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Percepções dos enfermeiros acerca das ações administrativas em seu processo de trabalho

Percepciones de los enfermeros acerca de las acciones administrativas en su proceso de trabajo

The nurse's perceptions on administrative actions in their work process

Resumos

Estudo qualitativo de caráter exploratório, desenvolvido de março a dezembro de 2002, em um Hospital Universitário situado no extremo sul do país, que buscou identificar a percepção dos enfermeiros acerca das ações administrativas exercidas em seu trabalho diário. As categorias temáticas emergiram do levantamento dos dados e da análise do conteúdo de entrevistas realizadas com 10 enfermeiros. Salientamos, neste momento, a Categoria I: Ações Administrativas como Instrumento de Gerenciamento e a Categoria II: Ações Administrativas como Cuidado Direto/Indireto. Na primeira, as ações administrativas são percebidas como planejamento, coordenação, liderança, controle, detenção da informação e organização e a segunda, retrata as ações administrativas como parte integrante da assistência de enfermagem. Observou-se que muitas das ações administrativas realizadas pelos enfermeiros são inerentes a sua função, conforme apregoa o Código de Exercício do Profissional do Enfermeiro e são fundamentais para a concretização do cuidado.

enfermagem; administração; trabalho da enfermagem; ações administrativas


Estudio cualitativo de carácter exploratorio, desarrollado de marzo a diciembre de 2002, en un Hospital Universitario ubicado en el extremo sur del país, que buscó identificar la percepción de los enfermeros acerca de las acciones administrativas ejercidas en su trabajo diario. Las categorías temáticas emergieron del levantamiento de los datos y del análisis del contenido de entrevistas realizadas con 10 enfermeros. Resaltamos, en este momento, la Categoría I: Acciones Administrativas como Instrumento de Gestión y la Categoría II: Acciones Administrativas como Cuidado Directo/Indirecto. En la primera, las acciones administrativas se notan como planeamiento, coordinación, liderazgo, control, detención de la información y organización y la segunda, retrata las acciones administrativas como parte integrante de la asistencia de enfermería. Se observó que muchas de las acciones administrativas realizadas por los enfermeros son inherentes a su función, conforme lo dice el Código de Ejercicio del Profesional del Enfermero y son fundamentales para la concreción del cuidado.

enfermería; administración; trabajo de la enfermería; acciones administrativas


A qualitative, exploratory study carried out from March to December 2002 in a university hospital based in the far south of the country, which aimed at identifying the nurses' perception on the administrative actions exercised in their daily work. Thematic categories emerged from data survey and content analysis in the interviews carried out with 10 nurses. We emphasize Category I: Administrative Actions as a Management Instrument; and Category II: Administrative Actions as Direct/Indirect Care. In the first one, administrative actions are perceived as planning, coordination, leadership, control, information retention, and organization; the second one depicts administrative actions as an integral part of nursing care. It has been observed that many administrative actions exercised by nurses are inherent to their role, in keeping with the Nurse's Professional Exercise Code, and they are critical for care.

nursing; administration; nursing work; administrative actions


PESQUISA

Percepções dos enfermeiros acerca das ações administrativas em seu processo de trabalho

The nurse's perceptions on administrative actions in their work process

Percepciones de los enfermeros acerca de las acciones administrativas en su proceso de trabajo

Helena VaghettiI; Daniela ReisII; Nalú da Costa KerberIII; Eliana AzambujaIV; Geani FernandesV

IEnfermeira. Docente do Departamento de Enfermagem da Fundação Universidade Federal do Rio Grande. Mestre em Enfermagem. Integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Enfermagem e Saúde/FURG

IIAcadêmica do Curso de Enfermagem da Fundação Universidade Federal do Rio Grande

IIIEnfermeira. Docente do Departamento de Enfermagem da Fundação Universidade Federal do Rio Grande. Mestre em Enfermagem. Doutoranda em Enfermagem pela UFSC. Integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Enfermagem e Saúde/FURG e Práxis/UFSC. Bolsista da CAPES

IVEnfermeira do Hospital Universitário Dr. Miguel Riet Corrêa Jr. Mestre em Enfermagem. Doutoranda em Enfermagem pela UFSC. Integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Enfermagem e Saúde/FURG e Grupo Práxis/UFSC. Bolsista da CAPES

VEnfermeira. Docente do Departamento de Enfermagem da Fundação Universidade Federal do Rio Grande. Mestre em Enfermagem. Doutoranda em Enfermagem pela UFSC. Integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Enfermagem e Saúde/FURG e EDEN/UFSC. Bolsista da CAPES

E-mail do autor: nalu@vetorialnet.com.br

RESUMO

Estudo qualitativo de caráter exploratório, desenvolvido de março a dezembro de 2002, em um Hospital Universitário situado no extremo sul do país, que buscou identificar a percepção dos enfermeiros acerca das ações administrativas exercidas em seu trabalho diário. As categorias temáticas emergiram do levantamento dos dados e da análise do conteúdo de entrevistas realizadas com 10 enfermeiros. Salientamos, neste momento, a Categoria I: Ações Administrativas como Instrumento de Gerenciamento e a Categoria II: Ações Administrativas como Cuidado Direto/Indireto. Na primeira, as ações administrativas são percebidas como planejamento, coordenação, liderança, controle, detenção da informação e organização e a segunda, retrata as ações administrativas como parte integrante da assistência de enfermagem. Observou-se que muitas das ações administrativas realizadas pelos enfermeiros são inerentes a sua função, conforme apregoa o Código de Exercício do Profissional do Enfermeiro e são fundamentais para a concretização do cuidado.

Descritores: enfermagem; administração; trabalho da enfermagem; ações administrativas

ABSTRACT

A qualitative, exploratory study carried out from March to December 2002 in a university hospital based in the far south of the country, which aimed at identifying the nurses' perception on the administrative actions exercised in their daily work. Thematic categories emerged from data survey and content analysis in the interviews carried out with 10 nurses. We emphasize Category I: Administrative Actions as a Management Instrument; and Category II: Administrative Actions as Direct/Indirect Care. In the first one, administrative actions are perceived as planning, coordination, leadership, control, information retention, and organization; the second one depicts administrative actions as an integral part of nursing care. It has been observed that many administrative actions exercised by nurses are inherent to their role, in keeping with the Nurse's Professional Exercise Code, and they are critical for care.

Descriptors: nursing; administration; nursing work; administrative actions

RESUMEN

Estudio cualitativo de carácter exploratorio, desarrollado de marzo a diciembre de 2002, en un Hospital Universitario ubicado en el extremo sur del país, que buscó identificar la percepción de los enfermeros acerca de las acciones administrativas ejercidas en su trabajo diario. Las categorías temáticas emergieron del levantamiento de los datos y del análisis del contenido de entrevistas realizadas con 10 enfermeros. Resaltamos, en este momento, la Categoría I: Acciones Administrativas como Instrumento de Gestión y la Categoría II: Acciones Administrativas como Cuidado Directo/Indirecto. En la primera, las acciones administrativas se notan como planeamiento, coordinación, liderazgo, control, detención de la información y organización y la segunda, retrata las acciones administrativas como parte integrante de la asistencia de enfermería. Se observó que muchas de las acciones administrativas realizadas por los enfermeros son inherentes a su función, conforme lo dice el Código de Ejercicio del Profesional del Enfermero y son fundamentales para la concreción del cuidado.

Descriptores: enfermería; administración; trabajo de la enfermería; acciones administrativas

1 Introdução

As organizações em geral, nas últimas cinco décadas, tornaram-se altamente complexas do ponto de vista administrativo, pela influência do conhecimento, da tecnologia, das Teorias Administrativas e de todo o quadro socioeconômico e político que vem se apresentando, sendo que as organizações de saúde e a enfermagem, aí contextualizada, não fugiram desse processo.

Temos observado, na prática em unidades hospitalares, que existem muitas conotações, divergências e convergências sobre o que vem a ser administração em enfermagem e sua relação com o trabalho do enfermeiro, através, por exemplo, da execução de ações administrativas. Estas vêm permeando toda a história da profissão, formatando uma cultura de (des)entendimento sobre o assunto, que vem sendo cultivada no decorrer dos tempos e projetada na maioria das organizações de saúde.

O fato do enfermeiro incorporar funções administrativasno seu trabalho, em grau considerado acentuado por alguns autores, tem sido a causa de muita polêmica na profissão. Esta polêmica avulta na medida em que se torna evidente a dicotomia entre o que se espera da enfermeira na visão dos teóricos de enfermagem e o que se verifica ser a sua atuação cotidiana nas instituições de saúde(1:65).

Ao verificarmos o perfil esperado do enfermeiro egresso/profissional das universidades, de acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Enfermagem Art 4º, constatamos que "a formação do enfermeiro tem por objetivo dotar o profissional dos conhecimentos requeridos para o exercício" de "competências e habilidades gerais", explicitando, em seus parágrafos, a tomada de decisões, a comunicação e a administração e gerenciamento, além da educação permanente. O parágrafo V refere, que em relação à habilidade e competência em Administração e Gerenciamento:

Os profissionais devem estar aptos a tomar iniciativas, fazer o gerenciamento e a administração tanto da força de trabalho quanto dos recursos físicos e materiais e de informação, da mesma forma que devem estar aptos a serem empreendedores, gestores, empregadores ou lideranças na equipe de saúde(2).

Constatamos que o exercício de ações administrativas permeia de forma decisiva o trabalho do enfermeiro, pois é uma diretriz do próprio Conselho Nacional de Educação. Como percebemos que ainda há uma controvérsia por parte dos enfermeiros em relação a este tipo de função buscamos identificar a percepção dos enfermeiros de um hospital universitário acerca das ações administrativas exercidas por eles em seu trabalho.

A sustentação teórica do estudo em questão, contemplou uma revisão bibliográfica acerca das Organizações e a Administração, e as Ações Administrativas no Processo de Trabalho em Enfermagem, além do enfoque em conceitos como ser humano, ambiente, saúde, enfermagem, autonomia, cuidado, gerenciamento e processo de trabalho do enfermeiro.

Temos o entendimento de que esta pesquisa pode trazer contribuições tanto para a academia, que pode vir a refletir sobre o ensino e a prática administrativa que é repassada aos estudantes, visível ou de forma velada, quanto para o Serviço de Enfermagem do hospital onde foi desenvolvida, por propiciar uma possibilidade de reavaliação da organização do trabalho dos enfermeiros da instituição. Acreditamos que, também para os enfermeiros envolvidos, este estudo pode ser relevante por propiciar-lhes um momento analítico sobre sua prática diária.

2 Metodologia

Este é um estudo qualitativo de caráter exploratório, o qual proporciona, "uma visão geral, de tipo aproximativo, acerca de determinado fato"(3:45). Desenvolvido de março a dezembro de 2002, em um Hospital Universitário situado no extremo sul do país, que tem o papel primeiro de servir de base e de instrumento para a formação de recursos humanos e desenvolvimento de pesquisas, alicerçado na vocação da universidade a qual está vinculado, além de atender as necessidades de saúde da comunidade em que está inserido.

Os enfermeiros deste hospital, em seu cotidiano de trabalho, caracterizam-se como a população deste estudo. São profissionais que desenvolvem suas atividades, entre elas, ações administrativas, em diversas unidades hospitalares, com uma jornada semanal de trabalho de 40 horas, nos turnos da manhã, tarde e noite. O grupo de sujeitos que compôs a amostra, foi escolhido de tal sorte que veio a se tornar representativo dos enfermeiros do Hospital Universitário. Caracterizou-se por agregar 10 sujeitos, perfazendo 25% do total dos enfermeiros do hospital. Foram escolhidos enfermeiros atuantes nas unidades de clínica médica, clínica cirúrgica, clínica pediátrica, serviço de pronto atendimento (SPA) e unidade de terapia intensiva adulto (UTI geral), sendo um enfermeiro de cada turno, incluindo um enfermeiro do noturno. Na sua grande maioria, mulheres com o tempo médio de formação profissional de 16 anos.

Os enfermeiros foram identificados por pseudônimos relacionados a questões administrativas, escolhidos por eles mesmos, quais sejam: Planejamento, Supervisão, Avaliação, Controle, Coordenação, Organização, Treinamento, Gestão, Liderança e Motivação. O sigilo da identidade e das declarações prestadas pelos envolvidos foi garantido e os mesmos foram informados sobre os objetivos da pesquisa, bem como foi obtido o consentimento informado.

A entrevista "pode ser definida como um processo de interação social entre duas pessoas na qual uma delas, o entrevistador, tem por objetivo a obtenção de informações por parte de outro, o entrevistado"(4:86), foi escolhida como técnica de coleta de dados para este estudo. No processo de entrevista, não foram formuladas perguntas específicas havendo, sim, um roteiro de entrevista, que enfocou a questão das ações administrativas e sua inserção no processo de trabalho do enfermeiro.

A análise de dados baseou-se na técnica de análise de conteúdo entendida como

(...) um conjunto de técnicas de análise das comunicações, visando, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, obter indicadores quantitativos ou não, que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) das mensagens(5:42).

Assim, o levantamento dos dados e a conseqüente análise dos conteúdos, foi organizada em três partes: pré-análise e exploração do material, tratamento e resultados, e inferências e interpretações.

Várias categorias emergiram da análise temática com a aplicação da técnica de Análise de Conteúdo(5), que foram analisadas e interpretadas à luz do referencial teórico, sendo que neste momento, serão expostas a Categoria I: Ações Administrativas como Instrumento de Gerenciamento e a Categoria II: Ações Administrativas como Cuidado Direto/Indireto.

3 Identificando as percepções dos enfermeiros

3.1 Ações administrativas como instrumento de gerenciamento

A gerência é entendida como

a coordenação do trabalho coletivo que surge com o mundo capitalista de produção. Significa o controle do processo de trabalho que foi expropriado do trabalhador com a divisão ou pormenorização do trabalho(6:42).

Ou a gerência existe simplesmente porque têm atividades que um indivíduo não pode fazer por si só. Necessita de outros para uma ação coletiva na busca de um objetivo comum(7). Percebemos esse entendimento nas falas abaixo:

[...] tu não podes administrar sozinha, tu tens que administrar um grupo e essa administração do enfermeiro não envolve somente a administração do grupo de enfermagem [...] (Liderança).

O enfermeiro é o centro de tudo, sempre é referência do serviço de nutrição ao serviço de portaria [...], tu és o elo de ligação entre os setores da unidade e ai tu percebe que tu tens que ser competente administrativamente, pra conseguir resolver todas as situações e fazer as coisas funcionarem (Planejamento).

Evidente que eu não faço tudo sozinha, eu tenho o grupo, o grupo de auxiliares e técnicos que executam determinadas funções, mas só da assistência, as outras coisas, as coisas que eles não podem e também não sabem fazer, são minhas [...] e são muitas [...] (Organização).

Não adianta. Têm coisas que só o enfermeiro sabe e faz [...] A gente sabe quando chega em uma unidade e não tem enfermeiro. É nítido, o enfermeiro sabe administrar uma unidade (Avaliação).

Os enfermeiros, ao se expressarem sobre as ações administrativas, no gerenciamento de seu trabalho, o fazem como uma atividade coletiva, mas, ao mesmo tempo, fracionada, pela própria divisão do trabalho, que é arraigada, principalmente, na enfermagem, como destacamos,

a atual estrutura da enfermagem em um sistema hierarquizado e heterogêneo, se funda num trabalho parcelar, cujo controle e organização pertence ao enfermeiro, que planeja e distribui a tarefa aos outros agentes, bem como a organização do ensino da enfermagem, desde que Nightingale fundou, em 1860, na Inglaterra, a Escola Nightingale de enfermagem(8:25).

O enfermeiro exerce esse tipo de atividade, de gerência, com o objetivo de fazer funcionar a organização em sua totalidade, controlando os trabalhos e os trabalhadores. Na visão de Fayol este "controle" aparece como uma necessidade de observar o desenrolar das ações de maneira que tudo ocorra conforme as regras estabelecidas e as ordens dadas(9).

Este outro aspecto, presente na gerência, desponta nas falas dos enfermeiros, demonstrando o quanto julgam importante e necessário o controle da unidade e da equipe para que as ações de enfermagem sejam processadas com qualidade:

A gente exerce um controle sobre tudo que se passa na unidade e nos outros setores que têm a ver [...]. Não é um controle, assim nocivo, acho que é um controle necessário (Liderança).

Muitas vezes dizemos que o enfermeiro é controlador, centralizador, com uma conotação pejorativa, como se controlar fosse um ato de cobrança indevida. [...] temos que ter, sim, um controle [...] para que as coisas andem, aconteçam (Motivação).

Ai tu tens que sair atrás de quem fez, porque tu precisa levar isso adiante para ter certeza de que o procedimento foi feito e geralmente fica difícil controlar, porque tem muita gente (Controle).

[...] aqui é um hospital universitário, eu vejo que é muito mais difícil administrar. Por quê? Porque tu não consegues ter domínio e controle sobre tudo, (Organização).

É interessante verificar a preocupação dos enfermeiros em relação à interpretação do vocábulo "controle", como se esse possuísse apenas um significado cerceador ou mesmo punitivo. Da mesma forma, observamos que os enfermeiros têm uma necessidade profissional de "controlar", como parte do exercício de suas ações administrativas, em seu processo de trabalho.

Acreditamos que as "macroempresas", possuem maior necessidade do enfermeiro como gerente, ou seja, daquele elemento que intermedia a administração entre o hospital e o trabalhador. Colocamos, ainda, que as expectativas das instituições quanto ao trabalho do enfermeiro são relativas ao "controle gerencial e burocrático de toda a unidade". Desse modo, para alcançar tal expectativa, o trabalho do enfermeiro fica sendo o de "previsão e controle de recursos humanos e materiais", de uma maneira abrangente, nas organizações onde desempenham seu trabalho(10:25).

(...) tu acaba te envolvendo em todo o andamento e tu respondes por tudo lá dentro, não que eu ache ruim, mas é uma responsabilidade grande que tira tempo muitas vezes da parte que tu realmente tens interesse, então tu tens que ir atrás e consegui, porque senão, tu não vais conseguir quem faça (Gestão).

Eu acho que o enfermeiro ainda exerce funções que não são de sua competência, como chamar o pessoal da manutenção [...], então eu realizo até função que não são minhas, mas que julgo necessárias. (Supervisão).

Constatamos, nos depoimentos acima, que os enfermeiros referem exercer algumas atividades que não são de sua competência, mas mesmo assim eles as executam, o que pode vir a refletir na questão da qualidade da assistência prestada pela equipe.

O desempenho do enfermeiro, também, pode ser definido pelo contexto organizacional, missão da instituição e objetivos da mesma.

Eu sei que existem hospitais em que o enfermeiro só realiza assistência [...] mas é outra realidade que eu nem sei se saberia trabalhar, porque é tudo tão junto (Gestão).

Eu trabalho em dois lugares. Eu acho que aqui no HU é mais difícil administrar porque tu acaba perdendo o controle das coisas, pela quantidade de coisas que não são tuas e simplesmente não tem quem faça [...] e tu faz (Organização).

Aqui no HU a gente tem mais poder de decisão. Eu trabalho em outro local e não é assim, para trocar um paciente de leito tem que pedir até para o bispo (Motivação).

Em mim reflete muito o local, as relações como estão e o tipo de administração, isso reflete em má organização, interfere diretamente no meu cotidiano de trabalho, no meu processo de trabalho (Planejamento).

Outra coisa que eu acho que deve-se levar em conta é o local onde tu trabalha, por exemplo um grande centro ou um pequeno centro, ou vamos supor um hospitalzinho lá do interior, então a linha de ação dele é bem diferente, a complexidade é bem menor do que tu trabalhar em grandes centros. O setor de trabalho também interfere na forma que tu vai atuar, porque os objetivos variam (Liderança).

Notamos que o exercício ou não, de algumas ações administrativas pelos enfermeiros, está na dependência, entre outros fatores, da existência de recursos humanos para a realização de funções, que não são de competência deste profissional. Sabemos que a questão da contratação de recursos humanos é o ponto nevrálgico de todas as organizações e as instituições de saúde não se constituem em exceção. No entanto, esta "falta" de recursos humanos deve ser contemplada, já que conhecida, quando do planejamento da assistência.

Definimos planejamento como prever, "percrutar o futuro e traçar o programa de ação"(9:11). Os enfermeiros consideram o planejamento como uma etapa primordial na execução de qualquer atividade de enfermagem. Ao planejar a assistência, o enfermeiro efetua uma ação administrativa, como ilustram as falas que seguem:

Para mim administrar em primeiro lugar é tu ter planejamento, isso não é só para enfermagem, qualquer administração eu acho que tem que ter planejamento(Avaliação).

Sem querer estamos sempre planejando. Já quando estamos chegando nas unidades, na escada, a gente tenta se lembrar qual o funcionário que está de folga, quantos pacientes temos para fazer a divisão pelos leitos (Liderança).

O planejamento é constante, seja sobre a divisão dos auxiliares, seja sobre o material que irá faltar, da medicação que ainda não veio, da assistência que eu devo prestar, das prioridades que eu devo atender, tudo é planejado, às vezes, até, sem querer [...] (Controle).

Ao discorrer sobre esta função, os enfermeiros deixam transparecer que ao planejar, eles exercem uma certa liderança sobre a equipe e sobre as demais questões relativas a assistência.

Referem-se à liderança como uma capacidade fundamental ao exercício das ações administrativas e a vinculam com a competência do profissional. Entendem que a liderança é exercida diariamente, não somente com a equipe de enfermagem, mas com os demais profissionais da instituição.

Na verdade todo mundo é líder na sua profissão e aí o que acontece? Coloca-se um profissional enfermeiro que não é capacitado, devido a formação, para essa função grande, tendo que liderar e tendo que conciliar um setor que depende de vários outros e que não tá preparado para isso (Liderança).

Eu acho que é através das ações administrativas que nós exercemos nossa autonomia enquanto profissionais da equipe. O enfermeiro é quem centraliza o trabalho dentro da unidade, então ele não fica restrito apenas aquela equipe de enfermagem, aos auxiliares e técnicos que lhes são subordinados, mas ele acaba exercendo sua liderança no resto todo (Motivação).

Eu penso que eu consigo executar minhas ações administrativas porque eu exerço liderança não só diante dos funcionários como dos demais profissionais do hospital. Acho que isto está na profissão: chamam o enfermeiro para tudo e ele vai e dá conta do recado (Controle).

Outro ponto que merece reflexão, é o destaque dado pelos enfermeiros, à informação e seu domínio, enquanto matéria essencial do trabalho da enfermagem e, em especial, no trabalho do enfermeiro. Não deter as informações e desconhecer a dinâmica de sua unidade parece-nos pouco tolerada para certos enfermeiros e, ao contrário, ao saber tudo o que está se passando na unidade, o enfermeiro sente-se seguro para exercer suas ações.

É muito complicado quando não conseguimos saber tudo de todos os pacientes, tudo que se passa na unidade. Quando me ausento muito tempo da unidade, quando volto quero saber de tudo, tudo (Motivação).

Acho que é coisa de enfermeiro, mesmo, quando alguém sabe de um exame, de um procedimento, de uma internação antes do que eu, eu fico louca. Acho que eu é que tenho que saber de tudo em primeira mão [...] é complicado (Avaliação).

Poderíamos dizer que esta preocupação dos enfermeiros em "saber de tudo" , mantém uma estreita relação com a necessidade de organizar o trabalho. A informação seria um componente fundamental da organização, pois a partir do momento que o enfermeiro detém o conhecimento advindo das diferentes informações que lhe são repassadas, mais facilmente organiza seu cotidiano de trabalho.

Assim o processo de trabalho é "consagrado pelo uso para significar a elaboração de uma assistência de enfermagem sistematizada e organizada"(11:83). No depoimento que segue o enfermeiro ressalta a sistematização da assistência como instrumento de organização da unidade, o que não deixa de ser um instrumento do seu próprio processo de trabalho.

[...] estamos nos encaminhando para uma sistematização da assistência em termos de prescrição [...] sinto falta em relação a minha competência, ao meu trabalho, porque eu acho que a coisa ficaria mais organizada (Supervisão).

Kurgant refere que Fayol entende organizar como "construir o duplo organismo, material e social da empresa"(9:6) e o mesmo entendimento é expresso nos depoimentos que seguem.

(...) a boa assistência para o paciente precisa de uma unidade organizada, de materiais presentes, de equipe em número suficiente e isso são preceitos administrativos (Treinamento).

A unidade quando está organizada, com os funcionários todos presentes, sem faltas, com todo o material que a gente precisa, é muito tranqüilo trabalhar, é muito bom (Avaliação).

Eu quando chego na unidade eu trato logo de organizar tudo, dividir os funcionários, ver os exames, pedir o material que falta, organizar tudo, sabe? Fazer as coisas andarem de vez, para eu também poder trabalhar bem (Organização).

Percebemos que a organização parece uma condição para "trabalhar-se bem", que "as coisas" e as pessoas estando "organizadas", o processo de trabalho pode, aí, ser desenvolvido. Entretanto, a organização faz parte do processo de trabalho, como instrumental, e não apartado do interior deste processo.

3.2 Ações administrativas como cuidado direto/indireto

Essa categoria mostrou a realização de ações administrativas como pertinentes ao processo de cuidado.

Portanto "o cuidado refere-se às atividades, aos processos e as decisões (diretas ou indiretas) dirigidas ao indivíduo, grupo ou comunidade em situações de saúde/doença (evidentes ou potenciais)"(12:95).

Vejo a administração sempre intimamente ligada à assistência, porque o que se faz? Tu tens que saber dividir, mesmo que a administração te roube tempo, se tu não fizer, ninguém vai fazer (Organização).

Eu realizo essas ações administrativas naturalmente, porque eu não consigo fazer, bom agora eu estou administrando, agora eu estou assistindo, agora eu estou educando, agora eu estou pesquisando, tudo acontece muito ao mesmo tempo (Motivação).

Eu administro cuidando, educando, assistindo, todas numa só função (Treinamento).

Não existe mais essa questão de que se eu estou fazendo alguma coisa que não é diretamente com o paciente eu estou excluindo-o do meu trabalho, que eu sou "enfermesa" (Conflito).

Os enfermeiros exercem o cuidado, como parte de seu processo de trabalho e o percebem como um conjunto de atividades, que incluem as ações administrativas, assistenciais e outras, como a educação e a pesquisa.

Notamos, em nossa vivência prática em unidades hospitalares que, há algum tempo atrás, o enfermeiro não possuía essa visão unificada referente ao seu processo de trabalho, fazendo uma cisão entre administrar e cuidar, sendo que, muitas vezes, sentia-se culpado em exercer as ações administrativas e não "estar à cabeceira" do paciente.

A enfermagem é responsável pelo cuidado direto ao paciente em toda a sua integralidade como ser bio-psico-social. Através dos tempos, o trabalho do enfermeiro tem envolvido dois campos de atividades "como os cuidados e procedimentos assistenciais e o da administração da assistência de enfermagem e do espaço assistencial"(6:39). Neste estudo, os enfermeiros possuem uma visão bastante unificada desses dois campos citados, conforme as falas que seguem.

Bom, as ações administrativas eu considero e percebo elas como sendo incluídas em todo e qualquer atendimento que a gente preste ao cliente, ao paciente (Coordenação).

Não existe na enfermagem, mesmo que tu estudes durante a faculdade, que tu veja aquelas três funções: a administrativa, a educativa e a assistencial, elas se inserem juntas, não se diferenciam uma da outra, elas estão sempre em prol do cliente (Controle).

Eu percebo as ações administrativas como parte integrante e tão importante quanto as assistenciais [...], tem horas que tu tens que fazer tarefas puramente assistenciais, mas na maior parte do tempo elas se confundem [...] (Planejamento).

Quando eu estou verificando a necessidade de luvas para a unidade, eu estou cuidando do funcionário e também estou cuidando do paciente, para que ele tenha um cuidado de qualidade (Planejamento).

Existem organizações hospitalares que adotam a divisão de funções administrativas e assistenciais entre os enfermeiros. Então, aquele enfermeiro, que é responsável pelo campo administrativo, recebe inúmeras designações, como enfermeiro administrativo, enfermeiro máster, enfermeiro gerente, indo muitas vezes ao encontro do contexto, missão e objetivos da instituição, fragmentando, de qualquer forma, o processo de trabalho do profissional enfermeiro. Em alguns hospitais, inclusive, os enfermeiros ditos administrativos têm seus salários superiores em relação aos enfermeiros assistenciais, demonstrando a diferenciação existente e sendo um cargo a ser almejado economicamente.

Há algum tempo atrás eu era enfermeira administrativa,mas agora não existe mais esta figura aqui no hospital [...] (Motivação).

Neste aspecto,

administrar é um processo de cuidar indireto porque quando você está planejando, organizando, coordenando [...], você está pensando, elaborando atividades que visam a qualidade da assistência (dos cuidados), a qualidade da vida (o bem viver) dos seres humanos seus clientes. Seja através de atividades com a Equipe de Enfermagem, seja em parceria com outros profissionais e com a própria população, nesse momento do processo de trabalho da enfermagem você está indiretamente cuidando(12:69).

(...) como a gente diz, a assistência indireta prestada ao cliente, então quando a gente presta um cuidado direto ao cliente tem que ter essa parte administrativa fundamentando, que pra mim é o cuidado indireto ao cliente, mas que também é responsável pela qualidade da assistência prestada (Motivação).

Pra mim as ações administrativas estão implícitas na assistência de enfermagem. Não vejo o enfermeiro que só administra, eu acho que o enfermeiro presta uma assistência de enfermagem ao paciente [...] o planejamento da assistência é feito para que o cuidado seja efetuado (Treinamento).

Os enfermeiros compreendem que administrar é cuidar, já que se destina a uma finalidade imediata, para organizar o cuidado, e uma mediata, para prover condições de adequada realização do mesmo. Quando os enfermeiros planejam, organizam, avaliam e coordenam, eles também estão cuidando.

4 Considerações finais

Durante a revisão bibliográfica para este estudo, verificou-se que as ações administrativas de enfermagem antecedem às teorias da enfermagem moderna, quando as religiosas assumiam simultaneamente as atividades de enfermagem e a administração interna dos hospitais, desempenhando as funções de controle, coordenação, supervisão, avaliação e planejamento, mesmo que de forma empírica.

Florence Nightingale analisou e sistematizou essas funções experimentando-as e teorizando-as, o que lhe permitiu sucesso em suas intervenções de enfermagem e perpetuação de alguns de seus preceitos até os dias atuais.

A execução destas ações administrativas tornou-se mais evidente com a divisão técnica e social do trabalho da enfermagem, caracterizando-se como atividades eminentemente intelectuais e, assim, fonte de prestígio para o enfermeiro.

Com o passar do tempo, vem-se observando, cada vez mais, o enfermeiro incorporando ações administrativas a sua prática profissional, cuja execução vem distinguindo o enfermeiro dos demais profissionais da equipe de saúde.

Durante o estudo, observamos que as ações administrativas são uma constante no processo de trabalho do enfermeiro e que fazem parte de seu instrumental, juntamente com o conhecimento próprio da profissão e a tecnologia, entre outros, pois são recursos utilizados para modificar o objeto (sujeito), para que este receba uma assistência de qualidade como produto final.

A pesquisa não objetivava, contudo, verificar quais os tipos de ações administrativas executadas pelos enfermeiros e, sim, suas percepções acerca das mesmas, sendo que nesta busca diversas categorias temáticas foram levantadas, categorias estas que se embricam, entrelaçam e que podem projetar outras tantas categorias.

Constatamos que na categoria Ações Administrativas como Instrumento de Gerenciamento, os profissionais percebem as ações administrativas como forma de planejamento, coordenação do trabalho coletivo, liderança, controle, detenção da informação e organização. Estas funções não diferem em sinonímia daquelas já apregoadas por Fayol, quando enfocou as funções das organizações e, em particular, as funções administrativas. Nesta categoria, igualmente, ficou claro que as organizações são determinantes do papel que os enfermeiros devem desempenhar em relação às ações administrativas, segundo o contexto organizacional.

A categoria Ações Administrativas como Instrumento de Cuidado Direto/Indireto retrata, na visão dos enfermeiros, a fusão das ações administrativas com as ações assistenciais, pois, as ações de cunho administrativo desenvolvidas pelo enfermeiro têm como objetivo um único produto, o cuidado de qualidade ao cliente. Os enfermeiros têm o entendimento de que suas ações administrativas estão voltadas para a concretização desse cuidado.

Observou-se, igualmente, no decorrer do estudo que muitas das ações administrativas realizadas pelos enfermeiros são inerentes a sua função, conforme apregoa o Código de Exercício do Profissional Enfermeiro, e são fundamentais para que se alcance uma assistência de enfermagem eficiente e eficaz.

Acreditamos que a temática Ações Administrativas não se encerra neste estudo, pelo seu caráter primário, mas pode servir como reflexão acerca do trabalho do enfermeiro.

Data de Recebimento: 11/05/2004

Data de Aprovação: 24/08/2004

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Fev 2011
  • Data do Fascículo
    Jun 2004

Histórico

  • Aceito
    24 Ago 2004
  • Recebido
    11 Maio 2004
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