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Mulheres privadas de liberdade: representações sociais de prisão, violência e suas consequências

RESUMO

Objetivo:

Compreender as representações sociais que mulheres privadas de liberdade têm sobre prisão, violência e suas consequências.

Método:

Estudo qualitativo exploratório-descritivo realizado com 15 mulheres de uma penitenciária feminina do estado de São Paulo, Brasil. Foi utilizada entrevista semiestruturada. Dados submetidos à análise de conteúdo temática e interpretados à luz das Representações Sociais.

Resultados:

Categorias identificadas: “Enclausuradas e abandonadas no ambiente prisional”: perda de contato com familiares, dificuldades de convívio na prisão e direito de serem reinseridas na sociedade. “Aprisionadas em um ciclo de desigualdade social”: falta de apoio, acesso à educação e oportunidades de emprego, levando-as ao envolvimento em novas atividades ilícitas e consequente aprisionamento.

Considerações finais:

As representações sociais das detentas sugerem que elas se percebem duplamente “aprisionadas”, seja do ponto de vista objetivo, como indivíduo privado de liberdade; ou subjetivo, como cidadãs que têm seus direitos desrespeitados e suas possibilidades de reabilitação limitadas pelo sistema prisional.

Descritores:
Mulheres; Prisões; Violência; Enfermagem; Violência Contra a Mulher

ABSTRACT

Objective:

To understand the social representations that women deprived of their freedom have of imprisonment, violence, and their consequences.

Method:

An exploratory-descriptive qualitative study with 15 women from a female penitentiary in the State of São Paulo, Brazil. Semistructured interview was used. Data submitted to thematic content analysis and interpreted under Social Representations.

Results:

Categories identified: “Enclosed and abandoned in the prison environment”: loss of contact with relatives, difficulties living in prison, and right to be reinserted into society. “Imprisoned in a cycle of social inequality”: lack of support, access to education and employment opportunities, leading them to engage in new illicit activities and consequent imprisonment.

Final considerations:

The social representations of prisoners suggest that they perceive themselves to be doubly “imprisoned”, either from the objective point of view, as an individual deprived of freedom; or subjective, as citizens who have their rights disrespected and their possibilities of rehabilitation limited by the prison system.

Descriptors:
Women; Prisons; Violence; Nursing; Violence Against Women

RESUMEN

Objetivo:

Comprender las representaciones sociales que las mujeres privadas de su libertad tienen sobre la prisión, la violencia y sus consecuencias.

Método:

Estudio cualitativo exploratorio-descriptivo realizado con 15 mujeres de una cárcel femenina del Estado de São Paulo, Brasil. Se utilizó una entrevista semiestructurada. Los datos se sometieron al análisis de contenido temático y fueron interpretados a la luz de las Representaciones Sociales.

Resultados: Categorías identificadas: “Enclaustradas y abandonadas en el ámbito penitenciario”: pérdida de contacto con los familiares, dificultades de convivencia en la prisión y en lo que se refiere al derecho a ser reintegradas en la sociedad. “Encarceladas en un ciclo de desigualdad social”: falta de apoyo, acceso a la educación y oportunidades de empleo, llevándolas a involucrarse en nuevas actividades ilícitas y por consiguiente volver a ser encarceladas.

Consideraciones Finales:

Las representaciones sociales de las detenidas sugieren que ellas se sienten doblemente “encarceladas”, tanto desde el punto de vista objetivo, como individuo privado de su libertad, como del subjetivo, ciudadanas cuyos derechos no son respetados y sus posibilidades de rehabilitación son limitadas por el sistema penitenciario.

Descriptores:
Mujeres; Cárceles; Violencia; Enfermería; Violencia Contra la Mujer

INTRODUÇÃO

Atualmente, as representações midiáticas da violência têm invadido maciçamente o imaginário coletivo, expondo a população aos efeitos perversos de discursos que, a pretexto de combater os atos violentos, na verdade têm contribuído para disseminar um sentimento generalizado de pânico e impotência frente à suposta perda de controle do Estado frente ao crime e à delinquência. O tráfico, que coloca em circulação armas e drogas, inunda a periferia das grandes cidades, justamente onde o Estado está ausente, e a expansão da rede do crime organizado é alimentada pela manutenção de negócios ilegais que se ramificam em mercados globalizados. Um dos agravantes do crime organizado é o aliciamento de jovens economicamente desprivilegiados para servir aos interesses de seus negócios escusos e altamente lucrativos. A falta de oportunidade de se inserir como cidadão no mercado de trabalho e de acesso igualitário aos bens culturais e ao universo do consumo torna o mercado da violência uma escolha viável à população jovem, sedenta de reconhecimento social(11 Gentilli RML, Trugilho SM. Violência e a destrutividade da sociedade do capital: consequências para as políticas públicas. Rev Polít Públicas[Internet]. 2014[cited 2018 Aug 15];18(2):523-34. Available from: http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/índex.php/rppublica/article/download/.../3944
http://www.periodicoseletronicos.ufma.br...
-22 Lima RS, Bueno S, Mingardi G. Estado, polícias e segurança pública no Brasil. Rev Direito GV[Internet]. 2016[cited 2018 Aug 15];12(1):49-85. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rdgv/v12n1/1808-2432-rdgv-12-1-0049.pdf
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). Nesse cenário adverso, as mulheres têm sido cada vez mais cooptadas e conduzidas a fazer parte dessa realidade perversa. Uma vez que ingressam no “mundo do crime”, uma das consequências presumíveis após algum tempo de exposição é a prisão.

Segundo dados do Mapa do Encarceramento, o Brasil ocupa o quarto lugar no ranking mundial da população carcerária e o primeiro lugar quando comparado aos demais países da América do Sul(33 Presidência da República (BR). Secretaria Geral. Mapa do encarceramento: os jovens do Brasil [Internet]. 2014. [cited 2018 Jul 07]. 112 p. Available from: http://juventude.gov.br/articles/0009/3230/mapa-encarceramento-jovens.pdf
http://juventude.gov.br/articles/0009/32...
). Na comparação entre diferentes países, o Brasil apresenta a quarta maior população prisional feminina do mundo, perdendo posição apenas para os Estados Unidos (211.870 mulheres), China (107.131) e Rússia (48.478), segundo dados do INFOPEN Mulheres(44 Ministério da Justiça (BR). Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen Mulheres): Junho 2016. 2ª edição. Brasília (DF)[Internet]. 2018[cited 2018 Jul 07]. Available from: http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen-mulheres/infopenmulheres_arte_07-03-18.pdf
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). A distribuição da população prisional no país por gênero tem mostrado predomínio de homens, considerando o perfil das pessoas encarceradas no período de 2000 a 2016. O Brasil possuía, em junho de 2016, uma população de 726.712 pessoas custodiadas no Sistema Penitenciário, sendo 42.355 mulheres e 665.482 homens(44 Ministério da Justiça (BR). Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen Mulheres): Junho 2016. 2ª edição. Brasília (DF)[Internet]. 2018[cited 2018 Jul 07]. Available from: http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen-mulheres/infopenmulheres_arte_07-03-18.pdf
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). O número de vagas para mulheres em estabelecimentos penais femininos, mistos e masculinos, era de 27.029, com taxa de ocupação de 156,7% e déficit de 15.326 vagas. Entre 2000 e 2016, a população penitenciária feminina passou de 5.601 para 42.355, um incremento de 656% em 16 anos. No mesmo período, a população prisional masculina cresceu 293%, saltando de 169 mil para 655 mil(44 Ministério da Justiça (BR). Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen Mulheres): Junho 2016. 2ª edição. Brasília (DF)[Internet]. 2018[cited 2018 Jul 07]. Available from: http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen-mulheres/infopenmulheres_arte_07-03-18.pdf
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).

Esse contexto de crescimento do encarceramento tem levado pesquisadores brasileiros, desde a década de 1980 até os tempos atuais, a empreenderem esforços para analisar os meandros do sistema prisional brasileiro e o crescimento da população prisional sob diferentes perspectivas, de modo a compreender as minúcias desse processo(55 Paixão GPN, Pereira A, Gomes NP, Campos LM, Cruz MA, Santos PF. The experience of the preventive detention due to conjugal violence: men's speech. Texto Contexto Enferm[Internet]. 2018[cited 2018 Aug 14];27(2):e3820016. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v27n2/0104-0707-tce-27-02-e3820016.pdf
http://www.scielo.br/pdf/tce/v27n2/0104-...

6 Soares Filho MM, Bueno PMMG. Demography, vulnerabilities and right to health to Brazilian prison population. Cien Saude Colet[Internet]. 2016[cited 2018 Aug 14]; 21(7):1999-2010. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v21n7/1413-8123-csc-21-07-1999.pdf
http://www.scielo.br/pdf/csc/v21n7/1413-...

7 Lermen HS, Gil BL, Cúnico SD, Jesus LO. Saúde no cárcere: análise das políticas sociais de saúde voltadas à população prisional brasileira. Physis[Internet]. 2015[cited 2018 Aug 14]; 25(3):905-924. Available from: http://www.scielo.br/pdf/physis/v25n3/0103-7331-physis-25-03-00905.pdf
http://www.scielo.br/pdf/physis/v25n3/01...
-88 Muniz CR, Leugi GB, Alves AM. Mulheres no sistema prisional: Por que e como compreender suas histórias? RP3-Rev Pesqui Pol Públicas[Internet]. 2017[cited 2018 Aug 15];(2):1-22. Available from: http://periodicos.unb.br/index.php/rp3/article/view/26945/20238
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).

Estudos realizados sobre as dinâmicas carcerárias discutem as especificidades da condição feminina em presídios originalmente construídos para o encarceramento masculino. Desse modo, diferentes autores consideram os presídios como instituições associadas à sustentação da moralidade e da sexualidade viril, independentemente da população que atendem(88 Muniz CR, Leugi GB, Alves AM. Mulheres no sistema prisional: Por que e como compreender suas histórias? RP3-Rev Pesqui Pol Públicas[Internet]. 2017[cited 2018 Aug 15];(2):1-22. Available from: http://periodicos.unb.br/index.php/rp3/article/view/26945/20238
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9 Cortina MOC. Mulheres e tráfico de drogas: aprisionamento e criminologia feminista. Rev Estud Fem[Internet]. 2015[cited 2018 Jun 13];23(3):761-78. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ref/v23n3/0104-026X-ref-23-03-00761.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ref/v23n3/0104-...
-1010 Souza LAF. As contradições do confinamento no Brasil uma breve revisão da bibliografia sobre encarceramento de mulheres. Soc Debate[Internet]. 2016[cited 2018 Dec 11];22(2):127-156. Available from: http://www.rle.ucpel.tche.br/index.php/rsd/article/view/1448/949
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). Essa lógica masculina condiciona práticas administrativas perversas ao colocar as mulheres em segundo plano, gerando ainda mais sofrimento a essa parcela da população que ainda é subordinada à dominação masculina(88 Muniz CR, Leugi GB, Alves AM. Mulheres no sistema prisional: Por que e como compreender suas histórias? RP3-Rev Pesqui Pol Públicas[Internet]. 2017[cited 2018 Aug 15];(2):1-22. Available from: http://periodicos.unb.br/index.php/rp3/article/view/26945/20238
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). Os autores apontam que, apesar de a cadeia ser um espaço público, as celas femininas podem ser correlacionadas ao âmbito privado, lembrando que o ambiente doméstico é considerado como o espaço por excelência da mulher. Já o espaço público é identificado como território masculino(88 Muniz CR, Leugi GB, Alves AM. Mulheres no sistema prisional: Por que e como compreender suas histórias? RP3-Rev Pesqui Pol Públicas[Internet]. 2017[cited 2018 Aug 15];(2):1-22. Available from: http://periodicos.unb.br/index.php/rp3/article/view/26945/20238
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,1010 Souza LAF. As contradições do confinamento no Brasil uma breve revisão da bibliografia sobre encarceramento de mulheres. Soc Debate[Internet]. 2016[cited 2018 Dec 11];22(2):127-156. Available from: http://www.rle.ucpel.tche.br/index.php/rsd/article/view/1448/949
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).

Conhecer a realidade das prisões, ou mesmo nos aproximarmos das histórias de quem cumpre pena de privação de liberdade, pode causar impacto por ser realidade repelida, distante e temida pela sociedade. Causa maior impacto quando são histórias que têm a mulher como agente de violência capaz de cometer crimes, o que contradiz a representação da mulher fraca e sensível. Diante desse contexto, questionamos: qual a representação social de prisão, violência e suas consequências para as mulheres aprisionadas?

OBJETIVO

Compreender as representações sociais que mulheres privadas de liberdade têm sobre prisão, violência e suas consequências.

MÉTODO

Aspectos éticos

A pesquisa atendeu às normas da instituição e à Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. Em cumprimento às normas éticas, os participantes foram orientados quanto aos objetivos e finalidades da pesquisa, e sobre o respeito ao sigilo de sua identificação. Os que concordaram em participar do estudo assinaram, em duas vias, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Referencial teórico-metodológico

Com o intuito de problematizar a situação das mulheres privadas de liberdade, especialmente em relação às consequências percebidas da prisão sobre suas vidas, partimos de uma contextualização que mostra como elas estão expostas a uma série de fatores que tanto as vitimizam quanto as fazem se sentirem partícipes ou cúmplices de atos violentos. Assim, ao considerarmos a dimensão complexa e multifatorial da violência, o que incluí seus determinantes sociais, culturais e históricos, lançamos mão da Teoria das Representações Sociais(1111 Moscovici, S. Representações sociais: investigação em psicologia social. 9ª ed. Petrópolis (RJ): Vozes; 2012.) para alicerçar as interpretações teóricas para a compreensão dos significados socialmente construídos acerca da natureza do aprisionamento. Com isso, intencionamos resgatar a construção do pensamento de um grupo de mulheres aprisionadas, suas crenças, valores, opiniões e conhecimentos. A utilização das representações sociais para compreender as consequências da vida na prisão se justifica na asserção de que é impossível entender essa experiência vivida sem questionar como são os sentidos, os valores e as crenças que se organizam e ocupam a vida social, os quais são o teor das representações sociais(1212 Porto MSG. A violência, entre práticas e representações sociais: uma trajetória de pesquisa. Soc Estado[Internet]. 2015[cited 2018 Aug 16];30(1):19-37. http://www.scielo.br/pdf/se/v30n1/0102-6992-se-30-01-00019.pdf
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). As representações sociais permitem, portanto, apreender os sentidos que as mulheres privadas de liberdade conferem aos seus saberes e suas práticas, sem deixar em plano secundário o contexto prisional. Essas representações consideram tanto o aspecto subjetivo (sentido atribuído) quanto a dimensão objetiva (contexto) como componentes básicos dessa forma de relação social. É possível presumir que a interação das representações sociais da vida na prisão, dos contextos de privação e da violência que os permeia contribuem para o entendimento das consequências percebidas pela mulher aprisionada. Isso acaba interferindo no quanto o cumprimento da pena produz efeitos positivos ou negativos na vida futura da detenta. Logo, as representações sociais, ao possibilitarem captar as relações existentes entre os aspectos objetivo e subjetivo do aprisionamento, colaboram com a definição de alguém como “prisioneira” (condição atual) e futura ex-prisioneira em processo de reinserção social(1212 Porto MSG. A violência, entre práticas e representações sociais: uma trajetória de pesquisa. Soc Estado[Internet]. 2015[cited 2018 Aug 16];30(1):19-37. http://www.scielo.br/pdf/se/v30n1/0102-6992-se-30-01-00019.pdf
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).

Tipo de estudo

Trata-se de um estudo qualitativo exploratório-descritivo(1313 Minayo MCS. Introdução à metodologia das ciências sociais. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14ª ed. São Paulo (SP): Hucitec; 2014.), com a finalidade de recuperar as experiências vivenciadas por mulheres em situação de aprisionamento.

Procedimentos metodológicos

Cenário do estudo

O estudo foi desenvolvido na Penitenciária Feminina de Ribeirão Preto, SP, Brasil.

Fonte de dados

Participaram do estudo 15 mulheres privadas de liberdade. A seleção das participantes foi aleatória. Para tanto, a partir da lista oficial (ordem alfabética) de 310 detentas, fornecida pela penitenciária, foi utilizado o critério da progressão aritmética de razão 20, contando a partir do primeiro nome desta lista. O recrutamento das participantes foi feito previamente por uma profissional da penitenciária que as informou que pesquisadores da Universidade de São Paulo gostariam de ouvi-las sobre suas experiências de aprisionamento. Na seleção, quando alguma das selecionadas não aceitou participar do estudo, foram selecionadas as mulheres em posição imediatamente posterior ou anterior da lista, respectivamente. A definição desta amostra intencional foi fundamentada, portanto, na técnica do fechamento por saturação teórica(1414 Fontanella BJB, Luchesi BM, Saidel MGB, Ricas J, Turato ER, Melo DG. Amostragem em pesquisas qualitativas: proposta de procedimentos para constatar saturação teórica. Cad Saúde Pública[Internet]. 2011 [cited 2018 Dec 11]; 27(2):389-94. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csp/v27n2/20.pdf
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), ou seja, a inclusão de novos participantes foi suspensa quando os dados obtidos mostraram-se redundantes ou repetitivos e não acrescentavam informações relevantes para a compreensão do fenômeno em estudo.

Coleta e organização dos dados

Para a coleta de dados, utilizou-se uma entrevista semiestruturada(1313 Minayo MCS. Introdução à metodologia das ciências sociais. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14ª ed. São Paulo (SP): Hucitec; 2014.), previamente elaborada pelos pesquisadores e submetida à apreciação de três juízes especialistas na temática da violência e no método de Representações Sociais. As questões continham dados sobre a percepção e consequências do aprisionamento na vida das participantes. As mulheres foram entrevistadas por uma enfermeira com experiência na temática violência, nível de doutorado, e por um aluno de graduação, treinados para a coleta de dados qualitativos. As entrevistas foram gravadas em áudio e realizadas em sala reservada aos sábados e em horários agendados previamente, conforme disponibilidade dos pesquisadores e da instituição. O tempo de aplicação de cada entrevista variou de 20 a 45 minutos. Após cada entrevista, foi feito um diário de campo pelos entrevistadores, constando sua percepção sobre as entrevistadas (gestos, atitudes e inflexões de voz).

Análise dos dados

Os autores deste estudo foram previamente capacitados nos métodos de análise nas reuniões do grupo de estudos sobre violência, coordenado pela pesquisadora principal. Os dados foram submetidos à análise de conteúdo temática(1313 Minayo MCS. Introdução à metodologia das ciências sociais. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14ª ed. São Paulo (SP): Hucitec; 2014.). As entrevistas foram transcritas literalmente e na íntegra, com posteriores leitura e releituras atentivas e exaustivas das falas para selecionar e agrupar as unidades de significação, definindo-as em categorias conceituais segundo reagrupamento analógico. O agrupamento dos dados em categorias foi realizado por dois pesquisadores que discutiram posteriormente as divergências encontradas, dirimindo-as a partir de um consenso. Posteriormente, um terceiro pesquisador também checou o agrupamento dos resultados a fim de identificar a exclusividade mútua das categorias geradas. Os resultados foram discutidos no grupo de estudos sobre violência e, por fim, foi realizada articulação do material empírico com a literatura e interpretação segundo o referencial teórico-metodológico das Representações Sociais(1111 Moscovici, S. Representações sociais: investigação em psicologia social. 9ª ed. Petrópolis (RJ): Vozes; 2012.-1212 Porto MSG. A violência, entre práticas e representações sociais: uma trajetória de pesquisa. Soc Estado[Internet]. 2015[cited 2018 Aug 16];30(1):19-37. http://www.scielo.br/pdf/se/v30n1/0102-6992-se-30-01-00019.pdf
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).

Para garantia do sigilo em relação à identidade das participantes, foi atribuída a cada uma a sequência alfabética A, B, C, D, ... até a letra P, conforme as entrevistas transcorriam.

A partir das falas extraídas das entrevistas, foram identificadas duas categorias, que se configuraram como os temas centrais da análise: “Enclausuradas e abandonadas no ambiente prisional: a gente aqui dentro mais morre do que vive” e “Aprisionadas em um ciclo de desigualdade social: violenta é toda a sociedade”. Essas categorias foram descritas e exemplificadas por meio dos trechos extraídos dos discursos das mulheres entrevistadas.

RESULTADOS

A faixa etária das mulheres que constituíram a amostra deste estudo variou de 21 a 74 anos, com média de 32 anos; 10 se declararam solteiras e 5 casadas ou amasiadas; 13 eram naturais do estado de São Paulo; 11 católicas e 4 evangélicas pentecostais; e frequentaram escola em média por 6,5 anos. Desempenhavam atividades laborais de baixa qualificação e remuneração (afazeres domésticos, vendedoras, auxiliar de enfermagem, manicure, comerciante, lavradora). Moravam com a família até sua reclusão, com renda familiar média de mil reais.

Enclausuradas e abandonadas no ambiente prisional: a gente aqui dentro mais morre do que vive

Ao perfilharem suas representações sociais, as mulheres mostraram suas dificuldades de serem reconhecidas como seres humanos dotadas de sentimentos e que experimentam alegrias e sofrimentos. Na constelação de relações que estabelecem com outras pessoas, como quem compartilha o ambiente prisional, percebem-se tratadas como marginais - seres abjetos ou escória social. Opondo-se a essa identidade deteriorada que lhes é atribuída pelo senso comum, reivindicam o direito de serem tratadas com respeito e dignidade, e de terem uma segunda chance de ser reinseridas na sociedade.

Acho que a sociedade aí fora tinha que ver que não é porque a gente está aqui dentro que não tem direito de sair, de se ressocializar na sociedade. Mostrar que a vida não é só esse mundo aqui do crime. Não é só por que estamos aqui dentro que somos marginais. (A)

As presas sofrem também. Somos todas iguais, o mesmo sofrimento. As presas deveriam pensar assim. Mas elas querem ser melhor do que a outra. Difícil viver aqui. (F)

Teve um episódio que aconteceu com uma presa, em que o oficial falou assim: “ah, não quero nem saber, vocês são um lixo”. A gente pode ser lixo pra sociedade, porque na realidade nós somos, entendeu? Mas só que nós somos seres humanos, também. E até lixo é reciclável, né? Acho que a gente merece pelo menos sermos tratada dignamente como ser humano. (J)

O ambiente prisional coloca em contato íntimo pessoas das mais variadas origens e personalidades, o que muitas vezes torna a convivência difícil com as outras aprisionadas:

Você não tem espaço para dormir direito. Ter que conviver com pessoas que você não conhece, pessoas ignorantes. Você fala uma coisa, a pessoa não entende, leva pra outro lado. (G)

A gente nunca sabe quem é quem de verdade. Então, a gente acaba convivendo com pessoas e vivendo as histórias delas. (O)

Vir pra cá é castigo, não pode reclamar. Eu não falo, não saio da cela, fico quietinha para não arrumar confusão, porque eu quero ir embora logo. (H)

Se não tiver a cabeça no lugar, só vai “comendo” cadeia. Tem que ficar quieta, prestar atenção no que fala e no que faz. (P)

É frequente a família abandonar as presidiárias, as quais, por sua vez, sentem forte necessidade e desejam a manutenção dos vínculos familiares. Além de valorizarem os laços de família, queixaram não apenas da perda de contato diário com seus familiares, mas também do conforto e dos prazeres que a vida fora da prisão pode proporcionar.

Tantas perdas estando nesse lugar! Há seis meses eu perdi minha mãe e, depois de um mês, meu irmão. Tudo isso aconteceu comigo estando dentro desse lugar... foi uma lição, nunca mais vou esquecer este lugar, das coisas que eu vivo, que eu vejo... Tudo o que eu vou fazer lá fora, vou lembrar no que comer, vestir, tudo isto tem valor depois que a gente cai aqui dentro. Só quem passa por aqui sabe o que é este lugar. (C)

Eu não tenho visita, não recebo uma carta, não vou embora, eu não tenho nada. Nem sentimento eu tenho mais nesse lugar. Não tenho visita, não recebo carta, não tenho um sedex, não tenho nada. (E)

Eu errei por vender drogas... a gente tem que ficar aqui pra aprender. Eu tenho um filho de um ano lá fora, ele começou a andar e eu não vi! (L)

Minha mãe vem me ver de vez em quando, porque é difícil, vai fazer um ano que eu estou aqui e ela veio só duas vezes porque não pode vir. E o meu menino ela não pode trazer porque ela não aguenta andar. É assim que funciona a coisa aqui dentro, a gente aqui dentro mais morre do que vive. (J)

Nós pagamos e estamos pagando um preço alto, que é estar muito longe da família. Tem um ano e meio que não vejo minhas duas filhas. (A)

Aprisionadas em um ciclo de desigualdade social: violenta é toda a sociedade

As mulheres privadas de liberdade manifestam clara consciência de que sofrem com inúmeras dificuldades que lhes são impostas pela sociedade, porém não consideram isso como uma forma de violência (negligência ou abandono), mas um castigo merecido. Representam suas dificuldades de ajustamento social, em relação à reeducação e reabilitação, como fruto da falta de interesse, conhecimento, capacidade e responsabilidade das pessoas em geral. Essas desigualdades sociais geram, por sua vez, obstáculos de acesso à educação formal de qualidade e oportunidades de melhores empregos. Entendem que são esses fatores, sintetizados na expressão “foi por falta de opção”, que as levaram a se envolver em atividades ilícitas e, consequentemente, ao aprisionamento.

Acho que não é forma de violência, mas sim falta de dar serviço pra gente. É falta de oportunidade, de opção de emprego. Já chegou época de eu ficar desempregada, aí eu fazia faxina. Cheguei a ir pro sinal pedir, com meus filhos do lado... foi por falta de opção. Tem que ter mais emprego, mais oportunidade pra gente fazer mais alguma coisa. (N).

Acho que é falta de conhecimento e de interesse da pessoa, dos pais também. É uma responsabilidade das pessoas adultas. (H)

Violenta é toda a sociedade, porque a gente tem a educação lá fora, mas muitas das pessoas que não têm o privilégio de ter essa educação acabam indo para outro tipo de rumo. É onde gera a violência e os prejuízos para a sociedade. (M)

Uma das representações mais impregnantes acerca das motivações para romper com a lei e ingressar no mundo do crime foi uma questão de fundo moral: o crime foi praticado por necessidade.

Eu sei que eu errei. Só que não queria ver meu filho de um ano passando fome, nem minha mãe. Porque o serviço doméstico não dava pra eu sustentar assim: aluguel de casa, alimento, então não tinha como. Aí foi quando eu mexi com droga. (L)

u vim pra cá por que trafiquei pra conseguir dinheiro pra sustentar a minha família. Antes de vir pra cá a gente vivia com a aposentadoria da minha mãe. Aí, na revisão, foi negado. Fiquei sem saber o que fazer, e daí a única forma que achei foi traficar. Serviço não tinha como. As pessoas não te dão oportunidade, olham pra você, veem tatuagem, acham que tem cara de trombadinha, bandida, e acabam falando não. (D)

Outro motivo alegado para flertar com o mundo do crime - e que também é um argumento de caráter moral - foi a ambição:

Fui muito pela ambição. Estava gostando cada vez mais do que estava tendo e não enxerguei as consequências... estava me vendo com muito dinheiro, carro, você acaba se envolvendo de uma forma que, quando você vê, estava com mandato de prisão pra mim, nem acreditei! (H)

O envolvimento com o mercado da droga, primeiramente como usuária e, posteriormente, como agente do tráfico, está entre as representações mais proeminentes acerca das motivações que levam à conduta delituosa. Algumas mulheres, no entanto, ressaltam que sua participação no tráfico teve como objetivo principal a tentativa de assegurar sua autonomia financeira, e não tanto a tentativa de sustentar o uso pessoal da droga.

Se não fosse a violência, a droga, eu acho que não estaria aqui. Eu era usuária, estava traficando, era uma necessidade. Queria mostrar pro meu irmão que conseguia viver e cuidar dos meus filhos sem ter que pedir emprego pra ele. (L)

O tipo de representação social que aparece condensado no excerto a seguir é constituído pelo fatalismo, produzido pelo senso comum, de que a criança que não teve orientação ou supervisão parental adequada “um dia, mais tarde, vai virar marginal”:

Você é uma criança. Você tem pais pra quê? Pra educar, dar carinho para te dar uma vida. Mas se dentro de sua casa você não tem carinho, não tem o que comer, não tem educação, um dia, mais tarde, você vai virar marginal. Não tem só esse caminho, tem outros caminhos pra seguir. Conheci pessoas que moram dentro da favela, que passaram fome, que tiveram tudo perdido na vida e hoje são pessoas do bem. Mas existem pessoas que preferem procurar o caminho mais fácil. (M)

De acordo com as representações sociais elaboradas pelas detentas, o que as teria levado à reincidência na prática delituosa e, por conseguinte, à possibilidade de serem capturadas novamente pelos agentes da lei, foi a dificuldade de reinserção no mundo do trabalho, quando são libertadas da prisão.

A maioria acaba no crime por necessidade. Eu já fui presa, já saí, e já voltei. O mundo lá fora não dá oportunidade pra gente. (A)

Algumas mulheres demonstraram sentimentos de apreensão e preocupação com a atividade que conseguiriam desenvolver para garantir seu sustento quando finalmente saíssem da prisão. A par disso, nota-se que suas representações sociais são tecidas com base na percepção de falta de apoio e total indiferença, descaso e negligência do sistema prisional para com suas necessidades de readaptação à vida social quando reconquistarem a liberdade.

Você procura o pessoal do [departamento] social, que no caso é quem vai ajudar a gente a procurar um trabalho, a fazer alguma coisa quando sair daqui, e o que eles te dão? Dão uns pacotes de saquinho de lixo pra você vender por uma semana (E).

Eu mexia com boneca na época, quando eu saí de lá. Eles me deram algumas cabeças de boneca, alguns novelos de lã, e mandaram eu me virar. Ninguém me indicou um trabalho. Eu tenho experiência em bastante coisa e eles sabiam diss0. (O)

As falas sugerem que, na perspectiva de quem está aprisionada, não há qualquer compromisso do sistema prisional com a “recuperação” e “regeneração” das detentas, conforme preconizado em sua função constitucional. Os depoimentos também denunciam a inexistência de programas de reinserção social consistentes, limitando-se a ações improvisadas, sem continuidade e monitoramento nos primeiros meses após a soltura. Desse modo, após cumprirem pena, as mulheres se veem totalmente desamparadas diante do desafio de retornarem ao convívio social, onde terão de enfrentar o estigma e os preconceitos que recaem sobre as pessoas egressas do cárcere. Sem apoio para fazerem esse enfrentamento, elas se sentem desprotegidas e desamparadas, com o agravante de que precisarão encontrar alguma forma de subsistência rapidamente.

Quando saí, fui trabalhar em um supermercado. Meu patrão descobriu que eu era ex-presidiária, me deixou trabalhar os três meses de experiência e me mandou embora, porque ele não podia aceitar ex-presidiária no supermercado dele. Então é difícil sair da cadeia e ter um apoio, principalmente moral, da parte da sociedade, porque você pode até ter da família, mas se a família é pobre e não tem como te ajudar, você vai fazer o quê? Vai ficar dentro de casa? É difícil. (M)

A enorme dificuldade de (re)ingresso no trabalho pode se dar tanto pelo estigma de ex-presidiária, como pela baixa qualificação profissional. Além disso, existem os conflitos relacionados à família, que a essa altura já se reorganizou e de alguma forma se adaptou frente à ausência da mulher que foi mantida por longo tempo na prisão. A superação dos entraves encontrados no caminho do reajustamento psicossocial é uma necessidade imperiosa para garantir a prevenção de reincidência criminal. Quando os fatores desfavoráveis pesam mais na balança, perpetua-se o ciclo da violência institucional. As mulheres ficam eternas reféns, aprisionadas em um ciclo infernal de desigualdade social.

Nesse contexto, a prisão acaba se tornando um local de suplício e sofrimento, uma instituição desumanizada e desumanizadora, que despersonaliza a mulher aprisionada e impõe sua violência seja de forma explícita, seja de forma implícita e silenciosa, por meio da impressão de marcas identitárias. É um aparelho de Estado que exclui os já excluídos e que performatiza e reforça a clássica divisão de tarefas entre homens e mulheres, bem como a sexualização dos serviços. Nessa vertente, uma participante relatou as diferenças entre as formas de tratamento que homens e mulheres recebem no presídio misto.

As firmas que tem dentro da cadeia de homens dão trabalho para o preso e quando sai, eles dão o trabalho na rua, se ele quiser. Porque meu irmão trabalhou numa firma de uma cidade aqui perto. A mulher já não tem isso. Você procura uma ONG na internet sobre trabalho para ajudar o preso depois que ele sai, para ressocializar. De homem você encontra um monte, em tudo quanto é lugar, e de mulher você encontra uma, em Campinas, é a única ONG que tem. Então, é difícil. Você tenta mudar de vida, nem todo mundo te ajuda. (B)

DISCUSSÃO

Antes de ver e ouvir as pessoas são feitos julgamentos, classificações e são criadas imagens delas. No caso da mulher aprisionada, são utilizados rótulos para identificá-la, impregnados de pressupostos e preconceitos. Ela é inserida em uma única categoria: perpetradora de violência (crimes, tráfico, roubo, entre outro). A sociedade as prejulga com base em rumores ou estereótipos da mídia, e com isso denigre sua individualidade, sua singularidade.

Desta forma, ao adentrar no mundo prisional, traz-se a representação dos aprisionados como pessoas perigosas e que, por isso, devem permanecer distantes. A transformação de algo não familiar em algo familiar constitui a razão da formação das representações sociais. O familiar é o que é conhecido, o senso comum, salvo de qualquer risco, atrito ou conflito, confirmando crenças, reforçando tradição. O não familiar é o que causa conflito, é o desconhecido(1111 Moscovici, S. Representações sociais: investigação em psicologia social. 9ª ed. Petrópolis (RJ): Vozes; 2012.). Ouvindo estas mulheres, foi facilitada a familiarização com aquilo que não era familiar. Houve aproximação com suas histórias de violências perpetradas e sofridas fora e dentro da prisão. Fatos ou crenças transmitidas pelo tempo e que, nem sempre são “aquilo que é visto”, pois passam despercebidos pelo âmbito do imaginário social. Aproximou-se do saber do senso comum, socialmente construído para dar sentido à realidade da vida cotidiana do ambiente prisional.

As primeiras experiências em uma instituição carcerária causam nos apenados um verdadeiro impacto, constituem uma experiência marcada pela angústia de não saber o que fazer naquele lugar. As pessoas privadas de liberdade necessitam se adaptar a uma forma diferente de vida, o que acaba funcionando como elemento provocador de revolta, podendo ser traduzido em um fator negativo para sua futura reinserção social(55 Paixão GPN, Pereira A, Gomes NP, Campos LM, Cruz MA, Santos PF. The experience of the preventive detention due to conjugal violence: men's speech. Texto Contexto Enferm[Internet]. 2018[cited 2018 Aug 14];27(2):e3820016. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v27n2/0104-0707-tce-27-02-e3820016.pdf
http://www.scielo.br/pdf/tce/v27n2/0104-...
,88 Muniz CR, Leugi GB, Alves AM. Mulheres no sistema prisional: Por que e como compreender suas histórias? RP3-Rev Pesqui Pol Públicas[Internet]. 2017[cited 2018 Aug 15];(2):1-22. Available from: http://periodicos.unb.br/index.php/rp3/article/view/26945/20238
http://periodicos.unb.br/index.php/rp3/a...

9 Cortina MOC. Mulheres e tráfico de drogas: aprisionamento e criminologia feminista. Rev Estud Fem[Internet]. 2015[cited 2018 Jun 13];23(3):761-78. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ref/v23n3/0104-026X-ref-23-03-00761.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ref/v23n3/0104-...
-1010 Souza LAF. As contradições do confinamento no Brasil uma breve revisão da bibliografia sobre encarceramento de mulheres. Soc Debate[Internet]. 2016[cited 2018 Dec 11];22(2):127-156. Available from: http://www.rle.ucpel.tche.br/index.php/rsd/article/view/1448/949
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) .

Foi possível perceber que o estigma e a opressão acompanham também o dia a dia das mulheres privadas de liberdade. Uma vez presas, as mulheres podem sofrer uma série de punições, desde permanecer em locais inadequados, até serem submetidas a tratamentos que não são condizentes às suas necessidades. Quando a pessoa entra na prisão, perde de forma abrupta sua identidade e humanidade. É tolhido de seu referencial pessoal e excluído em uma nova categoria, a de encarcerado. Recolhem seus pertences em função de manter a segurança prisional. Deve, então, adaptar-se e ancorar o desconhecido em representações já existentes(77 Lermen HS, Gil BL, Cúnico SD, Jesus LO. Saúde no cárcere: análise das políticas sociais de saúde voltadas à população prisional brasileira. Physis[Internet]. 2015[cited 2018 Aug 14]; 25(3):905-924. Available from: http://www.scielo.br/pdf/physis/v25n3/0103-7331-physis-25-03-00905.pdf
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8 Muniz CR, Leugi GB, Alves AM. Mulheres no sistema prisional: Por que e como compreender suas histórias? RP3-Rev Pesqui Pol Públicas[Internet]. 2017[cited 2018 Aug 15];(2):1-22. Available from: http://periodicos.unb.br/index.php/rp3/article/view/26945/20238
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9 Cortina MOC. Mulheres e tráfico de drogas: aprisionamento e criminologia feminista. Rev Estud Fem[Internet]. 2015[cited 2018 Jun 13];23(3):761-78. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ref/v23n3/0104-026X-ref-23-03-00761.pdf
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10 Souza LAF. As contradições do confinamento no Brasil uma breve revisão da bibliografia sobre encarceramento de mulheres. Soc Debate[Internet]. 2016[cited 2018 Dec 11];22(2):127-156. Available from: http://www.rle.ucpel.tche.br/index.php/rsd/article/view/1448/949
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-1111 Moscovici, S. Representações sociais: investigação em psicologia social. 9ª ed. Petrópolis (RJ): Vozes; 2012.). Para as mulheres, esse processo é mais assolador, pois ela acaba perdendo vários referenciais, deixando de ser mãe, filha e feminina, comprometendo sua identidade e autonomia. São estigmatizadas pela própria família e amigos, pois ao cometerem crimes rompem não só a ordem jurídica estabelecida, mas sobretudo a moral social vigente(1010 Souza LAF. As contradições do confinamento no Brasil uma breve revisão da bibliografia sobre encarceramento de mulheres. Soc Debate[Internet]. 2016[cited 2018 Dec 11];22(2):127-156. Available from: http://www.rle.ucpel.tche.br/index.php/rsd/article/view/1448/949
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).

O distanciamento da família é um dos aspectos negativos mais presente na vida das mulheres presas(1515 Pereira EL. Famílias de mulheres presas, promoção da saúde e acesso às políticas sociais no Distrito Federal, Brasil. Cienc Saude Colet [Internet]. 2016[cited 2018 Aug 16];21(7):2123-34. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v21n7/1413-8123-csc-21-07-2123.pdf
http://www.scielo.br/pdf/csc/v21n7/1413-...
-1616 De Claire K, Dixon L. The effects of prison visits from family members on prisoners' well-being, prison rule breaking, and recidivism: a review of research since 1991. Trauma Violence Abuse[Internet]. 2017[cited 2018 Jun 13];18(2):185-99. Available from: https://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1177/1524838015603209
https://journals.sagepub.com/doi/pdf/10....
). Nas falas das mulheres podem ser notadas as percepções das condições de afastamento como um dos aspectos mais dolorosos do encarceramento.

Falta um olhar mais cuidadoso com relação às mulheres privadas de liberdade e a ampliação de ações que visem garantir melhores condições de vida dentro e fora das prisões. São necessárias estratégias de atenção à saúde integral feminina, maior inserção no mercado de trabalho, promoção de atividades educacionais, consolidação de ações da assistência social e maior envolvimento de movimentos sociais em ações nos presídios femininos(77 Lermen HS, Gil BL, Cúnico SD, Jesus LO. Saúde no cárcere: análise das políticas sociais de saúde voltadas à população prisional brasileira. Physis[Internet]. 2015[cited 2018 Aug 14]; 25(3):905-924. Available from: http://www.scielo.br/pdf/physis/v25n3/0103-7331-physis-25-03-00905.pdf
http://www.scielo.br/pdf/physis/v25n3/01...
,99 Cortina MOC. Mulheres e tráfico de drogas: aprisionamento e criminologia feminista. Rev Estud Fem[Internet]. 2015[cited 2018 Jun 13];23(3):761-78. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ref/v23n3/0104-026X-ref-23-03-00761.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ref/v23n3/0104-...
). A criação e a implementação de medidas que apoiem caminhos de socialização constitui um desafio cada vez maior. As condições necessárias para um retorno à vida em liberdade são quase inexistentes, como escassas são as políticas públicas para tratar a questão de maneira eficaz(88 Muniz CR, Leugi GB, Alves AM. Mulheres no sistema prisional: Por que e como compreender suas histórias? RP3-Rev Pesqui Pol Públicas[Internet]. 2017[cited 2018 Aug 15];(2):1-22. Available from: http://periodicos.unb.br/index.php/rp3/article/view/26945/20238
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,1515 Pereira EL. Famílias de mulheres presas, promoção da saúde e acesso às políticas sociais no Distrito Federal, Brasil. Cienc Saude Colet [Internet]. 2016[cited 2018 Aug 16];21(7):2123-34. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v21n7/1413-8123-csc-21-07-2123.pdf
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).

Resultados de pesquisa sobre a percepção dos apenados a respeito do cárcere e da privação de liberdade revelaram que os aprisionados têm dificuldade em permanecer no presídio e que sofrem antecipadamente com as perspectivas de vida fora da prisão. Sendo assim, não imaginam um futuro esperançoso, mas sim uma nova batalha pela sua sobrevivência. Acreditam que o ex-detento, mesmo cumprindo sua pena na totalidade, sofrerá estigmatização pelo resto de sua vida e dificilmente conseguirá um emprego ou uma forma lícita para manter-se(66 Soares Filho MM, Bueno PMMG. Demography, vulnerabilities and right to health to Brazilian prison population. Cien Saude Colet[Internet]. 2016[cited 2018 Aug 14]; 21(7):1999-2010. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v21n7/1413-8123-csc-21-07-1999.pdf
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). Quanto às mulheres egressas do cárcere, as que encontram maiores dificuldades são certamente aquelas com menos escolaridade e sem profissão qualificada(88 Muniz CR, Leugi GB, Alves AM. Mulheres no sistema prisional: Por que e como compreender suas histórias? RP3-Rev Pesqui Pol Públicas[Internet]. 2017[cited 2018 Aug 15];(2):1-22. Available from: http://periodicos.unb.br/index.php/rp3/article/view/26945/20238
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9 Cortina MOC. Mulheres e tráfico de drogas: aprisionamento e criminologia feminista. Rev Estud Fem[Internet]. 2015[cited 2018 Jun 13];23(3):761-78. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ref/v23n3/0104-026X-ref-23-03-00761.pdf
http://www.scielo.br/pdf/ref/v23n3/0104-...
-1010 Souza LAF. As contradições do confinamento no Brasil uma breve revisão da bibliografia sobre encarceramento de mulheres. Soc Debate[Internet]. 2016[cited 2018 Dec 11];22(2):127-156. Available from: http://www.rle.ucpel.tche.br/index.php/rsd/article/view/1448/949
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).

A instabilidade e a falta de emprego ou ocupação, mesmo que informal, junto da baixa escolaridade e da necessidade de prover o sustento da família, são fatores que influenciam os indivíduos a buscar atitudes imediatistas e criminosas(66 Soares Filho MM, Bueno PMMG. Demography, vulnerabilities and right to health to Brazilian prison population. Cien Saude Colet[Internet]. 2016[cited 2018 Aug 14]; 21(7):1999-2010. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v21n7/1413-8123-csc-21-07-1999.pdf
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,99 Cortina MOC. Mulheres e tráfico de drogas: aprisionamento e criminologia feminista. Rev Estud Fem[Internet]. 2015[cited 2018 Jun 13];23(3):761-78. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ref/v23n3/0104-026X-ref-23-03-00761.pdf
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). Em decorrência disso, os programas sociais ou de ressocialização buscam alternativas para tentar sanar as falhas e dificuldades do sistema prisional e colaborar com a reintegração dos indivíduos na sociedade, dando continuidade do trabalho de egressos do sistema prisional(66 Soares Filho MM, Bueno PMMG. Demography, vulnerabilities and right to health to Brazilian prison population. Cien Saude Colet[Internet]. 2016[cited 2018 Aug 14]; 21(7):1999-2010. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v21n7/1413-8123-csc-21-07-1999.pdf
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,99 Cortina MOC. Mulheres e tráfico de drogas: aprisionamento e criminologia feminista. Rev Estud Fem[Internet]. 2015[cited 2018 Jun 13];23(3):761-78. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ref/v23n3/0104-026X-ref-23-03-00761.pdf
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,1717 Ribeiro F. A reinserção social da ex-presidiária no mercado de trabalho. Revice: Rev Ciên Estado[Internet]. 2017[cited 2018 Jun 13];2(1):357-79. Available from: https://seer.ufmg.br/index.php/revice/article/view/6355/4822
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).

Corroborando com os achados do presente estudo, resultados de uma pesquisa destacaram que a principal angústia referente à saída da prisão foi a falta de emprego que possivelmente ocorreria devido a uma organização social falha e preconceituosa(1818 Presidência da República (BR). Secretaria de Políticas para as Mulheres. Plano Nacional de Políticas para as Mulheres 2013-2015. Brasília (DF): Secretaria de Políticas para as Mulheres[Internet]. 2013[cited 2018 Jul 07]. Available from: http://www.spm.gov.br/assuntos/pnpm/publicacoes/pnpm-2013-2015-em-22ago13.pdf.
http://www.spm.gov.br/assuntos/pnpm/publ...
). As principais dificuldades de reintegração guardavam relação com o trabalho e renda, convívio social e relacionamento familiar. Como fatores que marcam a trajetória desses sujeitos emergem as questões relacionais consigo mesmo, ou seja, conflitos pessoais, traumas, sentimento de fracasso, rejeição e abandono, causados pelas agressões, humilhações dentro ou ainda fora da prisão(1515 Pereira EL. Famílias de mulheres presas, promoção da saúde e acesso às políticas sociais no Distrito Federal, Brasil. Cienc Saude Colet [Internet]. 2016[cited 2018 Aug 16];21(7):2123-34. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v21n7/1413-8123-csc-21-07-2123.pdf
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,1818 Presidência da República (BR). Secretaria de Políticas para as Mulheres. Plano Nacional de Políticas para as Mulheres 2013-2015. Brasília (DF): Secretaria de Políticas para as Mulheres[Internet]. 2013[cited 2018 Jul 07]. Available from: http://www.spm.gov.br/assuntos/pnpm/publicacoes/pnpm-2013-2015-em-22ago13.pdf.
http://www.spm.gov.br/assuntos/pnpm/publ...
).

Os projetos com egressos do sistema prisional, portanto, têm atuação no processo de desligamento do sistema e, às vezes, na forma de cursos profissionalizantes. No entanto, para uma reinserção social satisfatória seria necessário que houvesse uma continuidade nos vínculos trabalhistas iniciados nas oficinas prisionais por período estendido, fora da prisão. Essa conduta contribuiria com a redução da reincidência criminal ao oferecer reais oportunidades a essa população(99 Cortina MOC. Mulheres e tráfico de drogas: aprisionamento e criminologia feminista. Rev Estud Fem[Internet]. 2015[cited 2018 Jun 13];23(3):761-78. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ref/v23n3/0104-026X-ref-23-03-00761.pdf
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,1717 Ribeiro F. A reinserção social da ex-presidiária no mercado de trabalho. Revice: Rev Ciên Estado[Internet]. 2017[cited 2018 Jun 13];2(1):357-79. Available from: https://seer.ufmg.br/index.php/revice/article/view/6355/4822
https://seer.ufmg.br/index.php/revice/ar...
). Os casos de reincidência criminal, apesar de menos frequentes entre as mulheres, têm origem em um mercado de trabalho escasso e em uma carência de medidas que visem o acolhimento dessas pessoas ao saírem da prisão(1717 Ribeiro F. A reinserção social da ex-presidiária no mercado de trabalho. Revice: Rev Ciên Estado[Internet]. 2017[cited 2018 Jun 13];2(1):357-79. Available from: https://seer.ufmg.br/index.php/revice/article/view/6355/4822
https://seer.ufmg.br/index.php/revice/ar...
). A falta de emprego é, portanto, uma realidade político-econômica atual, que pode configurar-se em um determinante da exclusão social para a população intra ou extramuros do sistema prisional.

Cabe lembrar que na sociedade há, ainda, uma marcada desigualdade entre homens e mulheres. As políticas de autonomia das mulheres, como princípio gerador de políticas e ações do poder público, são propostas para a sociedade reafirmadas pela 3ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres. A autonomia econômica e a igualdade entre mulheres e homens no mundo do trabalho estão fundamentadas em ações específicas que visam à eliminação da desigual divisão sexual do trabalho, com ênfase na erradicação da pobreza e na garantia de participação das mulheres no desenvolvimento do Brasil(1818 Presidência da República (BR). Secretaria de Políticas para as Mulheres. Plano Nacional de Políticas para as Mulheres 2013-2015. Brasília (DF): Secretaria de Políticas para as Mulheres[Internet]. 2013[cited 2018 Jul 07]. Available from: http://www.spm.gov.br/assuntos/pnpm/publicacoes/pnpm-2013-2015-em-22ago13.pdf.
http://www.spm.gov.br/assuntos/pnpm/publ...
). No caso das prisões e da vida após o cárcere, há evidentes diferenças relacionadas ao gênero(1010 Souza LAF. As contradições do confinamento no Brasil uma breve revisão da bibliografia sobre encarceramento de mulheres. Soc Debate[Internet]. 2016[cited 2018 Dec 11];22(2):127-156. Available from: http://www.rle.ucpel.tche.br/index.php/rsd/article/view/1448/949
http://www.rle.ucpel.tche.br/index.php/r...
).

Embora a prisão tenha a função de ressocializar, pode acabar por marginalizar e piorar a vida daqueles que ali se encontram(1818 Presidência da República (BR). Secretaria de Políticas para as Mulheres. Plano Nacional de Políticas para as Mulheres 2013-2015. Brasília (DF): Secretaria de Políticas para as Mulheres[Internet]. 2013[cited 2018 Jul 07]. Available from: http://www.spm.gov.br/assuntos/pnpm/publicacoes/pnpm-2013-2015-em-22ago13.pdf.
http://www.spm.gov.br/assuntos/pnpm/publ...
). Isto constitui um dos elementos que podemos chamar de “ciclo de desigualdade social”. Este tem início na motivação (por exemplo, a falta de capacitação e oportunidade de trabalho) da prática de um delito que culminou no encarceramento. Na sequência, a saída do cárcere e expectativa de reinserção na sociedade, quando não atendida, pode levar à nova exclusão e, para sobreviver, novo envolvimento em delito (reincidência) e nova reclusão prisional. E, assim, o ciclo tende a se repetir.

Outra questão importante descrita em estudos com mulheres privadas de liberdade refere-se ao tratamento do abuso ou dependência de substâncias. O investimento na oferta de tratamentos durante a prisão e após sua saída pode contribuir para evitar que essas mulheres recaiam e sigam tratamentos posteriores. Nesses tratamentos, torna-se de crucial importância enfocar o histórico de vitimização das participantes, uma vez que elas têm frequentemente sido vítimas de maus tratos físicos, psicológicos e sexuais, o que corrobora com seu envolvimento em atividades criminais, além de colocá-las em vulnerabilidade para revitimização. Criar fontes de trabalho e casas de recuperação que continuem o programa de tratamento para evitar recaídas pode ajudar a defender os direitos humanos deste grupo de mulheres e alcançar a justiça social(1919 Baltieri DA. Predictors of drug use in prison among women convicted of violent crimes. Crim Behav Ment Health[Internet]. 2014[cited 2018 Jun 13];24(2):113-28. Available from: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1002/cbm.1883
https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf...
-2020 Mejía B, Zea P, Romero M, Saldívar G. Traumatic experiences and re-victimization of female inmates undergoing treatment for substance abuse. Subst Abuse Treat Prev Policy[Internet]. 2015[cited 2018 Jul 07];10(5):1-8. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4429492/pdf/13011_2014_Article_327.pdf
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
).

Limitações do Estudo

Esta pesquisa tem significativa importância, quanto às temática e participantes, no que diz respeito ao contexto de sua produção. É possível apontar como limitação deste estudo o fato de ter utilizado apenas uma técnica de coleta de dados. A especificidade da penitenciária, a disponibilidade de acesso às mulheres privadas de liberdade para realizar ou aplicar outros métodos e técnicas de coleta de dados, permitindo uma triangulação de dados, se configuraram como limite que poderá ser superado em outros estudos prospectivos. Contudo, a profundidade, a abrangência e a diversidade dos dados encontrados, por meio da oportunidade de dar voz e ouvir as mulheres em entrevistas, ademais, o uso das representações sociais que fundamentaram as indagações do presente estudo, acabaram por diminuir as consequências deste limite na pesquisa. Outro limite refere-se ao fato de ter sido realizado em instituição penal brasileira, o que não permite generalizações quanto ao tema abordado em outras regiões.

Contribuições para a Área da Enfermagem, Saúde ou Política Pública

O saber possibilitado neste estudo contribui como base para o entendimento da realidade de mulheres quanto aos aspectos relacionados à sua vivência no cárcere e consequências em suas vidas após saírem do regime prisional, na medida em que lhes foi oferecida a oportunidade de falarem, de manifestarem suas preocupações e sentimentos.

Os resultados encontrados ampliam a compreensão sobre os problemas que estas pessoas enfrentam, apontando para uma necessária articulação da atenção à saúde e integralidade do cuidado na perspectiva intersetorial e interdisciplinar, para uma maior resolutividade das necessidades desta população. Somado ao conhecimento de referências existentes no âmbito jurídico, policial, social, psicológico, de redes de apoio informal e de Organizações Não Governamentais, configura-se uma fonte de informações para implementar estratégias de cuidados adequados e ampliados para pessoas que estão nesta situação de vulnerabilidade.

Os serviços da área de saúde podem, ainda, utilizar os achados deste estudo em processos formativos e de treinamento a fim de contrariar a tendência à exclusão e estigmatização das pessoas privadas de liberdade, tanto enquanto institucionalizada quanto após sua saída do sistema, tornando, muitas vezes, os serviços inacessíveis para essa população.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A prisão, entendida como a representação de um local de reprodução da exclusão social, abriga não somente uma multiplicidade de atos violentos, mas pessoas com diferentes histórias de vida e de conflitos. Essa situação fomenta questionamentos acerca da perspectiva de qualidade de vida e de relacionamentos interpessoais de mulheres aprisionadas, e do que fazer para melhorá-las.

As representações sociais das detentas sugerem que elas se percebem duplamente “aprisionadas”, seja do ponto de vista objetivo, como indivíduo privado de liberdade; ou subjetivo, como cidadãs que têm seus direitos desrespeitados e suas possibilidades de reabilitação limitadas pelo sistema prisional. Assim, as mulheres ao ingressarem na instituição carcerária, percebem que não ficarão apenas privadas de sua liberdade, mas também de dirigir suas próprias vidas. Devem, então, adaptar-se e ancorar o desconhecido em representações já existentes. Essas crenças e valores que norteiam suas condutas constituem-se em representações ancoradas em explicações psicológicas e interações microssociais, que ocorrem também no plano das relações familiares.

A forma como essas mulheres vivem a violência em seus lares e em seu contexto social pode gerar a naturalização e a adoção de atitudes violentas em seus relacionamentos. Elas adquirem a violência como conduta e como valor de vida, sem questionar e, consequentemente, reproduzem-na em outros espaços.

No lugar de oferecer espaços saudáveis e programas profissionalizantes para propiciar a recuperação, aproximação familiar e reinserção social das mulheres, acabam sendo repetidas, dentro dos presídios, as práticas de dominação/submissão, discriminação e violência de gênero que são evidenciáveis na sociedade.

É necessário refletir sobre o trabalho em saúde (incluindo a Enfermagem) junto à população de mulheres privadas de liberdade, bem como sobre o planejamento e implementação de políticas públicas, uma vez que a realidade desta população é influenciada por contextos socioculturais. Tais políticas devem contribuir com a redução das desigualdades e o estabelecimento de uma atenção universal, integral e equitativa conforme preconizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Em síntese, este estudo contribui para o avanço do conhecimento e indica a necessidade de instituir um processo de avaliação continuada dos serviços ofertados e a realização de novas pesquisas com populações de instituições prisionais, dentre as quais as que busquem estabelecer estratégias para a reinserção dessas mulheres na sociedade e a quebra de paradigmas relacionados a elas. Além disso, no intuito de complementar, sugerem-se estudos que tenham também profissionais e familiares (ou visitantes) como sujeitos.

  • FOMENTO
    O presente estudo recebeu fomento da Fundação de Amparo à pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP (Projeto Regular 2007/07052-5).

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Hugo Fernandes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    09 Out 2018
  • Aceito
    15 Mar 2019
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