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Tecendo a Rede de Atenção Psicossocial Oeste do município de São Paulo

RESUMO

Objetivo:

compreender como profissionais de serviços de saúde envolvidos no cuidado dos usuários em sofrimento psíquico percebem a organização da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) da região Oeste do Município de São Paulo.

Método:

abordagem qualitativa realizada com 123 profissionais de nível superior que atuam nos pontos de atenção da rede. Realizou-se entrevista semiestruturada e os dados foram submetidos ao programa Alceste com aplicação de análise lexical.

Resultados:

A rede está em processo de alinhamento com a política de saúde mental e estratégia de reabilitação psicossocial. No entanto, há fragilidades no processo de trabalho das equipes relacionadas ao déficit de recursos humanos, estruturais, de comunicação, e à apropriação limitada sobre suas diretrizes.

Considerações finais:

Compreendeu-se que há intensidade de esforços dos trabalhadores para tecer a rede e que é necessário superar barreiras para fomentar ações exitosas no cuidado em saúde mental no território.

Descritores:
Assistência à Saúde Mental; Serviços de Saúde Mental; Assistência Integral à Saúde; Saúde Mental; Política de Saúde

ABSTRACT

Objective:

to understand how health service professionals involved in the care of users in psychic distress perceive the organization of the Psychosocial Care Network (RAPS - Rede de Atenção Psicossocial) in the western region of the city of São Paulo.

Method:

qualitative approach study conducted with 123 professionals with higher education who work in the care points of the network. A semi-structured interview was performed and data were submitted to the Alceste program for lexical analysis.

Results:

the network is in process of alignment with the mental health policy and the psychosocial rehabilitation strategy. However, the weaknesses in the work process of teams are related to deficits in human resources, structure, and communication, and to the limited appropriation of their guidelines.

Final considerations:

there are intense efforts of workers to weave the network, and barriers need to be overcome to support successful actions in mental health care in the territory.

Descriptors:
Mental Health Care; Mental Health Services; Integral Health Care; Mental Health; Health Policy

RESUMEN

Objetivo:

comprender como profesionales de servicios de salud involucrados en el cuidado de los usuarios en angustia psicológica perciben la organización de la Red de Atención Psicosocial (RAPS) de la región oeste del Municipio de São Paulo.

Método:

investigación de enfoque cualitativo realizada con 123 profesionales de nivel superior que actúan en los puntos de atención de la red. Se realizó una entrevista semiestructurada y los datos fueron sometidos al programa Alceste con aplicación de análisis léxico.

Resultados:

la red está en proceso de alineación con la política de salud mental y la estrategia de rehabilitación psicosocial. Sin embargo, hay fragilidades en el proceso de trabajo de los equipos, relacionados con el déficit de recursos humanos, estructural, de comunicación, y la apropiación limitada sobre sus directrices.

Consideraciones finales:

hay intensidad de esfuerzos de los trabajadores para tejer la red y es necesario superar barreras para fomentar acciones exitosas en el cuidado en salud mental en el territorio.

Descriptores:
Asistencia a la Salud Mental; Servicios de Salud Mental; Asistencia Integral a la Salud; Salud Mental; Política de Salud

INTRODUÇÃO

Na década de 80, a Reforma Sanitária desencadeou efeitos fundamentais e concretos na política de saúde brasileira, principalmente com a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), que produziu instrumentais para o campo da saúde mental e reforma psiquiátrica(11 Pereira EC, Abílio CR. Problematizando a Reforma Psiquiátrica na atualidade: a saúde mental como campo da práxis. Saúde Soc[Internet]. 2012 [cited 2016 Oct 11];21(4):1035-43. Available from: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v21n4/v21n4a20.pdf
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). Por sua vez, a reforma desencadeou discussões acerca do desrespeito aos direitos humanos, segregação dos usuários com transtornos mentais e provocou um processo social contra a violência institucional e a mercantilização da loucura. Nesse entendimento, a Política Nacional de Saúde Mental (PNSM), com a Lei nº 10.216/2001(22 Brasil. Lei 10.216, de 06 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental [Internet]. 2001 [cited 2016 Oct 11]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10216.htm
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), caminha na perspectiva de um modelo de atenção utilizando-se dos recursos que a comunidade oferece.

A Rede de Atenção à Saúde (RAS) foi instituída pelo Decreto 7.508/11, que é regulamentado pela Lei 8.080/1990, que dispõe sobre a organização do SUS no país(33 Brasil. Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011. Regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências [Internet]. 2011 [cited 2015 Aug 17] Diário Oficial da União. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/D7508.htm
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). As RAS propõem descentralizar o modelo hierárquico de cuidado inflexível, desarticulado e focado nas necessidades do sistema. Sua premissa é enfrentar vulnerabilidades, agravos ou doenças que acometam as populações, a fim de garantir direitos à saúde e diminuir desigualdades(44 Brasil. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. A Atenção Primária e as Redes de Atenção à Saúde / Conselho Nacional de Secretários de Saúde[Internet]. Brasília: CONASS; 2015 [cited 2016 Jan 03]. Available from: http://www.conass.org.br/biblioteca/pdf/A-Atencao-Primaria-e-as-Redes-de-Atencao-a-Saude.pdf
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). São organizações poliárquicas de serviços importantes, que devem se relacionar de forma horizontal, cooperativa e interdependente(55 Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Brasília, Organização Pan-Americana da Saúde, 2011. p. 82.).

A RAS é composta por redes temáticas, dentre as quais a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que será abordada neste estudo. A RAPS foi instituída e regulamentada pela Portaria Ministerial 3.088/2011, pautada no imperativo de oferecer cuidado aos usuários com sofrimento ou transtorno mental e necessidades decorrentes do uso do crack, álcool e outras drogas. Deve ser ampla, diversificada, integrada, articulada e efetiva nos diferentes pontos de atenção, visando o resgate da cidadania e o processo de inclusão social(66 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº. 3088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde [Internet]. 2011[cited 2016 Oct 17]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10216.htm
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).

Convergindo com a PNSM, a RAPS caminha na perspectiva de um modelo de atenção à saúde mental comunitário com os seguintes componentes: atenção básica em saúde; atenção psicossocial estratégica; atenção de urgência e emergência; atenção residencial de caráter transitório; atenção hospitalar; e as estratégias de institucionalização e reabilitação psicossocial (RP). A RAPS existe na perspectiva de reorganização da assistência e está ancorada no respeito aos direitos humanos de forma a garantir autonomia e liberdade dos usuários, livre circulação no território, acesso universal e qualidade dos serviços por meio da oferta do cuidado integral, humanizado e centrado nas demandas, levando-se em conta os determinantes sociais de saúde. Para êxito nesta política pública, a articulação intersetorial, o uso dos recursos da comunidade e apropriação dos espaços do território são fundamentais.

O cuidado em saúde mental enfrenta barreiras que comprometem sua solidificação, como a instável articulação entre os equipamentos de saúde e sociais, a concretização da RP nas práticas dos serviços e dos profissionais, as dificuldades de alguns serviços em atender as demandas de saúde mental, a inserção da saúde mental na Atenção Primária à Saúde (APS) e o distanciamento de atividades inclusivas. Portanto, atentar-se ao funcionamento da RAPS possibilita entender suas potencialidades e fragilidades na perspectiva da PNSM. Adicionalmente, produções científicas sobre a dimensão da implantação da RAPS em diferentes regiões são fundamentais para acompanhar sua materialização. Espera-se que esse estudo orienteações que qualifiquem o cuidado em saúde mental, subsidiem a avaliação de dinâmica da RAPS e fomentem a discussão sobre uma política em ascensão. O objetivo deste estudo é compreender como profissionais de serviços de saúde envolvidos no cuidado a usuários em sofrimento psíquico percebem a organização da RAPS Oeste de São Paulo.

MÉTODO

Aspectos éticos

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo e pelo CEP da Secretaria de Saúde do Município de São Paulo, conforme Resolução CNS/MS 446/12.

Tipo de estudo

Pesquisa de campo de natureza qualitativa e descritiva, com dados empíricos trabalhados à luz da categoria analítica da PNSM(22 Brasil. Lei 10.216, de 06 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental [Internet]. 2001 [cited 2016 Oct 11]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10216.htm
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). Teve como pressuposto que os pontos de atenção da RAPS Oeste do Município de São Paulo ofertam cuidado em saúde mental de forma interdependente e articulada.

Procedimentos metodológicos

Cenário do estudo

Elencaram-se para o estudo todos os vinte sete serviços da RAPS das regiões de saúde Lapa, Perdizes, Leopoldina e Pinheiros pertencentes à Supervisão Técnica de Saúde Lapa-Pinheiros, da Coordenadoria Regional de Saúde Oeste do Município de São Paulo designado pela coordenadoria em 2015. Aceitaram participar 23 pontos: 5 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) adulto, álcool e drogas, infantil, 10 Unidades Básicas de Saúde (UBS), 2 equipes de Núcleos de Atenção à Saúde da Família (NASF), 2 de Consultório na Rua (CR), 2 Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), 1 Centro de Convivência e Cooperativa (CECCO) e 1 Pronto Socorro - Setor de Emergência Psiquiátrica (PS). Não participaram do estudo 4 UBS, 1 CAPS álcool e drogas, 1 NASF e 1 SRT. Os quatro serviços que não aceitaram participar da pesquisa alegaram não terem interesse, sendo 1 CAPS álcool e drogas e três UBS.

Fonte de dados

Os critérios de inclusão foram: profissionais de nível superior da saúde atuantes na prática clínica/gestão e que aceitassem o convite. No Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde(88 Araújo FP, Ferreira MA. Social representations about humanization of care: ethical and moral implications. Rev Bras Enferm [Internet]. 2011 [cited 2016 Jan 03];64(2):287-93. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v64n2/a11v64n2
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) estavam listados 263 profissionais, dos quais 123 participaram do estudo. Este total atendeu ao quantitativo amostral recomendado, e os profissionais estão identificados por números, categoria profissional e ponto de atenção em que atuam.

Coleta e organização dos dados

Teve início após apresentação do estudo em todos os serviços e foi conduzida entre setembro de 2015 e julho de 2016. Todos os participantes assinaram o termo de consentimento. A produção dos dados empíricos foi conduzida com entrevistas semiestruturadas(77 Brasil. Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde Brasil: Ministério da Saúde[Internet]. 2008 [cited 2016 Aug 30]. Available from: http://cnes.datasus.gov.br/
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) gravadas e duração média de 45 minutos. As questões do roteiro foram: Como esse serviço se organiza e se articula com os demais serviços do território para atender às necessidades do usuário de saúde mental? Como você percebe a implantação e a dinâmica da RAPS nesse território? Qual sua percepção sobre a RAPS? Que fatores você considera facilitadores para articular a RAPS? Comente sobre o cuidado em saúde mental sob a lógica da RP. Relate alguma situação de sua prática que demonstre os pontos fortes, e as fragilidades da RAPS. Comente os desafios para ampliar o trabalho/assistência na RAPS nesse território.

Análise dos dados

Realizada por meio do programa de computador Analyse Lexicale par Contexte d`un Ensemble de Segments de Texte (ALCESTE) versão 2010. Este programa foi desenvolvido com o propósito de obter uma classificação estatística de enunciados simples por meio do teste de qui-quadrado (Khi22 Brasil. Lei 10.216, de 06 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental [Internet]. 2001 [cited 2016 Oct 11]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10216.htm
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), com as leis de distribuição do vocabulário utilizadas como base de cálculos para a análise léxica das palavras de um conjunto de textos, independente da origem de sua produção(88 Araújo FP, Ferreira MA. Social representations about humanization of care: ethical and moral implications. Rev Bras Enferm [Internet]. 2011 [cited 2016 Jan 03];64(2):287-93. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v64n2/a11v64n2
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). O ALCESTE é considerado técnica ou metodologia de análise, e adaptável a diversos domínios de investigação(99 Saraiva ERA, Coutinho MPL, Miranda RS. O emprego do software Alceste e o desvendar do mundo lexical em pesquisa documental. In Coutinho MPL, Saraiva RA, (orgs). Métodos de pesquisa em psicologia social: perspectivas qualitativas e quantitativas. João Pessoa: UFPB/ Ed. Universitária; 2011. p. 67-94.).

Cada entrevista foi definida como uma Unidade de Contexto Inicial (UCI) a partir da qual o programa efetuou o fragmento. Etapa A - o programa reconhece as UCIs separando-as em partes de texto de tamanhos iguais, chamadas Unidades de Contexto Elementar (UCEs), segmentos de textos constituídos de enunciados linguísticos. Então, as ocorrências das palavras são agrupadas conforme suas raízes, e são calculadas as frequências destas formas reduzidas. Etapa B – são calculadas as matrizes de dados e as UCEs são classificadas. O conjunto das UCEs é dividido em função da frequência de similaridade das palavras. O programa aplica o método de classificação hierárquica descendente e gera a classificação definitiva. Etapa C - obtém-se o dendograma da Classificação Hierárquica Descendente (CHD), que indica as relações entre as classes e fornece elementos que permitem a descrição de cada uma das classes pelo vocabulário léxico e pelas variáveis consideradas nas linhas de comando. Etapa D – é realizada a seleção das UCEs mais recorrentes de cada classe e o vocabulário mais significativo das classes é contextualizado(88 Araújo FP, Ferreira MA. Social representations about humanization of care: ethical and moral implications. Rev Bras Enferm [Internet]. 2011 [cited 2016 Jan 03];64(2):287-93. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v64n2/a11v64n2
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-99 Saraiva ERA, Coutinho MPL, Miranda RS. O emprego do software Alceste e o desvendar do mundo lexical em pesquisa documental. In Coutinho MPL, Saraiva RA, (orgs). Métodos de pesquisa em psicologia social: perspectivas qualitativas e quantitativas. João Pessoa: UFPB/ Ed. Universitária; 2011. p. 67-94.).

RESULTADOS

Amostra de 123 profissionais, composta em sua maioria por mulheres, 97 (78,9%) e 26 indivíduos (21,1%) do sexo masculino. As idades variaram entre 27 e 66 anos, com 37,4% entre 27 e 40 anos e 62,6% superior a 40 anos. Cinquenta e oito participantes casados (47,2%), 38 solteiros (30,9%), 21 separados (17,1%), 5 em união estável (4,1%) e 1 viúvo (0,8%). Amostra heterogênea em relação ao tempo de formação, tempo de trabalho em saúde mental e tempo nos pontos da rede, com predomínio de profissionais de UBS e CAPS. Dentre estes, 28 enfermeiros (22,8%), 30 psicólogos (24,4%), 25 médicos (20,3%), 13 terapeutas ocupacionais (10,6%), 12 assistentes sociais (9,8%), 5 fisioterapeutas (4,1), e 10 classificados em outros (8,1% - dentistas, farmacêuticos, nutricionistas e fonoaudiólogos). Cinquenta e cinco profissionais atuavam em UBS (55,5%), 43 em CAPS (24,5%), 6 em CECCO (4,9%), 8 em PS (6,5%), 4 em NASF (3,2%), 5 em CR (4%) e 2 em SRT (1,6%).

Dos participantes do estudo, 61 (50,4%) são graduados há mais de 20 anos, 22 (18,2%) entre 10 e 20 anos, e 25 entre 5 e 10 anos (20,7%). Quanto à formação complementar, 96 (86,5%) têm título de especialização. Quarenta e um profissionais (36,3%) atuam na área da saúde mental de 1 a 10 anos, 23 (20,4%) atuam de 10 a 20 anos, e 38 (33,6%) há mais de 20 anos. Quanto ao tempo de trabalho atual, 29 profissionais (23,6%) atuam há menos de um ano, 34 (27,6%) de 10 a 20 anos, e 8 (6,5%)há mais de 20 anos. A carga horária de trabalho mais prevalente é de 40 horas semanais, representada por 53 profissionais (43,4%). Cento e seis participantes (87,6%) exercem a função assistencial, 2 (1,7%) a de supervisão, 13 (12,4%) a de gestão, e 2 não responderam.

Resultados do ALCESTE

Do corpus total das entrevistas transcritas, na CHD, foram consideradas 1.256 UCEs para análise das 9.246 UCEs inicialmente divididas. Esta quantidade equivale a um aproveitamento de 83% do conteúdo submetido à análise, o que é considerado bom(88 Araújo FP, Ferreira MA. Social representations about humanization of care: ethical and moral implications. Rev Bras Enferm [Internet]. 2011 [cited 2016 Jan 03];64(2):287-93. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v64n2/a11v64n2
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). A análise resultou em três classes, a saber: Classe 1 - O processo de trabalho nos componentes da rede; Classe 2 - A dinâmica e a percepção sobre a RAPS; e Classe 3- A estratégia de Reabilitação Psicossocial. O dendograma (Figura 1) representa graficamente os agrupamentos dos conteúdos mais significativos e inter-relacionados, e tem como ponto de corte 9. O nome do corpus foi definido como Rede de Atenção Psicossocial da Região Oeste do Município de São Paulo.

Figura 1
Dendodrama resultante da Classificação Hierárquica Descendente: representação gráfica dos agrupamentos dos conteúdos mais significativos
Nota: *Fic+(Ficar)/ Medic+(Medicação)/ Cheg+(Chegar)/ Volt+(Voltar)/ Pass+(Passar)/ Consegu+(Consegue)/ Intern+(Internação)/ Filh+(Filho)/ Articul+(Articulação)/ Atenc+(Atenção)/ Reuni+(Reunião) / Fort+(Forte) Demonstr+ (Demosntração)/ Ach+(Achar)/ Cultur+(Cultura)/ Inser+(Inserção)/ Ampl+(Ampliação)/ Constru+(Construção)/ Avanç+(Avanço); ** Teste de Quiquadrado; *** Unidades de Contexto Elementar

C lasse 1 - refere-se ao processo de trabalho nos componentes da rede. Em seu vocabulário semântico, é demonstrado o impacto de termos como recursos estruturais, humanos, de formação/capacitação e comprometimento com o trabalho na prática nos componentes da RAPS. Possui a maior porcentagem de UCEs, representando o entendimento e as problemáticas para tecer a RAPS. O vocabulário característico e o conteúdo destacam aspectos deficitários para o pleno desenvolvimento do trabalho, como a falta de meio de transporte para conduzir o seguimento do tratamento em visitas domiciliares e atendimento de crise/situações de urgência, que obstaculizam o trabalho das equipes e a qualificação do cuidado que a RAPS propõe.

Um usuário entrou dizendo que tinha tomado chumbinho e não tínhamos como o locomover, chamar o SAMU foi extremamente complicado. (114; Enf. CAPS)

Não temos carro todo dia. Se pudesse, faria visita toda semana. (84; Psic. CAPS)

Apontam-se déficit de recursos estruturais, como poucas vagas de leitos em PS e falta de leitos de internação em hospital geral. Os profissionais ressaltam a repercussão no sofrimento de familiares.

Não conseguimos retaguarda de um hospital psiquiátrico, precisa de internação ou uma interlocução com o hospital para fazer um trabalho conjunto. (116; Enf. CAPS)

As famílias que sofrem, precisam lidar com a crise dentro de casa, ficamos com poucas vagas e a demanda aumentou. (095; Med. PS)

Alguns apontam o déficit em recursos humanos, que dificultam os horários de consultas, resultando em maiores espaçamentos entre os atendimentos. Criticam a carga horária, duplicidade de emprego, demissões voluntárias e rotatividade de trabalhadores.

Passa uma vez hoje e daqui a dois, três meses, você e o usuário se perdem, precisa mais profissional. (022; Enf. UBS)

Tinha que ser período integral, os usuários vão embora. (078; Farmac. CAPS)

Observa-se a dificuldade para sustentar o usuário quando este é encaminhado de um serviço para outro. Citam encaminhamentos não qualificados, sem a real necessidade, que geram desgaste aos usuários e equipes. É explicitado que na lógica do trabalho na RAPS deve haver compromisso de sustentar o usuário em qualquer ponto.

O usuário chega e começa a conversar, às vezes mandamos para a UBS, lá dizem que não é ali e o usuário volta. (026; Psic. NASF)

Se tivéssemos mais treinados, conseguiríamos detectar problema antes para encaminhar. (022; Enf. UBS)

Observa-se a dificuldade para lidar com as necessidades de saúde mental, especialmente na APS e a inexperiência na área que leva a um cuidado fragmentado, baseado em especialidades.

Quando os usuários precisam tomar uma medicação, vão direto ao psiquiatra, vejo casos isolados. Eu não consigo acompanhar inteiramente. (028; Enf. UBS)

Em contrapartida, elencam fatores potencializados do processo de trabalho, a disponibilidade e esforço de proporcionar atendimento adequado e efetivo aos usuários, incessantes tentativas de construção de estratégias de trabalho que fortalecem o vínculo usuário-profissional-serviço, os encaminhamentos e recepção sustentados na discussão de casos, e a articulação e comunicação frequentes entre os serviços visando o fortalecimento da rede.

Não deu certo vamos para o Ministério Público, somos criativos para arranjar uma solução, não nos entregamos. (011; AS. CAPS)

Encaminham, avaliamos, entramos em contato com outros serviços, escolas, creches, para conhecer melhor o caso e dar resolutividade. (018; Enf. CAPS)

Apontam os problemas relativos a recursos humanos e estruturais, alta demanda de usuários, baixa capacitação profissional na área da saúde mental e vínculo profissional-usuário. O cotidiano que enfrentam e as situações que emperram o andamento de ações. Sentem-se de mãos atadas quando precisam de recursos materiais para seguimento do projeto terapêutico dos usuários.

Falta de recursos humanos, poderia ser muito mais. (072; Psic. CAPS)

A rede é frágil por falta de recursos humanos e preparo dos que trabalham em UBS. (104; Med. CAPS)

Classe 2- representa a dinâmica e a percepção sobre a RAPS. Traz em seu vocabulário muitos verbos que demonstram a maneira como os profissionais a compreendem e como vem sendo construída. Destaca-se a necessidade de apropriação sobre as diretrizes da portaria e como a dinâmica de funcionamento pode ser impactada pelo processo de comunicação entre os diferentes pontos de atenção.

Desafio implementar política pública, por recurso, gestão, qualidade da compreensão dos trabalhadores à frente das estratégias. (115; Psic. CAPS)

Falta esclarecimento do que ela é. A coisa, foi instituída e não fomos comunicados, esclarecidos, nem treinados. (057; Dent. UBS)

Na tentativa de integrar os dispositivos e articular o trabalho, destacam como ponto forte os fóruns e reuniões mensais, serviços que compõem a RAPS.

Reuniões específicas e fóruns, tem usuários que recebemos, entramos em contato com o serviço que encaminhou para discutirmos o caso. (123; TO. CECCO)

Por meio de ligações, encaminhamentos para referência e contrarreferência e encontros nas reuniões e fóruns. (118; Psic. UBS)

Entretanto, mesmo com essas tentativas de integração, os profissionais apontam dificuldades em trabalhar de forma articulada devido à falta de comunicação, que reforça o isolamento entre a própria equipe dos serviços e entre equipes de outros pontos de atenção.

A articulação muitas vezes não acontece, apenas o CAPS ou o hospital têm conhecimento da história. (046; Fisio. UBS)

Ficam serviços isolados, semações conjuntas regulares. Cada CAPS permanece no seu cantinho, a UBS fica aqui e precisa amarrar mais a RAPS. No meu ponto de vista, a articulação está falha. (075; TO. UBS) 

Classe 3- tem como conteúdo singular demonstrar a compreensão dos profissionais sobre o processo da estratégia de RP e sua aplicação pelos componentes da RAPS no território estudado.

Falta participação daqueles que se tratam no CAPS e recursos territoriais para que isso ocorra de uma maneira mais efetiva, vemos territórios empobrecidos de recursos, locais que não possuem atividades de oficina. (086; Med. CAPS)

Temos pouca relação com outras secretarias; cultura, trabalho, esportes, poderiam formar uma rede. Com o pessoal da saúde temos uma relação razoavelmente próxima, e com a assistência social também. (055; Psic. CAPS)

Falta integração um pouco maior com o CECCO. Já tentamos, mas acho que isso é uma coisa que precisa trabalhar um pouco mais. (065; Med. CAPS)

Os profissionais elencam as barreiras para a RP, tais como falta de recursos estruturais, dificuldade de articulação com os demais equipamentos do território, com a própria sociedade e a questão do déficit de moradia para ampla assistência e cuidado, e atividades de inclusão social, como ações culturais e de lazer.

Articulamos com outros atores do território e recebemos um monte de não. Falta sensibilizar a população para abrir as portas para alguma coisa, acho que o pessoal está cru, precisa trabalhar mais com a comunidade. (070; Psic. UBS)

Temos muita dificuldade com a falta de materiais, improvisamos usando sucatas, e isso afeta as relações e a inclusão dos usuários. (111; Psic. CECCO)

Ampliar a residência terapêutica (RT) e a discussão sobre moradia, temos muitas fragilidades, usuários não têm recurso financeiro e precisam de suporte para viver. (113; Psic. CAPS)

Mesmo com as barreiras enfrentadas, os profissionais citam alguns fatores que potencializam a RP, como a possibilidade de articulação com equipamentos sociais, culturais, infraestrutura territorial e do serviço.

A defensoria pública está na posição de quem defende, com eles é sempre tudo muito fácil, eles sempre entendem. Outra coisa é uma parceria com um órgão local de cultura, que foi muito bacana e são permeáveis. (017; Psic. CAPS)

Temos o trabalho de reinserção social muito bom, é como uma coisa habitual mesmo. Acho que nós, perto de outras regiões de São Paulo, estamos muito bem, temos todas as estruturas aqui. (065; Med. CAPS)

Destaca-se ainda, o comprometimento dos profissionais em aplicar a estratégia da RP na RAPS, o que é explicitado mediante ações adotadas no cotidiano dos serviços.

Tem uma presença enorme no CECCO, fazemos parcerias com muitos serviços. Com economia solidária vendemos os trabalhos feitos pelos usuários no território, nas feiras que nós fazemos. (107; Psic. CECCO)

Nota-se esforço em conduzir ações na lógica da estratégia de RP e no enfrentamento das barreiras que comprometem esse importante eixo da RAPS.

DISCUSSÃO

Foi possível perceber algumas fragilidades que dificultam a promoção do cuidado de saúde mental em sua totalidade. O processo de trabalho enquanto execução de ações humanas, se utiliza de instrumentos ou tarefas para transformação do objeto de trabalho e do próprio trabalhador(1010 Malta DC, Merhy EE. O percurso da linha do cuidado sob a perspectiva das doenças crônicas não transmissíveis. Interface: Comunic Saude Educ[Internet]. 2010 [cited 2016 Jan 03];14(34):593-605. Available from: http://www.scielo.br/pdf/icse/v14n34/aop0510.pdf
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). É desenvolvido por meio de tecnologias leves, leves-duras e duras.

Nesse estudo, as tecnologias leves estão representadas pelasações relacionais cotidianas por meio do diálogo entre as equipes componentes da rede, na articulação entre estes, no vínculo profissional-usuário e na articulação entre os dispositivos. A tecnologia leve-dura se estabelece nas estratégias de assistência que fomentam as ações de inclusão social e no saber estruturado da clínica e da terapêutica. Por fim, a tecnologia dura é retratada no número de leitos para atendimento de crise em emergência psiquiátrica e hospital geral, nos meios de transporte para desenvolvimento de ações no território e seguimento de tratamento.

Algumas tecnologias estão comprometidas. Na leve, destacam-se alguns encaminhamentos desnecessários do usuário para outro serviço e falta de comunicação entre profissionais para articular a tomada de decisão e a melhor conduta. Ainda nessa tecnologia, há déficit de recursos humanos paraatender a demanda dos usuários nos dispositivos da rede.

Particularmente, nas tecnologias leves-duras/duras, emergem o déficit de recursos estruturais, com precarização de insumos básicos para o funcionamento da rede, como meios de transporte, número de leitos para urgência/emergência e internação em hospital geral para atender situações graves e agudas. Além destes, a inabilidade dos profissionais em lidar com casos de saúde mental, especialmente no campo da APS, é um grande desafio a ser superado, com vistas a ampliar o cuidado em saúde mental(1111 Pitta AMF. Um balanço da reforma psiquiátrica brasileira: instituições, atores e políticas. Ciênc Saúde Colet[Internet]. 2011 [cited 2016 Oct 10];16(12):4579-89. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v16n12/02.pdf
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).

O uso dessas tecnologias é essencial para concretização e fortalecimento do trabalho em rede, pois é impraticável na ausência de comunicação efetiva e do uso de estratégias de acordo com a singularidade do cuidado. Sem as condições necessárias para viabilizar o processo de trabalho nos componentes da RAPS, o cuidado em saúde mental fica comprometido e não corresponde à lógica do trabalhohorizontalizado, cooperativo e interdependente. Falhas no processo de trabalho comprometem o sucesso de implantação e articulação, e como consequência fragilizam o Sistema Único de Saúde.

Para substituir o modelo hegemônico por um modelo de redes integradas, as RAS trabalham na perspectiva de articular diferentes níveis e pontos de atenção que atuem de forma interdependente para atender as necessidades implicadas no processo saúde-doença dos usuários. Para tal, é necessária articulação entre estesníveis, tomada de decisões compartilhadas e trabalho integrado, tanto multiprofissional como interdisciplinar(55 Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Brasília, Organização Pan-Americana da Saúde, 2011. p. 82.).

Nessa perspectiva, tentativas de tomada de decisões compartilhadas são conduzidas em reuniões de equipes, entre serviços e fóruns regionais na RAPS Oeste. Porém, as pactuações realizadas nesses encontros enfrentam barreiras para se concretizar pelos conflitos entre equipes, falta de investimento no trabalho conjunto, vínculo instável entre os serviços e equipes autocentradas, desvelando pouco cerzimento e alguns esgarçamentos nessa rede.

A maioria dos profissionais trabalha na área de saúde mental há mais de cinco anos, tendo vivenciado o estabelecimento da portaria. Apesar disso, o conhecimento sobre os princípios e diretrizes da RAPS ainda não foi totalmente incorporado, implicando a necessidade de aprofundar os pressupostos dessa política para sua incorporação e concretização no território. Muitos profissionais não receberam orientação e não compreendem o novo processo, algo justificado por ser uma política recente e desafiadora. A rotatividade de profissionais associada à elevada demanda de usuários acarreta muitas dificuldades na dinâmica da assistência de forma mais ampliada.

Os profissionais da rede, especialmente na APS, referem a necessidade de conduzir os usuários para outros dispositivos a fim de darem continuidade ao tratamento. Enquanto uma das portas de entrada para a rede de saúde, a APS exerce papel fundamental nesta organização, atuando na coordenação do cuidado horizontal entre os pontos de atenção da rede(1212 Brasil. Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010. Estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União[Internet]. Brasília: Ministério da Saúde, 2010[cited 2016 Oct 10]. Available from: http://conselho.saude.gov.br/ultimas_noticias/2011/img/07_jan_portaria4279_301210.pdf
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). É fundamental que profissionais atuantes nesse campo recebam apoio e supervisão de especialistas(1313 Reilly S, Planner C, Hann M, Reeves D, Nazareth I, Lester H. The role of primary care in service provision for people with severe mental illness in the United Kingdom. PLoS One[Internet]. 2012 [cited 2016 Oct 17];7(5):1-10. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3352919/pdf/pone.0036468.pdf
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), pois somente com essa articulação será possível atender as necessidades de saúde mental fora dos espaços da especialidade.

A precipitação no encaminhamento de usuários para serviços especializados como o CAPS acontece pela insegurança e incapacidade para manejar casos de saúde mental, mesmo que sejam usuários de baixa complexidade(1414 Quinderé PHD, Jorge MSB, Nogueira MSL, Costa LFA, Vasconcelos MGF. Acessibilidade e resolubilidade da assistência em saúde mental: a experiência do apoio matricial. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2013 [cited 2016 Oct 06];18(7):2157-66. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v18n7/31.pdf
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), e pela falta de escuta dos profissionais sobre as necessidades da pessoa(1616 Delfini PSS, Reis AOA. Articulação entre serviços públicos de saúde nos cuidados voltados à saúde mental infanto-juvenil. Cad Saúde Pública [Internet]. 2012 [cited 2016 Oct 17];28(2):357-66. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csp/v28n2/14.pdf
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). Compartilhar ou pedir ajuda para situações específicas deve ser precedido de discussão de caso entre equipes, o que subtrai a possibilidade do profissional se excluir do processo e conduzir o usuário no vai e vem entre serviços(1515 Gonzaga N, Nakamura E. Os signifıcados dos encaminhamentos feitos aos CAPS III de Santos: a visão dos profıssionais. Saúde Soc[Internet]. 2015[cited 2016 Oct 10];24(1):232-43. Available from: http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v24n1/0104-1290-sausoc-24-1-0232.pdf
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).

O despreparo em saúde mental por parte dos atores da APS compromete o atendimento integral, podendo resultar em encaminhamentos não qualificados para serviços especializados, com o risco de desresponsabilização sobre o usuário e fragmentação do cuidado(1616 Delfini PSS, Reis AOA. Articulação entre serviços públicos de saúde nos cuidados voltados à saúde mental infanto-juvenil. Cad Saúde Pública [Internet]. 2012 [cited 2016 Oct 17];28(2):357-66. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csp/v28n2/14.pdf
http://www.scielo.br/pdf/csp/v28n2/14.pd...
). Assim, há necessidade de transformação na formação acadêmica e continuada dessas equipes, e aproximação da APS com os serviços especializados para enriquecer o arcabouço que sustenta ações de saúde mental nesse cenário, e conseguir dar conta das demandas do território. Partindo desse princípio, o processo de formação e educação permanente deve estar em concordância com os princípios da PNSM vigente e com as diretrizes para o funcionamento da RAPS.

Os leitos de internação em enfermaria de hospital geral estão contemplados na PNSM. Apesar dessa orientação, há carências destes na região Oeste e necessidade de pactuar leitos para atender sua população com outras redes de saúde do Município. Da mesma forma, se destacam os poucos leitos para manejar a crise em pronto socorro/emergência psiquiátrica. Como os serviços de emergência psiquiátrica são extremamente sensíveis à dinâmica da rede, a escassa disponibilidade de leitos para internações psiquiátricas e a demanda excessiva de usuários pelos serviços podem levar a uma maior rotatividade de usuários nas emergências e conduzir a erros diagnósticos, excesso de encaminhamento para internação integral, e aumento de reinternações(1717 Barros REM, Tung TC, Mari JJ. Psychiatric emergency services and their relationships with the mental health network in Brazil. Rev Bras Psiquiatr[Internet]. 2010 [cited 2016 Sep 08];32(2):71-7. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rbp/v32s2/en_v32s2a03.pdf
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).

Apesar das diretrizes da portaria, as ações intersetoriais não avançaram o suficiente. Não há um equipamento de saúde autossuficiente na produção do cuidado e capaz de responder às demandas da população para ofertar atenção contínua e integral(1818 Quinderé PHD, Jorge MSB, Franco TB. Rede de Atenção Psicossocial: qual o lugar da saúde mental? Physis [Internet]. 2014 [cited 2016 Oct 10];24(1):253-71. Available from: http://www.scielo.br/pdf/physis/v24n1/0103-7331-physis-24-01-00253.pdf
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). Assim, parcerias com dispositivos fora do campo da saúde, como os espaços de cultura e lazer devem ser mais explorados e valorizados para consolidar o eixo estratégia de reabilitação psicossocial. É fundamental construirações que propiciem ou fortaleçam a (re)inserção dos usuários com transtorno mental no convívio comunitário, com medidas que caminhem na sua valorização enquanto cidadãos de direitos(1919 Santos ES, Joca EC, Souza AMA. Teatro do oprimido em saúde mental: participação social com arte. Interface [Internet]. 2016 [cited 2016 Oct 11];20(58):637-47. Available from: http://www.scielo.br/pdf/icse/v20n58/1807-5762-icse-1807-576220150469.pdf
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).

A RAPS Oeste avança gradativamente e se defronta com diversos desafios a respeito de sua ampliação e materialização. Do ponto de vistatécnico, as vulnerabilidades estão nas dificuldades de comunicação entre os pontos, nos fluxos para conduzir os encaminhamentos e na discussão de casos. Para garantir o cuidado em rede de maneira equânime, esses processos precisam ser construídos e/ou revistos.

Limitação do estudo

Reconhece-se como limitação dessa pesquisa a restrição da leitura de uma determinada coordenação de saúde e suas especificidades e suas especificidades.

Contribuições para política pública de saúde mental

Mesmo que circunscrita a uma região de saúde, este estudo apresenta magnitude ao oferecer elementos para entender como essa importante política pública vem se constituindo. Ademais, oferece uma perspectiva da implantação e dinâmica da RAPS, compreensão de suas potencialidades e dos desafios que a coordenadoria de saúde precisa valorizar e superar. Em outra perspectiva, essa pesquisa contribui para abrir discussão sobre outras RAPS.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo mostra que os componentes da RAPS Oeste buscam ofertar cuidado em saúde mental de forma interdependente e articulada. No entanto, observa-se que há muitos desafios a superar nessa rede. Apesar de fragilidades, a rede se tece nos itinerários percorridos pelo usuário e no acionamento de vários mecanismos para atender suas necessidades. Há intensidade de esforçospara sustentá-la, e os profissionais retratam a dinâmica do funcionamento, as formas de articulação entre seus componentes, as dificuldades e potencialidades, as perspectivas para sua expansão e as estratégias que proporcionam o cuidado em saúde mental. Para superar dificuldades que impactam o tecer da rede, deve-se fugir à tendência de acreditar que ao se instituir uma política, a mesma já está pronta. Somente com atuação compromissada de profissionais e usuários é possível fugir da estagnação e manter a efetivação de suas diretrizes. Estudos em outras RAPS devem ser conduzidos para fortalecer a PNSM. Pretende-se avançar por outras redes de saúde do Município de São Paulo.

  • FOMENTO
    A pesquisa recebeu apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa Estado de São Paulo-FAPESP. Nº 2015/05950-02.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2017

Histórico

  • Recebido
    14 Nov 2016
  • Aceito
    27 Jan 2017
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