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PACIENTE PORTADOR DE ESQUIZOFRENIA HEBEFRÊNICA: ESTUDO DE CASO

INTRODUÇÃO

De que maneira e por que meio a desintegração econômico-social e ecológica, o uso crescente da força, a grande cidade e suas construções, a estrutura do ensino, a organização da família, a TV, o cinema, os livros e os jornais podem atuar maleficamente na alma humana?

A doença mental no Brasil é um problema que já não pode permanecer atrás dos altos muros dos hospitais psiquiátricos.

Há em nosso país cerca de 12 milhões de pessoas que sofrem perturbações de natureza psíquica, necessitando de assistência especializada.

No Rio estima-se que a cada 20 minutos haja alguém sendo internado e dado o atual volume do problema a qualidade de vida no Brasil está cada vez pior sendo necessárias franquezas e coragem para admitir e revelar o fato. De que maneira e por que meio o desequilíbrio ecológico e econômico-social reflete-se em nossa atividade psíquica, tornando-a pobre, conflitiva, instável, insegura e às vezes louca?

Há cidades, cujo crescimento as tornam cada vez mais brutais, especialmente em relação às culturas subalternas. É o caso de trabalhadores que são lançados nas cidades, condenados a um deplorável estado de exclusão social. São as pessoas de baixa renda. Os laços de parentesco e vizinhança que o integravam em seu meio de origem foram rompidos. Como resposta a todas estas agressões não é raro eclodir nestes Indivíduos certa alteração em sua coerência psíquica que, na maioria das vezes, começa a surgir exatamente na área da comunicação. Nesta corrida desenfreada, desintegram-se as que ficam para trás, seja pelo álcool, pela droga e a loucura.

HISTÓRIA PESSOAL

J.S.J.B., sexo masculino, 22 anos, natural da Paraíba, servente de obra, católico e residente na obra onde trabalha, é o terceiro de uma prole de 8 filhos, sendo 4 mulheres e 4 homens, todos lavradores. Na Paraíba moravam num sítio, casa de estuque, chão batido, em estado de miserabilidade total, carente de qualquer princípio de higiene compatível com a saúde.

Nasceu de parto normal, desenvolvimento normal, nunca teve doença grave e nem foi submetido a cirurgia. Na infância chupou dedo e foi uma criança medrosa; nega enurese.

Nunca foi à escola, é analfabeto, mas reconhece o seu primeiro nome quando vê escrito.

Viveu e foi criado pelos pais e irmãos mais velhos, tendo ótimo relacionamento com os mesmos e também com os vizinhos, menos com o irmão mais velho, porque este brigava com sua mãe, que é doente mental, culpando-o pelo fato. Diz que ralhava com o pai, porque este bebia muito e ele tinha que carregá-lo nas costas para a casa.

Trabalhou desde pequeno na "enxada" e com gado.

Veio para o Rio há mais ou menos um ano para tentar a sorte, pois na Paraíba trabalhava muito e ganhava pouco. Passou os primeiros meses com um primo na favela, ficando todo este tempo sem trabalho. Depois passou a trabalhar e morar numa obra de uma Construtora como pedreiro e servente. Tem muita facilidade em fazer amizades. Na Paraíba saía com os pais e irmãos para passeio, ia a bailes, festas em casa de família, cinema e ia à igreja aos domingos. Atualmente sai com os amigos da obra. Emprega os feriados e fins-de-semana na praia, festas, cinema e passeios.

Tabagista, fuma dois maços de cigarros por dia. Nega convulsões.

Teve apenas uma namorada, tendo ela terminado o namoro. Não sabe informar sobre a sua vida sexual, dizendo não lembrar dela e nem quando ocorreu a primeira relação sexual.

HISTÓRICO FAMILIAR

O paciente relata que os pais são vivos, "bem de saúde". Mãe com mais ou menos 45 anos e o pai com mais de 65 anos. Diz que sempre gostou muito dos pais e sua relação com eles foi boa, nunca tendo problemas com os mesmos, sendo sempre bem tratado por eles. Diz que se relacionava bem com todos os irmãos, exceto com o mais velho, que o maltratava muito quando pequeno e que por isso tem raiva dele, resolvendo descontar as maldades que o irmão fez com ele logo que ficou adulto.

Relatou serem todos sadios, sem problemas psiquiátricos na família, para depois informar que a mãe se encontra internada em hospital psiquiátrico na Paraíba e que mais dois parentes "morreram por doença mental". Essas informações foram confirmadas por um primo. A condição sócio-econômica de sua família é precária, vivendo em casa de estuque, numa roça, onde lavram a terra que já se encontra cansada.

HISTÓRICO DA DOENÇA ATUAL

O paciente informa que há cerca de 6 meses, vem sendo perseguido por um bicho muito grande, mais alto que ele, metade animal, metade gente, que para ele representa o diabo. Possui uma "corcunda" em seu espinhaço e chifres como o diabo". Diz que via tal aparição sempre que parava suas atividades na obra, o que acontecia à tarde ou à noite. Diz que além de ver, também sonha com a aparição e que esta não fala, mas que o olha com cara de "enfezado" ou ri e zomba dele. Relata que fica muito assustado quando tal coisa lhe aparece, que pedia ajuda aos amigos, mas que ninguém quis se envolver com o "bicho". Às vezes tenta fugir, chegando certa vez a montar em sua "corcunda", sentindo-o com as mãos, mas foi jogado ao chão. Na véspera de ser internado (21/1/78) foi passear na Rodoviária e viu o bicho perseguindo-o, descobriu que o bicho tinha uma "botija" enterrada no chão. Diz que "botija" quer dizer bolsa de dinheiro. Tentou então arrancar a "botija" do chão e que o "bicho" ao vê-lo fazendo isso não gostou e avançou em cima dele. Pegou então um ferro que estava pendurado na parede e começou a lutar contra o "animal". Diz que já estava todo machucado quando um enfermeiro o amarrou e o levou para o hospital. Nesse ponto devemos informar que foi levado pela polícia. Não sabe para que foi levado para lá nem como lá chegou. Não se acha doente e só se sente machucado da briga, apesar de não existir marca alguma que confirmem as agressões físicas. Logo após a internação, disse que não via mais o diabo, pois se sentia protegido, voltando a vê-lo porém de tamanho, cores e "quantidades" diferentes. Vive lutando com o "diabo" pois este, tenta tirar dele o "botijão" que se acha enterrado. O paciente arranca vasos sanitários, tentando arrancar o "botijão". Recolhe lixo do chão e diz ser dinheiro.

Ao exame psíquico, apresentou-se em péssimas condições de higiene, aparência descuidada, embotamento afetivo, totalmente desorientado, em episódio de delírio de cunho persecutório, alucinações visuais, atitude indiferente, hipovigil, hipotenaz e hipopragmático. Não demonstrava vontade de conversar mas falava rapidamente, referindo-se ao "cão", chegando a apresentar fuga de idéias. Diz que não sabe porque está aqui, que lugar é esse, que quer ir embora. Levanta-se, pede dinheiro, roupas para ir embora, senta-se e volta a falar no "cão" e de suas brigas com ele.

TRATAMENTOS

  1. Psicológico: Psicoterapia de apoio praxiterapia.

  2. Quimioterápico: impregnação com derivados da fenotiazina e butizofenona. Tratamento de manutenção.

  3. Biológico: Eletroconvulsoterpia (E.T.C.).

TRATAMENTO PSICOTERÁPICO

São feitas 4 seções de psicoterapia de apoio por semana, nas quais, a doutora procura obter a confiança do paciente. Não é usada nenhuma técnica psicoterápica profunda, a médica somente escuta o que ele diz, tentando mostrar-lhe a realidade.

PRAXITERAPIA

O paciente começou a freqüentar a terapia ocupacional depois de mais ou menos duas semanas de internação, pois a comunicação com o mesmo era difícil. No dia 04/8 compareceu ao grupo operativo apresentando-se mais comunicativo, participando, sempre voltado para o tema místico Deus; jogou dominó na atividade lúdica.

No dia 09/8 — No grupo operativo estava muito inquieto, mas participando de vez em quando. Não participou da atividade expressiva, porque queria tomar banho, pois estava de licença para sair no fim-de-semana.

Período de 10/8 a 17/8 — Encontrava-se agitado, andando de um lado para outro, pegando coisas no chão dizendo que precisa guardá-las, pois estão querendo roubar-lhe. Parece estar desligado do ambiente, no entanto, quando a terapeuta defendeu-o, pelo fato de outro paciente dizer que pessoas como ele não deveriam comparecer ao grupo operativo, João respondeu "muito obrigado por ter me defendido".

No período de 18/8 a 28/8 — Neste período, J.S.J.B. teve participação maior na terapia ocupacional. Nas atividades de terapia fez modelagem com barro: o que ele chama de panelinha de barro; às vezes desenha o que diz ser um "cordão de ouro". O paciente começou a apresentar um comportamento diferente do anterior, pois anteriormente apanhava as coisas para guardar e atualmente ele pede "as coisas"; pede dinheiro, etc.

No dia 28/8 durante as atividades com o barro, J.S.J.B. solicitou muito a terapeuta ocupacional, o que não ocorria, mostrando o projeto assim o terminava. Quando sugerido que escrevesse seu nome e a data em um papel para que seu trabalho fosse identificado, não soube escrever seu segundo nome e pediu ajuda. Quando a terapeuta ocupacional foi escrever seu segundo nome em outro papel, J.S.J.B. pediu que ela o deixasse tentar e conseguiu escrever.

No grupo operativo, acha-se mais participante e recordou tudo o que se tinha falado neste. Foi representante na assembléia geral, a seu pedido, conseguindo lembrar-se de tudo que tinha se passado.

  • Obs.: O paciente passou muito tempo contido, dificultando a sua participação na Terapia Ocupocional mais cedo.

ELETRO CONVULSO TERAPIA

INDICAÇÃO:

Paciente encontra-se desorientado, arrancou um vaso sanitário por achar que encontraria muito dinheiro em baixo dele. Transformou-se em policial para poder combater o "diabo" mas mesmo assim este o tem perseguido; relata que não tem sentido mais medo dele (do diabo).

Diz que está ficando muito rico, mostrando alguns papéis sujos que diz ser dinheiro; quando afirmamos que aquilo não é dinheiro ele diz que pode transformar-se a qualquer momento.

Pelo estado agitado, está correndo risco de vida, já que sobe no telhado do ambulatório, sem ter noção do risco que corre.

O paciente vem fazendo uso de neurolépticos desde sua internação, sem apresentar melhoras. Seu comportamento é bastante pueril. Irresponsável, não tem cuidado com o próprio corpo. Alucina.

Como o paciente não apresentou melhoras com o tratamento medicamentoso durante um mês e 15 dias, ficou resolvido fazer ECT depois de suspender a medicação neuroleptica a que vinha se submetendo.

ECT

Volts. 110 — reação típica — sem indução.

Depois da aplicação.

Não se lembra de ter feito ECT, dizendo que dormiu muito bem à noite, e que só acordou às 9:00 horas. Está desorientado no tempo, diz não ter visto mais o diabo. Fala, no entanto, querendo demonstrar que está muito bem, que quer ir embora e não precisa do tratamento (ECT).

Aspectos específicos de enfermagem.

PLANO ASSISTENCIAL

— Conversar com o paciente.

— Trazê-lo à realidade.

— Fazer companhia ao paciente.

— Acompanhá-lo ao pátio externo.

— Conversar com o paciente procurando orientá-lo no tempo e espaço.

— Demonstrar simpatia e interesse.

— Assisti-lo em suas necessidades e apoiá-lo durante os episódios de delírio e alucinação.

— Observá-lo discretamente.

— Estimular a participação nas atividades recreativas e em grupo.

—Incentivar sua ida à T.O.

— Promover recreação.

— Estimular a higiene e cuidados com a aparência pessoal.

— Incentivar o cuidado com os objetos de uso pessoal e com a unidade.

— Evitar que apanhe objetos no chão.

— Manter contatos com assistente social à fim de resolver problemas de benefícios do INAMPS.

— Orientar os familiares sobre seu estado e tratamento.

— Observar, comunicar e orientar sinais de impregnação.

— Orientar ao paciente sobre os sistemas da impregnação.

— Auxiliar na alimentação e na higiene.

— Orientar para que use lenço ou papel higiênico para amparar a saliva.

— Guardar os pertences do paciente quando este não o fizer

— Sugerir e estimular higiene oral freqüente (devido a siaborréia).

— Observar a ingestão de medicamentos.

— Oferecer líquidos de 3 em 3 horas.

— Orientar quanto a importância dos medicamentos.

ECT

Antes:

— Não tomar sedativos na véspera. — Jejum na manhã do tratamento.

— Vestir roupas frouxas.

— Retirar prótese, adornos de metal, etc.

— Solicitar que o paciente esvazie a bexiga.

— Verificar sinais vitais.

Durante:

— Deitá-lo em decúbito dorsal, em colchão duro.

— Afrouxar as roupas do paciente.

— Proteção da língua e articulações escápulo-umeral e temporo-mandibular.

— Passar geléia eletrolítica nas têmporas para facilitar a transmissão da corrente elétrica.

— No caso de indução, injetar na veia o medicamento prescrito, cuidadosamente.

Depois:

— Terminada a fase clônica, retirar o protetor da língua e colocar o paciente em decúbito lateral para prevenir aspiração da saliva.

— No caso de não recuperar a respiração fazer manobras de ressuscitação cárdio-respiratória e aspiração endotraqueal.

— Ajudar o paciente a levantar e levá-lo ao seu leito para recuperar-se fisicamente e atingir melhor estado de consciência.

— Verificar confusão mental, mantê-lo sob supervisão e cuidado.

EVOLUÇÃO

Atualmente J.S.J.B. toma banho todos os dias, espontaneamente, mas não lava os pés muito bem. Continua muito cooperativo, atendendo prontamente a todos os pedidos embora o hipopragmatismo continue sendo demonstrado ao deixar todas as atividades após pouco tempo.

Continua tendo episódios de delírios e alucinações visuais. Sua confusão mental persiste embora em nível menor. Mantém grande interesse em relação à T.O. à qual comparece freqüentemente.

PROGNÓSTICO

O paciente teve como tratamento, basicamente, associações de neurolépticos que o deixaram numa total impregnação. Permaneceu vários dias sob o uso dessa medicação. Como não apresentou melhoras, esse tratamento foi suspenso para dar lugar a uma série de ECT, usado como último recurso. Embora não se tenha completado nenhuma etapa da série, a médica assistente do mesmo, acredita numa grande probabilidade de melhora.

Na entrevista com o paciente, esse relatou que havia recusado esse tratamento (ECT) quando foi sugerido pela l.ª vez, por sua médica.

Já na 2.ª vez o mesmo concordou, mas demonstra mudança no comportamento, informando estar cooperativo para que todos vissem que ele não tem necessidade, e não aceita totalmente as aplicações do ECT, embora tivesse concordado antes.

Quando foi abordada a possibilidade de uma alta, relatou ter lugar para ficar, e cita a casa de seu primo. Diz que não haverá maiores problemas pois o relacionamento com ele é satisfatório e que permaneceu em sua casa — quando veio do nordeste, durante todo o período de seu desemprego.

Não faz objeção quando se sugere a sua volta para Paraíba; diz que gostaria muito, demonstrando muita afetividade ligada a sua terra e a seus familiares.

Relata também possibilidade de acomodações no seu antigo emprego.

Informa que conversa muito com o primo quando esse vem visitá-lo e que gostaria de voltar a trabalhar assim que fosse possível.

Aparentemente, seu primo, demonstra algum interesse por ele, vem visitá-lo quando pode e lhe compra uma carteira de cigarros, conversam por algum tempo; comparece as reuniões e entrevistas que lhes são solicitadas. Relatou, porém, não ter condições de alojar o paciente quando este estiver de alta, pois sua casa é pequena e tem de dividi-la com esposa e filhos e sua situação financeira é precária.

Sua família também pobre mora no nordeste.

Possui ainda, duas irmãs casadas que moram em Cabo Frio, que também são pobres e nunca vieram visitá-lo.

Socialmente, poucas são as pessoas que poderão ajudá-lo, ele conta com a ajuda de seu primo e mais dois ou três colegas que estiveram com ele na obra, onde trabalhou; pelo visto estará totalmente só no Rio.

No momento o paciente se encontra com dificuldades financeiras, principalmente porque não possui nenhuma fonte de renda. Seu benefício ainda não foi resolvido, e é esse mesmo primo quem está providenciando. Receberá portanto, todos os atrasados e continuará recebendo enquanto estiver sem trabalhar por motivo da doença.

Há quem diga que quando estiver em condições de trabalho a sua antiga firma o empregará. J.S.J.B. diz que o salário é bom, uma vez que mora na obra, dá para satisfazer suas necessidades e ainda remeter dinheiro para sua família que mal pode se sustentar.

Como podemos ver, o prognóstico para J.S.J.B. não é muito favorável. Além de ser sua enfermidade esquizofrenia hebefrenica, uma das doenças mentais a que é considerada como de mais difíceis prognósticos, ele está cercado de dificuldades que terá de enfrentar no caso de uma alta.

O paciente acredita com otimismo na situação, que haverá certamente lugar onde possa residir.

Poderá ser essa atitude um sintoma da doença, ou será mesmo ingenuidade de uma cultura simples de onde se origina, e na qual continua vivendo? A sua médica afirma e reafirma ser um sintoma. E quando estiver prestes a deixar a hospitalização, o que pensará realmente J.S.J.B.? Saberá discernir as verdades de que parece ocultar? Enfim terá condições de sobreviver sozinho na cidade grande, uma vez que apresentou a doença, provavelmente por se encontrar nessa situação quando pela primeira vez saiu de seu sertão?

Muitos vêem a alternativa de enviá-lo de volta à Paraíba, uma vez que o mesmo aceita sem objeções, mas esquecem que lá não há empregos, que suas terras não produzem mais, que ele do Rio manda dinheiro para a família e o que é pior, sua mãe também sofre de doença mental, e de vez em quando é internada. Por outro lado, seu pai bebe e que é ele, o nosso paciente quem o leva nas costas para sua casa.

Realmente e infelizmente seu prognóstico não lhe é favorecido em nenhum de seus aspectos; a nosso ver definimo-lo como reservado.

APOIO TEÓRICO

ESQUIZOFRENIA HEBEFRÊNICA

A esquizofrenia é uma psicose endógena freqüente e grave, caracterizada principalmente pela desorganização da mente, com variados sintomas psíquicos e somáticos, e com uma evolução progressiva, que em alguns casos leva a deterioração. Apresenta-se com expressão parva, néscia, desdenhosa, que encontramos nas meninas e jovens ao despertar da puberdade, e que persiste no hebefrênico, imprimindo-lhe o ar ingênuo de deslumbramento; o hebefrênico adulto conserva os traços psicológicos da puberdade. Torna-se incorreto, pernóstico ou cínico, dedicando-se a intrincados problemas filosóficos ou artísticos, fora da realidade. Freqüentemente o hebefrênico afeta acentuada tristeza, de matiz hipocondríaca, ou às vezes, vezes, mostra-se romântico, ou ao contrário, apresenta exaltação e euforia irritável, impulsiva e impertinente.

Além disso apresenta exageradamente certos comportamentos da puberdade tais como: timidez, tendência ao isolamento, reações emotivas desmesuradas ou inoportunas, riso imotivado, fantasias, projetos e ações extravagantes.

As contravenções, o abuso do álcool ou outra toxicose, ou a obediência a solicitações hétero e homossexuais, têm no hebefrênico o cunho de passividade e resignação, pois eles geralmente não apresentam a maturidade sexual dos demais esquizofrênicos.

A enfermidade progride lentamente ou com exacerbações, sendo a principal o apagamento da atividade intelectual, afetiva ou volitiva, com escassos sintomas positivos.

Diante da exaltação ou depressão e faltando sinais esquizofrênicos definidos, cometem-se freqüentes erros de diagnóstico, confundindo-se a hebefrenia com a psicose maníaco depressiva. Alucinações, perda de sentimentos éticos, surtos delirantes não sistematizados ou fragmentários, despersonalização e sentimentos de regressão infantil completam o quadro mórbido da hebefrenia, tudo com a característica de surgir na puberdade ou pouco depois.

DIAGNÓSTICO

Sendo a esquizofrenia, como se definiu, não uma moléstia, mas um grupo de síndromes, de limites incertos e de natureza mal conhecida, compreende-se a dificuldade de diagnóstico.

Os matizes da agitação catatônica e hebefrenica, sem sentido sem conteúdo, de origem endógena, — a dissociação do pensamento, a demência afetiva, o começo mais ou menos insidioso, são os elementos mais idôneos para a diferenciação diagnostica; para esta deve-se procurar o maior número de sintomas chamados fundamentais da esquizofrenia, ao lado de sinais tomados em conjunto e nunca calcar o diagnóstico em um ou outro sintoma esquizofrênico, isolado.

EVOLUÇÃO E PROGNÓSTICO

A evolução espontânea da esquizofrenia na maior parte dos casos é desfavorável, seja pela persistência do processo, seja pela repetição dos surtos.

A evolução varia segundo as formas da esquizofrenia.

A forma hebefrênica evolui desfavoravelmente com raras e completas remissões.

Em geral, os estados agudos e com perturbações da consciência tem melhor prognóstico que as crônicas, e a mescla de sintomas maníacos contribui para a evolução favorável. A constituição pícnica e a personalidade premorbida cicloide tem melhor prognóstico que a constituição displásica ou atlética e a personalidade esquizoide. Os esquizofrênicos jovens, de menos de 20 anos de idade, tem melhor prognóstico que os mais velhos.

TRATAMENTO

Desconhecendo-se a etiologia, todos os métodos terapêuticos tentados na esquizofrenia tem cunho de empirismo e tateamentos. Como regra geral, se diz que nos períodos agudos ou iniciais justificam-se as medicações químicas (a remissão ou cura social da esquizofrenia, compatível com certa atividade profissional e a vida extra-sanatorial, obtém-se em uns 60% dos casos) e físico-químicas, seja visando estimular ou corrigir as funções orgânicas, seja imprimir ritmo novo ao organismo (terapêutica de choques), e que nas fases de remissão e cronicidade cabem à psicoterapia e a outros métodos como a praxiterapia.

RELACIONAMENTO ENFERMEIRA/O PACIENTE

Não se pode formular conjunto de regras para serem aplicadas ao cuidado do paciente; o tratamento deve ajustar-se às necessidades e capacidade do indivíduo.

Um dos aspectos a ser considerado pela enfermagem é o conhecimento dos aspectos evolutivos da doença.

A atitude da enfermeira deve ser afetuosa e acolhedora no trato com o paciente, dando-lhe oportunidade de aprender a confiar nas pessoas. Deve mostrar-se como pessoa digna de confiança; não fazer promessas que não poderá cumprir. Deve, também, evitar um relacionamento que prolongue ou confirme situações ambíguas.

O paciente esquizofrênico não é capaz, ao início, de corresponder ao afeto em uma relação carinhosa com outro indivíduo portanto demonstrações de hostilidade são comuns. É necessária a devida compreensão a essas demonstrações.

Outro quesito necessário é saber ouvir com atenção as palavras do paciente e responder a argumentos importantes expostos por ele. Não obstante, faz-se necessário o cuidado para não interromper a conversação com palavras de alento o que vai lhe causar ansiedade, para não desviar o rumo da conversação nem romper o fluxo de palavras, impedindo assim, a comunicação de coisas importantes.

A simpatia deve preceder a qualquer tentativa para ajudar o enfermo. Quem é incapaz de experimentar compreensão e simpatia, quem não seja capaz de amar o paciente, jamais conseguirá compreendê-lo nem assistí-lo devidamente. De nada adianta disfarçar o interesse, sua antipatia; o paciente captará o desinteresse e reagirá com agressividade, negativismo ou desdenhosa indiferença.

A fim de melhorar o atendimento ao paciente é útil para os membros da equipe reunirem-se para expressar opiniões e experiências vividas. É preciso ter cuidado para não servir-se da reunião e convencerem-se de que o paciente representa um caso perdido, incapaz de qualquer melhora.

É também comum considerar o fracasso como devido exclusivamente ao enfermo e a sua doença. Esta forma de pensar impede de se ver o paciente com dignidade e capaz de ser ajudado.

CONCLUSÃO

J.S.J.B. nos chamou, desde o início, a atenção por ser dócil, obediente e por demonstrar tanta carência, tanta necessidade de um (bate-papo), de um pouco de atenção.

Tentamos mostrar a que ponto chega uma pessoa que ingenuamente chega ao "Sul maravilha" a procura de uma vida melhor.

— O que trouxe J.S.J.B. até este hospital psiquiátrico? Fatores ligados à hereditariedade? Sua triste experiência nesta cidade, que como qualquer megalópole se torna "fechada" para quem não pode entendê-la e enfrentá-la?

O que podemos, ou o que podem fazer por ele? Retirá-lo de um lugar que lhe dá tanta segurança em vez de melhor nível de vida? Fazê-lo retornar à uma roça de terra cansada, para perto de pessoas a quem quer bem, mas tão carentes quanto ele?

Nosso trabalho se propoz a mostrar o que pudemos conhecer dele e fazer por ele. Mas será que foi bastante? E agora? Quando nos retirarmos daqui o que enfrentará esse jovem tão carente?

Sem termos respostas que satisfaçam a nós mesmas, deixamos contudo um alerta nesta época de tantos alertas.

O caso de J.S.J.B. não é único. Diariamente chegam ao Rio e a outras grandes cidades, centenas de nordestinos em busca de uma "vida melhor".

Todos eles são candidatos a uma grande pressão social sobre sua saúde mental.

Cremos não restar dúvidas de que J.S.J.B. é uma vítima. Uma vítima muito próxima de nós mas, igual a muitas outras vítimas que não encontraram quem as julgasse vítimas.

Mas felizmente a decisão de se fazer algo não está APENAS em nossas mãos. Resta-nos a esperança de vermos mudar o rumo dos acontecimentos. Com nossa ajuda é claro.

  • COELHO, A. B. e Colaboradoras - Página do estudante. Rev. Bras. Enf.; DF, 31:403-411, 1978.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 1978
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