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CONTRIBUIÇÕES DA PROBLEMATIZAÇÃO FILOSÓFICA PARA O ESTUDO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

CONTRIBUTIONS OF PHILOSOPHICAL PROBLEMATIZATION TO THE STUDY OF PUBLIC ADMINISTRATION

APORTES DE LA PROBLEMATIZACIÓN FILOSÓFICA AL ESTUDIO DE LA ADMINISTRACIÓN PÚBLICA

RESUMO

O ensaio aborda a filosofia como um fazer crítico-reflexivo e radical e sua contribuição para o estudo da administração pública. Explicita a natureza transdisciplinar dos problemas neste campo e o enraizamento das suas ciências conformadoras até a filosofia. Assinala o processo em curso de assentamento da administração pública como disciplina, movimento este que endereça também a singular importância da filosofia e sua função de produção de conceitos. Propõe a problematização de natureza filosófica como recurso para a depuração e ressignificação de conceitos permitindo compreensões e ações distintas da prática convencional. Sinaliza um recorte de temas e conceitos da administração pública a serem examinados e refletidos, enfatizando a necessidade de um olhar para a sociedade e a administração pública brasileira. Finaliza com a proposição de elementos para uma metodologia de problematização conceitual a ser implementada na forma de oficinas de pensamento filosófico.

Palavras-chave:
Administração pública; Problemas filosóficos; Produção de conceitos; Oficinas de pensamento filosófico

The essay approaches philosophy as a critical-reflective and radical doing and ints contribution to the study of public administration. It explains the transdisciplinary of the problems in this field and the rooting of its sciences to philosophy. It points out the ongoing process of establishing public administration as a discipline, a movement that also addresses the singular importance of philosophy and its function in the production of concepts. It proposes philosophical problematization as a resource for debugging and reframing concepts for understandings and actions that are different from conventional practice. Indicates themes and concepts of public administration for examinations and reflections, emphasizing the need for a specific look at Brazilian society and public administration. It ends with the proposition of elements for a conceptual problematization methodology to be implemented in the form of philosophical thinking workshops.

Keywords:
Public administration; Philosophical problems; Concept production; Philosophical thinking workshops


El ensayo aborda la filosofía como um hacer crítico-reflexivo y radical y su aporte al estudio de la administración pública. Explica el carácter transdisciplinar de los problemas de este campo y el arraigo de sus ciencias a la filosofía. Señala el proceso continuo de establecimiento de la administración pública como disciplina, movimiento que también aborda la singular importancia de la filosofía y su función en la producción de conceptos. Propone la problematización filosófica como recurso para depurar y reformular conceptos para compreensiones y acciones diferentes a la práctica convencional. Marca una selección de temas y conceptos de la administración pública para ser examinados y reflexionados, enfatizando la necesidad de una mirada específica a la sociedad y la administración pública brasileña. Finaliza con la proposición de elementos para una metodología de problematización conceptual a implementar en forma de talleres de pensamiento filosófico.

Palabras clave:
Administración pública; Problemas filosóficos; Producción de conceptos; Talleres de pensamiento filosófico


INTRODUÇÃO

Este ensaio tem o objetivo refletir sobre contribuições da filosofia para o ensino, a pesquisa e a prática da administração pública em uma perspectiva de ação consciente e transformadora da sociedade. Toma-se como foco a filosofia enquanto prática crítico-reflexiva inserta no campo da administração pública e integradora das suas disciplinas, e não somente como transposição de um conjunto de conhecimentos consolidados segundo tradições, temas e problemas já enfrentados no curso da história do pensamento filosófico ocidental.3 3 A filosofia é definida para os fins deste ensaio como esforços de questionamento do sujeito voltados para si próprio (crítico-reflexivo) de extensão tal que alcance as raízes do pensamento (radical). O senso de crítica, aqui, portanto, corresponde, segundo Abbagnano (2012, p. 260), a um “processo através do qual a razão empreende o conhecimento de si mesma”. O fazer filosófico aqui é equivalente à problematização de natureza filosófica. Busca-se destacar a importância do exercício da problematização de natureza filosófica incidente sobre a administração pública e a partir de seus conceitos e questões. Essa abordagem se assenta, fundamentalmente, na diferenciação essencial entre problemas científicos e problemas filosóficos, destacando-se a peculiar intencionalidade destes últimos. Tem-se em vista aqui também refletir sobre a filosofia na formação em administração pública.

O ensino de filosofia tem constituído objeto de reflexão de autores como Gallo (2014GALLO, Sílvio. Filosofia: experiência do pensamento. São Paulo: Scipione, 2014.; 2013) e Carvalho e Cornelli (2013)CARVALHO, Marcelo; CORNELLI, Gabriele. Ensinar Filosofia. v.2. Cuiabá: Central de Texto, 2013., contexto no qual vem se destacando a complementaridade entre a história da filosofia e o fazer filosófico. Em relação à filosofia como fazer filosófico assinala-se o caminho da problematização filosófica (PORTA, 2014PORTA, Mario Ariel González. A filosofia a partir de seus problemas: didática e metodologia do estudo filosófico. São Paulo: Edições Loyola, 2014.; ARMIJOS PALÁCIOS, 2013ARMIJOS PALÁCIOS, Gonzalo. O ensino de filosofia e a “situação problema”. In: CARVALHO, Marcelo; CORNELLI, Gabriele. Ensinar Filosofia. v.1. Cuiabá: Central de Texto, 2013.; CERLETTI, 2009CERLETTI, Alejandro. O ensino de Filosofia como problema filosófico. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.) que ora se pretende abordar e transpor teórica e metodologicamente como prática da filosofia no estudo da administração pública.

Interseções entre a filosofia e a administração constituem objeto de interesse, entre outros, de Barreto, Carrieri e Romagnoli (2020)BARRETO, Raquel de Oliveira; CARRIERI, Alexandre de Pádua; ROMAGNOLI, Roberta Carvalho. O rizoma deleuze-guattariano nas pesquisas em Estudos Organizacionais. Cadernos EBAPE.BR, v. 18, n. 1, Rio de Janeiro, Jan./Mar. 2020., de Azevedo e Grave (2020AZEVEDO, Ariston; GRAVE, Paulo Sérgio. O administrador como agente virtuoso. In: SERAFIM, Mauricio C. Virtudes e dilemas morais na administração pública. (Org.). Florianópolis: Admethics, 2020.; 2014_________ . Prolegômenos a toda a administrologia possível: Administração - o que é isto? Organizações &Sociedade, Salvador, v. 21, n. 71, p. 695-712, out/dez, 2014.), de Serva (2017)SERVA, Maurício. Epistemologia da administração no Brasil: o estado da arte. Cadernos EBAPE.BR, v. 15, n. 4, Apresentação, Rio de Janeiro, p. 740-750, out./dez. 2017. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1679-395173209
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, de Cavalcanti (2016)CAVALCANTI, Maria F. Rios. Estudos organizacionais e filosofia: a contribuição de Deleuze. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 56, n. 2, p. 182-191, mar/abr., 2016. e Pesqueux (2008)PESQUEUX, Yvon. Filosofia e organizações. São Paulo: Cengage Learning, 2008.. Particularmente, na administração pública, em diferentes perspectivas, densidades e estruturas de argumentação essa relação é abordada por Pliscoff-Varas e Lagos-Machuca (2021)PLISCOFF-VARAS, Cristian; LAGOS-MACHUCA, Nicolás. Efecto de las capacitaciones em la reflexión sobre ética e corrupción. Revista de Administração Pública, v. 55, n. 4, pp. 950-968, jul/ago, 2021., Rosa et al. (2021)ROSA, Ellysson Fernandes; NAJBERG, Estela; NUNES, Lauren de Lacerda; PASSADOR, João Luiz. Como a filosofia pode iluminar a gestão pública em tempos de polarização política. Cadernos EBAPE.BR, v. 19, Edição Especial, Rio de Janeiro, p. 723-734, nov. 2021 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1679-395120200183
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, Ongaro (2020a)ONGARO, Edoardo. Filosofía y administración pública: una introducción. Ciudad de Mexico: Edward Elgar Publishing, 2020a., Santos et al. (2020)SANTOS, Laís S.; SERAFIM, Mauricio C.; LORENZI, Larissa. Dilemas morais na gestão pública: o estado do conhecimento sobre o tema. In: SERAFIM, Mauricio C. Virtudes e dilemas morais na administração pública. (Org.). Florianópolis: Admethics, 2020., Zappellini (2020)ZAPPELLINI, Marcello B. Ética e administração pública: uma abordagem a partir de três modelos normativos. In: SERAFIM, Mauricio C. Virtudes e dilemas morais na administração pública. (Org.). Florianópolis: Admethics, 2020, p. 314-345., Gomes (2014)GOMES, Nanci Fonseca. Ética na administração pública: desafios e possibilidades. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 48, n. 4, pp. 1029-1050, jul./ago., 2014., Denhardt (2012)DENHARDT, Robert. Teorias da administração pública. São Paulo: Cengage Learning, 2012., Deleon (2012), Shue (2006)SHUE, Henry. Ethical dimensions of public policy. In: MORA, Michael; REIN, Martin; GOODIN, R. E. (eds.). The Oxford Handbook of Public Policy. Oxford: Oxford Press, 2006., Dobel (2005)DOBEL, Patrick J. Public management as ethics. In: FERLIE, Ewan; LYNN Jr., Laurence E.; POLLITT, Christopher. The Oxford Handbook of Public Management. Oxford University Press: New York, p. 156-181. 2005. e Ramos (1996_______ . A redução sociológica. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996.; 1989), alcançando também o ensino de filosofia no contexto da formação em administração pública examinado por Bergue (2021)BERGUE, Sandro Trescastro. Contribuições da Filosofia para o Estudo da Administração Pública: uma Abordagem à Luz do Fazer Filosófico. In: XLV Encontro da ANPAD - ENANPAD, 45, 2021, On line. Anais... ANPAD, 2021., Ongaro (2020b)______ . La Enseñanza de la Filosofía en los Programas de Administración Pública. Revista de Administración Pública del GLAP, v. 4, n.7, pp. 85-95, 2020b. e Santos et al. (2018a)SANTOS, Laís Silveira; SERAFIM, Mauricio C.; ZAPPELLINI, Marcelo B. ZAPPELLINI, Silvia Maria Knabben Corrêa; BORGES, Martha Kaschny. Ensino de Ética em Cursos do Campo de Públicas: Uma Análise a Partir de Projetos Pedagógicos de Curso e das Diretrizes Curriculares Nacionais. Arquivos Analíticos de Políticas Educativas, v. 26, n. 18, 2018a.. Ainda, contribuições no ramo da ética de vertente marcadamente aristotélica, assentada nas virtudes, com reflexos, entre outros, sobre o tratamento do tema dos dilemas morais em administração pública, são encontradas em Ames, Serafim e Martins (2021)AMES, Maria Clara F. Dalla Costa; SERAFIM, Mauricio C.; MARTINS, Felipe Flôres. Análise de Escalas e Medidas de Virtudes Morais: Uma Revisão Sistemática. Revista de Administração Contemporânea. Advance online publication. https://doi.org/10.1590/1982-7849rac2022190379.por, 2021.
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, Santos (2020)SANTOS, Laís Silveira. Dilemas morais da gestão pública brasileira no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro, v. 54, n. 4, p. 909-922, jul./ago. 2020., Santos et al. (2019)SANTOS, Laís Silveira; SERAFIM, Mauricio C.; PINHEIRO, Daniel Moraes; AMES, Maria Clara Figueiredo Dalla Costa. Razão e Administração: revisitando alguns elementos fundamentais. Cadernos EBAPE.BR, v. 17, n. 1, Rio de Janeiro, Jan./Mar. 2019., Souza, Serafim e Santos (2019)SOUZA, E. S.; SERAFIM, M. C.; SANTOS, L. S. A contribuição do ensino de ética no desenvolvimento da competência moral de discentes em administração pública. Arquivos Analíticos de Políticas Educativas, v. 27, n. 104, 2019., Santos et al. (2018b)SANTOS, Laís S.; LEAL, Fernanda G.; SERAFIM, Mauricio C.; MORAES, Mário C. B. Values and public administration: a discussion on rationality and parenthetical attitude. Revista de Administração Mackenzie. São Paulo, v. 19, n.3, 2018b. e Santos, Serafim e Lorenzi (2018)SANTOS, Laís Silveira; SERAFIM, Mauricio C.; LORENZI, Larissa. Dilemas morais na gestão pública: o estado do conhecimento sobre o tema. Revista de Gestão e Secretariado. São Paulo, v. 9, n. 1, p. 182-207, jan./abr., 2018..

Ongaro (2020a)ONGARO, Edoardo. Filosofía y administración pública: una introducción. Ciudad de Mexico: Edward Elgar Publishing, 2020a. reconhece o potencial da filosofia neste intento, destacando a natureza do campo da administração pública e o resíduo filosófico contido em suas disciplinas conformadoras - ciência política, direito, administração, economia, sociologia, psicologia, entre outras -, que fazem da administração pública o que Drechsler (2020DRECHSLER, Wolfgang. Filosofía em y de la administración pública hoy. Posfácio. In: ONGARO, Edoardo. Filosofia y administración pública: una introducción. Ciudad de Mexico: Edward Elgar Publishing, 2020., p. 335) denomina de uma “ciência derivada”.

Em sua abordagem, Ongaro (2020a)ONGARO, Edoardo. Filosofía y administración pública: una introducción. Ciudad de Mexico: Edward Elgar Publishing, 2020a. apresenta a história da filosofia expondo uma vasta paisagem conceitual para iluminar e enriquecer a compreensão do presente e pensar o futuro, argumentando como tais elementos se aplicam ou aparecem na administração pública contemporânea (WHETSELL, 2018WHETSELL, Travis. Philosophy for public administration. Journal of Public Administration Research and Theory. v. 28, n. 3, 2018.). Orientado ao ensino de filosofia nos programas de administração pública, Ongaro (2020b)______ . La Enseñanza de la Filosofía en los Programas de Administración Pública. Revista de Administración Pública del GLAP, v. 4, n.7, pp. 85-95, 2020b. reflete, para além da sua importância e fundamentos, inclusive sobre a devida transposição e lugar da filosofia nestes programas - se em componente curricular específico ou compartilhando seus tópicos temáticos entre os demais - e avança para o desdobramento de aspectos ainda mais específicos como conteúdo e método. Em relação a esses pontos, o citado autor segue seu percurso argumentativo originário (ONGARO, 2020aONGARO, Edoardo. Filosofía y administración pública: una introducción. Ciudad de Mexico: Edward Elgar Publishing, 2020a.) inclinando-se para a opção de uma disciplina específica de filosofia a compor os programas de graduação e de pós-graduação, e também a formação profissional ou educação executiva. Sinaliza, ainda, do ponto de vista do conteúdo, uma seleção de temas filosóficos a serem adotados como lentes analíticas para a interpretação e a compreensão de teorias que sustentam políticas, decisões e práticas na administração pública contemporânea. Relativamente à metodologia de ensino e aprendizagem, destaca a alternativa de combinar à “enseñanza frontal” os estudos de caso e abordagens interativas em favor do desenvolvimento do pensamento crítico (ONGARO, 2020aONGARO, Edoardo. Filosofía y administración pública: una introducción. Ciudad de Mexico: Edward Elgar Publishing, 2020a., p. 93).

Observe-se, no entanto, que não será esse o caminho aqui proposto. Com inspiração em Ongaro (2020aONGARO, Edoardo. Filosofía y administración pública: una introducción. Ciudad de Mexico: Edward Elgar Publishing, 2020a.; 2020b______ . La Enseñanza de la Filosofía en los Programas de Administración Pública. Revista de Administración Pública del GLAP, v. 4, n.7, pp. 85-95, 2020b.) busca-se percursos alternativos aos formulados pelo referido autor para ampliar as possibilidades de análise e subsequentes desdobramentos para a filosofia como prática de pensamento crítico-reflexivo no estudo da administração pública. Faz-se isso já reconhecendo a presença de componentes curriculares que abordam temas e conceitos específicos da filosofia nos programas de administração pública, seja na graduação, seja na pós-graduação, mas ora procurando avançar para a proposição de uma perspectiva de exercício do pensamento filosófico incidente sobre os conceitos de administração pública.

Desloca-se, assim, a ênfase dada à herança histórica da filosofia, constituída por seus personagens e tópicos - sem desconsiderar este conteúdo, evidentemente -, para orientá-la em direção à sua necessária integração à administração pública como fazer filosófico baseado na compreensão da filosofia como problematização filosófica (PORTA; 2013; ARMIJOS PALÁCIOS, 2013ARMIJOS PALÁCIOS, Gonzalo. O ensino de filosofia e a “situação problema”. In: CARVALHO, Marcelo; CORNELLI, Gabriele. Ensinar Filosofia. v.1. Cuiabá: Central de Texto, 2013.; CERLETTI, 2009CERLETTI, Alejandro. O ensino de Filosofia como problema filosófico. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.); percurso em que se destaca a interdependência entre conteúdo e método. Além disso, assinala-se a importância de pensar as especificidades da sociedade e da administração pública brasileira com vistas a iluminar e enriquecer seu estudo, discurso e ação (RAMOS, 1996_______ . A redução sociológica. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996.).

Destaca-se, ainda, que os significados de ensino, pesquisa e prática aqui requerem sua compreensão integrada; ou seja, pensar a formação em administração pública significa voltar-se para a ação orientada para a sociedade. Assumindo-se que a prática da administração pública, a exemplo de qualquer outra (mas nela mais contundentemente por sua amplitude de repercussão), implica uma ação consciente, tem-se também que esta não pode ser pensada de modo dissociado dos esforços de formação dos sujeitos, a saber a pesquisa e o ensino. Isso porque a educação constitui um complexo e multifacetado processo; logo contínuo, recursivo e virtuoso.

Este ensaio assenta-se em pesquisas bibliográficas, reflexões e algumas sínteses que se pretendem preliminares e ensejadoras de outras movidas inicialmente pela questão: que contribuições pode a filosofia enquanto problematização de natureza filosófica trazer para o estudo - ensino, pesquisa e prática - da administração pública, em especial no contexto brasileiro? A natureza ensaística do texto, a propósito, converge para o próprio senso de pensamento filosófico na medida em que não se busca respostas ou assentar verdades, mas a formulação de perguntas que conduzam a reflexões mais radicais (MENEGHETTI, 2011MENEGHETTI, Francis K. O que é um ensaio teórico? Revista de Administração Contemporânea, v. 15, n. 2, pp. 320-332, mar/abr., 2011.; BERTERO, 2011BERTERO, Carlos O. Réplica 2 - O Que é um Ensaio Teórico? Réplica a Francis Kanashiro Meneghetti. Revista de Administração Contemporânea. Curitiba, v. 15, n. 2, pp. 338-342, Mar./Abr., 2011.). Partindo das abordagens de Porta (2014)PORTA, Mario Ariel González. A filosofia a partir de seus problemas: didática e metodologia do estudo filosófico. São Paulo: Edições Loyola, 2014., Armijos Palácios (2013)ARMIJOS PALÁCIOS, Gonzalo. O ensino de filosofia e a “situação problema”. In: CARVALHO, Marcelo; CORNELLI, Gabriele. Ensinar Filosofia. v.1. Cuiabá: Central de Texto, 2013., Cerletti (2009)CERLETTI, Alejandro. O ensino de Filosofia como problema filosófico. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. e Ongaro (2020aONGARO, Edoardo. Filosofía y administración pública: una introducción. Ciudad de Mexico: Edward Elgar Publishing, 2020a.; 2020b______ . La Enseñanza de la Filosofía en los Programas de Administración Pública. Revista de Administración Pública del GLAP, v. 4, n.7, pp. 85-95, 2020b.), entrelaça autores que suportam as seções seguintes a esta introdução versando sobre: os enraizamentos da administração pública em relação à filosofia por suas vertentes teóricas e disciplinares tributárias (ONGARO, 2020aONGARO, Edoardo. Filosofía y administración pública: una introducción. Ciudad de Mexico: Edward Elgar Publishing, 2020a.; DENHARDT, 2012DENHARDT, Robert. Teorias da administração pública. São Paulo: Cengage Learning, 2012.); a descrição dos principais atributos conformadores do contexto contemporâneo da administração pública, notadamente sua substantiva característica transdisciplinar (JAPIASSU, 2006JAPIASSU, Hilton. O sonho transdisciplinar e as razões da filosofia. Rio de Janeiro: Imago, 2006.; CAMPOS, 1997CAMPOS, Anna Maria. Contribuição para o resgate da relevância do conhecimento em administração. Physis: Rev. Saúde Coletiva, v.7, n. 2, p. 105-127, 1997.), a demonstrar nele a singular importância e contribuição da filosofia (RAADSCHELDERS, 2018RAADSCHELDERS, Jos C. N. The State of Theory in the Study of Public Administration in the United States: Balancing Evidence-Based, Usable Knowledge, and Conceptual Understanding. Administrative Theory & Praxis, n. 0, p. 1-21, 2018.; WHETSELL, 2018WHETSELL, Travis. Philosophy for public administration. Journal of Public Administration Research and Theory. v. 28, n. 3, 2018.); a proposição de um recorte temático da administração pública a ser examinado a partir da problematização filosófica - a filosofia como um fazer, uma prática de problematização radical - (CERLETTI, 2009CERLETTI, Alejandro. O ensino de Filosofia como problema filosófico. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.; GALLO, 2012______ . Metodologia do ensino de filosofia: uma didática para o ensino médio. Campinas, SP: Papirus, 2012.; ARMIJOS PALÁCIOS, 2013ARMIJOS PALÁCIOS, Gonzalo. O ensino de filosofia e a “situação problema”. In: CARVALHO, Marcelo; CORNELLI, Gabriele. Ensinar Filosofia. v.1. Cuiabá: Central de Texto, 2013.; PORTA; 2014) e da produção contextualizada de conceitos como função essencial da filosofia (DELEUZE; GUATTARI, 1992DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é Filosofia? Rio e Janeiro: Editora 34, 1992.; GALLO, 2012______ . Metodologia do ensino de filosofia: uma didática para o ensino médio. Campinas, SP: Papirus, 2012.); e, por fim, elementos de uma metodologia de ensino de administração pública assentada no eixo da problematização filosófica orientada para a depuração e ressignificação de conceitos devidamente contextualizados. Sobrevêm considerações finais que apontam os principais limites desta investigação preliminar e sinalizam percursos de avanço para a pesquisa em amplitude e verticalidade de análise a partir do tema ora proposto e consectários emergentes.

1 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E FILOSOFIA COMO FAZER FILOSÓFICO: ENLACES E ENRAIZAMENTOS

Os enlaces da administração pública com a filosofia são mediados pelo enraizamento das suas ciências e disciplinas constituintes. Seja como campo de pesquisa, seja como espaço das relações técnico-políticas de interação implicadas entre o estado e uma sociedade plural, fluida e multifacetada, a administração pública resulta especialmente das tensões que modelam esta sociedade, contexto em que se destaca a necessidade de um posicionamento crítico-reflexivo dos sujeitos. Amplia-se, assim, a sua percepção em extensão e substância para incluir a expressão das tensões políticas e interdependência de interesses dos atores que constituem forças orgânicas da sociedade. Os traços de interdisciplinaridade que conformam o campo e a necessidade de estudos transdisciplinares de seus problemas (JAPIASSU, 2006JAPIASSU, Hilton. O sonho transdisciplinar e as razões da filosofia. Rio de Janeiro: Imago, 2006.; CAMPOS, 1997CAMPOS, Anna Maria. Contribuição para o resgate da relevância do conhecimento em administração. Physis: Rev. Saúde Coletiva, v.7, n. 2, p. 105-127, 1997.) exigem a ampliação da capacidade teórica interpretativa sobre os fenômenos do Estado e do governo em suas perspectivas mais amplas (DUARTE; ZOUAIN, 2020DUARTE, André Luís Faria; ZOUAIN, Deborah de Moraes. Produção acadêmica sobre administração pública no brasil e na américa latina: uma análise bibliométrica. XXIII. Seminários em Administração - SEMEAD. Anais..., São Paulo, novembro, 2020.; DRECHSLER, 2020DRECHSLER, Wolfgang. Filosofía em y de la administración pública hoy. Posfácio. In: ONGARO, Edoardo. Filosofia y administración pública: una introducción. Ciudad de Mexico: Edward Elgar Publishing, 2020.; GAULT, 2020GAULT, David A. Estudio introductorio. In: ONGARO, Edoardo. Filosofia y administración pública: uma introducción. Ciudad de Mexico: Edward Elgar Publishing, 2020.; DENHARDT, 2012DENHARDT, Robert. Teorias da administração pública. São Paulo: Cengage Learning, 2012.; PETERS; PIERRE, 2010ARANHA, Maria L. de A.; MARTINS, Maria Helena P. Temas de filosofia. São Paulo: Moderna, 2005.).

Pesquisa transdisciplinar é a que se afirma no nível dos esquemas cognitivos, podendo atravessar as disciplinas e visando à criação de um campo de conhecimentos onde seja possível a existência de um novo paradigma ou de um novo modo de coexistência e diálogo entre os filósofos e os cientistas, os esquemas nocionais devendo circular da filosofia às ciências naturais e humanas, sem que haja nenhuma hierarquia entre esses diversos modos de problematização e experimentação. (JAPIASSU, 2006JAPIASSU, Hilton. O sonho transdisciplinar e as razões da filosofia. Rio de Janeiro: Imago, 2006., pp. 38-40).

Mais especificamente em relação à filosofia, as ciências ou disciplinas se constituem e passam a operar de modo pretensamente independente quando as perguntas que elaboram têm como intenção produzir respostas insertas no seu demarcado espaço paradigmático de contornos epistemológicos e teórico-metodológicos particulares, e, como efeito adverso limite, “proibindo toda incursão estrangeira no seu território” (JAPIASSU, 2006JAPIASSU, Hilton. O sonho transdisciplinar e as razões da filosofia. Rio de Janeiro: Imago, 2006., p. 38). Mas esta autonomia não é absoluta, como se percebe; tanto quanto a aludida harmonia também não o é. Assim, as raízes com a filosofia não se rompem pelo surgimento das disciplinas que se especializam. A própria filosofia, a propósito, se revigora pela interação com as ciências (STEIN, 2021STEIN, Ernildo. Inovação na filosofia. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2021.). Então, apesar da autonomia relativa que as ciências conformadoras do campo alcançam, cada uma segundo seus referenciais disciplinares, controvérsias no tratamento dos seus objetos estarão presentes ainda que encobertas ou latentes. Haverá sempre, conforme refere Ongaro (2020aONGARO, Edoardo. Filosofía y administración pública: una introducción. Ciudad de Mexico: Edward Elgar Publishing, 2020a., p.86), um “resíduo filosófico, pois cada disciplina, “como todas as ciências ‘modernas’, se estabeleceu através de um processo de separação da filosofia e na estruturação de sua própria declaração dos problemas específicos abordados, os conceitos e a terminologia utilizados e os métodos para gerar e acumular conhecimentos”.

Cada ciência tem em si também elementos da filosofia, sendo que essa relação não se dá tomando esta última como mais uma das disciplinas conformadoras do campo; porque a filosofia não é uma ciência, senão um fundamento e um modo de pensar presente em todas as expressões disciplinares. A atitude filosófica constitui-se, assim, um elemento integrante da forma de um pesquisador ou agente público posicionar-se no âmbito de um campo científico, disciplina ou espaço profissional. A administração pública, especialmente, em sua complexidade, dinamismo de objeto, identidade, referenciais paradigmáticos e conformação de comunidade científica (COELHO, et al. 2020COELHO, Fernando de S.; ALMEIDA, Lindjane de S. B; MIDLEJ, Suylan; SCHOMMER, P. Chies; TEIXEIRA, Marco A. C. O campo de públicas após a instituição das diretrizes curriculares nacionais (DCNs) de administração pública: trajetória e desafios correntes (2015-2020). Administração: Ensino e Pesquisa. Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, p. 488-529, set/dez, 2020.; FADUL, et al., 2014FADUL, Élvia; COELHO, Fernando de Souza; COSTA, Frederico Lustosa da; GOMES, Ricardo Corrêa. Administração pública no Brasil: reflexões sobre o campo de saber a partir da Divisão Acadêmica da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (2009-2013). Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 48, n. 5, p. 1329-1354, set./out., 2014.; DUARTE; ZOUAIN, 2020DUARTE, André Luís Faria; ZOUAIN, Deborah de Moraes. Produção acadêmica sobre administração pública no brasil e na américa latina: uma análise bibliométrica. XXIII. Seminários em Administração - SEMEAD. Anais..., São Paulo, novembro, 2020.; FADUL; SILVA, 2009FADUL, Élvia M. C.; SILVA, Mônica de Aguiar Mac-Allister da. Limites e Possibilidades Disciplinares da Administração Pública e dos Estudos Organizacionais. Revista de Administração Contemporânea. Curitiba, v. 13, n. 3, p. 351-365, Jul./Ago. 2009.; KEINERT, 2007KEINERT, Tania Margarete Mezzomo. Administração pública no Brasil: crises e mudanças de paradigma. São Pulo: Annablume: FAPESP, 2007.) está ainda mais distante dessa autonomia em relação à filosofia; ou seja, está mais intensamente implicada com ela. Nesta linha, Ongaro (2020aONGARO, Edoardo. Filosofía y administración pública: una introducción. Ciudad de Mexico: Edward Elgar Publishing, 2020a., p. 54) sustenta que “quando uma disciplina está muito longe de estabelecer seus problemas sem problema algum e seus conceitos padronizados sem controvérsia - como se afirma ampla e quase unanimemente em AP [Administração Pública] (RAADSCHELDERS, 2005) - então seus laços com a filosofia são mais fortes e o “resíduo filosófico” cobra importância”.

Dessa forma, a filosofia se faz mais necessária sempre que uma ciência, ou um agregado delas conformador de um campo, como é o caso da administração pública, carece de pleno e homogêneo assentamento ontológico, epistemológico, teórico e metodológico que sustente sua reprodução segundo padrões paradigmáticos estabelecidos e legitimados por uma comunidade que o compartilha; e, sobretudo, quando tem seus problemas ainda em definição (GAULT, 2020GAULT, David A. Estudio introductorio. In: ONGARO, Edoardo. Filosofia y administración pública: uma introducción. Ciudad de Mexico: Edward Elgar Publishing, 2020.; ONGARO, 2020aONGARO, Edoardo. Filosofía y administración pública: una introducción. Ciudad de Mexico: Edward Elgar Publishing, 2020a.; 2020b______ . La Enseñanza de la Filosofía en los Programas de Administración Pública. Revista de Administración Pública del GLAP, v. 4, n.7, pp. 85-95, 2020b.; WHETSELL, 2018WHETSELL, Travis. Philosophy for public administration. Journal of Public Administration Research and Theory. v. 28, n. 3, 2018.; FADUL; SILVA, 2009FADUL, Élvia M. C.; SILVA, Mônica de Aguiar Mac-Allister da. Limites e Possibilidades Disciplinares da Administração Pública e dos Estudos Organizacionais. Revista de Administração Contemporânea. Curitiba, v. 13, n. 3, p. 351-365, Jul./Ago. 2009.). Para Ongaro (2020aONGARO, Edoardo. Filosofía y administración pública: una introducción. Ciudad de Mexico: Edward Elgar Publishing, 2020a., p. 87), “[é] por esta razão e neste contexto, que argumentamos que a filosofia atua como fundamento para a compreensão da Administração Pública como um campo intelectual de investigação e como uma “cola” para a aplicação coerente e integrada da gama de ciências sociais que sustentam e constituem o estudo da Administração Pública”.

A filosofia e as ciências precisam ser compreendias em uma integralidade do saber - reflexivo e aplicado -, operando, as ciências, predominante (mas não exclusivamente) neste último, e a filosofia essencialmente no primeiro. Assim, a administração pública, também por suas ciências e disciplinas, estende suas raízes à filosofia; e a imagem da raiz sugere aqui algo que sustenta, não somente conferindo consistência, mas, especialmente, alimentando pela via da produção de novos conceitos (DELEUZE; GUATTARI, 1992DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é Filosofia? Rio e Janeiro: Editora 34, 1992.; GALLO 2012______ . Metodologia do ensino de filosofia: uma didática para o ensino médio. Campinas, SP: Papirus, 2012.); o que reforça o caráter relativo daquela autonomia.4 4 Na teoria organizacional, para ilustrar, a Filosofia está explicitamente nos fundamentos da teoria crítica, que tem o filósofo Jürgen Habermas como destacado pensador contemporâneo, cujos conceitos de esfera pública e de razão instrumental, apenas como exemplo, também estendem suas raízes a elaborações filosóficas precedentes. Em substância, aqui reside um dos esteios do Novo Serviço Público (DENHARDT, 2012). Por certo pode-se fazer ciência sem recorrer à história da filosofia explicitamente, mas não se pode produzi-la à margem do fazer filosófico. Pensar criticamente não é exclusividade da filosofia, mas herança dela que se instala, se manifesta e concorre para a consistência do processo científico, mormente nas ciências sociais.

Nesses termos, entre os veios de contribuição da filosofia em relação às disciplinas e à administração pública está a análise da coerência e consistência dos problemas de investigação, estes assentados em conceitos postos em seus pressupostos valorativos, e não a busca imediata de uma resposta. Essa relação, segundo Cavalcanti (2016CAVALCANTI, Maria F. Rios. Estudos organizacionais e filosofia: a contribuição de Deleuze. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 56, n. 2, p. 182-191, mar/abr., 2016., p. 190), “seria, por sua vez, uma expressão da íntima relação entre filosofia e ciência, pois, enquanto a ciência se ocupa de buscar e propor soluções para problemas, a filosofia ocupar-se-ia em produzir ou tentar extrair problemas e prover uma orientação para o pesquisador tanto na criação de problemas quanto na busca por suas respostas”.

A partir disso, e com vistas ao propósito deste ensaio - destacar a filosofia como ação; e não como recurso de erudição -, faz-se necessário assinalar elementos diferenciadores do problema científico em relação ao problema filosófico; notadamente aqui, a intenção. No tratamento da filosofia como problematização filosófica são a intenção da qual se reveste a pergunta formulada a ensejar tipos diferentes de respostas (CERLETTI, 2009CERLETTI, Alejandro. O ensino de Filosofia como problema filosófico. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.; PORTA, 2014PORTA, Mario Ariel González. A filosofia a partir de seus problemas: didática e metodologia do estudo filosófico. São Paulo: Edições Loyola, 2014.) e os contornos - tanto da pergunta quanto da resposta - que também contribuem para definir o campo da filosofia em relação ao das ciências. Mas, ressalte-se, não se trata de espaços de investigação segregados, apesar de diferentes. Inexistem limites que isolem em termos disciplinares a filosofia e as ciências. Importa justamente destacar o quanto as raízes e seu entrelaçamento no território filosófico alcançam as ciências, em especial as ciências sociais, e seu corpo e procedimento crítico-reflexivo originário - a filosofia.

Mas o que se pode entender por filosofia? A história da filosofia ou o fazer filosófico? Ambos. Para os fins ora visados destaca-se sobretudo o fazer, a filosofia em ação através dos problemas filosóficos (CERLETTI, 2009CERLETTI, Alejandro. O ensino de Filosofia como problema filosófico. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.), que não se confundem com os problemas científicos, como se verá. Há, pois, diferença entre “ensinar conteúdos filosóficos” e “ensinar a filosofar” (PORTA, 2014PORTA, Mario Ariel González. A filosofia a partir de seus problemas: didática e metodologia do estudo filosófico. São Paulo: Edições Loyola, 2014., p. 23); portanto, entre o conteúdo e o exercício da filosofia - prática do pensar filosófico - em sua plena potência. Ainda sobre o estudo da filosofia, Porta (2014PORTA, Mario Ariel González. A filosofia a partir de seus problemas: didática e metodologia do estudo filosófico. São Paulo: Edições Loyola, 2014., p. 30) destaca que “não deve se dirigir a ‘saber’ o que os filósofos ‘dizem’, mas entender o que dizem como solução (argumentada) a problemas bem definidos”. O próprio conceito de filosofia está em construção há mais de 25 séculos, e não se exaurirá. Se isto acontecesse, deixaria de constituir objeto da própria filosofia como problema a ser pensado. É possível, então, definir filosofia? Sim; e de muitas formas. Há unanimidade? Não. Isso porque essa fluidez é da natureza da filosofia, onde os conceitos são sempre abertos, em construção e ressignificação constantes, inclusive o de filosofia. Mas o desenvolvimento da filosofia e da ciência se processam de formas substantivamente diversas. Buzzi (2007BUZZI, Arcângelo R. Introdução ao pensar: o ser, o conhecimento, a linguagem. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007., p. 158) assinala que “a filosofia não conhece o progresso próprio das ciências”, pois não há superação dos conceitos filosóficos, dado que identificados com o seu tempo; senão opera-se a produção de outros conceitos pertencentes aos seus contextos. Desse modo, o que produz a filosofia contemporânea é apenas diferente do que o produzido pela filosofia clássica, por exemplo. Os contornos definidores dos conceitos são, portanto, próprios de cada momento histórico, lugar ou pensador e influenciados pelas escolhas daquele que tem o pensar como ofício (GALLO, 2014GALLO, Sílvio. Filosofia: experiência do pensamento. São Paulo: Scipione, 2014.; 2013). E isso não é uma limitação, senão uma virtude; representando uma potência e a própria finalidade da filosofia.

A formulação acerca do que seja a filosofia está, desse modo, na origem da sua compreensão como fazer filosófico ambientado. Nessa linha, Porta (2014PORTA, Mario Ariel González. A filosofia a partir de seus problemas: didática e metodologia do estudo filosófico. São Paulo: Edições Loyola, 2014., p. 25) refere que uma das perspectivas do “filosofar” é o apropriar-se do “philosphical way of thinking”, referindo-se a uma forma específica de proceder intelectual. Gallo (2012______ . Metodologia do ensino de filosofia: uma didática para o ensino médio. Campinas, SP: Papirus, 2012., p. 48) também afirma que a filosofia se caracteriza como “um processo no qual o procedimento, o percurso é sempre mais importante do que o ponto de chegada. Aprender filosofia, assim, só pode ser o aprendizado do próprio exercício do filosofar”. E esta forma de proceder é o que ora se advoga para o estudo da administração pública. Sugere-se, aqui, algo diferente e ausente, nesta perspectiva, no ensino convencional assentado principalmente em autores e seus textos. O estudo da produção filosófica contribui, evidentemente, e encaminha para a reflexão filosófica, mas não é a tônica. O exercício da problematização de natureza filosófica no modelo dominante de ensino de filosofia é, quando muito, derivada ou uma decorrência lateral.

A filosofia está também relacionada à busca de conhecer, concebendo novos conceitos, originais em sua gênese ou pela revisão de outros refletidos em diferentes momentos da história. Neste particular, para Deleuze e Guattari (1992DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é Filosofia? Rio e Janeiro: Editora 34, 1992., p. 13), “A filosofia, mais rigorosamente, é a disciplina que consiste em criar conceitos”; primando pela precisão e consistência conceitual, permitindo elaborar conceitos novos ou dar-lhes novos significados em dado momento e contexto. O pensar - que parte da problematização - é, portanto, o meio fundamental para este intento. A filosofia, segundo Aranha e Martins (2005ARANHA, Maria L. de A.; MARTINS, Maria Helena P. Temas de filosofia. São Paulo: Moderna, 2005., p. 12), “é um modo de pensar, é uma postura diante do mundo. Ela não é um conjunto de conhecimentos prontos, um sistema acabado, fechado em si mesmo. Ela é, antes de mais nada, um modo de se colocar diante da realidade, procurando refletir sobre acontecimentos a partir de certas posições teóricas”. E a ausência desta postura filosófica contribui para, além dos cercamentos teórico-metodológicos das disciplinas, também para excessiva burocratização da administração pública e seu distanciamento em relação à sociedade.

A reflexão filosófica exige um pensar por si e tem por fim iluminar o pensamento; implica dizer, ser capaz de libertar-se das amarras, especialmente daquilo que se crê saber. A filosofia como um fazer tem como objeto o sujeito e os fundamentos do seu pensamento. Cabe aqui também a resposta dada por Immanuel Kant ao que possa ser considerado o esclarecimento, a saber, a saída do estado de menoridade em que o sujeito se põe quando seu entendimento do mundo se subordina ao de outro (KANT, 2012KANT, Immanuel. Resposta à pergunta: que é esclarecimento? In: KANT, Immanuel. Textos Seletos. pp. 63-71. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.). Segundo Armijos Palácios (2013ARMIJOS PALÁCIOS, Gonzalo. O ensino de filosofia e a “situação problema”. In: CARVALHO, Marcelo; CORNELLI, Gabriele. Ensinar Filosofia. v.1. Cuiabá: Central de Texto, 2013., p. 197), “filosofa quem percebe que não sabe, não quem sabe.”5 5 Aqui se aproxima da reiteradamente referenciada frase atribuída a Sócrates, por seu discípulo Platão no texto Apologia de Sócrates: “O verdadeiro saber consiste em saber não saber” (PLATÃO, 1996, p. 71). A centralidade de reconhecer a filosofia como ação é também assinalada por Buzzi (2007BUZZI, Arcângelo R. Introdução ao pensar: o ser, o conhecimento, a linguagem. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007., p. 149) quando afirma que “o filósofo está num constante exercício de vida, no confronto diário com as águas de superfície do saber. Quando não há esse exercício e confronto, a filosofia lida ou ensinada é inócua, presunçosa e condenável”. Aqui uma razão contundente para o deslocamento da história para o fazer.

De modo geral, o pensar agudo que caracteriza a filosofia busca incidir sobre os valores e normas vigentes, sobretudo em si, não sua obediência acrítica e irrefletida. A filosofia age para desnaturalizar crenças, desnuda pressupostos explicitando seus elementos constitutivos; assim transforma o que se pergunta e se produz nos diferentes campos científicos. Não se trata, nesses termos, de opor a filosofia como história em relação à filosofia como fazer filosófico, assim entendido o pensamento e a subsequente ação consciente e orientada para um propósito, cujo foco está na problematização - no conceito de problema filosófico. Estas perspectivas - a do conteúdo filosófico e do filosofar - se complementam e se nutrem mutuamente, tanto nos domínios da filosofia, quanto no das ciências.

Assim, a história da filosofia aborda o processo de desenvolvimento do pensamento filosófico, destacando as tradições filosóficas, seus temas e pensadores, que constituem também o objeto da segunda perspectiva - a filosofia como fazer filosófico (GALLO, 2012______ . Metodologia do ensino de filosofia: uma didática para o ensino médio. Campinas, SP: Papirus, 2012.; PORTA, 2014PORTA, Mario Ariel González. A filosofia a partir de seus problemas: didática e metodologia do estudo filosófico. São Paulo: Edições Loyola, 2014.). A filosofia supera, portanto, o acúmulo de conhecimento das escolas de pensamento que marcam a sua trajetória constitutiva (RAFFIN, 2009RAFFIN, Françoise. Pequena introdução à Filosofia. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009.); senão é feita pensando, como atitude filosófica. Refletindo sobre o próprio pensamento, a propósito. Para isso é essencial uma postura que se oponha à indiferença para que o problema filosófico seja formulado enquanto tal, com sua intencionalidade própria (CERLETTI, 2009CERLETTI, Alejandro. O ensino de Filosofia como problema filosófico. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.; GALLO, 2012______ . Metodologia do ensino de filosofia: uma didática para o ensino médio. Campinas, SP: Papirus, 2012.; ARMIJOS PALÁCIOS, 2013ARMIJOS PALÁCIOS, Gonzalo. O ensino de filosofia e a “situação problema”. In: CARVALHO, Marcelo; CORNELLI, Gabriele. Ensinar Filosofia. v.1. Cuiabá: Central de Texto, 2013.). Dessa forma, o fazer filosófico se insere potencialmente na vida das pessoas não somente pelo fato de ser uma atividade racional inerente ao ser humano, mas pela capacidade transformadora da consciência que encerra. A realização desse potencial conduz ao discernimento, à autonomia e à liberdade de pensamento e de posicionamento.

Nesses termos, ser capaz de pôr-se e manter-se refletindo é um dos fundamentos do fazer filosófico enquanto atitude e uma das finalidades da filosofia em qualquer campo do conhecimento.6 6 Compreender o que é Filosofia contribui para reconhece-la como um fenômeno humano por excelência; percebê-la como inerente ao sujeito que pensa, como prática própria da razão, o que em essência distingue o homem como tal afasta a falsa noção de que a filosofia é algo distante, etéreo, monopólio de domínio de alguns e pouco aderente à vida cotidiana. A atitude filosófica, então, é uma ação racional que permite um estar consciente, autônomo e ativo no mundo. Exige o interesse de conhecer em crescente profundidade a partir do questionamento sistemático como prática intelectual esclarecedora - pela reflexão crítica, radical e autônoma - dos pressupostos que sustentam o pensamento e, por conseguinte, a interpretação de dada realidade a influenciar as ações e tomadas de decisão em todas as órbitas da vida.

2 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: CAMPO EM FORMAÇÃO E A IMPORTÂNCIA DA FILOSOFIA

Assumindo que a administração pública não tem plenamente assentados os seus paradigmas epistemológicos, teóricos e metodológicos dominantes e livres de questionamento (GAULT, 2020GAULT, David A. Estudio introductorio. In: ONGARO, Edoardo. Filosofia y administración pública: uma introducción. Ciudad de Mexico: Edward Elgar Publishing, 2020.; PAULA, 2016PAULA, Ana Paula Paes de. Para Além dos Paradigmas nos Estudos Organizacionais: o círculo das matrizes epistêmicas. Cadernos EBAPE.BR, v. 14, n. 1, p. 26-46, 2016. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1679-395131419
http://dx.doi.org/10.1590/1679-395131419...
; FADUL; SILVA, 2009FADUL, Élvia M. C.; SILVA, Mônica de Aguiar Mac-Allister da. Limites e Possibilidades Disciplinares da Administração Pública e dos Estudos Organizacionais. Revista de Administração Contemporânea. Curitiba, v. 13, n. 3, p. 351-365, Jul./Ago. 2009.; KEINERT, 2007KEINERT, Tania Margarete Mezzomo. Administração pública no Brasil: crises e mudanças de paradigma. São Pulo: Annablume: FAPESP, 2007.; BURREL, 1999), além do fato de constituir-se como um campo em construção em diferentes outros aspectos (DRECHSLER, 2020DRECHSLER, Wolfgang. Filosofía em y de la administración pública hoy. Posfácio. In: ONGARO, Edoardo. Filosofia y administración pública: una introducción. Ciudad de Mexico: Edward Elgar Publishing, 2020.; FADUL et al., 2014FADUL, Élvia; COELHO, Fernando de Souza; COSTA, Frederico Lustosa da; GOMES, Ricardo Corrêa. Administração pública no Brasil: reflexões sobre o campo de saber a partir da Divisão Acadêmica da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (2009-2013). Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 48, n. 5, p. 1329-1354, set./out., 2014.), propõe-se que a filosofia tenha lugar de destaque em termos de contribuições potenciais. O cenário de ambiguidades, superprodução de dados e informações, descontinuidades e inflexões, entre outros traços potencialmente descritivos do contexto em intensa transformação, vem evidenciando problemas e questões que requerem respostas diferentes das convencionais, as quais nem sempre podem ser geradas a partir das linhas de produção da ação que o pensamento tradicional em sua forma e substância moldam. Soluções melhores requerem estruturas alternativas de pensar, e estas, por sua vez, novas formas de elaborar inclusive outras perguntas. A filosofia proposta enquanto fazer filosófico é capaz de contribuir com a resposta a esse desafio emergente, também a partir de uma perspectiva inspirada no conceito-imagem do rizoma (DELEUZE; GUATTARI, 2011_________ . Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. v 1. São Paulo: Editora 34, 2011.) capaz de contribuir para a superação não somente do isolamento disciplinar - galhos no modelo arbóreo cartesiano -, mas sugerir percurso criativo do pensamento em moldes diversos da linearidade convencional. Coerente também com a imagem do rizoma está o senso de pensamento que não se esgota, existindo como modo de estar ativo no mundo.

Merece também atenção a abordagem fragmentada dos complexos fenômenos da vida associada que se acentua na contemporaneidade; estreitamento revelado, inclusive, ao se pretender examiná-los unicamente sob referenciais especializados, não somente teóricos, mas disciplinares, como a política, a econômica ou a sociológica, entre tantas outras possíveis. A leitura disciplinar encerra em si um pressuposto de segregação e pretenso ganho em verticalidade e objetividade, como se isso fosse sempre possível, suficiente ou mesmo necessário. É preciso resgatar a percepção de que o olhar disciplinar se trata unicamente de um recurso analítico, não de um atributo do fenômeno. Ou seja, os atos e fatos sociais não são compostos segundo elementos, vieses e razões de natureza disciplinar; por conseguinte, não são passíveis de decomposição nesses termos sem que se comprometa a sua integridade de compreensão, pois são fenômenos insertos em uma totalidade, entrelaçados radicalmente em sua substância. Opõe-se lentes especializadas em relação aos fenômenos sociais com a suposta, irrefletida ou mesmo ingênua expectativa de compreendê-los melhor, fundando-se mesmo em pressupostos desgastados tais como os da objetividade e da neutralidade. Acentua-se, no entanto, que isso não afasta de plano o valor da leitura disciplinar ou especializada; senão exige, necessariamente, que se reconheça sua redução e incompletude. É também isso que a filosofia faz: reflete sobre os pressupostos que sustentam formas de pensar e seus limites, inclusive acerca do que seja o conhecimento válido, seara da epistemologia.

Entre as diferenças da filosofia em relação às ciências no que diz respeito aos seus problemas está o fato de que nesta, de modo geral, os avanços se processam circunscritos e em obediência a pressupostos epistemológicos e metodológicos quase canônicos validados e reproduzidos - conformando a denominada ciência normal -, operando, portanto, como delimitadores do campo ao definir quem nele ingressa, permanece ou dele se afasta (BURRELL, 1999BURRELL, Gibson. Ciência normal, paradigmas, metáforas discursos e genealogia da análise. In: CLEGG, Stewart; HARDY, Cynthia; NORD, Walter. Handbook de estudos organizacionais: modelos de análise e novas questões em estudos organizacionais. v. 1. pp. 439-462, São Paulo: Atlas, 1999.; PAULA, 2016PAULA, Ana Paula Paes de. Para Além dos Paradigmas nos Estudos Organizacionais: o círculo das matrizes epistêmicas. Cadernos EBAPE.BR, v. 14, n. 1, p. 26-46, 2016. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1679-395131419
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). A filosofia, em contraste, é aberta, questionando a si própria incessantemente; o que não significa ausência de rigor teórico e metodológico, senão o contrário, os exige fundamentalmente (GAULT, 2020GAULT, David A. Estudio introductorio. In: ONGARO, Edoardo. Filosofia y administración pública: uma introducción. Ciudad de Mexico: Edward Elgar Publishing, 2020.). E o que faz sobre si, a filosofia também faz em relação a qualquer modo de pensar, em todos os âmbitos do conhecimento. Nessa perspectiva, a tomada de um filósofo ou tradição e sua produção sem que se atente para o senso de filosofia em sua integralidade, notadamente a noção de problematização filosófica, pode conduzir à assunção daquela produção particular de forma reduzida a um marco teórico adotado no âmbito da ciência; passando a operar como lentes que antes limitam a interpretação dos objetos de investigação aos conceitos daquele quadro referencial.

A filosofia, como problematização crítica e reflexiva que visa à liberdade do sujeito pela autonomia de pensamento, pode incidir sobre todo o espectro do pensamento e da ação humana racional, mas é particularmente necessária nos momentos e espaços de desordem e crise da razão. Não é no espaço de convergências, de normalidade e de hegemonia paradigmática inconteste - o que pretensamente descreve em geral uma ciência - que a filosofia será mais intensamente lembrada e chamada a contribuir, não obstante sempre possa, e mesmo deva. Assim, a filosofia encontra terreno fértil no caos e viceja questionando as raízes do pensamento, refletindo sobre a estrutura do próprio pensar. Nesse lugar é capaz de entregar seu melhor e singular potencial transformador, colocando-se a problematizar temas e conceitos com o propósito também de revelar inconsistências e sinalizar caminhos.

Sugere-se, assim, que a dependência da administração pública, por seus atores, de uma reflexão profunda e autônoma dos pressupostos sobre os quais se assentam seus conceitos talvez seja atualmente mais urgente do que tenha sido no passado (DRECHSLER, 2020DRECHSLER, Wolfgang. Filosofía em y de la administración pública hoy. Posfácio. In: ONGARO, Edoardo. Filosofia y administración pública: una introducción. Ciudad de Mexico: Edward Elgar Publishing, 2020.).

Vivemos em um mundo administrado; a realidade em que habitam os seres humanos é, em considerável grau, uma realidade administrada. É essencial estarmos conscientes dos seus fundamentos em uma época na qual pensávamos que os fundamentos da nossa vida se romperam, tanto em sentido técnico como em sentido filosófico, e um enfoque técnico simplesmente é insuficiente para lidar com, para não mencionar dirigir ou mesmo ordenar, a realidade para a polis nas épocas que virão. (DRECHSLER, 2020DRECHSLER, Wolfgang. Filosofía em y de la administración pública hoy. Posfácio. In: ONGARO, Edoardo. Filosofia y administración pública: una introducción. Ciudad de Mexico: Edward Elgar Publishing, 2020., p. 342-343).

Se o momento requer respostas diferentes a problemas novos, seja em feições, seja em substância - ainda que os temas sejam os mesmos -, e o modo de pensar vigente revela-se de efetividade limitada, a filosofia pode encaminhar respostas dando ensejo ao que se denomina comumente de pensar fora dos padrões convencionais, de pensar criativamente ou mesmo de inovar no interior das ciências e nas práticas profissionais no âmbito da administração pública. Ao referir-se ao papel e à contribuição da filosofia, Japiassu (2006JAPIASSU, Hilton. O sonho transdisciplinar e as razões da filosofia. Rio de Janeiro: Imago, 2006., p. 10) afirma que

a filosofia não pode nem deve mais se dar por missão a tarefa de construir grandes sistemas ou megarrelatos globalizantes. Dará uma contribuição muito mais fecunda e decisiva participando efetivamente da reflexão em equipes multi e transdisciplinares.

Nos dias de hoje, o remanejamento da questão do sentido a leva a assumir uma nova função: a de superar o velho antagonismo com as ciências humanas e com elas restabelecer um diálogo aberto, profundo e fecundo numa perspectiva transdisciplinar de prática suscetível de importar e exportar de uma disciplina a outra ou de um contexto a outro noções, démarches [procedimentos] e instrumentos instaurando certa transversalidade das disciplinas segundo um processo indo de um contexto a outro. Deve promover e incentivar, não só as metodologias interdisciplinares através da troca de conceitos, modelos e técnicas de análise, mas uma transdisciplinaridade visando a construir em comum objetos de pesquisa e os instrumentos de pensamento que eles exigem. (JAPIASSU, 2006JAPIASSU, Hilton. O sonho transdisciplinar e as razões da filosofia. Rio de Janeiro: Imago, 2006., p. 10).

Assim, rotas alternativas são necessárias, inclusive constituídas a partir de diferentes pressupostos valorativos. Um novo olhar a partir do qual se reconheça a armadilha da disputa entre extremos imposta pelo pensamento dicotômico, aquele que assume um muro opaco entre duas perspectivas (ou outras), não admitindo as edificantes reflexões que trocas permitiriam. A administração pública contemporânea parece constituir um cenário em que a filosofia se faz necessária; impõe-se convidá-la a contribuir. Mas de que conteúdo se trata?

3 RECORTE TEMÁTICO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A INCIDÊNCIA DO FAZER FILOSÓFICO

No que se refere ao conteúdo a ser submetido à problematização de natureza filosófica no estudo da administração pública, destacam-se como opções possíveis: a) os ramos ou temas da filosofia (ONGARO 2020aONGARO, Edoardo. Filosofía y administración pública: una introducción. Ciudad de Mexico: Edward Elgar Publishing, 2020a.; 2020b______ . La Enseñanza de la Filosofía en los Programas de Administración Pública. Revista de Administración Pública del GLAP, v. 4, n.7, pp. 85-95, 2020b.), e b) os conceitos cotidianos de administração pública, o que ora se propõe. Assinale-se que estas opções não são excludentes entre si, mas tanto quanto se propõe um deslocamento da história da filosofia para o fazer filosófico; também se advoga enfocar menos o conteúdo filosófico e mais o de administração pública em seus temas e conceitos.

Mais coerente com a primeira alternativa antes indicada, Ongaro (2020aONGARO, Edoardo. Filosofía y administración pública: una introducción. Ciudad de Mexico: Edward Elgar Publishing, 2020a.. p. 92) sugere atentar inicialmente para um recorte nos ramos da filosofia, e, em segundo lugar, para “a filosofia como tal (sobretudo na ontologia) e tem como objetivo discutir em toda a sua amplitude acerca dos filósofos e suas filosofias, para logo aplicar esses conjuntos de conhecimentos à Administração Pública”. Perceba-se aqui um foco na filosofia, no conhecimento filosófico, seus ramos, temas e questões. A priorização dos ramos, inclusive os indicados pelo referido autor - as filosofias política, do conhecimento (epistemologia) e da moral (ética) -, mostra-se bastante razoável e, de fato, a mais aderente sob a perspectiva filosófica, ainda que se deva cuidar para que as escolhas não incorram em excessiva instrumentalização e eventual fuga do seu contexto de formação, repercutindo na perda dos enlaces internos que conformam a totalidade da filosofia.

Mas, em termos de conteúdo, destaca-se que o olhar de Ongaro (2020a)ONGARO, Edoardo. Filosofía y administración pública: una introducción. Ciudad de Mexico: Edward Elgar Publishing, 2020a. reincide sobre as tradições filosóficas.

Neste ensaio, diferentemente, propõe-se uma outra perspectiva também em termos de objeto. Reitera-se, para bem assinalar como uma das contribuições essenciais ao debate, não partir dos “filósofos e suas filosofias, para logo aplicar esses conjuntos de conhecimentos” na administração pública (ONGARO, 2020aONGARO, Edoardo. Filosofía y administración pública: una introducción. Ciudad de Mexico: Edward Elgar Publishing, 2020a., p. 92), mas dar ênfase ao fazer filosófico. Neste contexto, a abordagem alternativa aqui pretende enfatizar a apropriação da filosofia enquanto problematização filosófica ancorada no senso de atitude filosófica; não excluindo a perspectiva histórica, tal como já assinalado, pois ambas são mutuamente dependentes entre si. Nesse sentido, avança-se em relação ao que propõe Ongaro (2020aONGARO, Edoardo. Filosofía y administración pública: una introducción. Ciudad de Mexico: Edward Elgar Publishing, 2020a.; 2020b______ . La Enseñanza de la Filosofía en los Programas de Administración Pública. Revista de Administración Pública del GLAP, v. 4, n.7, pp. 85-95, 2020b.) em termos de conteúdo - o objeto sobre o qual o pensamento filosófico incide - para alcançar os conceitos e temas contemporâneos da própria administração pública.

Desse modo, em adição, especialmente sob o enfoque da filosofia a partir de problemas filosóficos (CERLETTI, 2009CERLETTI, Alejandro. O ensino de Filosofia como problema filosófico. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.; ARMIJOS PALÁCIOS, 2013ARMIJOS PALÁCIOS, Gonzalo. O ensino de filosofia e a “situação problema”. In: CARVALHO, Marcelo; CORNELLI, Gabriele. Ensinar Filosofia. v.1. Cuiabá: Central de Texto, 2013.; GALLO, 2012______ . Metodologia do ensino de filosofia: uma didática para o ensino médio. Campinas, SP: Papirus, 2012.), propõe-se também uma priorização de incidência sobre os conceitos (DELEUZE; GUATTARI, 1992DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é Filosofia? Rio e Janeiro: Editora 34, 1992.) do campo da administração pública, eles próprios a serem submetidos a esforços crítico-reflexivos de extensão radical, ou seja, ao fazer filosófico ou problematização filosófica. São elementos atualmente em destaque na administração pública que podem constituir objeto de uma abordagem à luz do conceito de problemas filosóficos não somente sob as lentes da filosofia moral, do conhecimento e política (CID; SEGUNDO, 2020CID, Rodrigo; SEGUNDO, Luiz Helvécio Marques. (Orgs.). Problemas filosóficos: uma introdução à filosofia. Pelotas: Editora da UFPEL, 2020.), mas especialmente em relação aos seus conceitos estruturantes, tal como sugerem Deleuze e Guattari (1992)DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é Filosofia? Rio e Janeiro: Editora 34, 1992. e Gallo (2012)______ . Metodologia do ensino de filosofia: uma didática para o ensino médio. Campinas, SP: Papirus, 2012., para ilustrar, os seguintes: o debate envolvendo a dicotomia entre técnica e política; a discricionariedade do agente público, corrupção e responsabilidade dos agentes; a cultura e mudança nas organizações; o controle, governança e integridade; a liderança; a gestão de desempenho e meritocracia; a inovação e a criatividade; a educação, desenvolvimento e aprendizagem; a gestão por competências, entre outros. Estes todos visados e pensados em seus pressupostos, para além dos marcos disciplinares vigentes.

Ora, a legitimidade da administração depende das decisões e ações dos agentes; e estas, por sua vez, da capacidade de interpretar e compreender o objeto da ação e condicionantes de contexto. Assim, compreender não somente o que está aparente, senão, e sobretudo, o que está oculto em termos de pressupostos pode ser determinante (ARMIJOS PALÁCIOS, 2013ARMIJOS PALÁCIOS, Gonzalo. O ensino de filosofia e a “situação problema”. In: CARVALHO, Marcelo; CORNELLI, Gabriele. Ensinar Filosofia. v.1. Cuiabá: Central de Texto, 2013.). Aqui entra o pensamento filosófico, destacando-se a integração, cara também à administração pública, entre o ser e o fazer, este bastante inclinado ao desenvolvimento de competências necessárias aos agentes públicos - servidores públicos e agentes políticos - à luz do ensino e prática da administração pública assentados no conceito de problemas filosóficos.7 7 O agente público como detentor de uma competência crítico-reflexiva. Não como capacidade instrumental ou técnica, mas intelectual e ética. Uma atitude analítica não demasiado tecnicista e objetivista, senão uma postura predominantemente “parentética” (RAMOS, 1984).

4 ENSINO DE FILOSOFIA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: OFICINAS DE PENSAMENTO FILOSÓFICO

Atenção especial se tem em vista também com o ensino consistente e consciente de administração pública (CUNHA, 2007CUNHA, Armando. O futuro dos serviços públicos no Brasil: em busca de inspiração para repensar a educação em administração pública. In: MARTINS, Paulo Emílio Matos; PIERANTI, Octavio Penna. (Orgs.). Estado e gestão pública: visões do Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro. Editora FGV, 2007.; CAVALCANTI, 2016CAVALCANTI, Maria F. Rios. Estudos organizacionais e filosofia: a contribuição de Deleuze. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 56, n. 2, p. 182-191, mar/abr., 2016.; ONGARO, 2020aONGARO, Edoardo. Filosofía y administración pública: una introducción. Ciudad de Mexico: Edward Elgar Publishing, 2020a.) nas suas diferentes expressões (FADUL et al., 2014FADUL, Élvia; COELHO, Fernando de Souza; COSTA, Frederico Lustosa da; GOMES, Ricardo Corrêa. Administração pública no Brasil: reflexões sobre o campo de saber a partir da Divisão Acadêmica da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (2009-2013). Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 48, n. 5, p. 1329-1354, set./out., 2014.; COELHO et al., 2020aCOELHO, Fernando de Souza; CARNEIRO, José Mario Brasiliense; BRITO, Eder dos Santos; CHEIB, Arthur (Orgs.). Escolas de governo: formação e capacitação de agentes públicos. São Paulo: Oficina Municipal: Fundação Konrad Adenauer Brasil, 2020a.; GAULT, 2020GAULT, David A. Estudio introductorio. In: ONGARO, Edoardo. Filosofia y administración pública: uma introducción. Ciudad de Mexico: Edward Elgar Publishing, 2020.) tanto em conteúdo quanto em método neste vasto, fluido e multifacetado campo do saber em formação. Entre as estratégias de ensino assentadas no fazer filosófico propõe-se as oficinas de pensamento filosófico, constituindo-se como espaços de interação, formulação de problemas, explicitação de conceitos e exercício de reflexões críticas de alcance radical sobre seus pressupostos fundantes de modo a produzir ou depurar novos conceitos que habilitem uma compreensão mais bem contextualizada dos fenômenos.

Entende-se que integrar o fazer filosófico no estudo da administração pública implica não somente conhecer as diferentes tradições de pensamento - pré-socrática, clássica, helenística, medieval, moderna e contemporânea - e seus contributos, mas avançar para reconhecer a atitude filosófica como ação do pensamento crítico-reflexivo segundo a perspectiva metodológica dos problemas filosóficos (CERLETTI, 2009CERLETTI, Alejandro. O ensino de Filosofia como problema filosófico. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.; ARMIJOS PALÁCIOS, 2013ARMIJOS PALÁCIOS, Gonzalo. O ensino de filosofia e a “situação problema”. In: CARVALHO, Marcelo; CORNELLI, Gabriele. Ensinar Filosofia. v.1. Cuiabá: Central de Texto, 2013.; PORTA, 2014PORTA, Mario Ariel González. A filosofia a partir de seus problemas: didática e metodologia do estudo filosófico. São Paulo: Edições Loyola, 2014.). Faz-se, assim, uma opção pelo esclarecimento mais a partir do convite a uma reflexão filosófica sistemática sobre problemas da administração pública em seus pressupostos subjacentes aos conceitos informadores e menos pela busca dos tratamentos alternativos dados aos temas no âmbito da filosofia no transcurso da história. Também não se destaca aqui a busca de inspiração na produção filosófica pretérita, de qualquer das tradições de pensamento, a solução para os problemas contemporâneos, senão o exercício do pensamento filosófico contextualizado para solver problemas locais e produzir ou depurar os correspondentes conceitos que os satisfaçam temporariamente (DELEUZE; GUATTARI, 1992DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é Filosofia? Rio e Janeiro: Editora 34, 1992.; GALLO, 2012______ . Metodologia do ensino de filosofia: uma didática para o ensino médio. Campinas, SP: Papirus, 2012.).

Visando ainda maior precisão conceitual, neste último particular, ainda no âmbito do fazer filosófico significativo mobilizado a partir de problemas, também se desloca da abordagem que se funda no estudo da filosofia a partir de seus problemas (PORTA, 2014PORTA, Mario Ariel González. A filosofia a partir de seus problemas: didática e metodologia do estudo filosófico. São Paulo: Edições Loyola, 2014.; CARNEIRO, 2003CARNEIRO, Marcelo C. Resenha. Trans/Form/Ação, São Paulo, v. 26, n. 2, p. 143-145, 2003.). Porta (2014)PORTA, Mario Ariel González. A filosofia a partir de seus problemas: didática e metodologia do estudo filosófico. São Paulo: Edições Loyola, 2014. sugere que o estudo da filosofia deva se processar a partir da identificação dos problemas sobre os quais os filósofos se dedicaram. Desse modo, em que pese destaque a importância do problema como mobilizador do pensamento, Porta (2014)PORTA, Mario Ariel González. A filosofia a partir de seus problemas: didática e metodologia do estudo filosófico. São Paulo: Edições Loyola, 2014. o faz tendo como objeto a própria filosofia. Nesta mesma linha está a proposição de Guido, Gallo e Kohan (2013GUIDO, Humberto; GALLO, Silvio; KOHAN, Walter Omar. Princípios e possibilidades para uma metodologia filosófica para o ensino de filosofia. In: CARVALHO, Marcelo; CORNELLI, Gabriele. Ensinar Filosofia. Cuiabá: Central de Texto, 2013., p. 121), segundo a qual “uma abordagem problemática do ensino da filosofia procura organizar os conteúdos a serem trabalhados de modo a explicitar problemas que fizeram os filósofos pensar e produzir seus conceitos, qual era seu movimento de criação” estimulando a experiência do pensar filosófico.

Não se enfatiza aqui, portanto, ainda que também não seja afastada de plano, a retomada dos problemas filosóficos constituídos no transcurso da história da filosofia, senão um destaque para o senso de pensar filosoficamente mediante a problematização com ênfase sobre temas do cotidiano; não que algum deixe de ser, mas destacando um olhar para os fenômenos e conceitos contemporâneos do campo da administração pública. Destaca-se, ainda, que o aludido pensar reflexivo sobre os conceitos ou temas não se refere a estes como objetos em si, senão visando alcançar os pressupostos de pensamento do sujeito relativamente a eles; daquele que pensa sobre o objeto.

Veja-se, sob a perspectiva da tomada de decisão, para ilustrar, que não se trata de refletir sobre o problema em si ou alternativas postas - o que se alinharia mais com uma perspectiva técnica ou científica -, senão sobre os fundamentos do próprio pensar; incidindo sobre os pressupostos que subjazem mesmo à formulação do problema, às alternativas colocadas e às tendências de encaminhamento em questão. Essa elaboração assenta-se mais precisamente nas definições de problema filosófico a partir da filosofia como ação, como atitude frente ao mundo pensado de forma geral, em qualquer campo do conhecimento, tal como sugerem Cerletti (2009)CERLETTI, Alejandro. O ensino de Filosofia como problema filosófico. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. e Armijos Palácios (2013)ARMIJOS PALÁCIOS, Gonzalo. O ensino de filosofia e a “situação problema”. In: CARVALHO, Marcelo; CORNELLI, Gabriele. Ensinar Filosofia. v.1. Cuiabá: Central de Texto, 2013.. Conforme este último autor citado, o ato de filosofar

é consequência de alguém se problematizar. Um problematizar-se que tem a ver com algo que vai além de nossa relação imediata e passageira com as coisas e as pessoas que nos rodeiam. Guarda relação com questões que não podemos resolver de uma forma prática imediata ou de um modo empírico. Os problemas filosóficos têm a ver com questões que não podemos nem antecipar, nem definir, nem rotular, e que surgem nos mais variados contextos e situações - mesmo naqueles considerados vedados à razão. (ARMIJOS PALÁCIOS, 2013ARMIJOS PALÁCIOS, Gonzalo. O ensino de filosofia e a “situação problema”. In: CARVALHO, Marcelo; CORNELLI, Gabriele. Ensinar Filosofia. v.1. Cuiabá: Central de Texto, 2013., p. 196).8 8 “Pois a condição e motivação do filosofar é a ignorância, não a sabedoria. Não é quem sabe — ou pensa que sabe — que filosofa, mas quem tem consciência de sua ignorância e quer fugir dela por seus próprios meios. Aquele que sabe — ou acha que sabe — não precisa pensar duas vezes sobre seu suposto ou efetivo saber. A filosofia, portanto, é uma luta constante contra nossa ignorância e ocorre quando chegamos a perceber que algo contradiz nossas certezas, nossas convicções, algo que levanta problemas que abalam nossa confiança no que tranquilamente acreditávamos saber”. (ARMIJOS PALÁCIOS, 2013, p. 197).

Para Cerletti (2009)CERLETTI, Alejandro. O ensino de Filosofia como problema filosófico. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. um problema filosófico é caracterizado pela intencionalidade que encerra. Nesses termos, poderá constituir-se em problema filosófico aquela pergunta que tem como finalidade não uma resposta imediata que o satisfaça e finalize o processo de busca, mas que pretenda alcançar os fundamentos valorativos e conceituais subjacentes aos conceitos que estruturam o pensamento. Nessa linha, afirma o autor, que “a definição do caráter filosófico de uma pergunta depende do tipo de resposta esperada por quem a formula”. (CERLETTI, 2009CERLETTI, Alejandro. O ensino de Filosofia como problema filosófico. Belo Horizonte: Autêntica, 2009., p. 23). Para ilustrar, tome-se a pergunta o que é administração pública? Uma resposta imediata e disciplinar pode ser dada tecnicamente a partir do direito administrativo, por exemplo. Mas não é esse o intento desta mesma pergunta constituída como problema filosófico, senão o de tomá-la como estímulo a uma atitude crítica, reflexiva e especialmente radical tendente a explicitar os pressupostos subjacentes ao que se entende por administração pública a fim de verificar a sua consistência e validade no contexto contemporâneo, bem como fazer emergir novas perspectivas e entendimentos sobre o tema problematizado.

A intencionalidade filosófica do perguntar se enraíza na aspiração do saber; mas seu traço distintivo é aspirar um saber sem supostos. Por isso, o perguntar filosófico não se conforma com as primeiras respostas que costumeiramente são oferecidas, que, em geral interrompem o perguntar pelo aparecimento dos primeiros supostos. Mas como um saber sem supostos é impossível, o questionar do filósofo é permanente. As perguntas científicas, políticas religiosas, etc. se detêm quando aparece a inquestionabilidade dos supostos que sustentam esses campos. (CERLETTI, 2009CERLETTI, Alejandro. O ensino de Filosofia como problema filosófico. Belo Horizonte: Autêntica, 2009., p. 24).

Assim, pensar a filosofia como um processo de problematização filosófica envolvendo ativamente os sujeitos constitui uma linha de fundamentação capaz de alcançar mais consistentemente as pessoas e proporcionar o que de fato a filosofia como um saber se propõe: desenvolver a capacidade crítica, reflexiva e de alcance radical. Sinteticamente, ao questionar em profundidade um conceito que adota irrefletidamente no seu cotidiano, o sujeito investiga seus pressupostos, o que o autoriza a reexaminá-los para, eventualmente, redefinir aquele conceito, o que o qualifica para um subsequente agir alternativo. Para Kohan (2013KOHAN, Walter. Como ensinar que é preciso aprender? Filosofia: uma oficina de pensamento. In: CARVALHO, M.; CORNELLI, G. Ensinar Filosofia. Cuiabá: Central de Texto, 2013., p. 78), “em filosofia é uma questão principal que as dúvidas e as perguntas se constituam em problemas, eles próprios insolúveis e sobreviventes a todas as tentativas de respostas; e os conceitos da filosofia são sempre singulares, perspectivos e inatuais como talvez não o sejam em outra disciplina”. São sempre singulares também os conceitos - estes como respostas produzidas a partir dos problemas filosóficos (GALLO, 2012______ . Metodologia do ensino de filosofia: uma didática para o ensino médio. Campinas, SP: Papirus, 2012.; DELEUZE; GATTARI, 1992).

Formular perguntas filosóficas significa buscar conscientemente atingir as bases fundantes do pensamento, questionando-as - implica dizer: questionando-se - com a finalidade, ou de substituí-las, ou mesmo, eventualmente, de reforçá-las. Trata-se mais de um problema de natureza filosófica, portanto. Kohan (2013)KOHAN, Walter. Como ensinar que é preciso aprender? Filosofia: uma oficina de pensamento. In: CARVALHO, M.; CORNELLI, G. Ensinar Filosofia. Cuiabá: Central de Texto, 2013. destaca, ainda, o quão desafiador e incômodo pode ser esse esforço reflexivo no contexto contemporâneo, “pois não se trata apenas de lançar perguntas ao exterior, mas de colocar o próprio pensamento em questão a respeito das problemáticas elaboradas”. (KOHAN, 2013KOHAN, Walter. Como ensinar que é preciso aprender? Filosofia: uma oficina de pensamento. In: CARVALHO, M.; CORNELLI, G. Ensinar Filosofia. Cuiabá: Central de Texto, 2013., p. 79).

Desta forma, a problematização filosófica não exige esforço maior na formulação da pergunta em si, senão na assunção, por parte do sujeito, de uma postura aberta em relação ao que se revela divergente e de uma predisposição honesta e corajosa de alcançar e questionar os alicerces fundamentais do seu pensamento. Nessa linha, o desafio do perguntar não encontra óbice apenas no necessário conhecimento precedente, eis que “mais impeditiva é a falsa crença de que já sempre sabemos o bastante; isso impede o surgimento de perguntas, visto ignorar os limites do próprio saber e assim não tomar nenhuma medida para superá-lo” (KELLER, 2009KELLER, Albert. Teoria geral do conhecimento. São Paulo: Edições Loyola, 2009., p. 23).

O valor da filosofia, segundo a proposta apropriação que ora se advoga, não reside, portanto, na obra filosófica em si, que continuará sendo “exterior para nós” (RAFFIN, 2009RAFFIN, Françoise. Pequena introdução à Filosofia. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009., p. 135), senão no seu significado e repercussão enquanto postura reflexiva e nos efeitos que pode conscientemente produzir sobre os pressupostos do pensamento e da ação. E no caso da administração pública essa aplicação se volta para a depuração de conceitos arraigados e, por vezes, anacrônicos. A adoção do conceito de problema filosófico, neste caso, orienta-se para uma problematização alcançando temas e questões do cotidiano profissional, e o fazendo segundo uma atitude filosófica geradora de uma postura crítico-reflexiva que caracterize não somente um momento do pensar autônomo, mas um modo de ser no mundo. Segundo Armijos Palácios (2013ARMIJOS PALÁCIOS, Gonzalo. O ensino de filosofia e a “situação problema”. In: CARVALHO, Marcelo; CORNELLI, Gabriele. Ensinar Filosofia. v.1. Cuiabá: Central de Texto, 2013., p. 198), as questões filosóficas surgem em qualquer área ou “pessoa que questione sobre assuntos cuja solução exige o exercício do próprio pensamento”.

A atitude filosófica não ocorre unicamente dentro - e como patrimônio exclusivo - do que se conhece como filosofia, ou filosofia acadêmica. Por isso, ela - a atitude filosófica - não pode ser encerrada numa área determinada do saber, não pode ser enclausurada nesta ou naquela disciplina, nem mesmo na disciplina Filosofia. Ela é patrimônio de qualquer um, na área ou no contexto que for, que seja levado a pensar nas circunstâncias já descritas: a da consciência de um problema e de saber que a única forma de resolvê-lo é pensando por si. (ARMIJOS PALÁCIOS, 2013ARMIJOS PALÁCIOS, Gonzalo. O ensino de filosofia e a “situação problema”. In: CARVALHO, Marcelo; CORNELLI, Gabriele. Ensinar Filosofia. v.1. Cuiabá: Central de Texto, 2013., p. 198).

Esta capacidade, a propósito, pode ser operacionalizada - sob a perspectiva do fazer - como competência crítico-reflexiva, significando uma postura sistemática, como inerente não somente ao fazer, mas com repercussão sobre o ser agente público na contemporaneidade; tanto nos sistemas de educação, particularmente no plano profissional, quanto nos sistemas de gestão. Uma imagem dessa competência crítico-reflexiva baseada em um pensar a partir de problemas de natureza filosófica poderia ser a de um afloramento de água na nascente de um rio, que revolve constantemente a areia do fundo; em contraste com o cenário de deposição de sedimentos que se observa no caso do fundo de um lago, a caracterizar, por sua vez, uma postura passiva, acomodada e acrítica.

Enquanto vetor de educação e estratégia didática de estudo da filosofia - mais precisamente do filosofar - no âmbito da administração pública, o problema filosófico como força motriz do pensamento pode ser entendido como uma pergunta que se mantém enquanto tal; ou seja, como uma formulação investigativa que tem mais valor em si ao manter-se mobilizando o pensamento a revolver pressupostos decantados, do que na busca de uma resposta final ao problema formulado, o que estaria mais afeito aos propósitos da ciência. Passa-se a admitir, assim, respostas sempre inacabadas, em formação, que conformam ações contingenciais, sustentando a tomada de decisão quando ela se fizer necessária.

A problematização filosófica é potente, assim, enquanto postura perante o mundo; no particular o da administração pública, mormente se tomadas as três dimensões de estudo aqui visadas: o ensino, a pesquisa e a prática administrativa. Problematizar é uma expressão do agir; uma atitude que posiciona o sujeito no seu contexto de forma consciente e o habilita a ser livre no mais profundo significado que esta expressão encerra. Se a filosofia é feita pensando, manter-se refletindo é um de seus fundamentos; questionando os esteios do próprio pensar em busca de discernimento, de autonomia e de liberdade de pensamento e posicionamento, independentemente do seu ofício.9 9 Assim, o esforço de problematização contribui também com a pesquisa, revolvendo o que já se considera decantado em termos de pressupostos ou variáveis de investigação, propondo a inclusão de novos, e a supressão de outros.

Desse modo, a filosofia em si não tem o propósito de resolver problemas práticos, mas de contribuir esclarecendo e sinalizando novos aspectos destes mesmos problemas que podem ser abordados, pesquisados, examinados, considerados em um processo de tomada de decisão, etc. Para isso, é essencial ao sujeito permitir-se perceber o mundo em sua complexidade, reconhecendo elementos além da moldura convencional, incorporando aspectos porventura não insertos no recorte usual de tratamento das questões cotidianas; buscar e considerar objetos, temas e perspectivas externas às do plano canônico - a uma só palavra, admirar-se e permitir-se o interesse pelo diverso e o que ele provoca. Este posicionamento ante o mundo favorece a formulação do problema filosófico enquanto tal, com sua intencionalidade particular.

A propósito, o problema filosófico tem no fascínio pelo não convencional, na perplexidade ou mesmo na admiração (ABBAGNANO, 2012ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Ed. WMF Martins Fontes, 2012.) seu impulso inicial (RAFFIN, 2009RAFFIN, Françoise. Pequena introdução à Filosofia. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009.). Se o pensar nasce a partir do problema, este surge com a licença ao espanto perante o mundo (JAPIASSU, 2006JAPIASSU, Hilton. O sonho transdisciplinar e as razões da filosofia. Rio de Janeiro: Imago, 2006.). Conforme Perine (2013PERINE, Marcelo. Aprendendo e ensinando a filosofar. In: CARVALHO, Marcelo; CORNELLI, Gabriele. Ensinar Filosofia. Cuiabá: Central de Texto, 2013., p. 144), referindo-se a Platão em seu diálogo Teeteto, a atitude filosófica emerge de “um estado de espírito definido como admiração, espanto ou perplexidade”. Entretanto, segue o autor, este estado, impulso ou “faísca da perplexidade só produz filosofia quando ocorre num espírito disposto a alimentá-la pelo diálogo e pela argumentação” (PERINE, 2013PERINE, Marcelo. Aprendendo e ensinando a filosofar. In: CARVALHO, Marcelo; CORNELLI, Gabriele. Ensinar Filosofia. Cuiabá: Central de Texto, 2013., p. 144). Nesta mesma linha de busca por maior amplitude de percepção dos fenômenos do mundo, Schopenhauer (1960SCHOPENHAUER, Arthur. A necessidade metafísica. Belo Horizonte: Itatiaia, 1960., p. 85) refere que “Possuir espírito filosófico é ser capaz de admirar-se dos acontecimentos habituais e cotidianos, é ser capaz de propor-se como objeto de reflexão o que há de mais geral e de mais comum, ao passo que ter espírito científico é admirar-se a propósito de fenômenos selecionados e raros, sendo problema único reduzi-los a outros fenômenos já conhecidos”. Filosofar é, pois, questionar o que é dado como certo e definitivo enquanto pressuposto. Esta é uma dimensão essencial inserta nas bases e também transformadora das orientações do fazer científico.

É essa - a capacidade de admirar-se, de estranhar, de ver-se perplexo e reconhecendo desconhecer - uma das características da atitude filosófica; e o impulso original do pensar radical. Essa atitude de admiração que anima a competência crítico-reflexiva orgânica ao sujeito converge para o que Ramos (1984)RAMOS, Alberto Guerreiro. Modelos de homem e teoria administrativa. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 18, n. 2, pp. 3-12, abr./jun., 1984. denominou de atitude parentética (RAMOS, 1984RAMOS, Alberto Guerreiro. Modelos de homem e teoria administrativa. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 18, n. 2, pp. 3-12, abr./jun., 1984.; 1989; MARTINS, 2019MARTINS, Paulo Emílio Matos. Alberto Guerreiro Ramos: um homem parentético. In: CAVALCANTI, Bianor Scelza; COSTA, Frederico Lustosa da. Guerreiro Ramos: entre o passado e o futuro. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2019.). Ramos (1984)RAMOS, Alberto Guerreiro. Modelos de homem e teoria administrativa. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 18, n. 2, pp. 3-12, abr./jun., 1984. define perfis de inserção social e os correspondentes sujeitos peculiares a cada um deles. A um perfil tradicional associa o homem operacional e o homem reativo; e a um perfil emergente, o que denomina homem parentético. O perfil tradicional de homem caracteriza uma sociedade centrada exclusivamente no mercado, de postura acrítica, que busca essencialmente a sua manutenção, moldando-se a uma condição de recurso a ser maximizado e comportando-se, a ponto de externar patologias como a síndrome comportamentalista (RAMOS, 1989_______ . A nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das nações. Rio de Janeiro: FGV, 1989., p. 50). A este tipo de homem, Ramos (1984)RAMOS, Alberto Guerreiro. Modelos de homem e teoria administrativa. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 18, n. 2, pp. 3-12, abr./jun., 1984. opõe o “homem parentético” como reflexo das circunstâncias sociais emergentes, concepção que, inspirada na fenomenologia de Husserl, apoia-se no senso de suspensão ou capacidade de pôr entre parêntesis determinado fenômeno a fim de compreendê-lo melhor, capturando a sua essência. A atitude parentética pressupõe uma consciência crítica em relação às premissas de valor presentes no cotidiano “permitindo ao indivíduo alcançar um nível de pensamento conceitual e, portanto, de liberdade” (RAMOS, 1984RAMOS, Alberto Guerreiro. Modelos de homem e teoria administrativa. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 18, n. 2, pp. 3-12, abr./jun., 1984., p. 8).10 10 Sob a perspectiva ética, a atitude parentética está relacionada à razão substantiva e à racionalidade referente a valores da qual trata Weber (2001). Assim, o homem parentético estaria apto a identificar e suspender um fenômeno, romper suas raízes, afastando-se do que lhe é familiar; estando, pois, “apto a graduar o fluxo da vida diária para examiná-lo e avaliá-lo como um expectador” (RAMOS, 1984RAMOS, Alberto Guerreiro. Modelos de homem e teoria administrativa. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 18, n. 2, pp. 3-12, abr./jun., 1984., p. 8). Como se percebe, reconhecidos os limites acerca da possibilidade de colocar-se em suspensão, essa condição é idealizada e ainda incomum na sociedade contemporânea, tanto quanto na prática cotidiana do serviço público.

Em síntese, pensar o estudo da filosofia no contexto da administração pública a partir da problematização de temas conceitos e em exame para fins de tomada de decisão exige que se reflita sobre estratégias de ensino e aprendizagem coerentes, as quais não podem se deslocar de abordagens ativas, centradas no sujeito que aprende mas também ensina, notadamente na educação profissional. Nessa perspectiva, a filosofia anima o significado substantivo de ser servidor público, reconhecido como sujeito em percurso autônomo de desenvolvimento e de ação; em constante transformação, portanto. Requer-se, ainda, que seja contextualizada, implicando dizer significativas para o sujeito. Assim, metodologias colaborativas baseadas em estudos de caso, discussões, experimentos mentais, oficinas de aprendizagem e oficinas de pensamento (KOHAN, 2013KOHAN, Walter. Como ensinar que é preciso aprender? Filosofia: uma oficina de pensamento. In: CARVALHO, M.; CORNELLI, G. Ensinar Filosofia. Cuiabá: Central de Texto, 2013., p. 78) estão entre os tópicos mais evidentes. Tomando por referência a proposta de uma aula de filosofia fundada no pensar, é possível imaginar metodologias de aprendizagem baseadas na problematização para o campo da administração pública.

É nessa perspectiva que podemos pensar a aula de filosofia como uma oficina de pensamento. Uma oficina é um lugar onde se exerce um ofício; em filosofia pratica-se o ofício de pensar e ele é realizado com arte, com cuidado, com detalhe, com delicadeza e sensibilidade, exercitando algumas de nossas potências: a leitura, a escuta, a atenção, a escrita, o diálogo; em cada uma dessas potências habita um conjunto de disparadores, ferramentas que, numa oficina, podemos aprender a empregar com alegria, força, manha, esforço, criatividade… dessa arte surgem os artefatos: os afetos, dúvidas, perguntas, problemas, conceitos, ideias, projetos. (KOHAN, 2013KOHAN, Walter. Como ensinar que é preciso aprender? Filosofia: uma oficina de pensamento. In: CARVALHO, M.; CORNELLI, G. Ensinar Filosofia. Cuiabá: Central de Texto, 2013., p. 78).

O fazer filosófico na forma de oficinas, onde são transformados os conceitos como objetos do pensamento, pode constituir uma linha de trabalho. Nestes espaços de pensamento os conceitos insertos em temas contemporâneos seriam examinados, depurados e ressignificados a fim de responder aos problemas formulados. Ainda como fundamento da forma de levar a efeito esse exercício de pensamento pode-se sugerir a assunção de uma postura transdisciplinar (JAPIASSU, 2006JAPIASSU, Hilton. O sonho transdisciplinar e as razões da filosofia. Rio de Janeiro: Imago, 2006., CAMPOS, 1997CAMPOS, Anna Maria. Contribuição para o resgate da relevância do conhecimento em administração. Physis: Rev. Saúde Coletiva, v.7, n. 2, p. 105-127, 1997.) e rizomática (DELEUZE; GUATTARI, 2011_________ . Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. v 1. São Paulo: Editora 34, 2011.).

O problema e o conceito têm uma relação intrínseca. Para Deleuze e Guattari (1992)DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é Filosofia? Rio e Janeiro: Editora 34, 1992. os conceitos são complexos em seus componentes e de contornos irregulares, pois estão em constante transformação, depuração e ressignificação conforme o contexto, sendo, ao mesmo tempo, uma criação singular. Gallo (2012______ . Metodologia do ensino de filosofia: uma didática para o ensino médio. Campinas, SP: Papirus, 2012., p. 55) acrescenta que “o conceito é, pois, uma forma racional de equacionar um problema ou problemas, exprimindo uma visão coerente do vivido. Não é abstrato nem transcendente, mas imanente, uma vez que se baseia necessariamente em problemas experimentados”.

Relacionando a produção de conceitos com a problematização filosófica como estratégia de aprendizagem significativa - coerente com o que sustentam Porta (2014)PORTA, Mario Ariel González. A filosofia a partir de seus problemas: didática e metodologia do estudo filosófico. São Paulo: Edições Loyola, 2014., Armijos Palácios (2013)ARMIJOS PALÁCIOS, Gonzalo. O ensino de filosofia e a “situação problema”. In: CARVALHO, Marcelo; CORNELLI, Gabriele. Ensinar Filosofia. v.1. Cuiabá: Central de Texto, 2013. e Cerletti (2009)CERLETTI, Alejandro. O ensino de Filosofia como problema filosófico. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. - Gallo (2012______ . Metodologia do ensino de filosofia: uma didática para o ensino médio. Campinas, SP: Papirus, 2012., p. 30) destaca os efeitos transformadores nas pessoas, constituindo-se como “uma filosofia criativa, voltada para os problemas vividos, visando equacioná-los conceitualmente [...]”. As noções de problematização e de produção criativa de conceitos destacam a centralidade das abordagens ativas, nas quais o sujeito é levado a pensar por si próprio e criar novos conceitos que o habilitem a reinterpretar o mundo. Outro aspecto fundamental do problema como ativador do pensar é a sua singularidade dada pela identidade com o contexto, emergindo da experiência e do interesse do sujeito que o vivencia (GALLO, 2012______ . Metodologia do ensino de filosofia: uma didática para o ensino médio. Campinas, SP: Papirus, 2012.). Esses atributos que particularizam os problemas também permitem sua revisitação sistemática, conferindo organicidade ao fazer filosófico como experiência de pensamento. Sendo o impulso para o pensar, o problema se pretende inesgotável; não se satisfaz com as respostas porque não são elas o que se visa, senão o manter-se refletindo.

No que diz respeito à criação de conceitos, merece registro que a filosofia se caracteriza, essencialmente, como pensamento conceitual; o que em nada contrasta com o caráter prático e resolutivo da gestão, porque não há ação transformadora, consistente e significativa sem pensamento conceitual fundante. Mas o que é criar ou recriar conceitos? Para Gallo (2012______ . Metodologia do ensino de filosofia: uma didática para o ensino médio. Campinas, SP: Papirus, 2012., p. 79), “especificamente, no âmbito da filosofia, o pensamento cria conceitos. Experimentar problemas em filosofia significa, portanto, mobilizar o pensamento para criar conceitos como enfrentamento a tais problemas”, sendo estes os incômodos que movem o ser que pensa para a busca de um conceito que satisfaça temporariamente; mas que, ao mesmo tempo, siga mobilizando a reflexão. Desse modo, os problemas, sempre que retomados, dão ensejo a novos problemas, tanto quanto os resultados dos seus enfrentamentos resultam em novos conceitos (GALLO, 2012______ . Metodologia do ensino de filosofia: uma didática para o ensino médio. Campinas, SP: Papirus, 2012.). Eis um fluxo criativo, virtuoso e contextualizado. Este é o movimento da pedagogia do problema; alicerçada em um verdadeiro problema: contextualizado, significativo e não tomado como mera pergunta.

Partindo-se, assim, das formulações de pedagogia do problema e do conceito propostas por Gallo (2012)______ . Metodologia do ensino de filosofia: uma didática para o ensino médio. Campinas, SP: Papirus, 2012., avança-se para a proposição de uma articulação entre ambas de forma a sugerir uma metodologia para a problematização conceitual a partir de um percurso de pensamento que compreenda a seguinte relação: C - P - P’ - C’; onde C é o conceito inicial tomado para fins da experiência de pensamento, P é o problema do qual este conceito C se originou como resposta; P’ é a nova problematização e contextualização do problema P anterior, que, por sua vez, dá ensejo à produção do correspondente C’, ou seja, o novo conceito. Essa seria a dinâmica fundamental das oficinas de pensamento filosófico como metodologia de estudo da filosofia também no ensino de administração pública.

Para ilustrar, tome-se o conceito de discricionariedade, caro à inovação por sua relação com os sensos de vinculação e de legalidade, este notadamente como princípio da administração pública. A discricionariedade (C) responde a um problema (P) derivado da relação entre a natureza vinculada do ato administrativo à luz da legalidade e a necessidade de espaço restrito e controlado de liberdade para a ação do administrador. No passado, o valor da legalidade assumiu proeminência em detrimento da liberdade de agir. No cenário atual, uma nova problematização (P’) se impõe em face da incidência de tensões de diferentes ordens a exigir novos contornos para o conceito de discricionariedade (C’).

Trata-se, pois, de um impulso cíclico e virtuoso de pensar em um movimento inercial, contínuo, portanto, que resiste a tensões de refreamento. Assim, de C’ passa-se a P’’, e deste para C’’, seguindo-se indefinidamente. Com isso, pode-se sinalizar a elaboração de uma metodologia da problematização conceitual passível de ser implementada em oficinas de pensamento filosófico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Investigando as contribuições da filosofia para o estudo da administração pública, observa-se a partir daquela um grande potencial, e nesta um campo fértil de aplicação. Trata-se da proposta de um olhar sobre alguns elementos conformadores da administração pública à luz da filosofia. No mínimo, um ingrediente mais a contribuir com os esforços precursores e em curso orientados para o desenvolvimento da administração pública a partir da reflexão sobre os fundamentos do pensamento com repercussão na decisão e na ação administrativa.

Propõe-se não necessariamente retomar ou constituir novos problemas filosóficos (PORTA, 2014PORTA, Mario Ariel González. A filosofia a partir de seus problemas: didática e metodologia do estudo filosófico. São Paulo: Edições Loyola, 2014.), senão tomar o conceito de problema filosófico (CERLETTI, 2009CERLETTI, Alejandro. O ensino de Filosofia como problema filosófico. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.; ARMIJOS PALÁCIOS, 2013ARMIJOS PALÁCIOS, Gonzalo. O ensino de filosofia e a “situação problema”. In: CARVALHO, Marcelo; CORNELLI, Gabriele. Ensinar Filosofia. v.1. Cuiabá: Central de Texto, 2013.) pensado mais como problematização de natureza filosófica, inserta na qual está o senso de atitude filosófica, em contraste com outros tipos de problemas, tais como o científico, por exemplo, e praticá-lo no estudo da administração pública, seja no ensino e pesquisa, seja na prática da tomada de decisão e das ações de gestão e de governo. Não se sustenta, assim, que o conteúdo histórico da filosofia seja aplicável, mas que a atitude filosófica seja mais exercitada em relação ao ensino, à pesquisa e à prática da administração pública.

Nesse sentido, a filosofia não dará as respostas; ela é um caminho para elaboração de respostas (CAVALCANTI, 2016CAVALCANTI, Maria F. Rios. Estudos organizacionais e filosofia: a contribuição de Deleuze. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 56, n. 2, p. 182-191, mar/abr., 2016.). Conforme Porta (2014PORTA, Mario Ariel González. A filosofia a partir de seus problemas: didática e metodologia do estudo filosófico. São Paulo: Edições Loyola, 2014., p. 33), a função da Filosofia “não é responder perguntas, mas sim dissolvê-las, evidenciando que elas, em última instância carecem de sentido”. Assim, a contribuição da filosofia enquanto pensamento crítico-reflexivo e radical é dissolver a doxa (opinião), afastar os antolhos que limitam a análise e percepção de um problema. Envolve, necessariamente, a autoconsciência do desconhecer, permitir-se a dúvida e a busca do entendimento.

Ensinar a filosofar pode ser compreendido, em essência, como ensinar a provocar incertezas, dúvidas acerca do que se supõe saber (ARMIJOS PALÁCIOS, 2013ARMIJOS PALÁCIOS, Gonzalo. O ensino de filosofia e a “situação problema”. In: CARVALHO, Marcelo; CORNELLI, Gabriele. Ensinar Filosofia. v.1. Cuiabá: Central de Texto, 2013.). A filosofia formula problemas, e é o tratamento reflexivo dispensado aos pressupostos conformadores destes problemas, e não a resposta em si, que vai promover a transformação. Fazendo isso, na esteira do que propõe Platão, em A República, Livro V, há espaço para pensar a formação do que seria o servidor-filósofo.

Demonstrou-se, ainda, que a filosofia não se opõe às necessidades práticas dos servidores e agentes políticos, senão que estão necessária e indissociavelmente implicadas. A filosofia tem sua importância primeiro ao estabelecer os fundamentos de consciência do sujeito em relação ao seu contexto e aos dilemas com o quais se envolve. Opera, portanto, como um holofote que ilumina o pensamento.

Outro ponto a considerar em todas as abordagens, mas especialmente em relação à administração pública, é o necessário processo de transposição crítica e reflexiva de conceitos sempre que se fizer as incursões históricas em busca de subsídios. Assim, toda a produção teórico-conceitual, inclusive a filosófica, dos diferentes autores no percurso formativo do acervo de conhecimentos existente, precisa ser pensada no contexto peculiar da administração pública reconhecendo-se os seus enraizamentos nos correspondentes contextos de origem. É preciso observar, por exemplo, que as abordagens de muitos filósofos têm como objeto as relações privadas, o mercado, determinada cultura, enfim; perspectivas estas que para serem pensadas no âmbito da administração pública exigem o devido processo de redução (RAMOS, 1996_______ . A redução sociológica. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1996.; BAGGINI; FOSL, 2008BAGGINI, Julian; FOSL; Peter S. As ferramentas dos filósofos: um compêndio sobre conceitos e métodos filosóficos. São Paulo: Edições Loyola, 2008.; BERGUE, 2010______. The managerial reduction in the management technologies transposition process to public organizations. Brazilian Administration Review, v. 7, n. 2, p. 155-171, 2010.).

Advoga-se, ainda, uma postura crítico-reflexiva que examine os fenômenos em sua extensão e alcance mais radicais. Para tanto, entende-se necessário que o sujeito caminhe pelo campo do conhecimento e não se limite, tampouco se imponha fronteiras; o que não significa neutralidade. Imperativo também reconhecer as restrições impostas pela assunção destas bordas disciplinares, tanto quanto a existência de muros, inclusive no que se refere aos convencionais e estéreis debates que se instalam sobre as posições em relação a eles. Implica dizer, a propósito, que uma posição dita em cima do muro tem como pressuposto a existência de um. Consequência disso é reconhecer visões e posições parciais em relação ao todo em qualquer dos lados desta estrutura divisória. Assim, pode-se questionar: seria compatível com uma atitude filosófica assumir a figura de um muro? Ou seria razoável ser capaz de reconhecer a existência de linhas demarcadoras de territórios ou posições cuja transposição para fins de investigação e esclarecimento - na melhor e mais profunda acepção kantiana do termo - seria não somente permitida, mas desejável?

Como limitações do estudo e possíveis linhas de avanço no tema, tem-se o escopo da filosofia ocidental e dos recortes temáticos de análise ora propostos. Merecem mais atenção em amplitude e profundidade a proposição de uma metodologia que problematize também em relação a conteúdos, materiais, recursos e métodos didático-pedagógicos, com um especial olhar sobre a andragogia e a heutagogia, notadamente ao tratar de educação profissional e de adultos. Revela-se também importante aprofundar as reflexões sobre um percurso didático que inclua o conteúdo de filosofia, em especial a problematização filosófica (CERLETI, 2009; GALLO, 2013______. O ensino de filosofia e o pensamento conceitual. In: CARVALHO, Marcelo; CORNELLI, Gabriele. Ensinar Filosofia. V.1. Cuiabá: Central de Texto, 2013.; ARMIJOS PALÁCIOS, 2013ARMIJOS PALÁCIOS, Gonzalo. O ensino de filosofia e a “situação problema”. In: CARVALHO, Marcelo; CORNELLI, Gabriele. Ensinar Filosofia. v.1. Cuiabá: Central de Texto, 2013.) nas ementas dos demais componentes curriculares ou módulos didáticos dos cursos e a introdução de um componente específico de filosofia para a administração pública.

  • 3
    A filosofia é definida para os fins deste ensaio como esforços de questionamento do sujeito voltados para si próprio (crítico-reflexivo) de extensão tal que alcance as raízes do pensamento (radical). O senso de crítica, aqui, portanto, corresponde, segundo Abbagnano (2012ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Ed. WMF Martins Fontes, 2012., p. 260), a um “processo através do qual a razão empreende o conhecimento de si mesma”. O fazer filosófico aqui é equivalente à problematização de natureza filosófica.
  • 4
    Na teoria organizacional, para ilustrar, a Filosofia está explicitamente nos fundamentos da teoria crítica, que tem o filósofo Jürgen Habermas como destacado pensador contemporâneo, cujos conceitos de esfera pública e de razão instrumental, apenas como exemplo, também estendem suas raízes a elaborações filosóficas precedentes. Em substância, aqui reside um dos esteios do Novo Serviço Público (DENHARDT, 2012DENHARDT, Robert. Teorias da administração pública. São Paulo: Cengage Learning, 2012.).
  • 5
    Aqui se aproxima da reiteradamente referenciada frase atribuída a Sócrates, por seu discípulo Platão no texto Apologia de Sócrates: “O verdadeiro saber consiste em saber não saber” (PLATÃO, 1996PLATÃO. Apologia de Sócrates. Os Pensadores. Platão. p. 63-97, 1996., p. 71).
  • 6
    Compreender o que é Filosofia contribui para reconhece-la como um fenômeno humano por excelência; percebê-la como inerente ao sujeito que pensa, como prática própria da razão, o que em essência distingue o homem como tal afasta a falsa noção de que a filosofia é algo distante, etéreo, monopólio de domínio de alguns e pouco aderente à vida cotidiana.
  • 7
    O agente público como detentor de uma competência crítico-reflexiva. Não como capacidade instrumental ou técnica, mas intelectual e ética. Uma atitude analítica não demasiado tecnicista e objetivista, senão uma postura predominantemente “parentética” (RAMOS, 1984RAMOS, Alberto Guerreiro. Modelos de homem e teoria administrativa. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 18, n. 2, pp. 3-12, abr./jun., 1984.).
  • 8
    “Pois a condição e motivação do filosofar é a ignorância, não a sabedoria. Não é quem sabe — ou pensa que sabe — que filosofa, mas quem tem consciência de sua ignorância e quer fugir dela por seus próprios meios. Aquele que sabe — ou acha que sabe — não precisa pensar duas vezes sobre seu suposto ou efetivo saber. A filosofia, portanto, é uma luta constante contra nossa ignorância e ocorre quando chegamos a perceber que algo contradiz nossas certezas, nossas convicções, algo que levanta problemas que abalam nossa confiança no que tranquilamente acreditávamos saber”. (ARMIJOS PALÁCIOS, 2013ARMIJOS PALÁCIOS, Gonzalo. O ensino de filosofia e a “situação problema”. In: CARVALHO, Marcelo; CORNELLI, Gabriele. Ensinar Filosofia. v.1. Cuiabá: Central de Texto, 2013., p. 197).
  • 9
    Assim, o esforço de problematização contribui também com a pesquisa, revolvendo o que já se considera decantado em termos de pressupostos ou variáveis de investigação, propondo a inclusão de novos, e a supressão de outros.
  • 10
    Sob a perspectiva ética, a atitude parentética está relacionada à razão substantiva e à racionalidade referente a valores da qual trata Weber (2001).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    16 Set 2021
  • Aceito
    05 Abr 2022
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