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UM PASSARINHO NA MÃO OU DOIS VOANDO? DILEMAS DO GRUPO CARTEIRO AMIGO ENTRE SE EXPANDIR ORGANICAMENTE NA FAVELA DA ROCINHA OU SE ARRISCAR PARA ALÉM DA ZONA DE CONFORTO

RESUMO

O presente estudo está situado na Rocinha, a maior favela da América Latina. Durante os primeiros anos da década de 2000, nessa tradicional comunidade carioca, além dos problemas de ordem social e econômica – como trafico de drogas, violência urbana e saneamento básico – seus moradores não eram assistidos com serviços públicos básicos como a entregade correspondências pelos Correios, tanto pela violência, quanto em virtude da ausência de padronização de endereços em suas ruas e vielas. Nesse contexto, três empreendedores observam uma oportunidade e deixam seus empregos para criarem o Grupo Carteiro Amigo (GCA), uma iniciativa que transformou a realidade da comunidade. O artigo apresenta um breve histórico da empresa e, em especial, aborda o dilema do crescimento organizacional, refletindo sobre os desafios e oportunidades de aumentar a base de clientes na Rocinha ou de franquear o negócio para outras favelas do Rio de Janeiro e do Brasil.

Palavras-chave:
Grupo Carteiro Amigo; Distribuição Física de Produtos; Franquia Social; Negócios em Favelas

ABSTRACT

Rocinha, Latin America’s largest shanty town, in addition to its social and economic problems, such as the absence of standardized street addresses, urban violence, and presence of drug traffic; was not provided with basic public services, such as mail delivery from the Brazilian Post Office. Within this scenario, three entrepreneurs saw an opportunity, and left their jobs in order to invest in this idea that became larger than simply delivering mail within a community: the Friendly Mailman Group (known by its Portuguese acronym “GCA”). This article presents a brief history of the company, and especially deals with the dilemma of expanding GCA within Rocinha or formalizing a franchise business model, the potential to succeed, and challenges to be overcome in each alternative.

Keywords:
Friendly Mailman Group; Physical Distribution of Products; Social Franchise; Business in Business in Slums

RESUMEN

La Rosiña, la favela más grande de América Latina, además de los problemas sociales y económicos que existenenella, como la falta de estandarización de números y nombres de calles y callejones, existe una violencia urbana y presencia del narcotráfico. Esta favela no era atendida con ningún servicio publico básico, como por ejemplo la entrega de cartas. En este contexto, 3 empresarios observaron una oportunidad, lo cual los hace dejar sus trabajos para asir trabajar en esta oportunidad, creando el Grupo Cartero Amigo (GCA). Este articulo presenta un breve histórico de la empresa y en especial aborda el dilema de la expansión del GCA en la Rosiña o de la formalización de un modelo de negocio franqueable, sus potencialidad y desafíos.

Palabras clave:
Grupo Cartero Amigo; Distribución física de productos; Franquicia Social; Negócios en Favelas

INTRODUÇÃO

O Grupo Carteiro Amigo (GCA) é uma empresa especializada em entrega de correspondências (como cartas, boletos bancários e produtos comprados pela internet),situada na maior favela da América Latina, a Rocinha. Criada por três moradores da própria comunidade, o GCA começou suas atividades no ano de 2000 motivado pela rarefeita atuação dos Correios na comunidade, seja por falta de segurança, como pela inexistência de endereços oficiais em uma gama representativa de domicílios. Até o ano de 2013, o GCA já contava com uma clientela de mais de 10 mil domicílios. Embora o número fosse representativo (praticamente metade da Rocinha, pois pelo Censo de 2010, existiam 23.352 residências),os empreendedores tinham a intenção de aumentar ainda mais sua área de atuação, conquistando novos clientes na própria Rocinha – considerando que a comunidade também vinha passando por um rápido crescimento do número de moradores, sobretudo em virtude do processo de introdução das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), em algumas favelas cariocas.

Em uma manhã de abril de 2013, Pedrinho, um dos sócios-fundadores do GCA, estava reunido com seus colaboradores pensando em formas de ampliar a capilaridade dos seus serviços na Rocinha, quando o telefone toca. Do outro lado, falava Zezinho Orelha, Vice-Presidente da Associação de Moradores da Comunidade de Curicica, localizada na zona oeste da Cidade do Rio de Janeiro, com uma proposta ao GCA: “Fala Pedrinho! Tudo bem? Meu camarada, é o seguinte: vimos uma reportagem do Carteiro Amigo na GloboNews e gostamos da ideia de vocês. Aqui em Curicica, a gente enfrenta omesmoproblemada Rocinha. Pouca gente na comunidade conseguereceber as cartas, contas e encomendas. Ninguém sabe o seu endereço! Será que vocês conseguiriam resolver o problema de entregas de correspondências na nossa comunidade? Te interessa de abrir uma unidade aqui?”

A pergunta deixou Pedrinho atônito e sem palavras. Já havia algum tempo que ele e seus dois sócios pensavam em expandir seu empreendimento.Mas, até então, a expansão se daria naprópria favelada Rocinha, onde trabalhavamhá 13 anos e já possuíam toda uma reputação, além de conhecerem o muitíssimo bem o local.

Como ir para outra comunidade totalmente desconhecida pelos sócios e distantecerca de 23km da Rocinha (Figura 01), com problemas específicos, área geográfica desconhecida e perfis de clientes diferentes? Será que o modelo implantado na Rocinha conseguiria se adequar à realidade de outra comunidade? Para além da questão de apenas decidir aceitar ou não, havia outras variáveis em jogo: caso aceitasse, será que o GCA conseguiria manter o mesmo nível de serviço que o credenciava na Rocinha? Em que medida a decisão dedesenvolver os serviços de entrega em outra comunidade, prejudicaria o interesse original do Grupo Carteiro Amigo de capturaro grande mercado potencial que a Rocinha tinha para oferecer?

Figura 1
Distância entre Rocinha e comunidade de Curicica

Pedrinho se vê em uma situação inusitada: valeria a pena concentrar as ações do Grupo Carteiro Amigo em um mercado já conhecido, com aproximadamente 15 mil potenciais novos clientesou decidir investir tempo e esforço no desenvolvimento do serviço em outra região, sendocapaz de oferecer os benefícios já observados na Rocinha para uma comunidade totalmente nova para a empresa?E se aceitasse, será que o mais interessante seria manter o controle do negócio por meio da política da implantação de filiais ou o ideal seria uma estruturação em forma de franquia? Caso desse certo será que este novo modelo poderiaser replicado, não só em Curicica, mas também levado para outras comunidades do Rio de Janeiro, do Sudeste, do Brasil, da América Latina e do Mundo?Valeria a pena o Grupo Carteiro Amigo encarar esse novo desafio?

Ainda refletindo sobre a proposta de Zezinho, Pedrinho comentou: “é, meu parceiro... Do nada, eu me vi diante de uma dúvida cruel: mais vale um passarinho na mão ou dois voando? No fundo até que abrir um outro ponto poderia ser um bom negócio para todos. Mas, e aí? O que deveríamos fazer agora, sem nenhuma experiência nesse assunto?”.

1 O INÍCIO DO GCA

Em agosto de 2000, três moradores nascidos e criados na Rocinha, Carlos Pedro da Silva (o Pedrinho) sua esposa e um amigo do casal, trabalhavam no programa de gari comunitário da Rocinha. Pedro era supervisor geral, a sua esposa trabalhava na área administrativa e o amigo do casal no almoxarife. Na busca por tentar melhorar suas rendas, os três realizam uma prova para fazerem parte do grupo de recenseadores do IBGE.

Os três foram aprovados na prova do IBGE para recenseadores (contrato sob o regime temporário, não caracterizando vínculo empregatício), fato esse que mudou o cotidiano do trio. Agora após a rotina de trabalho no gari comunitário de 7h às 17h, os três tinham mais uma tarefa em seu dia, a jornada de recenseadores.Cada um cobria uma área diferente da favela. Ao fim de cada dia, o casal e o amigo se reuniam para tomarem café e comentarem os fatos curiosos ocorridos.Fazendo uma retrospectiva sobre a referida época, Pedrinho relatou: “no final do dia nós sentávamos pra verificar os formulários e ver se o preenchimento do Censo estava direitinho, e nisso tu vai contando as curiosidades, aí tu conta que fulano não sabe o endereço, e o outro diz:– ‘pô, na minha área também ninguém sabe’. E isso era todo dia, até que pensamos, podíamos fazer um negócio em cima disso, vamos pensar num negócio!”.

A partir dessas conversas, os três jovens começaram a evidenciar e a tomar consciência acerca de problemas comuns a praticamente todos os moradores que entrevistavam: a imensa maioria dos moradores da comunidade não sabia informar o próprio endereço onde residiam! Assim não recebiam serviços de entrega de cartas, contas ou compras nas residências. Os moradores tinham também a dificuldade de conseguir um comprovante de residência, o que lhes impedia de fazer um crediário, por exemplo, ou até mesmo aproveitar descontos e ofertas pela internet.

Então, onde e como os moradores da Rocinha recebiam as correspondências? Naquela época, o serviço prestado pelos Correios era incapaz de atender a toda a comunidade, como a dificuldade de acesso e, sobretudo, pela violência instalada associada à falta de segurança pública.

Sendo assim, os carteiros dos Correios acabavam deixando as encomendas ou cartas em alguns pontos mais conhecidosda comunidade, como, por exemplo, na associação de moradores, salões de cabelereiros, bares e mercearias. Cada entrega era literalmente “deixada” nesses locais. Por falta de padronização ou local adequado para facilitar o acesso ao morador encontrar o que era seu, os interessados tinham que “caçar” as correspondências, o que era desconfortável. Fora que grande número de pessoas que residiam em partes mais remotas da Rocinha enfrentavam desafios ainda maiores, dado que a favela possuía mais de um milhão de m2 de extensão.

Diante da situação de precariedade e caos na entrega de correspondências, em julho de 2000, os amigos tiveram a ideia de propor um serviço à comunidade, capaz de resolver esse problema. Porém, defrontavam-se com um grande desafio:como conseguir prestar um serviço para a maior favela da América Latina que nem mesmo os Correios, com sua ampla experiência, conseguiam realizar? Além dos Correios, outras empresas distribuidoras de mercadorias que também não conseguiam entregar na Rocinha. Outro ponto importante a ser considerado foi o de como implantaressa central de distribuição de correspondências para os moradores da favela, com escassez de recursos financeiros e de tempo?

Para além das dúvidas sobre como constituir a nova empresa, os empreendedores ainda conviviam com graves questões relacionadas à sua vida pessoal. Por exemplo, os três moravam de aluguel e o casal, estava com uma série de despesas devido ao filho recém-nascido. Será que esse seria o melhor momento para começar um negócio?

2 OUSADIA PARA EMPREENDER EM MEIO ÀS SITUAÇÕES ADVERSAS

Em outubro de 2000, o casal e seu amigo decidem tomar a decisão ousada em prol do sonho de construir seu próprio negócio e pedem a demissão do seu emprego do gari comunitário. Eles trocam a receita certa pela incerteza de empreender. Por mais arriscada que fosse essa decisão, era fundamental para conseguir alcançar o tão desejado sucesso e consequentemente não constituir somente uma mera empresa de entregas, mas um negócio capaz de beneficiar toda a comunidade. Na perspectiva dos três empreendedores, para haver uma possível chance de sucesso na atividade de entregar correspondências a milhares de habitantes seria imprescindível a dedicação em tempo integral.

No mês de novembro de 2000, estavam determinados, mas antes de começar a operação precisavam dar nome ao seu empreendimento. Pensavam que tinha que ser uma nomenclatura simples e que ao mesmo tempo representasse o que gostariam de oferecer à comunidade. Veio daí a ideia: eram grandes amigos e estavam prestando um serviço de entrega de correspondência, então decidiram pelo nome de “Grupo Carteiro Amigo (GCA)”.

Com o nome definido, alugaram uma loja para ser a sede da empresa e pegam um empréstimo no valor de R$500,00 (valor que corrigido pelo Índice Nacional de Inflação, o IPCA, correspondia a R$1.302,77, em parâmetros de agosto de 2015).Este valor foi reservado para investimentos iniciais com uniformes de trabalho, material de escritório e publicitário para a fachada da sua loja.

Agora estavam devidamente instalados, uniformizados e cheios de energia para colocar o negócio em prática. Contudo, havia mais questões a serem contornadas: como conseguir clientes? Como garantir para uma população descrente, isto é, que morava há anos na Rocinha e nunca recebeu cartas em sua casa, que de uma hora para outra o Grupo Carteiro Amigo iriaresolver esse problema?

A saída foi oferecer o serviço gratuitamente! Segundo a perspectiva dos empreendedores, se fosse de graça e desse errado, os moradores podiam até reclamar, mas pelo menos não teriam gastado nada com isso. Então o Grupo Carteiro Amigo desenvolveu seu primeiro método de entrega que apelidaram de “zoneamento por colmeia” (Figura 2). Esse método consistia em atender os moradores que residiam mais próximos da empresa. Com o passar do tempo verificava-se o aumento da demanda e o serviço era expandido para áreas mais distantes da loja.

Figura 2
Método zoneamento por colmeia

Para o registro da base de clientes, os empreendedores compraram um fichário de mesa e foram inscrevendo cliente por cliente – cada registro representando uma residência. Assim, o Grupo Carteiro Amigo iniciava suas atividades. Enquanto a esposa de Pedrinho ficava na loja, Pedrinho e o amigo do casaltrabalhavam externamente. Os dois passavam o dia inteiro nos bares, associação de moradores e lojas procurando uma ou duas correspondências no meio de dez a vinte mil outras.

Passam-se os meses de novembro e dezembro de 2000 e o negócio estava sendo um sucesso, todavia, não se podia manter um negócio gratuito por muito tempo. Assim, em janeiro de 2001, começaram a empregar uma taxa simbólica mensais de R$3,00 (valor que corrigido pelo Índice Nacional de Inflação, o IPCA, correspondia a R$ 7,82, em agosto de 2015). Esta taxa era recebida pelo GCA em mãos, na sede da empresa.

Com menos de um ano de atividades, em 2001, depois que começaram a ter receita recorrente, os empreendedores decidiramformalizar a empresa. Os sócios perceberam essa formalização como mais uma forma de aferir credibilidade para o negócio e evitar que após tanta luta perdessem a empresa por estarem ilegais. Além disso, também em 2001, devido ao aumento de demanda os empreendedores contrataram os primeiros colaboradores, também moradores da Rocinha. Os sócios sempre valorizaram quem era nascido na própria favela e queriam proporcionar aos moradores do local um trabalho digno e com todos os direitos trabalhistas garantidos, desde o primeiro funcionário contratado.

Essa prática acabou porrepresentar outra forma de endosso positivo da comunidade para com o Grupo Carteiro Amigo. Todos na favela valorizavam e reconheciam o quanto a empresa respeitava os colaboradores e lhes ofereciam um empregodigno e formal, com todos os outros direitos assegurados.

Como prova do reconhecimentoao trabalho desenvolvido e a grande divulgação boca-a-boca dentro da comunidade, em meados do ano de 2002, o GCA já possuía a expressiva marca de mais de 1.000 famílias cadastradas. Com tantos clientes, os empreendedores passaram a ter algumas dificuldades. Uma delas é a vivida por muitas empresas: a inadimplência. Como fazer os moradores pagarem em dia sem perder o vínculo de amizade e companheirismo construído?

Em 2003, os sócios tomaram uma decisão que reduziu drasticamente o número de não pagadores. Os funcionários foram instruídos a anexarem uma mensagem padrão de cobrança às cartas e correspondências quando o cliente completava três meses de atraso (Figura 03), evitando assim as desculpas por parte dos clientes de que esses últimos nãoeram avisados que estavam em débito. Portanto, ao ver as correspondências, os moradores imediatamente veriam o aviso de cobrança.

Figura 3
Aviso de cobrança para clientes inadimplentes

O aviso era mantido até o quarto mês, caso o pagamento não fosse realizado, mas dessa vez com outro aviso que informava aos contratantes que se chegassem aos cinco meses sem pagamento, todas as correspondências (cartas, contas e produtos comprados via internet) que chegassem a partir de então, o Grupo Carteiro Amigo não iria aceitá-las. Então tudo que chegasse iria voltar com os Correios ou empresa distribuidora. Essa atitude foi determinante e efetiva no combate das inadimplências.

Os anos se passaram e a oferta de serviços do GCA expandiu consideravelmente,pois com a expansão da internet aumentou a demanda por compras online e assim o GCA chegouà marca de mais de 5.000 clientes no ano de 2006. As atividades transcorriam bem, mas no ano de 2007 a empresa foi acometida pelo maior desafio enfrentado pelo GCA desde a sua fundação:após a saída de um colaborador que estava há cinco anos na empresa e era o responsável por entregar as correspondências em um sub-bairro chamado Vila Verde – um dos maiores da favela – os empreendedores observaram que estavam totalmente dependentes de seus entregadores. Porque mesmo alocando cinco novos entregadores para cobrir a saída do antigo ocupante do cargo, não estavam conseguindo suprir toda a demanda de Vila Verde.

Os três sócios tinham um enorme problema para ser resolvido: como elaborar um método que fosse capaz de mapear toda a favela da Rocinha, a ponto de, ao ser criado, fosse tão eficaz que qualquer novo entregador que fizesse parte da empresa poderia ser treinado e conseguir entregar com o mesmo nível de serviço de outro colaborador com anos de experiência? Isso seria possível? Será que sempre os empreendedores ficariam dependentes, de maneira comprometedora, de seus entregadores?

E por mais improvável que fosse o GCA conseguiu mais uma vez se superar: os empreendedores criaram um método de entregas que denominaram “Mapeamento Localizador”. Esse método consistiu basicamente em criar um mapa autoral do Grupo Carteiro Amigo, feito em papel, com base em um mapa pré-existente da Rocinha.

O Mapeamento Localizador foi refinado ao longo de um ano, sendo aprimorado entre 2007 e 2008. Nesse método só eram necessárias duas informações que eram basicamente: saber onde começava e terminava cada rua e também identificar o que existe de estrutura física nos logradouros. Essa estrutura podia ser fixa, natural ou construída, identificando assim cada rua, escada e beco da favela, por exemplo, se havia casas, prédios, condomínios, lojas ou até mesmo rochas, galinheiros ou lixões.

Com base nessa ideia,estruturaram uma espécie de algoritmo, um passo a passo, que funcionava como um pseudocódigo. Dado que as ruas na Rocinha no geral não possuíam nome oficial e na maioria dos casos foram os moradores que as batizavam, o Grupo Carteiro Amigo padronizou e definiu nomes para as localidades e determinaram onde começava e onde terminava cada rua ou beco. A partir disso, os sócios então atribuíram uma denominação própria para cada estrutura existente na Rocinha, baseada em uma codificaçãoparticular do GCA. Desta forma, a empresa conseguiu estabelecer uma nomenclatura para toda a comunidade. Todavia, esta nomenclatura era exclusiva para uso interno do GCA, oficialmente a Rocinha continuava sem endereços oficiais.

Com esse trabalho, sem o apoio de qualquer software ou consultoria, os empreendedores conseguiram mapear e padronizar as rotas de distribuição e domicílios da maior favela da América Latina em centenas de páginas de papel A4 feitas à mão. Juntas, estas folhas A4 viraram um enorme mapa, repleto de linhas de código, em que apenas os colaboradores Grupo Carteiro Amigo conseguiam entender e se localizar. Após a implantação do Mapeamento Localizador em suas operações, o Grupo Carteiro Amigo conseguiu reduziro seu número de entregadores e padronizar toda logística de entrega na comunidade.

Assim, a partir de 2008, quando um entregador de cartas antigo precisava sair da empresa, com o novo método criado, em apenas um dia, segundo Pedrinho, os sócios conseguiam ensinar qualquer pessoa a entender a lógica e ser capaz de entregar uma correspondência em qualquer local da Rocinhacom a utilização de uma simples folha A4(Figura 4). Esse método foi tão efetivo, que melhorou o processo de entregas a tal ponto, de reduzir de 17 entregadores em 2007, para apenas 05 em 2010. Conseguiu aumentar a autonomia sobre as entregas, reduzir os desperdícios e aumentar a produtividade do serviço, pois com menos entregadores realizarem o mesmo serviço com uma qualidade igual ou superior que anteriormente.

Figura 4
Imagem utilizada como apoio para ensinar o método Mapeamento Localizador aos novos colaboradores

3 A COMPLEXA DECISÃO DE EXPANSÃO DO NEGÓCIO: INCERTEZAS SOBRE O MODELO DE CRESCIMENTO DA EMPRESA

A repercussão do Grupo Carteiro Amigo na Rocinha foi crescendo e gerou como resultado, ao fim de 2009, a marca de 10.000 clientes. E com o aumento de trabalho, custos, complexidade do serviço e da própria inflação, o valor da mensalidade teve que ser reajustado, subindo para R$ 13,00, no ano de 2010. Cumpre destacar que a mensalidade continuava a ser recebida em dinheiro e em mãos no estabelecimento sede do GCA. Até 2010 os reajustes dos serviços eram feitosapenas para compensar aumento de custos e inflação.

Graças ao evidente sucesso na Rocinha, o Grupo Carteiro Amigo começou a ser muito procurado para entrevistas e reportagens, inclusive matérias especiaissobre empreendedorismo em favelas em séries de canais de TV por assinatura, como a GloboNews.

Por meio da presença constante na mídia, moradores de outras comunidades começaram conhecer o trabalho do Grupo Carteiro Amigo e a buscar contato com os empreendedores para pedirem-lhes ajuda. Afinal, a Rocinha não era a única favela que tinha o histórico de moradores que não recebiam suas correspondências. Muitas outras comunidades do Brasil, de todos os portes e regiões, enfrentavam também esse problema. E a primeira comunidade a entrar em contato com o GCA foi a comunidade de Curicica, situada no bairro de Jacarepaguá, na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro.

Mas será que Pedrinho e os outros sócios deveriam se arriscar e se envolver em outro ambiente, com outros riscos e incertezas? Até porque a Rocinha ainda possuía uma quantidade grande de moradores que ainda não usufruíam do serviço e agora, de posse do método desenvolvido, não seria o melhor momento para expandir internamente a carteira de clientes de aproximadamente 15 mil domicílios que ainda não contrataram os serviços do GCA? Por ser uma empresa muito pequena e com muita dependência dos fundadores, a ausência dos sócios no cotidiano da empresa na Rocinha, não poderia significar uma diminuição na qualidade do serviço prestado e consequentemente perder clientes? Seria essa a melhor hora para atuar também fora da Rocinha? Mas por outro lado, e os novos ganhos provenientes dessa iniciativa? Compensariam esses riscos e esforços? Seria melhor um pássaro na mão ou dois voando?

NOTAS DE ENSINO DO CASO

4.1 Pontos de esclarecimento para o professor

O dilema central enfrentado pelo GCA era o de crescimento do negócio: seria mais atraente conseguir crescer em um ambiente já conhecido pela empresa, mas que ainda permitia um aumento significativo em número de clientes ou ter a oportunidade de desenvolver um modelo de franquia, com previsão de escalabilidade, de modo a expandir sua atuação para outras comunidades.

Relevante considerar que qualquer caminho escolhido haveria um conjunto de questionamentos:caso permanecessem na Rocinha e aumentassem o número de clientes, o GCA não estaria negligenciando apoio a outras comunidades demandantes dos seus serviços? Será que o crescimento para outras regiões não iria proporcionar maiores vantagens sociais e econômicas, aumentando também a visibilidade e a entrega de valor do serviço?

Por outro lado, escolhendo expandir o negócio, seja por modelo de filiais ou por modelo de franquias, será que a clientela já conquistada pelo GCA após anos de esforço e trabalho ficaria prejudicada com uma piora no nível de serviço? Ou pior, com atuação em duas ou mais frentes, será que a empresa teria condições de estabelecer novos e estáveis processos capazes de asseverar a devida qualidade no serviço? Estaria o Grupo Carteiro Amigo maduro o suficiente para assumir sair da Rocinha ou essa opção poderia incorrer em um fracasso mútuo?

4.2Cursosindicados para a aplicação do caso de ensino

Cursos de graduação em Administração e Engenharia de Produção ou Pós-Graduação/ MBA em Gestão de Negócios, Marketing, Empreendedorismo ou Gestão de Marcas e Franquias.

4.3 Temas indicados para a aplicação do caso de ensino

Os temas propostos se enquadram em disciplinas que contenham abordagens sobre empreendedorismo, marketing, estratégia e projeto organizacional tratando de conteúdos programáticos como: estruturação de modelos de negócio; negócios sociais (base da pirâmide); estratégia e posicionamentos estratégicos singulares; características do franchising como canal de distribuição e de expansão de organizações. A franquia como estratégia de expansão de marca e de aumento das vendas. Como franquear um negócio existente. Aspectos essenciais na formatação e na gestão de redes de franquias. Como elaborar um projeto de franquia. A gestão e o desenvolvimento do plano de expansão das franquias. A franquia do ponto de vista do franqueado: vantagens e obrigações. Papel das partes, vantagens e desvantagens do sistema para o franqueado e para o franqueador. Aspectos operacionais, financeiros e jurídicos do sistema de franchising.

4.4 Pré-requisitos dos alunos

São desejáveis noções de projetos organizacionais, estratégia, marketing, finanças e gestão de negócios. Em termos específicos, recomendam-se conhecimentos sobre Modelos de Negócios, Modelagem de Processos e Análise de Riscos e de Viabilidade Técnica e Financeira de Empreendimentos.

4.5 Questões de preparação

Como sugestões de questões para preparação do caso pelos alunos:

  • Para o Grupo Carteiro Amigo qual deve ser a melhor decisão: formalizar e difundir o modelo de franquia ou se expandir no mercado local (Rocinha)?

  • Quais variáveis e indicadores poderiam auxiliar a empresa a fazer a melhor escolha entre expandir localmente ou explorar novas áreas?

  • Há a possibilidade de expansão nas duas frentes, local e em outras regiões? Como estruturar um modelo que permita a expansão simultânea?

  • Seria possível tornar um empreendimento de distribuição física de correspondências em favelas, uma franquia de sucesso?

  • Para além da dimensão econômico-financeira, que variáveis devem ser consideradas para a modelagem desse negócio?

  • Em optando pelo modelo de franquia, qual deve o modelo adotado, caso o Grupo Carteiro Amigo avance nessa direção?

4.6 Possíveis alternativas e soluções para o dilema do caso.

Quadro 1
Possíveis alternativas e soluções para o caso

4.7 Recomendações para aplicação do caso

Aconselha-se que seja um trabalho para o fim de período, após terem sido passados outros casos mais simples e de menor complexidade e dos conhecimentos introdutórios e técnicos das disciplinas em questão.

Recomenda-se aos alunos que naveguem previamente pelo portal da Associação Brasileira de FranchisingABF – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE FRANCHISING. Informações institucionais. Disponível em: <https://www.portaldofranchising.com.br/>.
https://www.portaldofranchising.com.br/...
(www.portaldofranchising.com.br), a fim de obterem maior familiaridade com a temática e com conceitos específicos.

Como preparação para a tarefa, seria inspirador se o docente responsável pela aplicação do caso organizasse uma visita técnica à favela da Rocinha (ou à outra favela mais próxima de sua região) para que os alunos observem a comunidade e tenham a oportunidade de conversar com moradores e empreendedores sobre as dificuldades de localização na região. Além disso, recomenda-se que os alunos preparem-se previamente reunindo dados objetivos sobre a geografia e a economia da Rocinha e de outras comunidades, a fim de comparação entre realidades distintas.

O Professor deve entregar o caso com antecedência para leitura e preparação prévia (pelo menos uma semana). Em sala, os grupos podem ter um tempo de 30 min a 45 min para aprofundarem as discussões e também para ouvirem as dicas e possíveis alternativas do professor. Recomenda-se que os grupos sejam formados por até 04 (quatro) estudantes, para poderem interagir e existir maior sinergia entre os alunos.

Seguindo o formato adotado pelo Método Caso, após a discussão em grupos, os alunos devem se reunir para a discussão em plenária, guiada pelo professor, que irá explorar os aspectos importantes do negócio e levar a turma a refletir em conjunto sobre os prós e contras de cada alternativa. A plenária poderá ocupar até 1 hora da aula.

Para aumentar o senso crítico o professor poderia dividir a turma em 2 grandes grupos. Um grupo destacaria e defenderia os pontos fortes da ideia dada pelos alunos que estivessem apresentando seu trabalho, enquanto a outra metade da turma destacaria os pontos fracos, como se fosse um “júri” e assim os alunos aumentariam as noções de gestão e de saberem se posicionar quando são criticados.

Ao final da aula, o professor pode apresentar o que realmente ocorreu com o GCA, tomando os devidos cuidados para que os alunos não sintam que suas ideias foram descartadas. No Método Caso o processo de construção do conhecimento é tão importante quanto seus resultados.

4.8 Fontes de informações:

As informações e conteúdos abordados sobre o caso foram adquiridas por meio de três encontros entre os autores do artigo com o sócio fundador Carlos Pedro, o Pedrinho.

No primeiro encontro, no dia 19 de novembro de 2014, foi feito o primeiro contato com o GCA e houve conversas informais sobre a empresa, seu funcionamento e história.

No segundo contato, no dia 20 de janeiro de 2015, foram coletadas as imagens utilizadas na Figura 3 (aviso de cobrança clientes inadimplentes), Figura 4 (Imagem utilizada como apoio para ensinar o método Mapeamento Localizador aos novos colaboradores) e os valores pagos pelo serviço do GCA ao longo dos anos.

No último encontro entre os autores e Pedrinho para a elaboração do presente Caso de Ensino ocorreu, no dia 01 de abril de 2015. Na ocasião, com o consentimento do empreendedor, foi gravado um áudio via smartphone em formato Advanced Audio Coding (AAC) com duração de 2 horas 58 minutos 08 segundos e totalizando um tamanho de 169.854 kb de extensão.

4.9 Como o CGA solucionou o problema

Ossócios do GCA entraram em contato com o SEBRAE/RJ e pediram uma consultoria e assessoria para abrir franquias. A princípio,os três empreendedores se animaram com a ideia de expandir seu negócio para outras comunidades, mas não sabiam como. Com o apoio do SEBRAE/RJ, o GCA conseguiu fazer um levantamento cuidadoso dos custos operacionais e de implantação;das taxas deatratividade para o GCA e de rentabilidade para os eventuais franqueados;dos materiais necessários para abrir o próprio negócio, além da elaboração do Plano de Negócio para as novas franquias.

Para além da importante contribuição do SEBRAE/RJ, o que realmente viabilizou o modelo de negócios foi fato do desenvolvimento prévio, por parte do GCA, do Método Mapeamento Localizador. Como segredo de negócio (trade secret), o GCA só admite criar uma nova franquia se pelo menos um dos donos for pessoalmente mapear toda a favela. Ou seja, os próprios sócios originais aplicam o método Mapeamento Localizador na comunidade que deseja os serviços do GCA e toda região e fica desenhada em papéis, com a atribuição do nome das ruas e, consequentemente, dos endereços das casas dos clientes, segundo a lógica desenvolvida pelo GCA.

Com isso, o Grupo Carteiro Amigo conseguiu, em novembro de 2013, realizar um fato inédito e histórico: tornou-se a primeira empresa originada de uma favela a abrir uma franquia na América Latina! Essa primeira franquia foi instalada na comunidade de Asa Branca, no bairro de Curicica, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Desde então o Carteiro Amigo, já inaugurou 13 franquias em todo o Estado do Rio de Janeiro. Sendo a mais recente na comunidade do Beira Rio, no bairro do Recreio dos Bandeirantes, também localizada na Zona Oeste, inaugurada em abril de 2015.

As regras básicas para abertura de uma franquia do GCA são as seguintes: o valor da mensalidade não pode ultrapassar que o da unidade principal que é o da Rocinha (R$18,00/ mês, valor este praticado em até abril de 2015). Adicionalmente, a título de luvas, é cobrado um valor simbólico de R$10.000,00 e é exigido apenas 5% do lucro de cada uma delas para o uso da marca e assistência técnica do GCA.

Com isso, os empreendedores do Grupo Carteiro Amigo, esperam dar sua contribuição para a promoção do desenvolvimento social e oferecer mais justiça e inclusão nas comunidades do Rio de Janeiro e do Brasil.

ANEXO 01: LOCALIZAÇÃO DAS FRANQUIAS DO GRUPO CARTEIRO AMIGO POR BAIRRO

Figura 5
Franquias do GCA no Rio de Janeiro

ANEXO 02: Linha do tempo da evolução do GCA – Grupo Carteiro Amigo

Figura 6
Linha do Tempo do GCA (2000 – 2015)

4.10 Matérias em jornais, revistas e sites sobre o GCA:

O quadro 2, trata-se sobre uma lista de reportagens veiculadas nos últimos anos sobre o Grupo Carteiro Amigo que podem ser utilizadas pelos docentes e discentes para conhecer um pouco mais sobre a empresa.

quadro 2
Reportagens veiculadas pela imprensa

REFERÊNCIAS

  • ABF – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE FRANCHISING. Informações institucionais. Disponível em: <https://www.portaldofranchising.com.br/>.
    » https://www.portaldofranchising.com.br/
  • Banco Central do Brasil. Calculadora do Cidadão. Acesso em: <https://www3.bcb.gov.br/CALCIDADAO/publico/exibirFormCorrecaoValores.do?method=exibirFormCorrecaoValores&aba=1>.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2017

Histórico

  • Recebido
    05 Nov 2015
  • Aceito
    26 Maio 2017
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