Acessibilidade / Reportar erro

Percepção da equipe multiprofissional sobre oficina terapêutica de música desenvolvida pelo enfermeiro

RESUMO

Objetivo:

Compreender a percepção dos profissionais da equipe multiprofissional sobre o uso da música em oficina terapêutica desenvolvida pelo enfermeiro.

Método:

Estudo qualitativo, do tipo exploratório. Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas, com a participação de 13 profissionais de um Centro de Atenção Psicossocial em um município da Zona da Mata Mineira, e analisados seguindo-se o referencial da sociologia compreensiva, de Michel Maffesoli.

Resultados:

Os depoimentos revelaram que o uso da música nas atividades do enfermeiro em saúde mental representa uma ressignificação das linhas de cuidados de enfermagem e favorece a subjetividade do usuário.

Considerações finais:

Este estudo possibilitou evidenciar que o enfermeiro precisa ouvir a música que vem do coração, da alma e das verdades nem sempre proferidas nos cenários de práticas terapêuticas com indivíduos em sofrimento psíquico. Portanto, o cuidado ofertado deve ser centrado na história humana que convida a ser desvelada e compreendida.

Descritores:

Enfermeiros; Música; Saúde Mental; Serviços de Saúde Mental; Cuidados de Enfermagem.

Descritores:
Enfermeiros; Música; Saúde Mental; Serviços de Saúde Mental; Cuidados de Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

To understand the perception of a multiprofessional team regarding the use of music in a therapeutic workshop developed by nurses.

Method:

Qualitative study, of the exploratory type. Data were collected through semi-structured interviews, with the participation of 13 professionals from a Psychosocial Care Center in a municipality of Minas Gerais’ Zona da Mata, and analyzed according to Michel Maffesoli’s comprehensive sociology approach.

Results:

The testimonies revealed that the use of music in the nurse’s activities in mental health represents a re-signification of nursing care and favors the user’s subjectivity.

Final considerations:

This study allowed us to show that nurses need to listen to the music that comes from the heart, from the soul, and to the truths that are not always stated in the scenarios of therapeutic practices with individuals going through psychic suffering. Therefore, the care offered should be centered on the human history, which wants to be unveiled and understood.

Descriptors:
Nurses; Music; Mental Health; Mental Health Services; Nursing Care

RESUMEN

Objetivo:

Comprender la percepción de los profesionales del equipo multiprofesional sobre el uso de la música en un taller terapéutico desarrollado por enfermero.

Método:

Estudio cualitativo de tipo exploratorio. Los datos fueron recolectados por medio de entrevistas semiestructuradas, con la participación de 13 profesionales de un Centro de Atención Psicosocial en un municipio de la Zona de la Mata de Minas Gerais, y después analizados desde la sociología comprensiva de Michel Maffesoli.

Resultados:

Los testimonios demostraron que el uso de la música en las actividades del enfermero en salud mental representa una resignificación de las líneas de cuidados de enfermería y le favorece la subjetividad del usuario.

Consideraciones finales:

Este estudio señala que el enfermero necesita oír la música que viene del corazón, del alma y de las verdades que ni siempre se dicen en los escenarios de prácticas terapéuticas con individuos en sufrimiento psíquico. Por lo tanto, el cuidado ofrecido debe ser centrado en la historia humana que nos invita a desvelarla y comprenderla.

Descriptores:
Enfermeros; Música; Salud Mental; Servicios de Salud Mental; Cuidados de Enfermería

INTRODUÇÃO

Durante muitos anos, o tratamento do “doente mental” no Brasil foi relacionado diretamente às internações prolongadas em hospitais psiquiátricos e ao afastamento das relações sociais e familiares. Com o idealismo do processo de Reforma Psiquiátrica, tiveram início discussões políticas entre os profissionais de saúde, com o intuito de transformação das práticas assistenciais no âmbito da saúde mental mediante a substituição progressiva do modelo manicomial(11 Waidman MAP, Marcon SS, Pandini A, Bessa JB, Paiano M. Assistência de enfermagem as pessoas com transtornos mentais e as famílias na Atenção Básica. Acta Paul Enferm. 2012;25(3):346-51. doi: 10.1590/S0103-21002012000300005
https://doi.org/10.1590/S0103-2100201200...
-22 Olschowsky A, Wetzel C, Fernando JS, Pinho LB, Camatta MW. Evaluation of intersectoral partnerships for mental healthcare in the Brazilian family health strategy. Texto Contexto Enferm. 2014;23(3):591-9. doi: 10.1590/0104-07072014001970012
https://doi.org/10.1590/0104-07072014001...
).

Em decorrência desses debates, torna-se imprescindível a articulação de diversificadas ações a fim de que o modelo de Atenção Psicossocial seja consolidado. Para tanto, os serviços substitutivos tiveram um aumento considerado em todo território nacional devido à oferta de cuidados a indivíduos em sofrimento psíquico em consonância com as diretrizes estabelecidas no contexto da reforma(33 Esperidiao E, Silva NS, Caixeta CC, Rodrigues J. The Psychiatric Nursing, ABEn and the Scientific Department of Psychiatric and Mental Health Nursing: progress and challenges. Rev Bras Enferm. 2013;66(spe):171-6. doi: 10.1590/S0034-71672013000700022
https://doi.org/10.1590/S0034-7167201300...
-44 Lapischies SRC, Jardim VMR, Kantorski LP. Fatores associados à satisfação no trabalho em Centros de Atenção Psicossocial. Rev Latino-Am Enfermagem. 2014;22(6):950-8. doi: 10.1590/0104-1169.3474.2500
https://doi.org/10.1590/0104-1169.3474.2...
).

Nesse sentido, evidencia-se a criação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) que visam a contribuir com a reabilitação psicossocial de seus usuários, conforme delimita a Portaria nº 336, de 19 de fevereiro de 2002. Trata-se de um serviço de caráter comunitário comprometido com a assistência a indivíduos com transtornos mentais graves, moderados e leves. Entre as modalidades de CAPS existentes, o CAPS III é um serviço ambulatorial que funciona diariamente em municípios com população superior a 200 mil habitantes, no período de 24 horas(55 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 336, de 19 de fevereiro de 2002. Dispõe sobre a possibilidade de importadores e fabricantes de instrumentos de medição de obterem autorização para emitir declaração de conformidade em substituição à verificação inicial [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2002 [cited 2017 Sep 15]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2002/prt0336_19_02_2002.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
).

Dentre os recursos assistenciais desenvolvidos nesses espaços, destacam-se as oficinas terapêuticas, que são atividades grupais de socialização coordenadas por profissionais da equipe multiprofissional do CAPS, monitores, estagiários ou pesquisadores(66 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Saúde mental [Internet] (Cadernos de Atenção Básica, nº 34). Brasília: Ministério da Saúde; 2013 [cited 2017 Oct 18]. Available from: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/caderno_34.pdf). Na enfermagem, o interesse pela música, enquanto recurso psicossocioterápico, tem ganhado destaque no cuidado para a minimização dos processos álgicos, como instrumento facilitador do relacionamento interpessoal entre o cliente e o enfermeiro, para a diminuição dos fatores estressores e a construção de vínculos(77 Taets GGC, Barcellos LRM. Música no cotidiano de cuidar: um recurso terapêutico para enfermagem. Rev Pesq Cuid Fundam Online. 2010;2(3):1009-16. doi: 10.9789/2175-5361.2010.v2i3.%25p
https://doi.org/10.9789/2175-5361.2010.v...
).

Ao apoiar esses efeitos benéficos, estudo norte-americano traz a evidência de que a música não representa ameaças, mas oferece subsídios de enfrentamento para a exploração dos próprios problemas, ajudando a identificar habilidades e competências, estimulando a criatividade e proporcionando uma terapia baseada no potencial individual. Portanto, muitas são as dimensões estimuladas por esse recurso terapêutico que possui efeito não apenas sobre a mente, mas também sobre o corpo e a alma das pessoas(88 Chwalek CM, McKinney CH. The Use of Dialectical Behavior Therapy (DBT) in music therapy: a sequential explanatory study. J Music Ther. 2015;52(2):282-318. doi: 10.1093/jmt/thv002
https://doi.org/10.1093/jmt/thv002...
).

Mediante as constatações apresentadas, apesar das evidências científicas demarcadas por estudos nacionais e internacionais(77 Taets GGC, Barcellos LRM. Música no cotidiano de cuidar: um recurso terapêutico para enfermagem. Rev Pesq Cuid Fundam Online. 2010;2(3):1009-16. doi: 10.9789/2175-5361.2010.v2i3.%25p
https://doi.org/10.9789/2175-5361.2010.v...

8 Chwalek CM, McKinney CH. The Use of Dialectical Behavior Therapy (DBT) in music therapy: a sequential explanatory study. J Music Ther. 2015;52(2):282-318. doi: 10.1093/jmt/thv002
https://doi.org/10.1093/jmt/thv002...
-99 Carlson E, Saarikallio S, Toiviainen P, Bogert B, Kliuchko M, Brattico E. Maladaptive and adaptive emotion regulation through music: a behavioral and neuroimaging study of males and females. Front Hum Neurosci. 2015;9:466. doi: 10.3389/fnhum.2015.00466
https://doi.org/10.3389/fnhum.2015.00466...
)) sobre os benefícios e a ampla significação da música no que tange às alterações comportamentais positivas no ser humano, e após revisão nos acervos da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), utilizando os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) “Enfermeiros” and “Música” and “Saúde Mental”, não foram encontrados estudos publicados sobre esse tema. Quando citados na United States National Library of Medicine (PubMed) por meio dos descritores “Nursesand “MusicandHealth Mental”, verificou-se a inexistência de publicações sobre a percepção de profissionais de saúde mental diante da atuação do enfermeiro em oficina terapêutica em que se utiliza a música como estratégia de cuidado a indivíduos em sofrimento psíquico.

Assim, este estudo justifica-se pela escassez de pesquisas com essa abordagem temática e pela necessidade de atribuir um novo significado para a assistência de enfermagem no contexto da saúde mental perante as concepções da equipe multiprofissional atuante em um dos serviços substitutivos aos hospitais psiquiátricos. A seguinte questão de pesquisa motivou a realização desta investigação: “Como o enfermeiro pode contribuir com a ressignificação de sua assistência em saúde mental por meio de sua atuação em oficina terapêutica de música na percepção da equipe multiprofissional?”

OBJETIVO

Compreender a percepção dos profissionais da equipe multiprofissional sobre o uso da música em oficina terapêutica desenvolvida pelo enfermeiro.

MÉTODO

Aspectos éticos

A pesquisa teve início após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Juiz de Fora, de acordo com a Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012, e suas complementares.

Referencial teórico-metodológico

O estudo fundamenta-se na sociologia compreensiva proposta pelo sociólogo Michel Maffesoli. Metodologicamente, suas análises baseiam-se na fenomenologia para alicerçar os seus conceitos e proposições. Tal fato contribui para que suas ideias sejam tipificadas por uma sociologia fenomenológica e compreensiva(1010 Barros EP. A totalidade cósmica em Maffesoli: Affaire Tremblay e franco-maçonaria. Intexto [Internet]. 2015[cited 2017 Oct 27];(32):212-8. Available from: http://seer.ufrgs.br/index.php/intexto/article/view/55720/34009
http://seer.ufrgs.br/index.php/intexto/a...
).

A sociologia compreensiva estabelece cinco pressupostos teóricos e da sensibilidade, intitulados: 1) crítica ao dualismo esquemático; 2) a “forma”; 3) uma sensibilidade relativista; 4) uma pesquisa estilista; e 5) um pensamento libertário. No entanto, esse referencial metodológico faz alusão à cumplicidade, que pode ser denotada pela atitude de empatia e propicia o envolvimento entre o investigador e o objeto a ser estudado. Desse modo, para desenvolver pesquisas e obter resultados que estejam vinculados ao contexto social, é necessário inserir criteriosamente a subjetividade no processo de análise(1111 Maffesoli M. O conhecimento comum: introdução a sociologia compreensiva. Porto Alegre: Sulina; 2010.).

Tipo de estudo

Estudo de natureza qualitativa, do tipo exploratório, pela sua adequação à compreensão de fenômenos sociais. A pesquisa qualitativa tem como características peculiares apreender questões viabilizando responder aos fundamentos do objeto de estudo. A sua abordagem possui amplos significados que permitem vislumbrar percepções, perspectivas, narrativas, ideologias, comportamentos, que não podem ser reduzidos a variáveis, e seus modos intrínsecos de execução(1212 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14ª ed. São Paulo: Hucitec; 2014.). Esta investigação foi conduzida e estruturada com referência nos Critérios de Consolidação para Relatórios de Pesquisa Qualitativa (COREQ)(1313 Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. 2007;19(6):349-57. doi: 10.1093/intqhc/mzm042
https://doi.org/10.1093/intqhc/mzm042...
).

Procedimentos metodológicos

Cenário do estudo

Estudo realizado em um CAPS III de um município da Zona da Mata, no estado de Minas Gerais. O pesquisador principal assumiu voluntariamente a coordenação da oficina terapêutica de música no CAPS, antes do início deste estudo, permanecendo como coordenador até o período de desenvolvimento desta investigação, compreendido entre 2 de fevereiro de 2015 e 18 de maio de 2016, a fim de “estar-junto” com os usuários, possibilitar, por intermédio de ações musicais, um espaço de socialização, de cuidado e produção de subjetividades com eles, e desenvolver esta pesquisa.

Os encontros aconteceram semanalmente com duração de uma hora. Na oficina terapêutica de música, além da proposta musical construída e idealizada com a participação efetiva dos usuários, foram realizadas práticas de educação em saúde pelo coordenador dessa oficina, com o objetivo de promoção e prevenção da saúde vocal. Essas ações foram planejadas e estruturadas de acordo com a solicitação, a curiosidade e o interesse temático dos usuários integrantes.

Os temas foram escolhidos pelos usuários e possuíam relação com as atividades que eles desempenhavam na oficina de música. Dentre os assuntos abordados, destacaram-se: os malefícios do uso do tabaco e os prejuízos no aparelho fonador; rouquidão; aumento da ingesta hídrica; mudanças de hábitos alimentares e a necessidade do alongamento para instrumentistas e vocalistas. Vale ressaltar que toda a problematização reflexiva foi formulada com o intuito de favorecer a troca de saberes e de experiências entre o pesquisador e os usuários a partir de suas necessidades.

Toda a programação da oficina de música foi estabelecida conforme o desejo e o interesse dos participantes. Em todos os encontros, os usuários organizavam-se em roda para o desenvolvimento das atividades introdutórias de relaxamento corporal e aquecimento vocal. Desse modo, as ações foram coordenadas e desenvolvidas viabilizando um espaço de subjetividades e de socialização.

Os instrumentos musicais utilizados na oficina foram: violão, guitarra, bateria, teclado, pandeiro e pandeirola, todos de propriedade da instituição. Cabe acrescentar que tais instrumentos eram executados pelos usuários que tinham domínio das técnicas e das teorias musicais, antes mesmo do transtorno ter sido instaurado, os quais tocavam e cantavam as músicas do repertório selecionado por eles próprios, como forma de resgate da autonomia e emancipação social.

Como resultado dessas atividades terapêuticas, criou-se um grupo musical de backing vocal composto por dez usuários participantes assíduos da oficina terapêutica de música, com sete vocalistas e três instrumentistas.

Fonte de dados

Participaram do estudo 13 profissionais que compunham a equipe multiprofissional do CAPS, cenário desta investigação, entre os quais, dois assistentes sociais, quatro psicólogos, quatro enfermeiros e três profissionais de enfermagem de nível técnico, selecionados mediante os critérios de inclusão: experiência profissional há mais de um ano; comparecer, no mínimo, a três encontros da oficina, a fim de presenciar o cotidiano das ações desenvolvidas; além de externar sua aquiescência pela assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

A seleção dos participantes se deu por meio da técnica de amostragem por conveniência. Os critérios de exclusão foram: profissionais que se encontraram em período de férias durante a coleta de dados e aqueles que declararam indisponibilidade para participar e presenciar as atividades realizadas na oficina de música.

Coleta e organização dos dados

O processo de coleta de dados ocorreu no período de 11 de junho a 13 de setembro 2015. O instrumento de coleta de dados constituiu-se de um roteiro semiestruturado, e as questões que nortearam a entrevista foram: (i) O que você acha da oficina terapêutica de música?; (ii) Como você percebe o comportamento dos usuários do CAPS na oficina terapêutica de música?; (iii) Que significados ou sentidos você atribuiria à atuação do enfermeiro na oficina terapêutica de música? Os dados provenientes das entrevistas foram tratados manualmente e transcritos em programa Microsoft Word 2016.

Cada participante recebeu o convite para integrar-se a esta investigação, e também foi informado pelo pesquisador sobre o objetivo do estudo, os benefícios esperados e o destino de todos os depoimentos fornecidos. Os depoimentos coletados tiveram o áudio gravado, com a permissão de cada entrevistado, por meio de um gravador digital. Todas as entrevistas foram realizadas no CAPS, sem interferência, e tiveram a duração de 30 a 50 minutos aproximadamente.

A identidade dos profissionais foi preservada pelo uso da nomenclatura das sete notas musicais, com o acréscimo de notas que representam um semitom acima das notas convencionais sucessivas, devido ao número de entrevistados ser igual a treze. Sendo assim, os enunciados dos participantes foram identificados da seguinte forma: Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá, Si, Dó#, Ré#, Mi#, Fá#, Sol# e Lá#. Cabe ressaltar que o símbolo “#” denomina-se sustenido. Foram nomeados, seguindo esta sequência, de acordo com a ordem cronológica em que ocorreram as entrevistas.

Análise dos dados

Para a análise compreensiva dos discursos, inicialmente, foi realizada uma leitura criteriosa de todos os depoimentos transcritos, assumindo uma relação interrogativa, de modo a identificar o significado atribuído pelos participantes da pesquisa. A partir dessa leitura, os significados foram analisados e agrupados, de acordo com

o núcleo de significação das palavras que expressem uma ideia de sentido equivalente, constituindo, assim, as categorias de análise(1212 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14ª ed. São Paulo: Hucitec; 2014.).

Após o processo de análise das entrevistas, foi possível elencar duas categorias intituladas a partir de fragmentos de canções: “Ah, se o mundo inteiro me pudesse ouvir/ Tenho tanto pra contar, dizer que aprendi [...].”; “[...] A gente espera do mundo e o mundo espera de nós [...]”. Vale salientar que os títulos e os compositores dessas canções são respectivamente: “Azul da cor do mar” (Tim Maia); “Paciência” (Lenine).

O dispositivo analítico constituiu-se por duas etapas: a primeira etapa representa a contemplação do interior, a percepção do oculto, denominada “intuição”. Na perspectiva intuicionista, é possível obter a compreensão íntima que se relaciona com as vivências cotidianas. Portanto, o pesquisador precisa ver o que está encoberto, do mesmo modo que se observa o que está perceptível, pois, para que se atinja a profundidade, é necessário examinar a superfície primeiramente(1414 Maffesoli M. Elogio da razão sensível. 4ª ed. Petrópolis: Vozes; 2008.).

A segunda etapa, intitulada “metáfora”, expressa o processo de análise que permite ao pesquisador apreender o fenômeno investigado sem ter a pretensão de explicá-lo. Metaforizar é desvelar os sentidos apropriando-se de comparações, aproximações, semelhanças e exemplos figurativos.Todavia, é imprescindível harmonizar o conteúdo das entrevistas aproximando-o ao fenômeno investigado(1414 Maffesoli M. Elogio da razão sensível. 4ª ed. Petrópolis: Vozes; 2008.).

RESULTADOS

“Ah, se o mundo inteiro me pudesse ouvir/ Tenho tanto pra contar, dizer que aprendi [...]”

O uso da música e os seus significados no cotidiano assistencial do CAPS foram expressos pelos participantes como uma possibilidade de cuidado do enfermeiro, mediante a integração dos recursos musicais na atenuação do sofrimento psíquico.

Essas constatações percebidas nos depoimentos caracterizam

o sentido da música, indicando as manifestações que com elas emergem nos usuários integrantes da oficina, sendo evidenciadas nos excertos:

[...] A música passa a ter um sentido totalmente terapêutico no lugar que esse sujeito atribui para si. Eles falam: “eu sou membro da banda”; “eu toco na oficina de música”; “toco bateria”; “toco meia-lua”; “eu canto”. Então, é um momento de muita expressão, de integração, de autoestima e de autonomia dos usuários. (Ré)

A música faz com que os usuários se sintam bem. A música é alegria; é barulho; é som, eu acho isso [...]. Através da música, eles aprendem ouvir, cantar, comunicar com o outro. Isso também ajuda! (Fá)

[...] Quando a coisa está muito tensa ou em momentos de angústia, tem um usuário que sempre fala: “vamos botar música nessa conversa!”. A música traz, para o ambiente, algo agradável que convoca participações e movimentos [...]. A música tem um apreço social muito importante [...]. (Lá)

Devido ao próprio instinto de proteção e cuidado para consigo, o ser humano se apropria de estratégias que propiciam experiências confortáveis ao seu bem-estar, conforme evidenciado no depoimento:

Percebo que alguns usuários escolhem músicas que os fazem lembrar de situações do passado [...]. Noto que muitas músicas que eles escolhem para tocar na oficina têm letras e melodias tristes, mas elas não trazem emoções negativas para esses sujeitos. Eles se concentram na beleza da música e adquirem experiências agradáveis que os fazem sentir muito bem, independente do ritmo. (Dó#)

Ao mencionar as manifestações e as influências da música, os profissionais ressaltaram que a utilização deste meio constitui um importante recurso no tratamento de indivíduos em sofrimento psíquico e propicia relaxamento, organização psíquica e alegria. Tais ideias podem ser identificadas nos fragmentos destes discursos:

A música reduz o estresse, promove relaxamento na mente, tira o sujeito de condições de submissão na vida, de objeto do outro e faz com que o indivíduo seja protagonista de sua própria existência. (Fá#)

Através da música, consegue-se organizar o sujeito, fazendo com que ele perceba o seu potencial através da voz, uma voz que sempre foi calada pela sociedade através da exclusão social. A música converte a tristeza em alegria, faz com que os níveis de estresse sejam reduzidos, enfim, a música socializa, acalma, é um importante instrumento de tratamento, né? (Ré#)

Esse mesmo pensamento pode ser visto nas alocuções dos entrevistados quando questionados sobre as suas concepções acerca da significação da música como estratégia de cuidado em oficinas terapêuticas desenvolvidas pelo enfermeiro:

Um dos importantes significados da música na assistência de enfermagem remete à criatividade do sujeito; a música quando toca na emoção, ela faz com que o sujeito fique mais criativo. Ela dá suporte para enfrentar as adversidades e tristezas do dia a dia [...]. (Lá#)

Tenho certeza que a música é uma terapia e ela age no transtorno de cada um. Eu vejo que o trabalho do enfermeiro atinge o corpo e afeta positivamente o interior. Sem contar que onde tem música, tem criatividade, tem espontaneidade. É maravilhoso ver pessoas com um certo comprometimento cognitivo soltando as notas musicais, é contagiante! (Dó)

“[...] A gente espera do mundo e o mundo espera de nós [...]”

As concepções dos entrevistados apresentadas nesta categoria evidenciam uma compreensão de cunho profissional com relação à atuação do enfermeiro na oficina terapêutica de música. Cabe pontuar que a música foi conduzida por um profissional enfermeiro e pactuada com os usuários integrantes como proposta de cuidado em saúde mental e de pesquisa.

Essa discussão elucida o desenvolvimento assistencial de enfermagem de modo a atender às perspectivas do usuário do serviço, conforme descrito nos relatos:

O que mais me chama atenção na enfermagem é isso mesmo, é esse cuidado mais humano com que os profissionais tratam os usuários [...]. Na oficina de música, eu vejo muito essa questão do enfermeiro chamar, convidar os usuários e tentar integrar o usuário à oficina de um jeito humanizado [...]. (Mi)

Eu vejo que o trabalho da enfermagem tem sido inovador, um verdadeiro trabalho solidário [...]. A enfermagem é saúde e tem atuado de uma forma lúdica [...]. (Ré)

Com base nos discursos a seguir, percebeu-se que o cotidiano das atividades do enfermeiro no CAPS precisa ter uma ressignificação, com uma linha de cuidados que favoreça a subjetividade do usuário do serviço. Isso remete à utilização de recursos inovadores, que correspondam às recomendações do movimento de Reforma Psiquiátrica:

Penso que a enfermeiro deve estar cada vez mais empenhado, participativo e envolvido no cuidado em oficinas terapêuticas. É importante que esse profissional utilize novos recursos terapêuticos fundamentados na construção de subjetividades do sujeito, como a música, por exemplo [...]. (Dó#)

[...] O enfermeiro precisa estar aberto para outras formas de cuidar, se desprendendo das práticas convencionais, mas sim trabalhando a subjetividade [...]. (Fá)

Os profissionais também relataram a importância da implementação de novos recursos assistenciais e reportaram a necessidade do contato para a efetividade do cuidado de enfermagem no CAPS, como se pode constatar nos fragmentos:

A função dessa oficina é justamente a de cuidar usando a música de forma humanizada. O enfermeiro participa desse processo, isso é muito importante! A enfermagem usa o toque, mas, nesse contexto, não é toque físico, mas sim tocar o interior através da arte musical e do contato com o usuário. Isso desconstrói a imagem que temos da enfermeira com a sua bandeja [...]. (Mi#)

É preciso que o enfermeiro saiba conduzir essas novas modalidades de recursos terapêuticos como a utilização da música porque não existe segredo, não existe técnica, é tato mesmo. A teoria é importante, mas o que faz a diferença é a disponibilidade, o contato com o outro, é querer inovar o cuidado, abdicando da restrição às práticas convencionais [...]. (Sol)

DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo, referentes à primeira categoria de análise, desvelam a compreensão dos sentidos da música como cuidado em saúde mental e as suas possíveis contribuições no que tange aos aspectos comportamentais dos usuários integrantes da oficina terapêutica de música. Foram descritos conhecimentos que remetem à apreensão de que as atividades musicais são capazes de favorecer a expressão de sentimentos.

Ao se confirmar o descrito na literatura(1515 Carr C, Odell-Miller H, Priebe S. A systematic review of music therapy practice and Outcomes with acute adult psychiatric in-patients. PLoS One. 2013;8(8):e70252. doi: 10.1371/journal.pone.0070252
https://doi.org/10.1371/journal.pone.007...
), identificou-se que, ao perpassar pela ampla significação da música, define-se que esse recurso artístico pode ser produzido por usuários do serviço de saúde e por profissionais que exercem o relacionamento terapêutico. O fato de executar instrumentos musicais e cantar caracteriza-se como um importante estímulo devido à interação musical. Desse modo, os sentidos das abordagens com música irão se diversificar conforme o diagnóstico e as necessidades prioritárias de cada indivíduo.

A fim de ilustrar esses conceitos, infere-se que é pertinente atuar de forma compassada conforme a melodia emanada do outro. Entretanto, fazer música junto com o outro representa, metaforicamente, uma verdade com significados abstratos(1616 Maffesoli M. O tempo retorna: formas elementares da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Forense Universitário; 2012.). Isso representa a inserção do lúdico, do onírico, que envolve a sociedade, e do imaginário como parâmetros da vida social que nos proporcionam reflexões coletivas e nos fazem perceber que, em tudo, há uma razão existencial(1717 Maffesoli M. A república dos bons sentimentos. São Paulo: Iluminuras; 2009.).

No bojo desta discussão, constatou-se que as intervenções musicais, mediadas pela interação entre profissionais e usuários, são capazes de suscitar comportamentos positivos que permitem a regulação, o gerenciamento e a transformação das emoções dos indivíduos, minimizando os episódios de letargia, embotamento afetivo e estresse(1818 Moore KS, Hanson-Abromeit D. Theory-guided therapeutic function of music to facilitate emotion regulation development in preschoolaged children. Front Hum Neurosci. 2015;9:572. doi: 10.3389/fnhum.2015.00572
https://doi.org/10.3389/fnhum.2015.00572...
-1919 Sachs ME, Damasio A, Habibi A. The pleasures of sad music: a systematic review. Front Hum Neurosci. 2015;9:404. doi: 10.3389/ fnhum.2015.00404
https://doi.org/10.3389/...
).

Ao se confirmarem essas concepções, estudo realizado com a utilização de testes psicológicos e ressonância magnética no cérebro, especificamente na região do córtex pré-frontal em determinada população, após intervenções musicais, comprovou que o contato com atividades musicais modifica o comportamento e as respostas neurais, auxilia na estabilização do humor, interfere nas diferenças individuais, tais como nas emoções, nos níveis de ansiedade, de depressão e das neuroses(99 Carlson E, Saarikallio S, Toiviainen P, Bogert B, Kliuchko M, Brattico E. Maladaptive and adaptive emotion regulation through music: a behavioral and neuroimaging study of males and females. Front Hum Neurosci. 2015;9:466. doi: 10.3389/fnhum.2015.00466
https://doi.org/10.3389/fnhum.2015.00466...
).

Nesse sentido, ressalta-se a importância do compartilhamento da afetividade, das emoções, das expectativas e de outras sensações inerentes aos indivíduos que permitem afirmar que a vida social é composta de inquietações e de um realismo sensível. Com base nesse delineamento, a música em seus diversos aspectos retrata uma expressão de alegria popular, mesmo em meio a momentos de tristeza e descontentamento(1717 Maffesoli M. A república dos bons sentimentos. São Paulo: Iluminuras; 2009.).

Consistente com estudo prévio(1919 Sachs ME, Damasio A, Habibi A. The pleasures of sad music: a systematic review. Front Hum Neurosci. 2015;9:404. doi: 10.3389/ fnhum.2015.00404
https://doi.org/10.3389/...
), a tristeza é frequentemente associada a alguns sentimentos de prazer ao longo da trajetória existencial humana. Portanto, a música composta por uma harmonização melancólica muitas vezes pode ser interpretada como um estímulo agradável, capaz de induzir um estado afetivo favorável que auxilia o desenvolvimento de terapias eficazes para transtornos como a depressão, em que a capacidade de sentir prazer é atenuada.

Observou-se que um dos significados e sentidos da música demonstra que o indivíduo, fadigado mentalmente, ao entrar em contato com a música e suas expressões, tem uma redução de seu esgotamento mental e da deterioração psicomotora, tanto no nível comportamental quanto no cognitivo(2020 Guo W, Ren J, Wang B, Zhu Q. Effects of relaxing music on mental fatigue induced by a continuous performance task: behavioral and ERPs evidence. PLoS One. 2015;10(8):e0136446. doi: 10.1371/journal.pone.0136446
https://doi.org/10.1371/journal.pone.013...
).

Correlativamente a essa perspectiva, por meio dos fenômenos que se manifestam no cotidiano das pessoas que recebem cuidados, existe um desejo vital que se revela constantemente. Esse impulso revigora as sociedades inertes e as conduz aos estados de plenitude e de bem-estar social, fazendo com que os indivíduos usufruam da liberdade, do sensível e identifiquem os seus reais conflitos, assumindo atitudes que lhes ofereçam resolutividade(1616 Maffesoli M. O tempo retorna: formas elementares da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Forense Universitário; 2012.).

Na segunda categoria de análise, os participantes expressaram suas considerações mediante a utilização da música no cuidado realizado pelo enfermeiro em saúde mental. Todavia, a possível influência do lúdico nas ações de enfermagem pode ser denotada pelo pensamento metafórico no qual, tendo em vista os sons, as colorações e o que é exalado, as configurações são alocadas de tal modo a beneficiar os prazeres e as sensações de modo coletivo(1111 Maffesoli M. O conhecimento comum: introdução a sociologia compreensiva. Porto Alegre: Sulina; 2010.).

Nessa perspectiva, a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), indicada pela Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011, inclui, satisfatoriamente, a atuação do profissional enfermeiro e as suas linhas de cuidado no âmbito da saúde mental, ressaltando a sua importância na Atenção Psicossocial. Para tanto, a prática assistencial de enfermagem deve acompanhar as transformações ocasionadas pela Reforma Psiquiátrica em benefício da legitimação das ações do enfermeiro nesse modelo assistencial(33 Esperidiao E, Silva NS, Caixeta CC, Rodrigues J. The Psychiatric Nursing, ABEn and the Scientific Department of Psychiatric and Mental Health Nursing: progress and challenges. Rev Bras Enferm. 2013;66(spe):171-6. doi: 10.1590/S0034-71672013000700022
https://doi.org/10.1590/S0034-7167201300...
).

Acredita-se, então, que com as reformulações no contexto da saúde mental, o enfermeiro precise refletir sobre a sua práxis com o intuito de adequá-la às proposições dos serviços substitutivos. Desse modo, as suas ações precisam estar pautadas na criatividade, na flexibilidade e no trabalho em equipe, com vistas à desarticulação ao arquétipo manicomial(2121 Cavalcanti PCS, Oliveira RMP, Caccavo PV, Porto IS. O cuidado de enfermagem nos Centros de Atenção Psicossocial. Ciênc Cuid Saúde. 2014;13(1):111-9. doi: 10.4025/cienccuidsaude.v13i1.19458
https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v...
).

Nesse sentido, estudos(1919 Sachs ME, Damasio A, Habibi A. The pleasures of sad music: a systematic review. Front Hum Neurosci. 2015;9:404. doi: 10.3389/ fnhum.2015.00404
https://doi.org/10.3389/...
,2222 Oates J, Drey N, Jones J. 'Your experiences were your tools'. How personal experience of mental health problems informs mental health nursing practice. J Psychiatr Ment Health Nurs. 2017;24(7):471-9. doi: 10.1111/jpm.12376
https://doi.org/10.1111/jpm.12376...
-2323 Franzoi MAH, Santos JLG, Backes VMS, Ramos FRS. Musical intervention as a nursing care strategy for children with autism spectrum disorder at a psychosocial care center. Texto Contexto Enferm. 2016;25(1):e1020015. doi: 10.1590/0104-070720160001020015
https://doi.org/10.1590/0104-07072016000...
) mostram que a compreensão e a empatia tornam-se essenciais na atuação do enfermeiro, pois favorece o processo de construção de vínculo, facilitando, inclusive, o cuidado emocional prestado aos usuários do serviço. Assim, a utilização da música como cuidado de enfermagem propicia o desenvolvimento de habilidades e novas formas de relacionamento com o outro, contribui para o aperfeiçoamento do processo comunicacional e rompe com os comportamentos que favorecem o embotamento afetivo e o isolamento social.

Todavia, a sociedade onde o corpo é exaltado, amado, valorizado é denominada somatófila. Essas evidências representam um fenômeno que, circunstancialmente, afeta a vida social. Todos esses aspectos estão relacionados com a Pós-Modernidade, permeiam a prática de enfermagem em suas múltiplas dimensões: educativa, assistencial, administrativa e artística, comprovando que o modelo biomédico possui forte prevalência sobre a subjetividade do indivíduo que sofre psiquicamente(1717 Maffesoli M. A república dos bons sentimentos. São Paulo: Iluminuras; 2009.).

Limitações do estudo

O estudo é inovador em sua concepção, contudo, parte da percepção de uma equipe multiprofissional de um CAPS, não incluindo outras equipes de distintos serviços de saúde mental e a apreensão dos usuários integrantes da oficina, o que seria desejável, podendo contribuir para a compreensão desse fenômeno por parte de quem assiste e recebe, respectivamente, essa tecnologia de cuidado. Sugerem-se, portanto, novos estudos que abordem tais perspectivas sobre a integração e o envolvimento desses sujeitos em oficina terapêutica de música no CAPS.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

Os resultados deste estudo oferecem informações contextuais que possibilitam pensar em novas tecnologias do cuidado em enfermagem em saúde mental no âmbito dos serviços no modelo de Atenção Psicossocial e subsidiam discussões que contribuem para uma maior visibilidade aos profissionais nesse contexto assistencial, especificamente aos da enfermagem, uma vez que os discursos se constituíram a partir da perspectiva de quem vivencia cotidianamente o sofrimento psíquico.

Cabe ressaltar que o estudo aponta uma relevante tecnologia de cuidado, que sugere novas propostas para as ações terapêuticas do enfermeiro em saúde mental, e colabora diretamente para a autonomia profissional, o controle do trabalho, a inclusão desse profissional de forma ativa nas equipes técnicas dos novos aparatos da RAPS e, por fim, reforça com argumento científico atitudes que podem contribuir com a ressignificação das linhas de cuidado de enfermagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos resultados apresentados, infere-se que a música representada como arte de expressão de sentimentos por meio dos sons encontra materialidade na enfermagem. Torna-se uma importante experiência existencial, inter-humana e, principalmente, dialética, fortalecendo o ideário de que os indivíduos em sofrimento psíquico devem assumir o seu protagonismo.

Os participantes mediante as suas experiências e concepções produziram sentidos em seus discursos sobre a ressignificação do cuidado prestado pelo enfermeiro que sugerem que se deve ousar, criar uma oportunidade de um olhar horizontalizado na direção da existência compartilhada, sentida e sensibilizada das diferenças que separam os seres que cuidam dos que são cuidados.

Contudo, o profissional enfermeiro precisa ouvir a música que vem do coração, da alma e das verdades que nem sempre são proferidas nos cenários de práticas terapêuticas com indivíduos em sofrimento psíquico, desmitificando a sua atuação meramente com procedimentos técnicos e práticas convencionais. Assim, o cuidado ofertado deve ser centrado na história humana que convida a ser desvelada e compreendida.

REFERENCES

  • 1
    Waidman MAP, Marcon SS, Pandini A, Bessa JB, Paiano M. Assistência de enfermagem as pessoas com transtornos mentais e as famílias na Atenção Básica. Acta Paul Enferm. 2012;25(3):346-51. doi: 10.1590/S0103-21002012000300005
    » https://doi.org/10.1590/S0103-21002012000300005
  • 2
    Olschowsky A, Wetzel C, Fernando JS, Pinho LB, Camatta MW. Evaluation of intersectoral partnerships for mental healthcare in the Brazilian family health strategy. Texto Contexto Enferm. 2014;23(3):591-9. doi: 10.1590/0104-07072014001970012
    » https://doi.org/10.1590/0104-07072014001970012
  • 3
    Esperidiao E, Silva NS, Caixeta CC, Rodrigues J. The Psychiatric Nursing, ABEn and the Scientific Department of Psychiatric and Mental Health Nursing: progress and challenges. Rev Bras Enferm. 2013;66(spe):171-6. doi: 10.1590/S0034-71672013000700022
    » https://doi.org/10.1590/S0034-71672013000700022
  • 4
    Lapischies SRC, Jardim VMR, Kantorski LP. Fatores associados à satisfação no trabalho em Centros de Atenção Psicossocial. Rev Latino-Am Enfermagem. 2014;22(6):950-8. doi: 10.1590/0104-1169.3474.2500
    » https://doi.org/10.1590/0104-1169.3474.2500
  • 5
    Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 336, de 19 de fevereiro de 2002. Dispõe sobre a possibilidade de importadores e fabricantes de instrumentos de medição de obterem autorização para emitir declaração de conformidade em substituição à verificação inicial [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2002 [cited 2017 Sep 15]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2002/prt0336_19_02_2002.html
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2002/prt0336_19_02_2002.html
  • 6
    Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Saúde mental [Internet] (Cadernos de Atenção Básica, nº 34). Brasília: Ministério da Saúde; 2013 [cited 2017 Oct 18]. Available from: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/caderno_34.pdf
  • 7
    Taets GGC, Barcellos LRM. Música no cotidiano de cuidar: um recurso terapêutico para enfermagem. Rev Pesq Cuid Fundam Online. 2010;2(3):1009-16. doi: 10.9789/2175-5361.2010.v2i3.%25p
    » https://doi.org/10.9789/2175-5361.2010.v2i3.%25p
  • 8
    Chwalek CM, McKinney CH. The Use of Dialectical Behavior Therapy (DBT) in music therapy: a sequential explanatory study. J Music Ther. 2015;52(2):282-318. doi: 10.1093/jmt/thv002
    » https://doi.org/10.1093/jmt/thv002
  • 9
    Carlson E, Saarikallio S, Toiviainen P, Bogert B, Kliuchko M, Brattico E. Maladaptive and adaptive emotion regulation through music: a behavioral and neuroimaging study of males and females. Front Hum Neurosci. 2015;9:466. doi: 10.3389/fnhum.2015.00466
    » https://doi.org/10.3389/fnhum.2015.00466
  • 10
    Barros EP. A totalidade cósmica em Maffesoli: Affaire Tremblay e franco-maçonaria. Intexto [Internet]. 2015[cited 2017 Oct 27];(32):212-8. Available from: http://seer.ufrgs.br/index.php/intexto/article/view/55720/34009
    » http://seer.ufrgs.br/index.php/intexto/article/view/55720/34009
  • 11
    Maffesoli M. O conhecimento comum: introdução a sociologia compreensiva. Porto Alegre: Sulina; 2010.
  • 12
    Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14ª ed. São Paulo: Hucitec; 2014.
  • 13
    Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. 2007;19(6):349-57. doi: 10.1093/intqhc/mzm042
    » https://doi.org/10.1093/intqhc/mzm042
  • 14
    Maffesoli M. Elogio da razão sensível. 4ª ed. Petrópolis: Vozes; 2008.
  • 15
    Carr C, Odell-Miller H, Priebe S. A systematic review of music therapy practice and Outcomes with acute adult psychiatric in-patients. PLoS One. 2013;8(8):e70252. doi: 10.1371/journal.pone.0070252
    » https://doi.org/10.1371/journal.pone.0070252
  • 16
    Maffesoli M. O tempo retorna: formas elementares da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Forense Universitário; 2012.
  • 17
    Maffesoli M. A república dos bons sentimentos. São Paulo: Iluminuras; 2009.
  • 18
    Moore KS, Hanson-Abromeit D. Theory-guided therapeutic function of music to facilitate emotion regulation development in preschoolaged children. Front Hum Neurosci. 2015;9:572. doi: 10.3389/fnhum.2015.00572
    » https://doi.org/10.3389/fnhum.2015.00572
  • 19
    Sachs ME, Damasio A, Habibi A. The pleasures of sad music: a systematic review. Front Hum Neurosci. 2015;9:404. doi: 10.3389/ fnhum.2015.00404
    » https://doi.org/10.3389/
  • 20
    Guo W, Ren J, Wang B, Zhu Q. Effects of relaxing music on mental fatigue induced by a continuous performance task: behavioral and ERPs evidence. PLoS One. 2015;10(8):e0136446. doi: 10.1371/journal.pone.0136446
    » https://doi.org/10.1371/journal.pone.0136446
  • 21
    Cavalcanti PCS, Oliveira RMP, Caccavo PV, Porto IS. O cuidado de enfermagem nos Centros de Atenção Psicossocial. Ciênc Cuid Saúde. 2014;13(1):111-9. doi: 10.4025/cienccuidsaude.v13i1.19458
    » https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v13i1.19458
  • 22
    Oates J, Drey N, Jones J. 'Your experiences were your tools'. How personal experience of mental health problems informs mental health nursing practice. J Psychiatr Ment Health Nurs. 2017;24(7):471-9. doi: 10.1111/jpm.12376
    » https://doi.org/10.1111/jpm.12376
  • 23
    Franzoi MAH, Santos JLG, Backes VMS, Ramos FRS. Musical intervention as a nursing care strategy for children with autism spectrum disorder at a psychosocial care center. Texto Contexto Enferm. 2016;25(1):e1020015. doi: 10.1590/0104-070720160001020015
    » https://doi.org/10.1590/0104-070720160001020015

Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Dalvani Marques

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    05 Jan 2018
  • Aceito
    05 Jul 2018
Associação Brasileira de Enfermagem SGA Norte Quadra 603 Conj. "B" - Av. L2 Norte 70830-102 Brasília, DF, Brasil, Tel.: (55 61) 3226-0653, Fax: (55 61) 3225-4473 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: reben@abennacional.org.br