Análise da coragem moral e fatores relacionados entre estudantes de graduação em enfermagem: scoping review

RESUMO

Objetivo:

analisar as evidências científicas sobre a coragem moral e fatores relacionados entre estudantes de graduação em enfermagem.

Métodos:

trata-se de uma scoping review com protocolo registrado no Open Science Framework, realizada em cinco bases de dados, conforme método do Joanna Briggs Institute Reviewers, estratégia mnemônica População, Conceito e Contexto, e checklist específico.

Resultados:

identificou-se 2.812 resultados, sendo que nove estudos foram elegidos. Três enfoques temáticos foram identificados: Percepção da coragem moral pelos estudantes de enfermagem; Coragem moral e fatores relacionados; e Ensino da coragem moral no âmbito da formação de estudantes de enfermagem. Dentre os fatores relacionados com a coragem moral, destacou-se o sofrimento moral, a sensibilidade moral, a idade e a presença de um diploma anterior na área da saúde.

Considerações Finais:

evidenciou-se poucas publicações e com baixo nível de evidência, sendo oriundas majoritariamente de países desenvolvidos, indicando que lacunas ainda precisam ser preenchidas.

Descritores:
Estudantes de Enfermagem; Ética em Enfermagem; Coragem; Moral; Revisão.

ABSTRACT

Objective:

to analyze scientific evidence on moral courage and related factors among nursing undergraduate students.

Method:

the protocol of this scoping review was registered on Open Science Framework. A search was performed in five databases, according to the method provided by Joanna Briggs Institute Reviewers, the mnemonic strategy Population, Concept and Context, and a specific checklist.

Results:

a total of 2,812 results were identified, but only nine studies were eligible and presented three thematic approaches: Moral courage from the perspective of nursing students; Moral courage and related factors; and The teaching of moral courage in the training of nursing students. The factors related to moral courage include moral distress, moral sensitivity, age, and having a previous degree in the health field.

Final Considerations:

few studies were found with a low evidence level. Most were performed in developed countries, indicating some gaps that need to be addressed in the future.

Descriptors:
Nursing Students; Nursing Ethics; Courage; Morale; Review.

RESUMEN

Objetivo:

analizar las evidencias científicas sobre el coraje moral y factores relacionados entre estudiantes de graduación en enfermería.

Métodos:

se trata de un scoping review con protocolo registrado en el Open Science Framework, realizado en cinco bases de datos, conforme método de Joanna Briggs Institute Reviewers, estrategia mnemónica Población, Concepto y Contexto, y checklist específico.

Resultados:

se identificaron 2.812 resultados, siendo que nueve estudios fueron seleccionados. Tres enfoques temáticos fueron identificados: Percepción del coraje moral por los estudiantes de enfermería; Coraje moral y factores relacionados; y, la Enseñanza del coraje moral en el ámbito de la formación de estudiantes de enfermería. Entre los factores relacionados con el coraje moral, se destacaron el sufrimiento moral, la sensibilidad moral, la edad y la presencia de un título anterior en el área de la salud.

Consideraciones Finales:

se evidenciaron pocas publicaciones y con bajo nivel de evidencias provenientes, mayoritariamente, de países desarrollados, indicando que existen vacíos que necesitan ser llenados.

Descriptores:
Estudiantes de Enfermería; Ética en Enfermería; Coraje; Moral; Revisión.

INTRODUÇÃO

Os trabalhadores da saúde vivenciam cotidianamente situações que os colocam frente a frente com desafios éticos e podem levar ao esgotamento profissional e sofrimento moral(¹-²). A ocorrência do sofrimento moral se dá quando os enfermeiros são incapazes de agir de acordo com seu próprio julgamento profissional e/ou valores pessoais, em decorrência de restrições externas ou características internas, podendo impactar negativamente de várias maneiras na vida pessoal e profissional dos enfermeiros, seja na saúde física, emocional ou psicológica, sendo que, em última instância, pode acabar repercutindo também na assistência, prejudicando os pacientes(³).

Verifica-se que os estudantes de enfermagem podem experenciar regularmente violações da segurança e dignidade do paciente durante a prática clínica, e a maioria deles não consegue agir contra essas práticas inadequadas; mesmo que alguns consigam desafiá-las indiretamente, os pacientes ainda podem se encontrar em risco e o estudante entrar em sofrimento moral contínuo(⁴).

Diante disso, a coragem moral é vista como uma virtude valiosa, responsável por ajudar estudantes e profissionais de enfermagem no processo de tomadas de decisões morais corretas e éticas, apesar das consequências danosas para si próprios(⁵). Um dos requisitos para estabelecer uma prática moral, exigida no exercício da enfermagem, é a capacidade dos profissionais da enfermagem pensarem e agirem moralmente e eticamente(⁶). A coragem moral em enfermagem apresenta muitas dimensões e níveis, sendo reconhecida nos profissionais da enfermagem por meio de alguns atributos, a saber: presença verdadeira, integridade moral, responsabilidade, honestidade, defesa, compromisso e perseverança e sacrifício pessoal(⁶).

Nesse contexto, uma das formas da enfermagem garantir a segurança do paciente é através do desenvolvimento de ações com coragem moral. Apesar dos atos que envolvem essa virtude nem sempre serem percebidos, estão na prática cotidiana o tempo todo. Mesmo que os estudantes de enfermagem sejam ensinados na academia a reconhecer sua própria moral e valores, eles nem sempre conseguem ou escolhem ser corajosos e falar abertamente sobre práticas inadequadas(⁷).

Não obstante, há ainda a simplificação de conteúdos por parte de inúmeros currículos educacionais na área da saúde, que acabam, muitas vezes, excluindo conhecimentos essenciais dentro da ética e moral. Em adição, o cenário atual da saúde exige que todos os profissionais da saúde desempenhem suas funções e demonstrem suas atitudes de maneira ética e moral(⁸). Refere-se que, ao embasar seus atos em valores éticos, os trabalhadores da saúde parecem estar mais protegidos no tocante às suas decisões, beneficiando os pacientes, assim como eles mesmos. Nessa perspectiva, um exercício que pode ser eficaz na prática da enfermagem são os questionamentos, estranhamentos e problematizações da realidade vivenciada diariamente nos serviços de saúde(⁹).

Uma recente revisão integrativa da literatura(¹⁰) foi a primeira tentativa de sintetizar o conhecimento acerca da coragem moral na enfermagem. Por intermédio de uma busca sistemática em bancos de dados, a revisão apresentou conceitos-chave para uma maior compreensão da coragem moral, destacando-se a definição e descrições acerca da coragem moral, características que um enfermeiro moralmente corajoso precisa apresentar, e habilidades e atos de um enfermeiro com coragem moral. Uma outra revisão(⁴) abordou o tema com estudantes de enfermagem, mas se limitou a explorar os fatores que facilitam ou inibem a disposição dos estudantes de graduação em enfermagem para demonstrar coragem moral em situações de mau atendimento ao paciente. Foi identificado que a maioria dos estudantes não apresentam coragem moral para intervir ou se manifestar diante dessas situações.

A literatura(⁴,¹⁰) converge na necessidade de novas pesquisas de diferentes metodologias para explorar com maior profundidade o fenômeno e compreender conceitos e aspectos relacionados à coragem moral na enfermagem que ainda permanecem obscuros. Inclusive no meio acadêmico, que demanda a identificação de meios como os estudantes de enfermagem demonstram coragem moral, observando-se a capacidade de influência dessas descobertas nas atitudes, valores e comportamentos de futuros acadêmicos(⁴).

A partir de uma ampla busca em bases de dados, verificou-se que nenhum estudo analisou sistematicamente as evidências científicas sobre a coragem moral e os fatores relacionados entre estudantes de enfermagem. Com base nisso, e considerando que a coragem moral na enfermagem é uma importante virtude moral que pode contribuir para a segurança do paciente, trabalho em equipe, resiliência moral e para amenizar o sofrimento moral(²), desenvolveu-se o presente estudo.

OBJETIVO

Analisar as evidências científicas sobre a coragem moral e os fatores relacionados entre estudantes de graduação em enfermagem.

MÉTODOS

Trata-se de uma revisão de escopo (scoping study ou scoping review), realizada de acordo com o método disposto pelo Joanna Briggs Institute Reviewers. As revisões de escopo são realizadas com intuito de identificar uma gama de evidências disponíveis na literatura. São úteis para examinar evidências emergentes quando não se tem clareza, podendo implicar na emergência de outras questões mais específicas. Foram seguidas cinco etapas: 1) identificação da questão de pesquisa; 2) identificação dos estudos relevantes; 3) seleção dos estudos; 4) análise dos dados; 5) agrupamento, síntese e apresentação dos dados(¹¹). O protocolo deste estudo foi registrado na Open Science Framework (https://osf.io/tsf8v), e sua elaboração seguiu o checklist de verificação PRISMA-ScR próprio para esse tipo de revisão(¹²).

Empregou-se a estratégia PCC, sendo que (P) representa “população”; (C) - “conceito”; e (C) - “contexto”. Nesse caso, (P) - estudantes de enfermagem; (C) - coragem moral e fatores relacionados; e (C) - cursos de graduação em enfermagem. Logo, constituiu-se como pergunta de pesquisa: quais as evidências científicas sobre a coragem moral e seus fatores relacionados entre estudantes dos cursos de graduação em enfermagem?

Definiu-se como critérios de inclusão: estudos originais publicados e disponíveis nos idiomas inglês, português e espanhol; que tratavam da coragem moral em estudantes de enfermagem. Não foi estabelecido limite temporal para seleção dos estudos. Foram critérios de exclusão: estudos duplicados; editoriais; relatos de experiência; ensaios teóricos; estudos de reflexão; livros; e outras revisões.

A busca e a seleção dos estudos ocorreram entre os meses de novembro e dezembro de 2021, conduzidas por dois pesquisadores independentes. Divergências foram resolvidas por meio de um terceiro pesquisador independente. As bases de dados consultadas foram as seguintes: Web of Science (Clarivate), Medical Literature Analysis and Retrieval System Online via US National Library of Medicine (MEDLINE/Pubmed), Scopus (Elsevier); Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL) e Literatura Latino Americana e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (LILACS).

As estratégias de busca foram executadas a partir da combinação dos operadores booleanos “AND” e “OR” com os seguintes termos: “moral courage”, “moral strength”, “moral integrity”, “nursing students” e “nursing student”. Devido a inexistência de um descritor exato de coragem moral inscrito no Medical Subject Headings (MeSH), esse termo e termos correlatos dispostos na literatura(¹⁰) foram utilizados para alcançar os resultados desejados. As estratégias de busca encontram-se descritas no Quadro 1.

Quadro 1
Estratégias de busca por base de dados, 2021

Base de dados	Estratégias de busca empregadas
Web of Science	(“moral courage”) AND (“nursing students”) (ALL (“moral courage”) OR ALL (“moral strength”) OR ALL (“moral integrity”) AND ALL (“nursing students” OR “nursing student”)
MEDLINE/Pubmed	(“moral courage”) AND (“nursing students”) (“moral courage”) OR (“moral strength”)) OR (“moral integrity”)) AND (“nursing students”) OR (“nursing student”) ((((“moral courage”) OR (“moral strength”)) OR (“moral integrity”))) AND (“nursing students” OR “nursing student”)
Scopus	(“moral courage”) AND (“nursing students”) (ALL (“moral courage”) OR ALL (“moral strength”) OR ALL (“moral integrity”) AND ALL (“nursing students” OR “nursing student”)
CINAHL	(“moral courage”) AND (“nursing students”) ((((“moral courage”) OR (“moral strength”)) OR (“moral integrity”))) AND (“nursing students” OR “nursing student”)
LILACS	(“moral courage”) AND (“nursing students”) (“moral courage” OR “moral strength” OR “moral integrity”) AND (“nursing students”) (“moral courage” OR “moral strength” OR “moral integrity”) AND (“nursing student”)

Logo após a identificação dos estudos, ocorreu a exportação dos mesmos para o software gerenciador de referências, Mendley^®, com o intuito de verificar as publicações duplicadas e trabalhar com as referências encontradas. Os estudos foram selecionados conforme os critérios de inclusão e exclusão previamente apresentados.

O nível de evidência foi avaliado; revisões sistemáticas ou metanálise de ensaios clínicos relevantes foram classificadas no nível I; evidências de ensaio clínicos randomizados no nível II; ensaios clínicos não randomizados no nível III; estudos de coorte e caso-controle bem delineados no nível IV; revisão sistemática de pesquisas descritivas e qualitativas no nível V; evidências de estudos descritivos ou qualitativos no nível VI; e opiniões de especialistas ou comitês de especialistas sem base em pesquisas científicas no nível VII(¹³).

Uma análise dos estudos foi procedida, após leitura e avaliação das publicações na íntegra. Um instrumento de elaboração própria, contendo referência do estudo, ano, país, periódico, nível de evidência, objetivo, metodologia, resultados e conclusões, auxiliou nessa etapa. Os resultados e conclusões foram agrupados e descritos a partir dos enfoques temáticos de cada estudo.

RESULTADOS

A busca na literatura retornou 2.812 resultados. Após remoção dos estudos duplicados, leitura de resumos e títulos, leitura na íntegra, e aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados e incluídos nove estudos(¹⁴-²²) na presente revisão. A Figura 1 demonstra o processo de seleção.

Figura 1
Fluxograma PRISMA-ScR de seleção dos artigos, 2021

Características dos estudos

Com relação ao ano de publicação, um estudo (11%) foi publicado no ano de 2014(²⁰), dois (22%) no ano de 2016(¹⁴,²²), dois (22%) no ano de 2018(¹⁶,¹⁹), um (11%) no ano de 2019(²¹), um (11%) no ano de 2020(¹⁷), e dois (22%) no ano de 2021(¹⁵,¹⁸). A origem e localização dos estudos foram Estados Unidos da América(¹⁷,²¹-²²), Austrália(¹⁴), Irã(¹⁹), Reino Unido(²⁰) e Filipinas(¹⁶). Além disso, dois estudos multicêntricos foram identificados, um realizado na Espanha e México(¹⁵) e outro na Espanha, Finlândia, Islândia, Alemanha, Lituânia e Irlanda(¹⁸).

No que se refere ao desenho metodológico, foram encontrados seis estudos de abordagem quantitativa transversal(¹⁵-¹⁹,²¹) e três estudos de abordagem qualitativa descritiva(¹⁴,²⁰,²²). Quanto ao nível de evidência, todos os estudos (100%) foram classificados com o nível de evidência VI(¹⁴-²²). Com relação ao idioma de publicação, os nove estudos (100%) estavam no idioma inglês(¹⁴-²²). A sinopse dos estudos contendo código atribuído (ID), país de origem, periódico, delineamento metodológico, participantes e nível de evidência (NE) encontra-se no Quadro 2.

Quadro 2
Sinopse dos estudos sobre coragem moral em estudantes de graduação em enfermagem, 2021

ID	País	Periódico	Delineamento metodológico	Participantes	NE
A1(14)	Austrália	Nurse Education Today	Descritivo	Estudantes de enfermagem (n=9) e um enfermeiro recém formado (n=1)	VI
A2(15)	Espanha e México	International Journal of Environmental Research and Public Health	Transversal	90 profissionais de saúde espanhóis e 59 mexicanos; 56 estudantes de medicina e enfermagem.	VI
A3(16)	Filipinas	International Journal Eating Disorders	Transversal	293 alunos de bacharelado em enfermagem filipinos	VI
A4(17)	Estados Unidos da América	The Journal of nursing education	Transversal	Estudantes de enfermagem de três locais	VI
A5(18)	Espanha, Finlândia, Islândia, Alemanha, Lituânia e Irlanda	Nursing ethics	Transversal	Estudantes de enfermagem graduados (n = 1.796); enfermeiros gerentes (n = 538); e pacientes (n = 1327)	VI
A6(19)	Irã	Astra Salvensis	Transversal	Estudantes de enfermagem (n= 185)	VI
A7(20)	Reino Unido	Nursing Ethics	Descritivo	Mentores / supervisores de estudantes de enfermagem (n= 19)	VI
A8(21)	Estados Unidos da América	SAGE open nursing	Transversal	Estudantes de enfermagem (n=19) e docentes de enfermagem (n=8)	VI
A9(22)	Estados Unidos da América	Nursing Ethics	Descritivo	Estudantes de enfermagem (n=15)	VI

Podem ser elencados três enfoques temáticos principais nas publicações acerca da coragem moral em estudantes de enfermagem, a saber: Percepção da coragem moral pelos estudantes de enfermagem; Coragem moral e fatores relacionados; e Ensino da coragem moral no âmbito da formação de estudantes de enfermagem. A Tabela 1 apresenta os enfoques temáticos e os respectivos estudos em que cada enfoque foi observado.

Tabela 1
Principais enfoques temáticos dos estudos incluídos (n=9), Brasil, 2021

Enfoque temático	ID dos estudos	n	%
Percepção da coragem moral pelos estudantes de enfermagem	A1	1	11,1
Coragem moral e fatores relacionados	A2, A3, A4, A5, A6	5	55,6
Ensino da coragem moral no âmbito da formação de estudantes de enfermagem	A7, A8, A9	3	33,3

Percepção da coragem moral pelos estudantes de enfermagem

Destacou-se(¹⁴) que a coragem moral foi entendida pelos estudantes como uma defesa do que acreditavam ser certo, mesmo que fosse difícil, podendo enfrentar consequências negativas, ao desafiar o contexto de uma prática inadequada. No entanto, os participantes também acrescentaram que a coragem moral vem de uma reação instintiva e denota saber intuitivamente a ação certa a ser tomada. Evidenciou-se ainda a forte identidade de defensor do paciente na visão dos estudantes. Para os estudantes, há ainda um risco envolvido em demonstrar coragem moral, pois poderiam sofrer consequências negativas de suas ações, risco caracterizado pelo ostracismo e violência horizontal praticada por outros membros da equipe. Ademais, enfermeiros supervisores e facilitadores clínicos merecem destaque como indivíduos-chave, pois exercem grande impacto nas decisões dos estudantes ao questionar as práticas inadequadas, a partir da garantia e validação das ações, assim como pela presença física na instituição e oferta de conselhos práticos sobre como comunicar suas preocupações ou resolver os problemas(¹⁴).

Coragem moral e fatores relacionados

Apontou-se(¹⁵) que profissionais mexicanos tiveram maior coragem moral do que profissionais espanhóis e estudantes, evidenciando diferenças culturais entre países. Além disso, a coragem moral pode predizer transtorno de ansiedade, transtorno de estresse agudo e a presença de um transtorno mental, considerando que o indivíduo pode estar suscetível ao sofrimento moral quando é impossível que aja de acordo com seus valores morais. Em contrapartida, o propósito de vida foi visto como um papel protetor no surgimento da psicopatologia. Esses dados precisam ser melhor explorados pela literatura.

Evidenciou-se ainda que a frequência de sofrimento moral teve relação negativa com a coragem moral. A intensidade do sofrimento moral também se mostrou positivamente correlacionada com a coragem moral. Além disso, a sensibilidade moral (capacidade identificar questões morais) também foi relacionada positivamente com a coragem moral em suas diferentes dimensões apontadas pela literatura(¹⁶).

Em outras evidências(¹⁷), os alunos relataram níveis leves de sofrimento moral e a resiliência moral foi significativamente correlacionada com coragem moral, idade e aos alunos com um diploma anterior. Destacou-se(¹⁸) que a média de autoavaliação da coragem moral dos graduandos de enfermagem foi de 77,8 (escala de 0 a 100), com diferenças estatisticamente significativas entre os seis países estudados (Espanha, Finlândia, Islândia, Alemanha, Lituânia e Irlanda).

Verificou-se ainda(¹⁸) que a coragem moral mais elevada foi associada especialmente ao nível de competência profissional. Em uma avaliação do nível de coragem moral de graduandos de enfermagem realizada por gestores, pacientes e os próprios graduandos, os gestores avaliaram a coragem moral dos graduandos de enfermagem com um nível menor, enquanto os pacientes atribuíram nível maior, em comparação com a avaliação dos próprios graduandos de enfermagem. A coragem moral autoavaliada pelos estudantes foi associada com ser mais velho, ter mais experiência de trabalho na área de saúde, ter um diploma anterior na área da saúde, ter plano de carreira de enfermagem, avaliar o aproveitamento escolar como excelente ou estar insatisfeito com a profissão de enfermagem. Também se associou com maior confiança em seus princípios éticos, avaliar a enfermagem como valorizada em seu país e avaliar sua competência profissional em um nível elevado.

Em outra evidência(¹⁹), identificou-se um escore médio de coragem moral para estudantes de enfermagem de 52,75 (variação 15-75), sendo que as dimensões médias mais altas e mais baixas foram relacionadas ao fator moral e a tolerância à ameaça. O nível educacional e a escolha da enfermagem com interesse também foram positivamente associados à coragem moral.

Ensino da coragem moral no âmbito da formação de estudantes de enfermagem

Estudo realizado com enfermeiros mentores/supervisores(²⁰) apontou as experiências dos mesmos na reprovação de estudantes de enfermagem, desvelando um novo horizonte de compreensão; a coragem moral na mentoria, trazendo a questão da compreensão do fracasso, o que isso significa para os mentores, como e por que eles reprovam os alunos e a cultura da tutoria. Três temas-chave foram identificados, sendo estes: preço pessoal; senso de responsabilidade; e responsabilidade profissional e ter força, elementos associados à virtude da coragem moral. Os enfermeiros mentores que reprovaram os alunos consideravam ter um senso de dever moral que se estendia a alunos e pacientes, através de suas decisões tomadas sobre a aptidão do aluno para a prática, existindo uma obrigação moral de reprovar um aluno que não está apto para a prática com seu dever final de cuidar das pessoas.

Em um programa de currículo de bacharelado acelerado em enfermagem (ABSN), o corpo docente observou um crescimento significativo para quatro dos cinco valores relacionados à coragem moral dos pesquisados quatro semanas após o início e no final do programa. Honestidade, responsabilidade, justiça e compaixão foram todos positivamente significativos. Para 27 dos 29 alunos da ABSN que responderam ao questionário de saída, as respostas variaram de respeito e responsabilidade em 73%, compaixão e honestidade em 78% e justiça em 82%. Atividades de ensino-aprendizagem para construir valores de coragem moral promoveram com sucesso o objetivo do programa(²¹).

Os estudantes de enfermagem demandaram coragem moral para prestar ajuda às pessoas em situação de rua acerca das diretivas antecipadas. Durante um treinamento para ofertar uma oficina de diretivas antecipadas para pessoas em situação de rua, observou-se maior necessidade de coragem moral anteriormente à realização da oficina do que propriamente no momento da oficina(²²).

DISCUSSÃO

Dos nove estudos (100%) identificados na presente revisão, a maioria (66,7%) foi publicada nos últimos cinco anos. Esse fato demonstra que apesar do foco de investigação na temática sobre coragem moral ser recente, há tendência de crescimento, podendo estar alinhada às perspectivas recentes do sofrimento moral em relação aos conflitos éticos vivenciados no contexto acadêmico e da pandemia de covid-19, assim como às discussões que antecedem a “Nursing Now”. A maioria dessas publicações (88,9%) é proveniente de países sabidamente desenvolvidos, indicando a predominância dos mesmos no âmbito da pesquisa acadêmica, a qual pode resultar de maiores fontes públicas de financiamento(²³).

A abordagem quantitativa e delineamento transversal prevaleceram (66,7%) e todos os estudos selecionados (100%) foram classificados com o nível de evidência VI(¹³), o que os classifica como fraco nível de força(²⁴). Sugere-se a realização de novos estudos que se apropriem de delineamentos mais robustos e possibilitem evidências com forte nível de força.

Três enfoques principais foram evidenciados nos estudos. Em um (11,1%) dos estudos(¹⁴), o enfoque estava na percepção da coragem moral pelos estudantes de enfermagem. A abordagem do entendimento dos alunos da coragem moral foi como uma defesa daquilo que acreditam ser certo, destacando-se o papel do aluno de defensor do paciente, devendo advogar por este último. Em acordo, estudo anterior aponta(⁴) que isso se deve ao fato de os estudantes de enfermagem serem instigados desde o começo de seus estudos a assumirem esse papel de defensor dos pacientes. Entretanto, o desempenho dessa função traz consigo o risco do insucesso e a necessidade de coragem por parte da enfermagem.

Em estudo encontrado nessa revisão(¹⁴), os estudantes reconheceram o risco de consequências negativas ao agir com coragem moral. No cotidiano dos serviços de saúde, elementos intrincados, próprios da estrutura organizacional dos mesmos e das relações de poder estabelecidas, são desafiadores e desencorajadores do desenvolvimento de ações morais e éticas em consonância com o conhecimento e consciência de cada profissional, e acarretam em situações reconhecidas como sofrimento moral(²⁵).

Nesse sentido, resultado de estudo incluído na revisão aponta para elementos-chave e indivíduos-chave que facilitam o processo de agir com coragem moral, como os enfermeiros supervisores e facilitadores(¹⁴). Na prática da enfermagem, alguns elementos facilitam o processo de intervenção com vistas à ética e advocacia do paciente, sendo que os ambientes de trabalho são fundamentais para isso. Alguns facilitadores são as relações fortalecidas entre os trabalhadores da saúde nos seus locais de trabalho, a construção de uma atmosfera favorável de trabalho que facilite o exercício da autonomia, o auxílio dos gestores, um espaço aberto e verdadeiro para dialogar, o domínio do conhecimento clínico, o empreendimento de ações de educação permanente e o desenvolvimento de competências morais(²⁵).

A maioria dos estudos (55,6%)(¹⁵-¹⁹) enfocou na prevalência e fatores associados à coragem moral, isto é, na identificação do nível de coragem moral e sua relação com outros objetos de estudo na amostra constituída por estudantes de enfermagem. Dois estudos (22,2%)(¹⁸-¹⁹) descreveram o nível de autoavaliação de coragem moral pelos estudantes em seus resultados, que foi 77,8 (escala de 0 a 100) em acadêmicos de seis países europeus(¹⁸), e 52,75 em alunos de enfermagem iranianos(¹⁹).

Recentemente, um instrumento foi desenvolvido e validado para autoavaliação da coragem moral na enfermagem, mensurando-a por meio de quatro dimensões: compaixão e presença verdadeira, responsabilidade moral, integridade moral e compromisso com o bom cuidado. Na avaliação da coragem moral de enfermeiros utilizando esse instrumento, as pontuações obtidas foram bastante altas(²⁶), em consonância com os resultados dos estudos desta revisão. No entanto, pondera-se que autoavaliações elevadas de estudantes de enfermagem podem estar relacionadas a dificuldades de avaliar um conceito tão complexo e abstrato como a coragem moral(²⁷).

Nas pesquisas incluídas na presente revisão, observou-se diferenças estatísticas da coragem moral entre diferentes países(¹⁵,¹⁸), bem como o papel preditor da coragem moral no transtorno de ansiedade, estresse agudo e na presença de transtorno mental(¹⁵). As diferenças entre os países podem ser explicadas pelas diferenças culturais e até mesmo pelo ensino da ética em cada nação(¹⁸). Nenhum estudo anterior explorou a relação preditora da coragem moral e a ansiedade e estresse(¹⁵). Sugere-se que essa relação possa ser explicada por meio do sofrimento moral, uma vez que está presente uma dissonância entre as expectativas do profissional em relação ao que ele pode fazer na prática, sendo que aqueles com maior coragem moral e meios para agir de modo correto quando impedidos têm maior propensão a desenvolver uma psicopatologia(²⁸).

Na análise dos estudos, verificou-se ainda relação negativa da coragem moral com o sofrimento moral e relação positiva com a sensibilidade moral(¹⁶). Além disso, coragem moral se associou positivamente com a resiliência moral(¹⁷), nível de competência profissional, ser mais velho, ter mais experiência e diploma na área da saúde e características relacionadas ao curso e à profissão(¹⁸), bem como nível educacional e escolha da enfermagem com interesse(¹⁹).

A literatura já comprovou associação da coragem moral com o sofrimento moral e resiliência moral, de forma negativa e positiva, respectivamente(²). Da mesma forma, a relação da coragem moral com a sensibilidade moral e competência profissional já foram estabelecidas por estudos anteriores, assim como a da coragem moral com características sociodemográficas e relacionadas ao curso e a profissão(²⁹-³¹). No entanto, estudo selecionado nesta revisão(¹⁸) destaca a inconsistência no resultado acerca da satisfação com o curso, uma vez que a coragem moral se associou com avaliar o aproveitamento escolar como excelente e estar insatisfeito com a profissão de enfermagem. Desse modo, esses fatores devem ser explorados em novos estudos.

Com relação ao ensino da coragem moral no âmbito da formação dos estudantes de enfermagem, três estudos(²⁰-²²) (33,3%) versaram sobre esse enfoque temático. Destacou-se o papel da mentoria / supervisão dos estudantes para o agir com coragem moral(²⁰), a necessidade de um currículo desenhado com base nos valores da coragem moral(²¹), bem como a importância de trabalhar temas específicos dentro da coragem moral(²²).

Evidencia-se que a coragem é essencial para os profissionais que ingressam na área da saúde. A equipe interprofissional de atendimento aos pacientes inclui os estudantes de enfermagem, os quais passam por situações que demandam atitudes intencionais de coragem. Ao escolher superar medos e cumprir com seu dever de cuidar dos pacientes, sendo defensores destes e de si mesmos, exibem a coragem moral. Nesse contexto, os educadores precisam possibilitar a coragem do aluno, estando disponíveis nos momentos que o aluno mais necessitar, ou seja, nas situações que demandem coragem(⁷).

Em momentos em que o aluno emplaca um relacionamento de respeito mútuo com seu mentor, ele se torna confiante para fazer questionamentos e agir mediante práticas inadequadas. Em contrapartida, o contrário também é verdadeiro; na presença de um relacionamento negativo, se torna mais provável que o aluno permaneça em silêncio e não questione essas práticas. Do mesmo modo, se o aluno desenvolve uma intervenção e recebe um retorno positivo, ele tem maiores chances de repetir essas ações positivas, enquanto que, quando o aluno é menosprezado, intimidado ou ignorado, observa-se um cenário de omissão na presença de uma prática ruim(⁴).

Nessa perspectiva, afirma-se que a coragem moral deve ser trabalhada antes dos enfermeiros exercitarem a profissão. Uma maneira de fazer isso é por meio de simulações envolvendo dilemas morais, além de outras estratégias que visem aumentar a consciência moral e a propriedade moral(⁸). É necessário estimular a capacidade de tomar decisões éticas e agir diante disso(³²). Assim, os currículos de enfermagem devem fazer uso de metodologias pedagógicas que valorizem a aprendizagem experiencial, valorizando-se a literatura precedente que reforça o conceito de coragem moral e seu funcionamento no âmbito acadêmico e da prática clínica(⁷).

Os estudantes de enfermagem são o futuro da profissão e desse modo, a valorização e discussão de problemas éticos na formação desses alunos dão subsídios para que eles possam estabelecer alternativas para implementar as mudanças necessárias. Assim, o sofrimento moral pode ser enfrentado, de modo que a enfermagem continue a ser representada como uma profissão crítica e ativa, assim como responsável com o estado educacional e de saúde, prezando pelo respeito à vida de pacientes, estudantes e profissionais(³³). Por fim, os ambientes profissionais de trabalho da enfermagem devem acolher a reflexão crítica e valorizar pela primazia da discussão aberta, se tornando assim mais fácil a prática da ética(³²).

Limitações do Estudo

Essa revisão apresenta como limitações a inclusão de publicações apenas em língua portuguesa, inglesa e espanhol e a exclusão de alguns tipos de publicações. Uma limitação adicional é a não inclusão de artigos de fontes adicionais. Esses fatores podem ter limitado o acesso a outros estudos que poderiam apresentar dados relevantes.

Contribuições para a Enfermagem

O estudo traz importantes implicações para o ensino e prática da enfermagem. Os estudos apontaram a percepção da coragem moral pelos estudantes de enfermagem, os níveis de coragem moral dos estudantes, bem como os fatores associados a essa virtude ética, e ainda práticas de ensino relacionadas à coragem moral. Os dados dão subsídios para que a educação em enfermagem possa discutir e implementar práticas voltadas à promoção da coragem moral no contexto acadêmico e à importância da virtude da coragem moral na formação e no exercício enfermagem.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente revisão de escopo analisou as evidências científicas sobre a coragem moral em estudantes de graduação em enfermagem. Essas evidências apontam para um baixo nível de evidência e fraco nível de força. No entanto, visualiza-se uma tendência de crescimento na produção acerca do tema. Com exceção de um, os estudos são oriundos de países desenvolvidos, e indicaram um alto nível de coragem moral. Contudo, essa realidade pode ser diferente nos países em desenvolvimento, que não possuem estudos sobre a temática, resultando em uma lacuna importante.

É possível afirmar a existência de evidências sobre a coragem moral em estudantes de enfermagem com três enfoques temáticos que perpassam aspectos relativos à percepção da coragem moral pelos alunos, o nível de coragem moral e fatores relacionados, e ainda acerca do ensino da coragem moral a esses estudantes. Os estudos apontam como fatores relacionados à coragem moral, o sofrimento moral, a sensibilidade moral, a idade, a presença de um diploma anterior na área da saúde, dentre outros. Além disso, foi identificado que a coragem moral pode predizer transtorno de ansiedade, transtorno de estresse agudo, e a presença de um transtorno mental.

Embora esses estudos sejam cruciais para o avanço do conhecimento na área, questões importantes ainda permanecem obscuras, principalmente relativas à associação da coragem moral com transtornos mentais e com a satisfação com o curso e a profissão da enfermagem. Assim, estudos com delineamentos mais robustos devem ser desenvolvidos para esclarecer essas questões e explorar de forma mais aprofundada a coragem moral em estudantes de enfermagem. Desta forma, os resultados poderão ser afirmados com a maior precisão e nível de evidência necessários para alavancar o conteúdo sobre o tema e desenhar intervenções mais eficazes.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa

EDITOR ASSOCIADO: Mellina Yamamura

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  07 Abr 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  03 Maio 2022
• Aceito
  10 Set 2022