutorado, a qual analisa a recepção do pensamento criminológico na cultura jurídica criminal do Brasil, no período da Primeira República, mais especificamente no âmbito do ensino do direito criminal. (DIAS, Rebeca Fernandes DIAS, Rebeca Fernandes. Criminologia no Brasil: Cultura Jurídica Criminal na Primeira República. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. . Criminologia no Brasil: Cultura Jurídica Criminal na Primeira República. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017).
  • 2
    No direito criminal estamos em uma ignorancia mizeravel. Na magistratura, no professorado, na advocacia, na litteratura não ha sinão atrazo e pobreza (...) Os professores ignoram a revolução que tem modificado tão profundamente o direito penal, são incapazes de fazerem uma exposição rasoavel das ideias de um Lombroso, de um Ferri, de um Lacassagne (...) repetem em postillas sebentas como ultima novidade as licções de um Ortolan ou de um Bertauld. Os nossos magistrados reduziram o direito penal a uma formalistica ridicula de chicanas e rabulices (...) elles annulam um processo porque não consta dos autos ter o beleguim tocado o balado ao abrir a audiencia ou não ter o escrivão copiado os termos do formulário com todos os seus pontos e virgulas. Os advogados entregaram o foro criminal a uma meia duzia de especuladores ignorantes e atrevidos”. (CASTRO, V. A Nova Escola Penal. Rio de Janeiro: Domingos de Magalhães, 1894, p. 8-9).
  • 3
    Segundo Ferri, o nível de criminalidade depende da combinação de vários fatores: condições do meio físico e social combinado com as tendências hereditárias e os impulsos dos indivíduos.
  • 4
    Indicando reformas como a supressão do júri como medida radical e a introdução do Casier Judiciaires, que consiste em registrar no distrito natal do criminoso as condenações em qualquer lugar e época, para fins de controle de antecedentes; a separação entre magistratura civil e criminal, por esta exigir conhecimentos mais específicos de Antropologia e Sociologia Criminal, medicina legal, anatomia, psiquiatria, estatística. (CASTRO, V CASTRO, V. A Nova Escola Penal. Rio de Janeiro: Domingos de Magalhães, 1894. . A Nova Escola Penal. Rio de Janeiro: Domingos de Magalhães, 1894, p. 267).
  • 5
    E tão garantidor é da liberdade individual o systema da indeterminação relativa da pena, que os sectários da indeterminação absoluta pensam haver igualdade fundamental entre esse systema e o da prefixação da pena. Logo, si o regimen da prefixação garante a liberdade individual, o regimen da indeterminação relativa garante-a também. Mas, não há essa igualdade fundamental, porque são mais seguras as garantias oferecidas á liberdade individual no systema da indeterminação relativa do que no regimen actual da prefixação.” (DOMINGUES, P DOMINGUES, P. Regime Penitenciario: segundo as Prelecções de Lima Drummond. Rio de Janeiro: Jacinto Ribeiro dos Santos, 1914. . Regime Penitenciario: segundo as Prelecções de Lima Drummond. Rio de Janeiro: Jacinto Ribeiro dos Santos, 1914, p. 82).
  • 6
    A verdade é que a natureza concede ao homem no estado normal, bastante força e vigor para resistir á preferencia que ele possa dar ao mal, na escolha entre o mal e o bem previamente discriminados (...) As noções fundamentaes da Escola Clássica de direito penal dominam todas as legislações modernas.” (VIANNA, P. D. Direito Criminal: segundo as preleções professadas pelo Dr. Lima Drummond na Faculdade livre de Sciencias Juridicas e Sociaes do Rio de Janeiro. 2 ed. Rio de Janeiro: F. Briguiet e Cia, 1915, p. 108).
  • 7
    O autor menciona o Decreto n. 1.132, de 1903, que reorganizou a assistência aos alienados, o qual, no artigo 11, menciona expressamente os manicômios criminais: “ Enquanto não possuírem os Estados manicômios criminaes, os alienados delinquentes e os condemnados alienados somente poderão permanecer em asylos públicos, nos pavilhões que expressamente se lhes reservem.”. De acordo com Lima Drummond, essas instituições deveriam ser destinadas não apenas aos criminosos loucos e aos loucos criminosos, mas também os loucos perigosos, ou seja, àqueles que ainda não cometeram um delito, mas cujo estado psíquico pode facilmente conduzi-lo para tanto, devendo haver diferentes seções para cada tipo para que não convivam em promiscuidade. (VIANNA, P. D. Direito Criminal: segundo as preleções professadas pelo Dr. Lima Drummond na Faculdade livre de Sciencias Juridicas e Sociaes do Rio de Janeiro. 2 ed. Rio de Janeiro: F. Briguiet e Cia, 1915, p. 170).
  • 8
    Diz-se em medicina que não há doenças mas sim doentes. Com as devidas reservas no tocante aos princípios fundamentaes, também se poderá dizer no direito penal que não há propriamente crimes mas sim criminosos e assim se justifica o principio da individualização da penalidade ”. (Ibidem, p. 170).
  • 9
    Aliás, esta parece ter sido a vocação principal dos juristas reformadores: situados bem no cerne da tensão estabelecida entre os ideais de igualdade política e social do novo regime e as desigualdades sociais percebidas como constitutivas da sociedade, eles tiveram que articular demandas opostas e quase contraditórias. Assim, os juristas tiveram que conciliar as concepções liberais acerca do Estado às novas necessidades de intervenção e controle das populações urbanas; de adequar o Código Penal de 1890, ainda concebido de acordo com os preceitos da Escola Clássica de direito penal, aos dispositivos legais e institucionais propostos pela Escola Positiva, de manter a responsabilidade penal, e ao mesmo tempo, ampliar e sofisticar os critérios de irresponsabilidade; de articular os campos da lei e da norma .” (ALVAREZ, M. C ALVAREZ, M. C. Bacharéis, criminologistas e juristas: saber jurídico e nova escola penal no Brasil. São Paulo: Método, 2003. . Bacharéis, criminologistas e juristas: saber jurídico e nova escola penal no Brasil. São Paulo: Método, 2003, p. 214).
  • 10
    Bandeira define Política Criminal nos termos de Ferri, ou seja, a parte dos estudos criminais que buscam aplicar os princípios da Sociologia Criminal.
  • 11
    Embora o conceito da incorrigibilidade ainda esteja para ser formulado sob o ponto de vista legal e penalogico, quer quanto á natureza, quer quanto ao numero das infrações que o devem integrar: em todo caso a incorrigibilidade de certos criminosos é um fato de existência material e tangível que ninguém, com efeito poderá negar.” (BANDEIRA, E ______. Sentenças Indeterminadas. In: _____. Estudos de Politica Criminal. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1912f. . Sentenças Indeterminadas. In: _____. Estudos de Politica Criminal. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1912f, p. 53).
  • 12
    (...) penso que os protagonistas do drama judiciário sejam três: o julgável, o Estado que julga e a vítima do crime: a parte lesada, que é um protagonista do processo penal e deve ser colocada em primeiro plano nas preocupações jurídicas e morais da justiça penal (...)”. Tradução livre de: “(...) Io penso (...) che i protagonisti del drama giudiziario siano tre: il giudicabile, lo Stato che giudica e la vitima del reato: la parte lesa, che è un protagonista del processo penale e deve essere messa in prima linea nelle preocupazioni giuridiche e morali della giustizia penale (…)”. (FERRI, E FERRI, E. Il progetto del Codice di procedura penale – Discorso parlamento (22 de maio de 1912). In: ______. Difesi penali. v. III. Turim: Utet, 1886. . Il progetto del Codice di procedura penale – Discorso parlamento (22 de maio de 1912) In: _____. Difesi penali, v. III. Turim: Utet, 1886, pp. 324).

Referências bibliográficas

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  • ______. Enrico Ferri e a Escola Positiva de Direito Criminal. In: ______. Estudos de Politica Criminal. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1912b.
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  • ______. Relatórios dos anos de 1909 e 1910 apresentado ao presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil em abril de 1910. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, p. XXXII, 1910. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1906/000001.html>; Acesso em 26 mar. 2015.
    » http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u1906/000001.html
  • ______. Sentenças Indeterminadas. In: _____. Estudos de Politica Criminal. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1912f.
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  • ______. Jurisprudência Criminal: casos julgados, jurisprudência estrangeira, d outrina jurídica. Rio de Janeiro: Livreiro Editor, 1900a.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2019
  • Data do Fascículo
    Mar 2019

Histórico

  • Recebido
    15 Nov 2017
  • Aceito
    16 Maio 2018
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