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Violência Política e Justiça de Transição no Brasil: Disputas em Torno da Memória do Passado Político Recente

Political Violence and Transitional Justice in Brazil: Disputes Around the Memory of the Recent Political Past

Resumo

A justiça brasileira não somente negligenciou as violações de direitos humanos perpetradas pelos militares durante o regime autoritário, como sobrescreveu a tese de que a impunidade dos algozes era condição indispensável para consolidação do trânsito democrático. A partir da análise da Lei de Anistia de 1979, da instituição da Comissão Nacional da Verdade em 2011 e do projeto memorialístico dos militares sobre os anos de chumbo, discutimos a fabricação desse argumento e sua relação com a constituição de um dispositivo de poder capaz de garantir uma condição política privilegiada aos militares, mesmo sob a égide do regime democrático.

Palavras-chave:
Direitos humanos; Justiça de transição; Memória; Autoritarismo

Abstract

Brazilian justice not only neglected the human rights violations perpetrated by military during the authoritarian regime, but overruled the thesis that the impunity of the executioners was an indispensable condition for consolidating of democracy. Based on the analysis of the 1979 Amnesty Law, the institution of the National Truth Commission in 2011 and the military memorialistic project on the lead years, we discussed the fabrication of this argument and its relationship with the constitution of a device of power capable of guaranteeing a privileged political condition for the military, even under the aegis of the democratic regime.

Keywords:
Human rights; Transitional justice; Memory; Authoritarianism

Introdução

Ao longo desse artigo, analisaremos, a partir do caso brasileiro, como o projeto memorial estabelecido pelos militares a partir da transição para a democracia, se harmonizou com uma interpretação do passado político recente que minimizou as práticas de promoção do terrorismo de Estado por policiais e militares ao longo do período e mitigou o teor revolucionário das reivindicações dos grupos armados opositores à ditadura para assim, garantir a perpetuação da impunidade dos seus algozes.

As disputas políticas em torno da memória que se quer justa (RICOEUR, 2007RICOEUR, P. Memória, História e Esquecimento. São Paulo: Editora da Unicamp, 2007.) e, portanto, aceitável, impactaram as formas da chamada justiça de transição no Brasil, reafirmando a tolerância para com a prática da tortura e de outras violações sistemáticas de direitos humanos, mesmo após da repactuação política instituída pela promulgação da Constituição de 1988. A ditadura civil-militar instalada no Brasil em 1964 postulou, através de uma narrativa exemplar do regime e da Lei de Anistia de 1979, em especial, um dispositivo de poder capaz de garantir a continuidade e a preservação das estruturas de mando e poder dos militares, mesmo depois do advento da nova ordem democrática.

Esse arranjo de forças narrativas, simbólicas e jurídicas incitou desde então a promoção de um discurso de negação da prática da violência política durante o regime, à despeito dos registros materiais, do testemunho das vítimas e até mesmo, da criação de uma comissão nacional direcionada à promoção pública da verdade sobre o período. Esse discurso encarnou a sociedade e as instituições políticas brasileiras, desarticulando e derrocando toda e qualquer tentativa de contestação da impunidade daqueles que cometeram torturas e assassinatos em nome da segurança nacional (ARAÚJO, 2012Araújo, M. P. Comissões da Verdade: Um Debate Ético-Político na Contemporaneidade. In: FICO, C; ARAÚJO, M. P.; GRIN, M. Violência na História: Memória, Trauma e Reparação. Rio de Janeiro: Ponteio, 2012.; GARRETON M., 1994GARRETON M., M. Human Rights in process of Democratization. Journal of Latin American Studies, 26 (1), pp. 221-234, 1994.).

Esse discurso moralizante dos anos de chumbo, enquanto um dispositivo de poder, é mais do que uma narrativa oficial dos fatos, o que poderia, com relativa facilidade, ser prontamente contestado pela pesquisa historiográfica do tema. Todavia, ele é mais do que isso. Trata-se de um regime de verdade, que se inscreve na esfera social, política, jurídica e na própria história. Ele é imanente aos acontecimentos históricos e, justamente por eles, é produzido (FOUCAULT, 2002FOUCAULT, M. A Ordem do Discurso. São Paulo: Edições Loyola, 2002., p. 38).

A fim de problematizar e refletir sobre o processo de fabricação e promoção desse dispositivo, discutiremos, primeiro, a interseção teórica entre memória, esquecimento e a chamada história do tempo presente. Depois, dedicaremos atenção particular a dois fatos marcantes desse projeto memorialístico dos militares, um mais antigo e outro, mais recente - a promulgação da Lei de Anistia de 1979 e a instituição da Comissão Nacional da Verdade pela presidenta Dilma Rousseff em 2011. Finalmente, nas conclusões, discutiremos o impacto desse projeto sobre a vida política brasileira, especialmente sobre a nossa democracia e apontaremos para as possíveis imbricações desse processo sobre a recente ascensão da chamada nova direita brasileira.

1. Memória, Esquecimento e Passado Recente

A chamada História do Tempo Presente ampliou as possibilidades de ação, intervenção e problematização do passado por parte dos historiadores. Uma parte significativa dessas possibilidades deve-se não somente ao uso de novas fontes alternativas de pesquisa e da aproximação da história das ditas ciências sociais, a exemplo da sociologia, da antropologia e da ciência política, mas também pelas imbricações que o ofício do historiador do tempo presente agrega ao fator temporal e os usos e apropriações da memória (ARÓSTEGUI, 2004ARÓSTEGUI, J. La Historia Vivida. Sobre La Historia Del Presente. Madrid: Alianza, 2004.; RICOEUR, 1999__________. La Lectura del Tiempo Pasado: Memoria y Olvido. Madrid: Arrecife-Universidad Autónoma de Madrid, 1999.; JELIN, 2002JELIN, E. Los Trabajos de La Memória. Madrid: Siglo XXI, 2002.).

Desde as referências mais tradicionais ao trabalho de Durkheim sobre o chamado campo das “representações coletivas”, passando às referências de Maurice Halbwachs sobre as dinâmicas políticas e operacionais da memória e chegando ao projeto de interpretação de Pierre Nora acerca dos “lugares da memória” e a construção das representações e dos objetos históricos ao longo do tempo, a interface entre a memória, a história e a vida vivida tem tomado de modo crescente a atenção daqueles que se dedicam ao estudo do passado, com destaque especial para os historiadores contemporâneos (HALBWACHS, 1990HALBWACHS, M. A Memória Coletiva. São Paulo: Vértice, 1990.; NORA, 1993NORA, P. Entre História e Memória: A Problemática dos Lugares. Revista Projeto História, nª 10, PUC/SP, dez., pp. 7-28, 1993.).

Por trás da transformação epistemológica que os historiadores do tempo presente propõem há o entendimento, razoavelmente consensual, que os quadros coletivos da memória não podem ser entendidos como um apanhado de datas, nomes e registros mortos do passado. Estes historiadores entendem que a memória representa correntes de pensamento, experiências cristalizadas que atravessam a história vivida e a história escrita, perpetuando-se, renovando-se ou se ressignificando (RICOEUR, 1999__________. La Lectura del Tiempo Pasado: Memoria y Olvido. Madrid: Arrecife-Universidad Autónoma de Madrid, 1999.; 2007).

A memória estaria dentro de um processo constante de transição e transformação, seja em relação aos planos individuais e coletivos, seja em relação aos trânsitos geracionais e até mesmo em relação aos projetos políticos do presente. É a partir desse sentido novo e dinâmico da memória que a História do Tempo Presente redefine as perguntas que orientam o trabalho do pesquisador do tempo presente: convém a este historiador perguntar o que e por que algo é lembrado, como é lembrado, quais lembranças guardamos disso enquanto coletividade ou ainda como e por que algo é esquecido (JELIN, 2002JELIN, E. Los Trabajos de La Memória. Madrid: Siglo XXI, 2002.; TODOROV, 2000TODOROV, T. Los Abusos de la Memória. Barcelona: Paidós, 2000.).

Essas discussões avançaram no estudo da história, sobretudo, a partir das décadas de 1960 e 1970, inaugurando um processo ainda aberto que reafirmou o papel político dos historiadores e agregou um protagonismo importante à memória, não mais entendida como um registro do passado, mas sim, um mecanismo que possibilita evocações e associações complexas no tecido do tempo presente. Um aspecto importante desse movimento tomou destaque na década seguinte, quando a discussão sobre memória se aproxima do debate sobre as identidades coletivas e um conjunto significativo de trabalhos apontam para o desafio de entender como a memória é gerenciada a partir do presente (NORA, 1993NORA, P. Entre História e Memória: A Problemática dos Lugares. Revista Projeto História, nª 10, PUC/SP, dez., pp. 7-28, 1993.).

O entendimento, portanto, que a memória é uma força política ativa e capaz de modelar a dita realidade presente atualiza o pensamento historiográfico e o ofício do historiador, redefinindo a história como uma ciência que é, por natureza, revisionista. Esse sentido permite ao historiador entender que a memória também não é o oposto do esquecimento, muito pelo contrário. Memória e esquecimento seriam, dessa perspectiva, os dois lados de uma mesma moeda. E para que se faça a memória, é preciso que se produza, na mesma medida, também, o esquecimento (RICOEUR, 2007RICOEUR, P. Memória, História e Esquecimento. São Paulo: Editora da Unicamp, 2007.). A memória é, dessa forma, sempre política e nunca é neutra, por que é permeada por discursos que ou servem a sua perpetuação ou ao seu desterro.

Convém ao historiador do tempo presente, artífice da memória e do seu próprio tempo, destacar que essa memória vive em reestruturação. E a melhor forma para realçar estas nuances é reivindicar a pluralidade dessa memória para além do que é monopolizado pelas práticas oficiais, destacando as memórias que coexistem, expondo os usos e apropriações dessa memória por aqueles que insistem em excluí-la, negá-la ou ocultá-la (POLLACK, 1989POLLACK, M. Memória, Esquecimento, Silêncio. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, nº 3, pp. 3-15, 1989.; BENEDETTI, 1998BENEDETTI, M. El Olvido Está Lleno de Memória. Buenos Aires: Editorial Sudemerica, 1998.). A memória, nesse sentido, não pode ser entendida como um quebra-cabeças onde cada peça é única e tem um lugar fixo para construir sempre a mesma imagem. Essa representação é antagônica ao caráter múltiplo da memória e simplificadora da complexidade dos fenômenos.

A memória não é um ato que parte do passado, pelo contrário. Ela parte do presente para daí, mergulhar no passado. Nas palavras de Walter Benjamin, é a experiência do presente, do vivido, que convoca a memória, trazendo o passado como um raio, uma iluminação, capaz de clarear o instantâneo do presente e evocar as perspectivas do futuro (BENJAMIN, 1987BENJAMIN, W. Obras Escolhidas. Vol. 1. Magia e Técnica, Arte e Política. Ensaios sobre Literatura e História da Cultura. São Paulo: Brasiliense, 1987.). Essa imagem aproxima a memória muito mais de um jogo de encaixes onde cada peça se pode colocar nas mais variadas posições, para armar com elas não a mesma figura de sempre, mas representações diferentes cada vez que é operada. É nesse sentido que se alerta para a violência simbólica que a promoção de uma história única provoca, sujeitando o uso do passado a projetos de poder por aqueles que se julgam “donos” da história.

Estes usos políticos da memória guardam relação com um discurso que é institucional, oficial e unilateral. Por isso mesmo, os testemunhos, por mais crédulos ou abundantes que sejam, em geral, não são suficientes para fazer frente aos projetos memorialísticos de grupos políticos que insistem em promover um apagamento da história em favor de uma memória dominante. No que diz respeito aos historiadores, não se trata apenas de reivindicar uma memória dos vencidos e dos oprimidos, mas de empreender uma abordagem crítica do passado que se faz urgente por que estamos, muitas vezes, falando de um passado que não passa, que transcende seu tempo e não por acaso, a própria justiça (GRECO, 2011GRECO, H. Direito à Memória, à Verdade e à Justiça. A Luta pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita. In: SOUSA JR., J. G. et al. O Direito Achado na Rua: Introdução Crítica à Justiça de Transição na América Latina. Vol. 7, Brasília: UnB, 2011., p. 298).

No caso dos países latino-americanos, a volta para a democracia ao longo das décadas de 1980 e 1990, representou um momento especial de explosão dos testemunhos de resistência à violência política praticada de forma sistemática pelos regimes militares e de busca por uma verdade histórica. Foi nesse bojo que tomou corpo na América Latina, a partir de então, uma disputa insidiosa pelo passado político recente destas comunidades. Uma disputa que colocava em xeque não somente a interpretação dos fatos, mas que intervinha diretamente sobre os moldes da justiça de transição que se constituía para esses países (ELSTER, 2004ELSTER, J. Closing the Books: Transitional Justice in Historical Perspective. Nova York: Cambridge University Press, 2004.).

A memória das revoluções e movimentos nacionais de resistência e oposição aos regimes militares que tomaram o cone sul por volta da década de 1970 foi o principal ponto dessa disputa (HUNTINGTON, 1994HUNTINGTON, S. A Terceira Onda. São Paulo: Ática, 1994.; GRECO, 2015). De maneira geral, estes movimentos surfaram a crise de legitimidade da hegemonia norte-americana representada pela derrota na guerra contra o Vietnã e viram na Revolução Cubana, uma inspiração para tomar de assalto o Estado. Esses movimentos tinham características muito diferentes, iam desde projetos nacionais de ordem democrática até propostas mais radicais de orientação socialista, comunista ou trotskista.

Em todos os casos, esses movimentos foram sujeitos à repressão violenta de grupos nacionais hegemônicos. Foi assim que muitos movimentos guerrilheiros organizaram levantes rurais e urbanos em vários países latino-americanos, entre eles a Argentina, o Brasil, a Colômbia e o Chile, mas também em El Salvador, Guatemala, México, Nicarágua, Peru, Uruguai, para citar alguns. Estes grupos tiveram ainda em comum a expectativa de que pela rota armada, transformariam a ordem social e política nacional.

A peculiaridade das suas orientações políticas talvez tenham sido sua principal limitação, uma vez que o uso da luta armada pelos grupos sedimentou uma oposição dos grupos civis e militares que dentro de uma espécie de retribuição inflamaram uma repressão brutal sobre um inimigo que lhes era menor do que as polícias e os militares pintavam em termos de risco e periculosidade. Esses movimentos falharam ainda quanto à possibilidade de expansão e de aliança junto a outros setores sociais, interessados na época em um projeto alternativo de sociedade.

A repressão aos grupos radicais na América Latina foi promovida sob a capa da chamada Doutrina de Segurança Nacional, através do qual os conflitos nacionais eram traduzidos a partir da Guerra Fria, dentro de uma espécie de conflito entre o Ocidente e o mundo socialista. Foi assim que projetos alternativos foram sufocados e destruídos através de políticas de poder acordadas entre grupos de poder em escala internacional, do qual o melhor exemplo é a Operação Condor e a institucionalização da guerra suja e de práticas ilegais por parte das forças policiais e militares cujo principal denominador comum foi o genocídio e o desaparecimento de presos políticos.

A promoção dessas violências e a perpetuação da sua impunidade através do tempo, no caso brasileiro, por exemplo, só foi possível, graças à constituição de um discurso amparado pela ideia de uma luta contra um inimigo comum, estranho, perigoso e subversivo, que foi ressignificada mesmo com o avanço da nova ordem democrática. Sob essa adjetivação couberam aqui todos aqueles que representavam um potencial ameaça às elites militares e ao projeto hegemônico norte-americano sobre o continente durante o período. É dentro desse processo que se deu o esvaziamento do significado político desses projetos críticos e alternativos da ordem social e política vigente e se implementou durante a transição para a democracia, um processo de apagamento e manipulação da memória dos anos de chumbo. E a derrota deste projeto alternativo só foi possível graças ao terrorismo de Estado, que marcariam de forma indelével a sociedade brasileira através do tempo (FICO, 2004FICO, C. Visões e Controvérsias Sobre 1964 e a Ditadura Militar. Revista Brasileira de História, São Paulo, nº 47, pp. 29-60, 2004.; CODATO, 2005CODATO, A. N. Uma História Política da Transição Brasileira: Da Ditadura Militar à Democracia. Revista de Sociologia e Política, nº 25, nov. 2005, pp. 83-106.).

A impunidade e a indiferença do Estado e da sociedade brasileira em relação às graves violações de direitos humanos perpetradas por policiais e militares durante o regime autoritário é certamente o vestígio mais permanente do autoritarismo brasileiro. O advento da democracia entre nós não trouxe a superação da lógica binária instituída durante o regime que dividia o mundo e a sociedade a partir do binômio amigo-inimigo. O mundo bipolar da Guerra Fria foi ressignificado aqui em termos próprios - de um lado, os apoiadores do regime, do outro, sua oposição. De um lado, os defensores da ordem, do outro, os subversivos que deveriam ser eliminados pela segurança da maioria. Essa visão de mundo, apoiou uma perspectiva não somente antagônica, mas também excludente, que fabricou entre nós a imagem de uma sociedade civil que reclama a proteção e o controle do Estado contra seus inimigos.

Esta representação omite uma simetria forjada entre sociedade civil e grupos de poder, entre massa e elite, como se ambos fossem um só. Dentro dessa perspectiva, qualquer tentativa de responsabilização pública dos algozes do regime militar é, imediatamente, enquadrada como uma traição àqueles que outrora defenderam a pátria e reprimiram a ameaça comunista. Essa lógica instrumentalizou a memória do passado político recente brasileiro e apagou, condenando ao esquecimento, as perspectivas críticas da resistência armada ao regime. Foi a partir desse projeto memorialístico e da sua materialização através de dispositivos legais que os militares conseguiram reafirmar seu poder, mantendo privilégios e garantindo a perpetuação da impunidade dos atos praticados, mesmo quando já retirados do campo político após a promulgação da nova ordem constitucional em 1988.

2. Abertura Política: Lenta, Gradual e Segura, Mas Para Quem?

No Brasil, desde o retorno à vida democrática a partir de 21 abril de 1985, à despeito do registro de alguns avanços significativos na promoção de políticas orientadas para reparação de vítimas da repressão de estado durante a ditadura civil-militar (1964-1985), nenhum movimento efetivo de condenação criminal dos responsáveis por estas violações foi, de fato, anunciado. A simbologia da impunidade para com as violações dos direitos humanos no período atravessou a transição para a democracia e os mandatos de três ex-presidentes que independente de suas orientações políticas e ideológicas, tiveram suas vidas e carreiras ultrajadas durante o regime militar (FERRAZ, 2013FERRAZ, J. D. F. Anistia no Brasil: A Arte de Recordar e Esquecer. In: PONTES JR., G. R. et al. Cultura, Memória e Poder: Diálogos Interdisciplinares. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2013.).

Foram eles, primeiro, Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), depois, Luís Inácio Lula da Silva (2003-2011) e, finalmente, Dilma Rousseff (2011-2016). Fernando Henrique, intelectual nacionalmente conhecido já na década de 1960, foi perseguido e forçado a se aposentar do cargo de professor de sociologia da Universidade de São Paulo (CARDOSO, 2011CARDOSO, F. H. A Soma e o Resto. Um Olhar Sobre a Vida aos 80 Anos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.). Em 1980, Luís Inácio, então líder sindical que surgia como liderança da nova esquerda durante a transição para a democracia, foi preso pela polícia política do regime militar em função da sua atuação como líder do Sindicato dos Metalúrgicos da Grande São Paulo e da Região do ABC (BOURNE, 2008BOURNE, R. Lula of Brazil. The Story So Far. Berkeley: University of California Press, 2008.). Lula passou 31 dias preso no Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Dilma Rousseff, dos três, a única que teve seu nome associado à resistência armada, ainda adolescente, foi presa, sentenciada e torturada por quase dois anos, saindo da prisão em 1972 depois de conseguir uma redução de pena (CHADE e INDJOV, 2011CHADE, J.; INDJOV, M. Rousseff: A História de Uma Família Búlgara Marcada pelo Abandono, o Comunismo e a Presidência do Brasil. Sâo Paulo: Virgiliae, 2011.).

Ao seu modo, cada um dos presidentes foi vítima das arbitrariedades jurídicas e políticas do regime militar, o que lhes causaram danos pessoais, psicológicos e até mesmo físicos. Havia, por conseguinte, de forma velada a presunção que seus mandatos implicassem, de alguma forma, na promoção de ações compensatórias e reparatórias para as famílias e vítimas da ditadura civil-militar no Brasil. E, de alguma forma, assim o fizeram, sobretudo no que compreende à recuperação moral e econômica dos perseguidos políticos, dos anistiados e de suas famílias e dos familiares dos mortos e desaparecidos. Em que pese a indenização e o reconhecimento público dessas arbitrariedades, pouco foi feito, de fato, no que compete à promoção da justiça, mais precisamente daquilo que diz respeito à punição contra aqueles que torturaram e mataram sob o mando do poder de Estado.

A impunidade que os algozes do regime gozam sob a égide da ordem democrática desde 1988 compreende um projeto memorialístico que legitimou, mesmo após a transição democrática, a perpetuação de um arranjo jurídico que por si somente não se bastaria, sendo ainda acompanhado de um modelo de apropriação e interpretação do passado que promoveu o silenciamento do passado, o apagamento das memórias dissidentes e a relativização da violência política praticada pelos policiais e militares do regime. Parte fundamental desse processo tomou início com a chamada abertura política iniciada ainda na gestão do general Ernesto Geisel que sinalizou a partir de 1974 um processo de liberalização do regime de forma “lenta, gradual e segura” que só se encerraria com a promulgação da nova Constituição (GASPARI, 2017__________. A Ditadura Derrotada. O Sacerdote e o Feiticeiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.).

Um dos pontos emblemático e celebrados desse processo de liberalização foi, anos depois, a promulgação pelo general João Batista Figueiredo da chamada Lei de Anistia (Lei nº 6.683 de 29 de agosto de 1979BRASIL. Lei. n. 6.683, de 28 de agosto de 1979. Concede anistia e dá outras providências, 1979. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6683.htm . Acesso em: 24 jun. 2020.
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), que como a denominação sugere, concedia anistia política a todos os perseguidos da ditadura civil-militar brasileira. Enquanto dispositivo legal, a Lei de Anistia deu corpo e forma àquilo que já se constituía nos discursos políticos da caserna a partir do processo de desgaste e esgarçamento do regime militar. A nova Lei, para além da celebração pública que a marcou, era também um marco representativo do caráter anômico com que se daria a justiça de transição na sociedade brasileira, na contramão do que se viu e se experenciou em outros países latino-americanos também egressos de regimes de exceção.

O fato é que, desde a promulgação da Lei de Anistia, deu-se no país, por parte de juristas e políticos, principalmente, o estabelecimento de uma narrativa aparentemente consensual sobre as condições da transição brasileira para a democracia - o entendimento de que as graves violações de direitos humanos cometidas pelo aparelho repressivo da ditadura militar a partir de 1964 seriam análogas às ações paramilitares dos grupos que resistiram ao regime (ALVES, 2016ALVES, M. M. Os Penalistas na Ditadura Civil-Militar. As Ciências Criminais e as Justificativas da Ordem. Tese. Florianópolis, SC: UFSC, 2016.). Esta interpretação jurídico-política, que sobrevive até hoje, tem assimilado o conceito de anistia à ideia de esquecimento e impunidade.

Há que se destacar que a Lei de Anistia foi constituída a partir de um amplo movimento contestatório de familiares de vítimas do regime e de presos políticos, exilados e organizações não-governamentais nacionais e estrangeiras. Esse movimento que começou pequeno e tímido, empolgou partes cada vez maiores da população que, aos poucos, tomaram a defesa da anistia como bandeira política. Contudo, malgrado sua base popular, a lei representou, progressivamente, um óbice à realização da própria democracia. Parafraseando Daniel Aarão (2013), a Lei de Anistia encampou um movimento de reconstrução da narrativa histórica sobre a participação da sociedade civil no golpe de 1964 e um deslocamento de sentido sobre a participação e atuação dos grupos de resistência à ditadura.

Naturalmente, naquele momento, passados já 15 anos de regime de exceção, havia, sobretudo entre os mais jovens uma ânsia pela experimentação da liberdade política que a Lei, de alguma forma anunciava. Se hoje, a posteriori, pode-se dizer que a lei acompanhava já um momento de desmonte do regime militar, à época, essa observação não era tangível às testemunhas da história. Nesse sentido, há que se considerar a aparente disparidade de armas entre a sociedade civil de um lado e as forças armadas, do outro. A disponibilidade por parte do Estado de aparelhos de promoção da intimidação, do terror e da morte não colocava estes atores políticos em pé de igualdade. Todavia, mesmo assim, há que questionar as razões pela baixa contestação da concessão de anistia irrestrita, para os grupos de resistência, mas também para os militares que praticaram torturas e outras violações de direitos humanos (AARÃO REIS, 2013REIS, D. Aarão. O Governo Lula e a Construção da Memória do Regime Civil-Militar. In: PINTO, A. C.; MARTINHO, F. C. P. O Passado Que Não Passa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013., ABRAÃO, 2012ABRAÃO, P.; TORELLY, M. Mutações no Conceito de Anistia na Justiça de Transição Brasileira: A Terceira Fase na Luta pela Anistia. In: FICO, C; ARAÚJO, M. P.; GRIN, M. Violência na História: Memória, Trauma e Reparação. Rio de Janeiro: Ponteio, 2012.).

A Lei de Anistia fundou uma espécie de pax romana, instaurando sobre os fatos uma interpretação que se quis, desde então, incontestável e irrevogável, neste caso, a interpretação dos militares. Mas por que a sociedade civil, o sistema judiciário e até mesmo algumas frentes de oposição à ditadura encamparam a irrevocabilidade dessa narrativa? Argumentamos que a lei imputava um entendimento em retrospecto que não somente desresponsabilizava os militares dos crimes e atrocidades cometidos durante o período, quanto reforçava a lógica intrínseca de que tais abusos, se ilegítimos, correspondiam em medida e proporção às práticas de resistência dos grupos armados que se insurgiram ao longo da década de 1970, quando o regime mostrou sua face mais autoritária e repressiva (COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. Relatório.Vol. 1. Brasília: CNV, 2014.)1 1 É interessante observar que o momento em que se constitui a luta armada e o acirramento dos direitos durante a ditadura militar difere, sensivelmente, das fases em que se pode observar a progressão do terror de estado nos outros países da américa latina, a exemplo da argentina e do chile, em que os primeiros anos das ditaduras foram também os mais gravosos à ótica dos direitos humanos e das garantias civis. .

A concessão de anistia irrestrita a ambas as partes negligenciou a memória dos grupos paramilitares de resistência à ditadura, difundindo o discurso homogeneizante de que estes, durante os anos de chumbo, participaram de uma luta em favor da democracia. A beleza plástica do argumento, não encontra ressonância histórica nos fatos. Os grupos de resistência armada, embora de atuação somente nacional, não encampavam somente uma luta contra a ditadura brasileira, mas sim uma luta contra a ordem capitalistas universalista. Eram grupos de orientação, predominantemente, marxista-leninista que concebiam a democracia como um artifício a ser instrumentalizado pelo governo revolucionário (AARÃO REIS, 2013REIS, D. Aarão. O Governo Lula e a Construção da Memória do Regime Civil-Militar. In: PINTO, A. C.; MARTINHO, F. C. P. O Passado Que Não Passa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.; FICO, 2004FICO, C. Visões e Controvérsias Sobre 1964 e a Ditadura Militar. Revista Brasileira de História, São Paulo, nº 47, pp. 29-60, 2004.). Um flagrante nuance do caráter crítico e radical destes grupos pode ser verificado nas suas células precursoras que começam a se constituir a partir da década de 1960, quando as alas mais radicais desse movimento revolucionário se filiaram ao movimento das reformas de bases durante o governo do presidente João Goulart. Nas palavras de Elio Gaspari (2015)GASPARI, E. A Ditadura Envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. sobre o período, às vésperas de 1964, o clima de revolução se avolumava de ambos os lados, à direita e à esquerda, conviria apenas saber quem reuniria as condições de dar o primeiro passo.

Esse deslocamento de sentido, operado sob o consensual véu da anistia irrestrita arquitetada pelos militares, esvaziou o sentido revolucionário da ação política dos grupos de resistência e apagou sua memória, condenando seu conteúdo ao esquecimento, com a aquiescência da sociedade civil brasileira, daquela que ocupa os topo da pirâmide social. Manipular esse passado foi interessante a ambas as parte, aos militares do regime, como forma de garantir sua impunidade, e à elite brasileira que, se levada ao julgamento histórico também teria que confessar sua participação ao legitimar uma ditadura que, ao contrário do que se consolidou por muito tempo, não foi somente militar, mas civil-militar (ABRAÃO, 2013ABRÃO, P.; Genro, T. Justiça de Transição; In: AVRITZER, L. et. al. Dimensões Políticas da Justiça. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.).

Manipulação histórica da memória de um lado e do outro. Para os militares, os grupos armados eram subversivos perigosos, para a sociedade civil, guardiões da democracia aptos ao sacrifício. Essa imagem dos grupos armados como baluartes da luta democrática, gestada a partir da liberalização do regime, não era a ideal para os militares, mas essa representação foi tolerada em troca da impunidade. No lugar do discurso crítico das desigualdades e da ordem capitalista, a elite política e econômica brasileira fustigou a imagem de heróis quixotescos, românticos, que apesar de se organizarem em pequenas células paramilitares e contarem com parcas condições de enfrentamento do regime, se entrincheiraram numa guerra fadada ao fracasso em defesa da democracia. Sob o caldo da “resistência democrática”, a elite brasileira expurgou seus pecados às custas da memória da luta armada. Em outras palavras: pela desresponsabilização da elite nacional e da perpetuação da impunidade dos algozes do regime, deu-se um processo de deslegitimação do caráter revolucionário dos grupos armados de resistência, apagando-se, intencionalmente, a referência crítica destas agremiações em favor de uma narrativa harmoniosa (TELES e SAFATLE, 2010TELES, E.; SAFATLE, V. (Orgs.). O Que Resta da Ditadura? São Paulo: Biotempo, 2010.).

A elite brasileira, como já foi devidamente atestado por um conjunto significativo de estudos historiográficos sobre a ditadura civil-militar, não somente apoiou o golpe de 1964, através de manifestações como a Marchas da Família com Deus e pela Liberdade, por exemplo, mas foram, inclusive, cúmplices do regime, sobretudo durante os primeiros anos2 2 Não queremos afirmar com isso que o apoio da sociedade civil ao regime militar tenha sido, mesmo nos anos iniciais, absoluto e irrestrito. Tamanha generalidade seria insidiosa inclusive para qualquer narrativa histórica, todavia, destacamos que essa resistência, por parte da sociedade civil, foi minoritária e, por isso mesmo, pouco expressiva do ponto de vista político ou não podemos afirmar que tenha imposto qualquer ameaça aos militares. . Nesse sentido, a partir da Lei de Anistia de 1979 e da constituição de uma ideia de uma anistia de via dupla, a elite transmutou o sentido da ação política dos grupos armados através da manipulação das narrativas históricas que lhes permitiria não somente se redimir dessa coparticipação no golpe, mas também reforçar a ideia de que a resistência democrática era um valor que envolvia e embalava, desde sempre, toda a sociedade, inclusive, a própria elite nacional.

3. Um Grande Acordo Nacional, Com o Supremo, Com Tudo

Como dito anteriormente, os militares não foram simpáticos a esta narrativa, que os posicionava na condição de detratores da ordem democrática e, para obscurecer e turvar essa imagem que coloca democratas de um lado e autocratas do outro, nossos militares, desde sempre preocupados com sua imagem de legalistas, passaram a reforçar o discurso de que, independentemente do seu conteúdo, a “guerra” empreendida pelos grupos armados foi uma luta contra as instituições políticas brasileiras. Essa narrativa operou uma segunda mudança de sentido em relação à luta armada que, pela perspectiva da caserna, passou a ser caracterizada como células de guerra, empenhadas na destituição da ordem política e social e na implantação do comunismo.

Da imagem da resistência romântica oriunda das elites à representação de um inimigo nacional - por parte dos militares -, a memória dos grupos de resistência foi duplamente apagada. Essa segunda manipulação das memórias da luta armada é distinta da primeira, mas não menos totalizante e homogeneizante que a primeira, além de excessivamente simplificadora. Sob a narrativa militar dos militares, a imagem dos grupos de resistência como células de guerra justificaria, de certa forma, as graves violações de direitos humanos perpetradas ao longo do período, afinal, para uma guerra que se travava a todo custo, para vencê-la, também não se deveriam esperar limites.

O sentido dessa narrativa foi mais sutil que o teor da própria Lei que, textualmente, assemelhava as ações de um e do outro lado e, por consequência, anistiava todos aqueles que entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, haveriam cometido

crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares.

O parágrafo 1º estabelece ainda por crimes conexos todos os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política durante o período em questão. Desta forma, o dispositivo legal estendia seus benefícios não somente aos presos políticos, exilados, cidadãos cassados e pessoas que foram afastadas do trabalho por motivos políticos. De forma questionável, a letra da lei garantia também a anistia para os militares e policiais que praticaram crimes de tortura e promoveram o desaparecimento de pessoas durante o período. Esses deslocamentos de sentido, em seu conjunto, somados à promulgação da Lei de Anistia, falsificaram a história da resistência armada e conspurcaram a memória dos seus mortos, expiando responsabilidades dos militares e fabricando o esquecimento do terrorismo de estado durante a ditadura civil-militar.

Em 2008, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), protocolou uma Ação Declaratória de Preceito Fundamental (ADPF) perante o Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a validade da Lei de Anistia de 1979 perante os representantes do Estado (especialmente, policiais e militares) que praticaram atos sistemáticos de tortura durante o regime militar. A ADPF da OAB argumentava ainda que a Lei deveria ser interpretada à luz da Constituição Federal de 1988, que condena veementemente a prática de tortura e de quaisquer outras formas de tratamento desumano e degradante. No entendimento da OAB os agentes do Estado que cometeram crimes comuns como opositores do regime militar não deveriam ser anistiados. O fundamento do argumento, assinado pelos juristas Fábio Konder Comparato e Maurício Gentil Monteiro, apoiava-se ainda sobre o pressuposto de que o 1º parágrafo da Lei fora regido, intencionalmente, para que os agentes da ditadura, responsáveis pela gestão do aparelho de repressão do Estado e pela execução sistemática de violações de direitos humanos contra seus opositores, fossem sumariamente anistiados e, portanto, desresponsabilizados dos seus atos (ALVES, 2016ALVES, M. M. Os Penalistas na Ditadura Civil-Militar. As Ciências Criminais e as Justificativas da Ordem. Tese. Florianópolis, SC: UFSC, 2016.).

Em votação de caráter histórico, o STF julgou a ADPF 153 da OAB e por sete votos a dois, a Suprema Corte rejeitou o pedido de revisão da Lei de Anistia. O voto vencedor, à época, foi do ministro Eros Grau, que também era relator do processo. Após uma longa reconstituição das circunstâncias histórias que antecederam a Lei de Anistia, o ministro afirmou que não cabia ao judiciário rever o acordo político entre sociedade e militares que resultou na anistia de todos aqueles que haveriam cometido crimes políticos e conexos. As ministras Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Grecie, além dos ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Melo e Cezar Peluso, acompanharam o voto do relator. O presidente da Corte e último a votar, o ministro Cezar Peluso, deu o tom do julgamento afirmando, inicialmente, que “se o homem perdoa, só uma sociedade superior, qualificada pela consciência dos mais elevados sentimentos de humanidade, é capaz de perdoar”, por que, justificou o ministro: “só uma sociedade que, por ter grandeza, é maior do que seus inimigos é capaz de sobreviver” (BRASIL, 2010__________. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STF é Contra Revisão da Lei de Anistia por Sete Votos a Dois. Reportagem de 29 de abr. de 2010. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/ems/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=125515. Acesso em 15 de jun. 2020.
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).

Os ministros Ricardo Lewandowiski e Ayres Britos foram as únicas vozes discordantes na Corte. Os votos favoráveis dos ministros à revisão da Lei se ampararam sobre o princípio de que “certos crimes”, pela natureza que exprimem, seriam “incompatíveis com qualquer ideia de criminalidade política ou por conexão”. O entendimento dos ministros em seus votos foi de que os crimes de tortura e outras graves violações de direitos humanos perpetrados por policiais e militares durante a ditadura militar não poderiam ser enquadrados, pura e exclusivamente, como que por “conexão” àqueles praticados pelas vítimas. Num entendimento que corrobora a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos e os preceitos da Convenção Americana de Direitos Humanos, que o Brasil é signatário desde 1992, os ministros defenderam o caráter imprescritível do delito de tortura e questionaram o cerne do argumento que sustenta a via dupla da Lei - o entendimento pretensamente pacífico de que os crimes cometidos pelos torturadores seriam equivalentes aos praticados pelas vítimas3 3 Convém lembrar que, à despeito da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ter se manifestado quanto à questão da Lei de Anistia, até hoje, o governo brasileiro não respondeu o tema de forma satisfatória. .

É importante lembrar que, no direito penal, a referência a “crimes conexos”, essa convenção que figura no 1º parágrafo da Lei de Anistia, não corresponde à pluralidade de autores, mas sim, à pluralidade de delitos cometidos pelos mesmos agentes. Falam os penalistas em crimes conexos ao se referirem aos crimes praticados por um mesmo agente que tem, entre eles, um nexo subjetivo. Não seriam crimes independentes, mas crimes que possuem uma conexão que pode ser teleológica ou ideológica, quando, por exemplo, um indivíduo comete um crime para garantir a realização de outro ou quando um determinado crime é um meio para realizar outro crime, ou seja, estamos falando aqui de crimes ligados por uma relação de causa e efeito4 4 Exemplos aqui de crimes conexos: conexão consequencial refere-se a um crime cometido para assegurar a ocultação, a impunidade ou a vantagem de outro. Por exemplo, incendeia-se uma casa para impedir que um crime de furto, nela praticado, seja apurado. Outro tipo de conexão é a casual, quando um crime é cometido quando da prática do outro. Por exemplo, a subtração de joias da vítima estuprada. A conexão, dizem os penalistas, dá-se quando um crime é praticado para assegurar a execução de outro. Por exemplo, mata-se para roubar. O crime meio é o homicídio, e o crime fim é o roubo. Os dois estão ligados pelo laço de causa e efeito. . Daí, portanto, também no campo jurídico, ser amplamente contestável o entendimento de que a tortura seja um crime conexo àqueles praticados pelas vítimas, posto que não é nada razoável admitir que a tortura seja uma continuidade do ato praticado pela própria vítima de tortura. Esses atos são diferentes e independentes, os agentes são diferentes e também estão em campos diferentes.

Nesse sentido, há que se distinguir aqueles que por motivações políticas cometeram crimes políticos durante o período e aqueles que torturaram e mantaram. A tortura e o assassinato como pratica subsequente à tortura não é um crime político e não pode ser invocada como justificativa para estabilidade política interna ou qualquer outra forma de emergência pública conforme prevê a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, que o Brasil também é signatário desde 1969. A Convenção estabelece que a tortura constituiu um crime contra a humanidade e, portanto, é imprescritível, não podendo jamais ser alcançada por qualquer lei ou Constituição. Em outras palavras: o problema reside mais no conflito de interpretações do campo jurídico brasileiro, do que propriamente no texto da Lei, como argumentara, anteriormente a própria OAB. O entendimento que coloca em pé de igualdade torturadores e grupos de resistência ao regime militar é indecoroso e imoral, além de constituir num mecanismo de promoção da violência, posto que a interpretação esdrúxula do dispositivo da Lei encontra ressonância na impunidade que reforça a perpetuação da tolerância da sociedade brasileira para com a negação do princípio da dignidade da pessoa humana (LAZZARI DA SILVEIRA, 2015LAZARRI DA SILVEIRA, F. A Tortura Continual: O Regime Militar e a Institucionalização da Violência e do Autoritarismo nas Instituições de Segurança Pública. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015.).

Voltando ao voto do ministro Cezar Peluso, a concordância majoritária da Corte endossou os argumentos do seu presidente que sedimentou a questão afirmando que “essa norma [em referência à Lei de Anistia] não corresponde à ordem constitucional vigente”. Tal como se o apelo à responsabilização de quem cometeu torturas e assassinatos em defesa do regime não pudessem ser questionados e, portanto, estivessem excluídos de qualquer punibilidade. Para além do apelo indevido à prescrição dos referidos crimes, o argumento do ministro restaurou juridicamente o entendimento de que a Lei de Anistia consubstanciava um amplo acordo de legitimidade social e política que, uma vez celebrado, deveria, portanto, ser respeitado. O que teríamos a ver com a tortura praticada nos quarteis num tempo que já se foi? Melhor seria, diriam os políticos imaginativos e os observadores incautos da história, celebrar, em nome da democracia, “um grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo”.

Em que pese o liame do poder judiciário em sua missão histórica de fortalecer o estado democrático de direito e a promoção de sociedades livres, justas e fraternas, o voto do ministro nivelou o entendimento da anistia ao princípio do esquecimento. Perseverou o entendimento homogeneizante, orgânico e conciliatório: “se é verdade que cada povo resolve os seus problemas históricos de acordo com a sua cultura, com os seus sentimentos, com a sua índole e também com a sua história, o Brasil fez uma opção pelo caminho da concórdia” (BRASIL, 2010__________. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 153. Arguente: Ordem dos Advogados do Brasil. Arguidos: Presidente da República e Congresso Nacional. Relator: ministro Eros Grau. Trecho do voto do ministro Presidente Cezar Peluso. Brasília, 29 de abril de 2010. 2010a. Disponível em: www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=125515 . Acesso em: 13 maio 2020.
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). De forma retórica, o ministro imputou ao entendimento em favor da impunidade que assemelha torturadores e assassinos do regime aos grupos de resistência, a condição de necessidade histórica: “uma sociedade que queira lutar contra os seus inimigos com as mesmas armas, com os mesmos instrumentos, com os mesmos sentimentos está condenada a um fracasso histórico”. O fatalismo do argumento apela para uma dimensão que se quer, portanto, irredutível e constrange qualquer tentativa em contrário. O apagamento do passado recente da ditadura militar e a concessão do perdão para suas graves violações aos direitos humanos faz-se, dentro da lógica do ministro, por mais excepcional e mirabolante que seja, condição necessária para sustentação da ordem democrática.

4. A Menina Que Afrontou a Caserna

O entendimento que se desenhou a partir da Lei de Anistia de 1979 e que foi, depois, corroborado pelo STF, entronizou, a partir da flexibilização do sentido da prática do terror de Estado, o esquecimento da violência política praticada pelo regime. Hannah Arendt (2007a)ARENDT, H. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007a., a pensadora judia sobrevivente do holocausto nazista, em sua fenomenologia da ação humana, apela à possibilidade de pensarmos o perdão para além da esfera religiosa, trazendo-o para dentro da esfera pública e atribuindo a este a condição de recurso possível e necessário para a continuidade dos negócios políticos, visto que o perdão no campo político funcionaria como uma espécie de artifício de redenção aos infortúnios que a ação traz. Arendt argumenta que o perdão é vital para a sobrevivência e manutenção das relações humanas, mas faz questão de diferenciar o perdão do esquecimento, posto que um não implicaria, necessariamente, no outro. Para a filósofa, o perdão estaria mais próximo da reconciliação do que do esquecimento, reconciliação entendida aqui não como sinônimo de desresponsabilização, mas de promoção do encontro entre a memória e a verdade, que se faz possível graças à capacidade humana de narrar (ARENDT, 2007b__________. Entre o Passado e o Futuro. São Paulo: Perspectiva, 2007b.; 2009__________. Sobre a Violência. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.).

Em defesa do perdão em oposição ao esquecimento amnésico, Arendt nos oferece ferramentas analíticas para questionar os moldes da justiça transicional praticada na América Latina a partir da década de 1980, quando várias ditaduras militares se ajustaram ao constitucionalismo democrático (AVRITZER, 1995AVRITZER, L. Cultura Política, Atores Sociais e Democratização: Uma Crítica às Teorias da Transição para a Democracia. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 10, nº 23, São Paulo, jun., 1995.). A anistia praticada no Brasil e sua subsequente transição para a democracia em muito se assemelham a esse modelo de esquecimento absoluto de que fala Arendt, que equaliza anistia como perdão e perdão como esquecimento. Perdoar, contesta Arendt, não pode ser entendido como esquecer. Perdoar compreende o apelo à capacidade da promessa do recomeço das ações humanas, o esquecimento implica, do ponto de vista histórico, na negação de sentido, na impossibilidade de dali, se “contar uma história”.

Em se tratando da memória da ditadura militar entre nós, seu esquecimento caracterizou-se como uma estratégia política e cultural de minimizar as experiências traumáticas do período em favor de uma narrativa pacificadora que além de garantir a impunidade daqueles que praticaram atrocidades e violências, diluiu estas práticas num viscoso caldo de conformidade e anonimidade. Em se tratado dos presidentes brasileiros, argumentamos que Dilma Rousseff foi a primeira chefe política a atacar no plano simbólico e o político essa espécie de grande pactuação nacional. Por meio de atos representativos desde a sua posse, a presidenta tentou, por meio de palavras e atos, em explicitar a subordinação dos militares aos desígnios do controle civil, como é de se esperar em qualquer democracia que ser estável e consolidada (CHADE e INDJOV, 2011CHADE, J.; INDJOV, M. Rousseff: A História de Uma Família Búlgara Marcada pelo Abandono, o Comunismo e a Presidência do Brasil. Sâo Paulo: Virgiliae, 2011.). Parte da emergência dessa agenda pode ser atestada pelo fato de que o processo de afastamento da presidenta a partir de 2016 foi seguido do retorno dos militares ao campo político - a partir da eleição do presidente Jair Bolsonaro em 2018.

Fernando Henrique e Lula não foram indiferentes ao tema da necessidade de superação da ditadura e das violações de direitos humanos no período. Nos seus respectivos mandatos o tema tomou contornos importantes e pode-se dizer que, em graus e modos diferentes, eles estimularam e promoveram ações em favor da investigação das violações perpetradas pela ditadura civil-militar. Todavia, à despeito da contribuição histórica da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos em 1995, da criação da Comissão de Anistia em 2001 e da proposição de revisão da Lei de Anistia em 2010, a Criação da Comissão Nacional da Verdade em 2011, no primeiro ano da presidenta Dilma Rousseff, foi a tentativa mais arrojada de ruptura com o discurso homogeneizante da anistia política, contestando a narrativa oficial da caserna e desencadeando um movimento de questionamento dos pilares da nossa justiça de transição (ROUSSEFF, 2012ROUSSEFF, D. Discurso de Cerimônia de Instalação da Comissão Nacional da Verdade, em 16 de maio de 2012.).

A política de promoção de direitos humanos implementada pela presidenta Dilma Rousseff, desde o início, acirrou os ânimos militares, embora só visasse reparações de ordem moral e financeira, sem quaisquer indicativos de penalização de torturadores e operadores da repressão militar. A oposição política da presidenta chegou, inclusive, a contestar os critérios de seleção dos integrantes da comissão que, conforme prescrito em lei, seriam indicados pela presidência da República. Periódicos de grande circulação nacional como a Folha de São Paulo pautaram por várias semanas a discussão sobre os limites da chamada Comissão Nacional da Verdade, refutando, epistemologicamente, a ideia de uma verdade histórica do passado político recente da ditadura civil-militar, numa clara tentativa de deslegitimar as atribuições da comissão recém criada e a capacidade dos seus membros, acusados de parcialidade, visto que, segundo o jornal, “todos [os membros da comissão] seriam intelectuais, políticos e pesquisadores de esquerda e, portanto, críticos do regime” (QUADRAT, 2015QUADRAT, S. V. Historia y Memória de La Violencia Politica Del Brasil Dictatorial. In: MONTAÑO, E. A.; CRENZEL, E. (Orgs.). Las Luchas Por La Memória em América Latina. Historia Reciente y Violencia Politica. México: Bonilla Artigas, ENAM, IIS, 2015.).

O tom do debate público sobre a Comissão era um indicador do quanto a política de promoção de direitos humanos desencadeada pela presidenta ainda era capaz de incomodar grupos políticos e econômicos. Ao longo do processo de consolidação da democracia brasileira, dentre todos os ex-presidentes civis, Dilma Rousseff foi, certamente, aquela cuja gestão mais investiu, politicamente, contra o conceito de reciprocidade da Lei de Anistia de 1979, se não punindo torturadores, ao menos, rompendo com a confidencialidade de parte da memória repressiva do regime militar ainda intocada e atestando a responsabilidade do Estado para com as vidas ceifadas na pretensa luta contra o “terrorismo de esquerda” (COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE, 2014COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE. Relatório.Vol. 1. Brasília: CNV, 2014.). A presença do testemunho histórico destas violações e das práticas sistemáticas de tortura e do desaparecimento de opositores políticos por parte do Estado brasileiro já era público, pelo menos desde 1985, quando começou a ser revelada a extensão da violência política praticada pelos militares brasileiros. Todavia, o compartilhamento destas memórias, acompanhado ainda de outros testemunhos que viriam ao longo da década de 1990, jamais foi acompanhado de um reconhecimento público e institucional do terror de Estado praticado pelos militares durante o regime. Mesmo com os avanços das reparações financeiras a partir de 1995 a partir da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, o reconhecimento destas violações por parte das forças militares sempre esteve fora de cogitação.

A criação da Comissão Nacional da Verdade foi um dentre outros tantos atos simbólicos e administrativos realizados pela presidenta Dilma Rousseff ao longo dos seus mandatos, que ameaçaram a cristalizada resiliência dos militares brasileiros, ativos e da reserva. Os primeiros pela tangível quebra da confidencialidade das práticas de torturas e de outras violações de direitos humanos a partir dos trabalhos da Comissão e os últimos, pela insistente referência da presidência em, dessa forma, atestar a subordinação das Forças Armadas ao controle civil. Além da criação da Comissão Nacional da Verdade, ao longo de seu mandato, Dilma Rousseff proibiu referências laudatórias ao golpe de 1964 na sede das Forças Armadas, recebeu os restos mortais do ex-presidente João Goulart com honras de chefe de Estado, algo que lhe havia sido negado pelos militares em 1976 quando morreu no exílio. Não bastassem estas medidas, dentre seus últimos atos de governo, a presidenta promulgou o Decreto nº 8.515 de 3 de setembro de 2015, que “delegava competência ao Ministro de Estado da Defesa para a edição de atos relativos a pessoal militar”5 5 O referido documento foi, posteriormente, revogado pelo então presidente Michel Temer através do Decreto nº 8.798 de 4 de julho de 2016. .

O referido edito revogou o Decreto nº 62.104 de 11 de janeiro de 1968 e destituiu da competência dos comandantes das Forças Armada a prerrogativa para aprovar promoções, exonerações, transferências, agregações da marinha de guerra, do exército e da aeronáutica militar, ficando tal atribuição agora a cargo do Ministro da Defesa. O ato de limitar as competências administrativas dos comandantes das forças armadas foi visto pela cúpula militar como uma tentativa de aparelhamento político do estado, uma vez que, nas palavras do comandante da marinha no primeiro governo Lula, o almirante-de-esquadra Roberto de Guimarães Carvalho, “os políticos participariam agora do processo das promoções”. Em artigo publicado em 5 de outubro de 2015, o almirante afirmava que o decreto editado pela presidente apontava para “(...) a prevalência do critério político ideológico sobre os méritos profissionais, politizando as forças armadas, ou como se diz, para ‘bolivarianizá-las’, conforme defende o receituário ideológico de parcela considerável dos políticos que apoiam o governo atual”6 6 Referência ao artigo do almirante http://www.defesanet.com.br/crise/noticia/20453/Dec-8515---Nota-do-Alm-Guimaraes-Carvalho---Recomendada/ https://duploexpresso.com/?p=106113 .

Outra atitude da presidenta que também contrariou os interesses militares e endossou o coro oposicionista da caserna foi a destituição do Gabinete de Segurança Institucional do status de Ministério de Estado para a condição de secretaria, incorporada e subordinada ainda à Secretaria de Governo7 7 Em maio de 2016, o então presidente Michel Temer recriou o Gabinete de Segurança Institucional, atribuindo ao órgão, mais uma vez, s status de Ministério de Estado. , um novo ministério criado pela presidenta a partir da reforma administrativa de outubro de 2015. O Gabinete de Segurança Institucional é um órgão vinculado diretamente à presidência da República e existe desde os idos da década de 19308 8 Durante a ditadura miliar, o órgão chamava-se Gabinete Militar e sempre foi, mesmo com o advento do regime democrático, um espaço privilegiado de gestão militar. Dentre as principais atribuições do Gabinete se Segurança Institucional podemos citar a segurança pessoal do presidente, vice-presidente e seus familiares; garantir a segurança de informações sigilosas para proteção do estado e do governo federal; assessorar o presidente na área de segurança nacional e, finalmente, investigar possíveis ameaças à soberania nacional - a Agência Brasileira de Inteligência, por exemplo, está subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional. . Por poucos meses, durante o segundo mandato da presidenta, suas atribuições, somadas às atribuições das Secretarias de Relações Institucionais e das Micro e Pequenas Empresas passaram para a Secretaria-Geral da Presidência da República sob a gerência de um ministro civil.

Reduzir a magnitude do Gabinete de Segurança Institucional à condição de secretaria e subordiná-lo à um civil era uma clara tentativa da presidenta de reforçar os princípios da gestão democrática e limitar a ingerência militar num órgão, especialmente, próximo à presidência da República. Sempre gerido por militares ao longo de toda a história política brasileira, o desmantelamento do Gabinete de Segurança Institucional pela presidente passou a mensagem para as corporações militares que o Governo Federal visava restringir a presença militar dentro do aparato do Estado, reduzindo suas prerrogativas e delimitando sua autonomia burocrática e administrativa dentro do campo político.

O conflito entre a presidenta e a alta patente das forças armadas extrapolou a circunscrição do palácio do planalto e chegou aos quartéis, plantando a semente do divórcio que se intensificaria com o tempo entre o Partido dos Trabalhadores e os militares. As investidas da presidenta Dilma Rousseff visando restringir a ação dos militares àquilo que prescreve os marcos do constitucionalismo democrático foi o maior desafio da sua gestão e, ao mesmo tempo, seu maior pecado. O processo de desmilitarização do campo político encampado pela presidenta acabou por promover uma progressiva politização das forças armadas que acabou por galvanizar um discurso antipetista. Em artigos publicados ao longo do período por militares, sobretudo do topo da hierarquia militar, transparece o entendimento lato de que as ações da presidenta eram parte de um projeto maior de “desmoralização” das forças armadas, que caminharia alinhado a um quimérico “plano comunista de aparelhamento” do Estado por grupos minoritários e movimentos sociais, a exemplo dos movimentos indígena, quilombola e sem-terra.

As atitudes de Dilma Rousseff causaram um sucessivo descontentamento dentro da caserna9 9 Ainda que Jaques Wagner tenha tentado relativizar o decreto produzindo uma portaria, dias depois, que supostamente subdelegava aos Comandantes os poderes de nomear, promover, etc., como notou o mesmo Almirante Roberto de Guimarães Carvalho, “estar autorizada não significa ordem para subdelegar”. . As atitudes foram classificadas, na sua grande maioria, como uma reação revanchista dos movimentos de oposição ao regime militar contra as forças armadas. O giro na relação diplomática com as forças armadas inaugurado pela presidenta colocou em xeque o equilíbrio de forças instituído durante o mandato do presidente Lula e ressuscitou a histórica aversão das forças armadas brasileiras às esquerdas, restaurando no imaginário dos novos quadros militares a imagem das forças armadas como âncora contra a sublevação da ordem pública. É nesse sentido que o discurso sobre fatos circunstanciais como a intentona comunista de 1935, o golpe militar de 1964 e a guerrilha do Araguaia de 1970 passaram, progressivamente, a serem mobilizados em favor de uma reversão do reconhecimento da condição de vítima daqueles que foram aviltados ou morreram em razão do terrorismo de Estado durante a ditadura militar (ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO, 1985ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil: Nunca Mais. Petrópolis: Vozes, 1985.).

Em que pese a relevância da evolução dos atritos entre a presidência e as forças armadas durante o governo Dilma Rousseff, este tema continuou sendo, substancialmente, negligenciado pela literatura especializada que trata do processo de reacomodação de preferências no campo político brasileiro a partir de 2011 e que culminaram, cinco anos depois, no impeachment da presidenta em agosto de 2016 e no movimento de ascensão de uma nova direita, mais radical, que chega à presidência da República a partir da eleição do presidente Jair Bolsonaro em novembro de 2018. Essa “nova direita”, como passou a ser indicada pela literatura, tem como característica mais marcante, uma relação extensivamente ambígua com os valores caros à ordem democrática (SANTOS, 2015). Chegaram ao poder pela via democrática e eleitoral, mas exibem uma espécie de performance pública que apela, exatamente, para valores antidemocráticos, a exemplo do corolário de temas que esta mobiliza para o centro do debate público, a saber: o nacionalismo, a xenofobia, o racismo, a defesa da família e da tradição, a abertura de mercado e das privatizações de empresas públicas e o apelo à “mão pesada” do estado na condução dos problemas sociais, a legitimação do militarismo e do autoritarismo além, de forte inclinação ao negacionismo e ao revisionismo histórico (MINKENBERG M, 1998).

Argumentamos aqui que, em que pese a ameaça tangível às prerrogativas políticas dos militares incitada pelos atos administrativos do governo Dilma Rousseff, a pedra de toque do processo que levou as forças armadas para o centro do debate eleitoral na última eleição presidencial brasileira foi, seguramente, as disputas em torno da memória do passado recente da ditadura militar que foram desatadas a partir da criação da Comissão Nacional da Verdade10 10 É ilustrativo da manobra da oposição política da presidenta Dilma Rousseff e da ala dos defensores do regime militar o embate em favor da dilatação do prazo de cobertura da comissão nacional da verdade, inicialmente previsto para 1964 e 1988, até a promulgação da nova constituição e, depois, estendido de 1946 a 1988, . Ao longo de 2 anos e 7 meses de exercício, a Comissão coletou depoimentos e testemunhos por todo o país, plantando comissões estaduais por todo o país, revirou arquivos, trouxe novas informações sobre as dinâmicas das práticas repressivas instituídas durante a ditadura militar, inclusive, considerando as reduções salarias executadas de forma despropositada ao longo da década de 1970 como flagrantes violações dos direitos humanos. Expandiu ainda sua investigação para pontos especialmente delicados para as Forças Armadas como a comprovada promoção de ações violentas e genocidas contra povos indígenas e trouxe à tona a cumplicidade de empresas privadas com os aparelhos de repressão do Estado.

A Comissão concluiu seus trabalhos e em ato simbólico, na manhã de 10 de dezembro de 2014, entregou à presidenta Dilma Rousseff seu relatório final, no qual se pode agora, institucionalmente, atestar que as Forças Armadas praticaram de modo extensivo a tortura durante a ditadura civil-militar iniciada em 1964, tendo esta se transformado ao longo do período numa genuína política de Estado. Finalmente, o relatório da Comissão concluía que era “imperativo o reconhecimento da responsabilidade institucional das Forças Armadas, de modo claro e direto, como elemento essencial à reconciliação nacional e para que essa história não se repita”. A Comissão encerrava seus trabalhos apontando para a necessária revisão da Lei de Anistia de 1979 e conclamava as Forças Armadas à autocrítica uma vez que, em função das graves violações aos diretos humanos, registradas e materializadas no relatório, os oficiais militares deviam uma mea culpa, quiçá um pedido de perdão às família das vítimas do regime, aos mortos e desaparecidos políticos e à memória daqueles que durante o regime de exceção haviam firmado flanco e tombado em defesa de um projeto político alternativo. A mea culpa ou o pedido de desculpas, naturalmente, nunca chegaram.

Conclusão

A Comissão Nacional da Verdade foi perspicaz em identificar que a Lei de Anistia de 1979 representou um divisor de águas na relação entre democracia e Forças Armadas no Brasil. O entendimento jurídico da lei, que abona da responsabilização tanto aqueles que participaram da resistência ao regime, quanto os militares envolvidos na violência política do período, é para além de questionável, bastante controversa. A Lei se coaduna ao modelo de abertura política lenta, gradual e segura, tal como preconizado pelo general Geisel e celebra a concessão de anistia ampla, geral e irrestrita, tomando como equivalente as ações praticadas pelos grupos de resistências e aquelas praticadas pelos agentes do Estado - um flagrante desrespeito à desproporcionalidade desta paridade, como se o poder bélico e político dos militares à frente do Estado pudesse corresponder em equivalência aos grupos civis de resistência popular.

À despeito da sua gênese autoritária, o dispositivo discursivo que deprecia como revanchista qualquer contestação pública das arbitrariedades praticadas durante o regime militar foi ratificado pelo poder judiciário e pelos governos democráticos que se sucederam desde a redemocratização, malgrado suas diferentes legendas partidárias e orientações ideológicas. Em verdade, o poder judiciário tem sido um dos principais defensores da manutenção deste estado de coisas. Atestando, por mais de uma vez, que o entendimento de anistia equivaleria mais a uma ideia de esquecimento do que de perdão no sentido político do termo, tal qual defende Hannah Arendt. Nesse sentido, convém perguntar: como a manipulação do passado político recente brasileiro e a negação das práticas sistemáticas de terror durante o regime civil-militar interferem hoje no regime democrático?

Argumentamos que os moldes com que se deu a justiça de transição no Brasil nos legou, pelo menos, duas consequências importantes: primeiro, esses usos do passado político recente têm imprimido implicações diretas sobre o entendimento e a tolerância que o brasileiro médio tem acerca da violência, sobretudo da violência praticada pelas próprias forças militares e policiais. De forma contraditória, essa população que se assusta com o avanço a passos largos da violência urbana diária é a mesma que qualifica como positivo o discurso de que “bandido bom é bandido morto” ou age de forma indiferente às inúmeras vidas que o Estado ceifa diariamente na chamada “guerra às drogas”. Impera ainda entre os brasileiros um entendimento vulgar de que aquele que foi vítima do Estado, em alguma medida, foi diretamente responsável pela violência sofrida. Menos empatia se presta ainda se essas vítimas forem os históricos párias da nossa sociedade: os jovens negros e pardos das periferias das cidades brasileiras.

Uma segunda consequência importante dessa herança perversa tem tomado corpo mais recentemente a partir da vitória de representantes de extrema direita nos cenários políticos estaduais e federal. A ascensão dessa nova direita brasileira, à despeito do que pensam alguns, não foi inesperada. O apelo ideológico destes candidatos aos valores do autoritarismo remonta desde muito antes e foi amplificado por décadas subsequentes de impunidade. Contudo, essa nova direita, diferente da antiga, aparentemente conformada às regras do jogo, agora, chega ao poder por meio dos procedimentos democráticos, mas é crítica contumaz do seu conteúdo. É militarista, é antipartidarista, ataca os direitos das minorias, condena o “toma lá, dá cá” da chamada “velha política” e elogia o passado do regime autoritário. Na contramão dos fatos, se autoproclama radicalmente diferente de tudo e de todos, embora, requente práticas e ideologias já bem conhecidas por nós.

A ascensão desses grupos no Brasil tem provocado uma espécie de crise da democracia, a qual pode ser atestada pela constituição de organizações civis e paramilitares que defendem publicamente a ruptura institucional e a ditadura como opção política. Há que se destacar que muitas dessas organizações têm contado com o apoio discreto e implícito de representantes democraticamente eleitos e, em que pese as similaridades e divergências dentro dessa nova direita brasileira, pode-se dizer que o elogio do passado autoritário tem sido o seu principal eixo de integralização. Essa discussão, amplificada aqui a partir da vitória do presidente Jair Bolsonaro em 2018 - um ex-militar da reserva elevado à condição de capitão do Exército e conhecido pela defesa intransigente do regime autoritário e pela crítica à filosofia dos direitos humanos -, tem sido o principal ponto de partida para a retomada de uma discussão em torno da memória da violência política do regime civil-militar. Essa discussão, em que pese sua urgência e importância tem impelido os estudiosos do passado para uma pergunta que não mais poderemos fugir: afinal, qual deve ser o lugar da memória na democracia?

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    É interessante observar que o momento em que se constitui a luta armada e o acirramento dos direitos durante a ditadura militar difere, sensivelmente, das fases em que se pode observar a progressão do terror de estado nos outros países da américa latina, a exemplo da argentina e do chile, em que os primeiros anos das ditaduras foram também os mais gravosos à ótica dos direitos humanos e das garantias civis.
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    Não queremos afirmar com isso que o apoio da sociedade civil ao regime militar tenha sido, mesmo nos anos iniciais, absoluto e irrestrito. Tamanha generalidade seria insidiosa inclusive para qualquer narrativa histórica, todavia, destacamos que essa resistência, por parte da sociedade civil, foi minoritária e, por isso mesmo, pouco expressiva do ponto de vista político ou não podemos afirmar que tenha imposto qualquer ameaça aos militares.
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    Convém lembrar que, à despeito da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ter se manifestado quanto à questão da Lei de Anistia, até hoje, o governo brasileiro não respondeu o tema de forma satisfatória.
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    Exemplos aqui de crimes conexos: conexão consequencial refere-se a um crime cometido para assegurar a ocultação, a impunidade ou a vantagem de outro. Por exemplo, incendeia-se uma casa para impedir que um crime de furto, nela praticado, seja apurado. Outro tipo de conexão é a casual, quando um crime é cometido quando da prática do outro. Por exemplo, a subtração de joias da vítima estuprada. A conexão, dizem os penalistas, dá-se quando um crime é praticado para assegurar a execução de outro. Por exemplo, mata-se para roubar. O crime meio é o homicídio, e o crime fim é o roubo. Os dois estão ligados pelo laço de causa e efeito.
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    O referido documento foi, posteriormente, revogado pelo então presidente Michel Temer através do Decreto nº 8.798 de 4 de julho de 2016.
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    Em maio de 2016, o então presidente Michel Temer recriou o Gabinete de Segurança Institucional, atribuindo ao órgão, mais uma vez, s status de Ministério de Estado.
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    Durante a ditadura miliar, o órgão chamava-se Gabinete Militar e sempre foi, mesmo com o advento do regime democrático, um espaço privilegiado de gestão militar. Dentre as principais atribuições do Gabinete se Segurança Institucional podemos citar a segurança pessoal do presidente, vice-presidente e seus familiares; garantir a segurança de informações sigilosas para proteção do estado e do governo federal; assessorar o presidente na área de segurança nacional e, finalmente, investigar possíveis ameaças à soberania nacional - a Agência Brasileira de Inteligência, por exemplo, está subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional.
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    Ainda que Jaques Wagner tenha tentado relativizar o decreto produzindo uma portaria, dias depois, que supostamente subdelegava aos Comandantes os poderes de nomear, promover, etc., como notou o mesmo Almirante Roberto de Guimarães Carvalho, “estar autorizada não significa ordem para subdelegar”.
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    É ilustrativo da manobra da oposição política da presidenta Dilma Rousseff e da ala dos defensores do regime militar o embate em favor da dilatação do prazo de cobertura da comissão nacional da verdade, inicialmente previsto para 1964 e 1988, até a promulgação da nova constituição e, depois, estendido de 1946 a 1988,

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    23 Jul 2020
  • Aceito
    20 Dez 2020
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