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Religiosidade e espiritualidade em saúde mental: formação, saberes e práticas de enfermeiras

RESUMO

Objetivo:

analisar a formação, os saberes e as práticas de enfermeiras na interface religiosidade/ espiritualidade no contexto dos Centros de Atenção Psicossocial.

Métodos:

estudo descritivo, exploratório, com abordagem qualitativa, realizado em uma região metropolitana do Ceará. Foram entrevistadas quatro enfermeiras, sendo os dados examinados pela técnica de análise de conteúdo.

Resultados:

emergiram quatro categorias da análise: Déficit no ensino das práticas religiosas e espirituais na formação superior em enfermagem; Visão do conceito de religiosidade e espiritualidade; Religiosidade e espiritualidade como parte integrante da pessoa; Acolhimento das práticas religiosas e espirituais como auxílio ao tratamento.

Considerações finais:

identificou-se um déficit no ensino da graduação de enfermagem concernente à religiosidade e espiritualidade. Contudo, as profissionais entrevistadas compreendem a importância das dimensões religiosa e espiritual no processo terapêutico, mesmo não diferenciando os conceitos com exatidão.

Descritores:
Enfermagem; Saúde Mental; Religião; Espiritualidade; Cuidados de Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

to analyze nurses’ training, knowledge and practices in the religiosity/spirituality interface in the context of Psychosocial Care Centers.

Methods:

a descriptive, exploratory, qualitative study, carried out in a metropolitan region of Ceará. Four nurses were interviewed, and the data were examined using the content analysis technique.

Results:

four categories emerged from analysis: Deficit in teaching religious and spiritual practices in higher education in nursing; View of the concept of religiosity and spirituality; Religiousness and spirituality as an integral part of the person; Reception of religious and spiritual practices as an aid to treatment.

Final considerations:

a deficit in nursing undergraduate teaching was identified concerning religiosity and spirituality. However, the interviewed professionals understand the importance of religious and spiritual dimensions in the therapeutic process, even though they do not accurately differentiate the concepts.

Descriptors:
Nursing; Mental Health; Religion; Spirituality; Nursing Care

RESUMEN

Objetivo:

analizar la formación, los conocimientos y las prácticas de las enfermeras en la interfaz religiosidad/espiritualidad en el contexto de los Centros de Atención Psicosocial.

Métodos:

estudio descriptivo, exploratorio con enfoque cualitativo, realizado en una región metropolitana de Ceará. Se entrevistó a cuatro enfermeras y se examinaron los datos mediante la técnica de análisis de contenido.

Resultados:

del análisis surgieron cuatro categorías: Déficit en la enseñanza de prácticas religiosas y espirituales en la educación superior en enfermería; Visión del concepto de religiosidad y espiritualidad; Religiosidad y espiritualidad como parte integral de la persona; Recepción de prácticas religiosas y espirituales como ayuda al tratamiento.

Consideraciones finales:

se identificó un déficit en la enseñanza de la licenciatura en enfermería en cuanto a religiosidad y espiritualidad. Sin embargo, los profesionales entrevistados comprenden la importancia de las dimensiones religiosa y espiritual en el proceso terapéutico, aunque no diferencian con precisión los conceptos.

Descriptores:
Enfermería; Salud Mental; Religión; Espiritualidad; Atención de Enfermería

INTRODUÇÃO

A religiosidade e a espiritualidade (R/E) são apontadas como aspectos significativos da subjetividade humana, pois se relacionam com a ordenação da vida e construção de sentido das pessoas, como também influenciam o completo bem-estar físico, mental, cultural e espiritual(1)1 Melo CF, Sampaio IS, Souza DLA, Pinto NS. Correlação entre religiosidade, espiritualidade e qualidade de vida: uma revisão de literatura. Estud Pesqui Psicol [Internet]. 2015[cited 2019 Dec 11];15(2):447-64. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/epp/v15n2/v15n2a02.pdf
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. As questões relacionadas à R/E nos convidam a dialogar entre a ciência e a fé no atendimento em saúde, valorizando a vida e a história trazidas por cada pessoa.

A relação entre religiosidade, espiritualidade e saúde está cada vez mais estreita. O envolvimento da pessoa com a religião está associado positivamente com fatores subjetivos, como felicidade, afetividade, moralidade elevada e satisfação com a vida(2)2 Barricelli ILFOBL, Sakumoto IKY, Silva LHM, Araujo CV. Influência da orientação religiosa na qualidade de vida de idosos ativos. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2012;15(3):505-15. https://doi.org/10.1590/S1809-98232012000300011
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. Contudo, esse envolvimento também é capaz de gerar aspectos negativos, como níveis patológicos de culpa, repressão da raiva e das manifestações sexuais(1)1 Melo CF, Sampaio IS, Souza DLA, Pinto NS. Correlação entre religiosidade, espiritualidade e qualidade de vida: uma revisão de literatura. Estud Pesqui Psicol [Internet]. 2015[cited 2019 Dec 11];15(2):447-64. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/epp/v15n2/v15n2a02.pdf
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.

A espiritualidade constitui-se de um sentimento íntimo existencial, em que a pessoa busca encontrar sentido para viver e estar no mundo, e não obrigatoriamente estará ligada à crença em uma divindade maior. Por outro lado, a religiosidade pode ser compreendida como um conjunto de crenças e práticas pertencentes a uma doutrina e que, por meio de cultos ou rituais envolvendo, necessariamente, a percepção de fé, são compartilhadas e seguidas por um grupo de pessoas(3)3 Murakami R, Campos CJG. Religião e saúde mental: desafio de integrar a religiosidade ao cuidado com o paciente. Rev Bras Enferm. 2012;65(2):361-7. https://doi.org/10.1590/S0034-71672012000200024
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.

As crenças e práticas religiosas e espirituais estão associadas a menores incidências de comportamentos de risco, como o uso de álcool e outras drogas, configurando-se como elementos que auxiliam no enfrentamento mais exitoso de situações estressantes(4)4 Leite IS, Seminotti EP. A influência da espiritualidade na prática clínica em saúde mental: uma revisão sistemática. Rev Bras Cienc Saude [Internet]. 2013[cited 2020 Feb 6];17(2):189-96. Available from: https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/rbcs/article/view/14102
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. No suporte terapêutico, relacionado ao gerenciamento da doença, pode-se destacar a influência dessas crenças na vida das pessoas com transtornos mentais, auxiliando no tratamento e no enfrentamento de suas limitações impostas pelo problema de saúde(5)5 Salimena AMO, Ferrugini RRB, Melo MCSC, Amorim TV. Understanding spirituality from the perspective of patients with mental disorders: contributions to nursing care. Rev Gaucha Enferm. 2016;37(3):e51934. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.03.51934
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.

Os avanços na área da saúde mental têm conformado um modelo assistencial voltado para o cuidado e a atenção psicossocial de base comunitária. Embora a política de saúde mental venha enfrentando retrocessos nos últimos anos, a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) ainda apresenta avanços na disponibilidade de iniciativas terapêuticas singulares e integrais(6)6 Amarante P, Nunes MO. Psychiatric reform in the SUS and the struggle for a society without asylums. Cienc Saude Colet. 2018;23(6):2067-74. https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.07082018
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.

A RAPS se torna viva pelas relações interpessoais, intersetoriais e dinâmicas que operacionaliza para o cuidado em saúde mental. Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são serviços de saúde que integralizam a assistência e a promoção da vida com afeto, vínculos e comunicação em rede(7)7 Lima DKRR, Guimarães J. Articulação da rede de atenção psicossocial e continuidade do cuidado em território: problematizando possíveis relações. Physis. 2019;29(3):e290310. https://doi.org/10.1590/s0103-73312019290310
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. Nesse sentido, a disposição do CAPS para inovação terapêutica com incorporação da R/E em seus processos terapêuticos se expressa nas iniciativas integrais, acolhedoras e intersubjetivas do cotidiano.

Diante desse contexto, a atuação do enfermeiro nos serviços especializados de saúde mental deve garantir o cuidado integral da pessoa. Esse profissional deve buscar se relacionar de forma interpessoal e afetiva, proporcionando condições capazes de auxiliar o paciente a encontrar suas próprias medidas de cuidado em saúde. Para tanto, o enfermeiro que atua em saúde mental deve considerar as dimensões biopsicossocioespiritual e cultural das pessoas e a interface dessas dimensões com o cuidado assistencial de enfermagem(5)5 Salimena AMO, Ferrugini RRB, Melo MCSC, Amorim TV. Understanding spirituality from the perspective of patients with mental disorders: contributions to nursing care. Rev Gaucha Enferm. 2016;37(3):e51934. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.03.51934
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.

A religião e a espiritualidade permeiam a evolução da enfermagem no decorrer dos anos, sendo requisitos para praticar esta ciência e estão impregnadas no pensar, no ser e no fazer da profissão(8)8 Pilger C, Macedo JQ, Zanelatto R, Soares LG, Kusumota L. Perception of the nursing staff of an intensive care unit regarding spirituality and religiosity. Cienc Cuid Saude. 2014;13(3):479-86. https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v13i3.19788
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. Porém, para que esses conceitos sejam integrados de forma satisfatória, é necessário que o enfermeiro reconheça primeiro em si mesmo esse potencial de usar a R/E como fortes aliadas no cuidado da enfermagem(9)9 Siqueira HCH, Cecagno D, Medeiros AC, Sampaio AD, Rangel RF. Spirituality in the health-illness-care of the oncological user process: nurse’s outlook. J Nurs UFPE. 2017;11(8):2996-3004. https://doi.org/10.5205/1981-8963-v11i8a110202p2996-3004-2017
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. O reconhecimento das dimensões religiosa e espiritual como um suporte no atendimento a problemas, sofrimentos e doenças vivenciados no trabalho potencializa as práticas do cuidado e a eficácia terapêutica.

Os aspectos positivos/benéficos da integração da R/E na prática clínica em saúde mental são citados em pesquisas(1010 Koenig HG. Religion, spirituality and psychotic disorders. Arch Clin Psychiatry. 2007;34(suppl 1):95-104. https://doi.org/10.1590/S0101-60832007000700013
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,1111 Guimarães HP, Avezum Á. O impacto da espiritualidade na saúde física. Arch Clin Psychiatry. 2007;34(suppl 1):88-94. https://doi.org/10.1590/S0101-60832007000700012
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,1212 Moreira-Almeida A. O crescente impacto das publicações em espiritualidade e saúde e o papel da Revista de Psiquiatria Clínica. Arch Clin Psychiatry. 2010;37(2):41-2. https://doi.org/10.1590/S0101-60832010000200001
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) que destacam a necessidade de se investigar esses conceitos para estabelecer subsídios teóricos, empíricos e práticos que alicercem a sua utilização como ferramenta de cuidado na prática clínica, permeando todas as fases do tratamento, seja no meio preventivo e na promoção de saúde mental, no enfrentamento de adversidades existentes ou, até mesmo, na reabilitação e reinserção social da pessoa.

Reconhecendo a relevância da abordagem da R/E na atenção psicossocial, por possibilitar a construção de trajetórias terapêuticas como ressignificação positiva e no cuidado para promoção de saúde mental, considerando uma assistência holística à pessoa com transtorno mental, questiona-se: quais são a formação, os saberes e as práticas das enfermeiras acerca da R/S no contexto do cuidado em saúde mental?

Tomando-se como base a importância de novas perspectivas no processo de formação dos enfermeiros na área de saúde mental com competências necessárias para abordar os aspectos religioso e espiritual, espera-se compreender melhor essa questão voltada para saberes e práticas que ressignificam o cuidado em saúde mental, à luz das dimensões R/E no universo psicossocial.

OBJETIVO

Analisar a formação, os saberes e as práticas de enfermeiras na interface religiosidade/espiritualidade no contexto dos Centros de Atenção Psicossocial.

MÉTODOS

Aspectos éticos

A coleta de dados iniciou-se após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa mediante parecer favorável, obedecendo aos princípios éticos e legais norteados pela Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde do Brasil. Para preservar o sigilo, os dados foram utilizados apenas para fins da pesquisa, e as participantes receberam expressões alfanuméricas na apresentação dos resultados.

Tipo de estudo

Trata-se de um estudo descritivo, exploratório, com abordagem qualitativa. O estudo seguiu as recomendações dos Critérios Consolidados para Relatar Pesquisa Qualitativa (COREQ)(13)13 Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. 2007;19(6):349-57. https://doi.org/10.1093/intqhc/mzm042
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em sua elaboração.

Procedimentos metodológicos, cenário do estudo e fonte de dados

O estudo foi desenvolvido na região metropolitana do Cariri, no estado do Ceará, Brasil, sendo o lócus os CAPS. Participaram da pesquisa enfermeiras que atuavam nos CAPS da região, fazendo parte da amostra aquelas que se enquadraram nos seguintes critérios de inclusão: estar em pleno exercício da profissão no período da coleta dos dados e trabalhar no equipamento há pelo menos seis meses. Foram excluídas enfermeiras que estavam exercendo função de coordenação do equipamento sem concomitantemente exercer atividades de assistência ao público. No período de coleta, o cenário possuía seis enfermeiras, sendo que uma se recusou a participar e outra foi eliminada pelos critérios de exclusão. As participantes foram selecionadas de forma intencional, por trabalharem nos CAPS da região em estudo.

Coleta e organização dos dados

Para minimizar possíveis erros na elaboração e aplicação do instrumento de coleta de dados, realizou-se um pré-teste com o público-alvo que não compôs a amostra, a fim de tornar mais claros e precisos os temas e aspectos a serem conversados durante a entrevista. A coleta ocorreu no mês de janeiro de 2020 por meio de entrevista com roteiro semiestruturado. O instrumento utilizado foi dividido em duas partes: a primeira continha informações sobre a caracterização sociodemográfica das participantes; a segunda, questionamentos acerca da formação, saberes e práticas das enfermeiras a respeito da R/S.

As entrevistas foram previamente agendadas com as participantes e realizadas no próprio CAPS em que a profissional trabalhava, em espaço reservado e silencioso, conduzidas por um pesquisador treinado, com duração média de 20 minutos cada. Os objetivos e interesses da coleta de dados foram explicitados antes do início das entrevistas. O áudio das entrevistas foi gravado e o conteúdo foi transcrito na íntegra, sendo em seguida lido e analisado.

Análise dos dados

Os dados foram organizados e codificados por dois pesquisadores independentes e analisados por meio da técnica de análise de conteúdo categorial temática, percorrendo as fases de pré- -análise, exploração do material e tratamento dos dados(14)14 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14a ed. São Paulo: Hucitec; 2014., por meio de avaliação crítica e reflexiva. Na análise, emergiram quatro categorias importantes: Déficit no ensino das práticas religiosas e espirituais na formação superior em enfermagem; Visão do conceito de religiosidade e espiritualidade; Religiosidade e espiritualidade como parte integrante da pessoa; Acolhimento das práticas religiosas e espirituais como auxílio ao tratamento. Essas categorias foram discutidas com base na literatura pertinente à temática.

RESULTADOS

Participaram quatro enfermeiras com faixa etária de 30 a 41 anos, com pós-graduação em saúde mental, com tempo de atuação na saúde mental variando de um a três anos e renda mensal entre 2 a 3 salários mínimos. Três participantes se autodeclararam pardas.

Salienta-se que, nos discursos das enfermeiras, a religião apareceu sempre relacionada em todos os momentos com o tema, embora a pesquisa não tenha tido como temática central a religião, mas a análise da formação, dos saberes e das práticas das enfermeiras que atuam nos CAPS em relação à R/S.

Déficit no ensino das práticas religiosas e espirituais na formação superior em enfermagem

Referente à abordagem dessa temática durante a graduação, evidencia-se o relato de uma enfermeira que cursou, de forma incipiente e superficial, disciplinas que tratam desses conteúdos. As demais não se recordam de disciplinas, obrigatórias ou optativas, que desvelam as nuances da R/E no cuidado em saúde mental, o que revela a necessidade de formação para atuar em serviço com bases mais sólidas sobre as dimensões religiosas e espirituais:

Na disciplina de Psicologia Aplicada à Enfermagem, eu lembro que falava disso, mas eu não sei especificar bem. Lembro que trabalhou o assunto na época. (Enf1)

Fazendo uma análise, não tem uma cadeira a qual estudei que abordasse religiosidade que eu lembre, nenhuma. (Enf3)

Que eu lembre, eu acho que não. (Enf4)

Pelos depoimentos da Enf3 e Enf4, depreendem-se as lacunas existentes na formação do enfermeiro sobre R/E, sendo fundamental a inserção dessas temáticas nos currículos de graduação e na formação profissional para uma melhor assistência às pessoas com transtornos mentais, contribuindo para manter o equilíbrio em todas as dimensões da vida.

A participação em eventos científicos se assemelha às experiências na graduação. Uma entrevistada participou de algum evento do tipo enquanto graduanda, e outras duas participaram já no exercício profissional, destacando o desejo de aprender sobre a temática:

Sim, [participei] durante a graduação, mas não lembro muito bem. Só lembro que em algum momento abordou o tema. (Enf1)

Só em alguns cursos que foi citado essa temática, a importância, como também na formação nossa, que temos que respeitar cada paciente com sua religião e sua cultura. (Enf2)

Participei de um Congresso […] Espírita […], onde ele tentava explicar o lado da espiritualidade […] também no caso das pessoas com esquizofrenia, que tentava explicar também para o lado da espiritualidade na questão do espiritismo […]. Uma vivência que contribuiu muito, principalmente essa questão da epilepsia em crianças, que eu nunca tinha visto, ele colocou os vídeos mostrando. (Enf3)

Verificam-se, então, lacunas entre a teoria e a prática, o saber e o fazer, decorrentes da deficiência do ensino da R/E no processo de formação e na participação em eventos científicos relacionados à temática. Torna-se evidente que o déficit na formação implica menor apreensão de saberes que fundamentam as práticas de cuidado em enfermagem considerando a R/E.

A lacuna nos componentes curriculares de cursos superiores de enfermagem evidencia a necessidade de investimentos nos cursos de pós-graduação e nas capacitações em serviço como forma de educação permanente para atender às necessidades das pessoas com um olhar ampliado à integralidade do cuidado.

Visão do conceito de religiosidade e espiritualidade

Todas as entrevistadas expressaram a definição de que a espiritualidade é a busca pelo sentido da vida, sendo uma forma de encontrar, no sobrenatural, uma explicação para a existência:

Espiritualidade é a busca pelo sentido da vida de forma livre. Cada um tem a sua espiritualidade individual, podendo buscá-la de diversas formas. (Enf1)

A espiritualidade é concebida pelas participantes como algo que fortalece as pessoas em seu cotidiano. Em sentido comum, a religiosidade se torna o caminho para o alcance do fortalecimento espiritual em diferentes contextos.

Espiritualidade, eu entendo como algo que vai lhe dar força, vai mostrar o caminho certo. É algo que lhe acalma, que traz tranquilidade, que traz tudo de bom. Algo que lhe dá força para enfrentar os problemas. Eu me apego assim à espiritualidade. (Enf2)

Eu acredito que seja o bem-estar, mesmo […]. Se a humanidade tivesse um pouco mais de crença, nós nos tornaríamos seres melhores. E a espiritualidade é justamente isso, você buscar em alguma coisa, em alguma crença um melhor de você. (Enf4)

Religiosidade é uma das diversas formas de se buscar a espiritualidade. É a busca espiritual na religião. É mais relacionado à religião, tipo de religião, e como a pessoa se foca nesse sentido. (Enf3)

Evidencia-se, pelos relatos, que as entrevistadas buscam na própria religião uma maneira de solidificar seu entendimento sobre a religiosidade, enfatizando os rituais para renovar suas forças nos enfrentamentos cotidianos de sua existência:

São duas coisas distintas, mas parecidas. Religião o povo tende a se apegar mais a um detalhe. É uma crença também em si, mas a tendência é ser mais pontual, mais material, uma via. Vamos supor assim: vamos seguir uma via, vou seguir isso aqui. Acredito que seja assim. (Enf1)

Eu tiro por minha religião é algo que eu tenho que praticar todos os dias, pode ser no ambiente de casa e também necessito ir à igreja aos domingos. (Enf4)

Além disso, os rituais religiosos, como ir à missa, exercem um papel exitoso no trabalho das enfermeiras nas dimensões psicoemocionais e espirituais.

Religiosidade e espiritualidade como parte integrante da pessoa

Para as participantes, a R/E é um mecanismo intrínseco do ser humano, sendo necessário ter uma visão holística no cuidar das pessoas, pois os cuidados de enfermagem na assistência psicossocial vão além da questão patológica, abrangendo todos os aspectos. O reconhecimento é de grande relevância na prática assistencial, por ser um catalizador eficaz da promoção e recuperação da saúde mental. Pode-se notar claramente a necessidade de equilíbrio entre a saúde mental, espiritual e todas as dimensões do ser humano, como demonstrado nas seguintes falas:

A gente que trabalha na área sabe da importância de ver como um todo, tanto a questão mental e espiritual; não ver o paciente somente como uma doença. Quando a gente vê como um todo, conseguimos facilitar a melhora do quadro no geral, [e] a questão da família também fica mais fácil. (Enf3)

Eu acredito que tem uma ligação muito direta, pois uma coisa influencia a outra, e, assim, você acreditando que a religiosidade […] faz parte, ela ajuda na questão do processo de cura da doença, não só da doença mental, mas de outras doenças também. Eu acredito que isso acaba acarretando uma melhora do processo todo em si. (Enf4)

Evidencia-se a R/E como parte integrante da pessoa em todas as falas, seja de forma direta, seja pelas comparações e reflexões das enfermeiras sobre sua vivência no equipamento, expressando a necessidade da utilização das práticas religiosas e espirituais na assistência à saúde pautada em uma visão holística, desconstruindo, assim, o conceito de um cuidado fragmentado e focado somente na patologia:

A religiosidade, ela faz parte, ela ajuda, ela faz parte da questão do processo de cura da doença. (Enf1)

Tem os que ainda diz “creio”, mas não diz uma religião, e eu acho muito importante no sentido que eu acho que é um apoio para recuperação do paciente na parte da fé e espiritualidade. (Enf2)

Além disso, depreende-se a necessidade de se trabalhar de forma integrada para nortear todos os processos assistenciais, sendo fundamental para o tratamento, a recuperação da saúde e a esperança da cura, como expressam nos discursos:

Então, a junção de terapias, medicamentos, como ter um seguimento espiritual, eu acho que é importante. (Enf3)

Hoje eu trabalho muito com isso, pois eu trabalho em uma área voltada para o home care, então a gente trabalha muito essa questão junto às terapias. (Enf4)

O processo do trabalho em saúde permeado por práticas inter e multidisciplinares amplia o leque de desdobramentos favoráveis no universo psicossocial, integrando saberes e práticas por meio de uma abordagem acolhedora, compreensiva e humanizada, tendo como suporte diversas condutas terapêuticas para a melhoria na qualidade da assistência às pessoas com transtorno mental.

Acolhimento das práticas religiosas e espirituais como auxílio ao tratamento

No âmbito da prática assistencial, as participantes relatam o uso dos aspectos religiosos e espirituais com as pessoas, a fim de auxiliar a promoção da saúde mental e, acima de tudo, o processo de recuperação, baseados na força da religião e da fé em Deus para o enfrentamento das dificuldades, como demonstrado nas falas a seguir:

Todos que chegam aqui, se ele se destina a ler uma Bíblia para gente, nós acolhemos, escuta e muitas vezes dialoga com ele o contexto. Tivemos um caso que um paciente chegou com freiras e decidimos fazer uma oração como a pessoa queria. (Enf2)

Existem pacientes que acolhem muito bem. Eu já presenciei e acho bonito […]. Têm pacientes que chegam com ideação suicida [e] que o médico pergunta: “Você acredita em Deus? […], olha, só quem tira a vida é nosso Senhor, isso não é bom”. Orientando o paciente, dizendo: “Olhe, eu vou te ajudar com a medicação, só que você tem que ter fé, tem que ter força de vontade para tirar esses pensamentos, essa ideação suicida”. (Enf4)

É importante ressaltar que esse é um posicionamento verbalizado por todas as profissionais como um auxílio para o tratamento e o processo terapêutico, reconhecendo a dimensão religiosa como um dos aspectos que solidificam na pessoa o desejo de se recuperar e enfrentar a doença:

Acredito que até a cura essa questão da religiosidade influencia muito. (Enf1)

Converso com cada pessoa que eu acolho, eu mostro os dois lados. Mostro minha opinião, não é obrigado a pessoa acreditar ou acatar o que eu digo, mas tento mostrar a pessoa o lado que seria mais correto a pessoa seguir na questão de medicamentos, na questão de terapia, religiosidade, de buscar por grupos, apoios. (Enf2)

A própria experiência religiosa é vista como auxílio nas condutas terapêuticas individuais quando a religião é identificada nos prontuários das pessoas, sendo utilizada como conduta terapêutica após o consentimento do paciente. O trabalho com foco na dimensão religiosa subsidia a recuperação da saúde, reconhecendo a fé em seus diferentes contextos, sendo abraçada por aqueles que a incorporam na saúde mental:

Na hora de orientar tanto o paciente como a família, é a hora que eu tento buscar essa fé. Independente de eu ser católica, eu pergunto, que tem no nosso roteiro de anamnese, qual a religião, e tento buscar uma fé dele. Se realmente ele tem alguma religião e se ele se apega a alguma coisa. Dentro disso, eu tento guiar ele, porque, se você não tem nenhum, não está se apegando a nada, cara, vamos para a fé, que possa ser que ela lhe tire da situação que você está. (Enf1)

Tento passar a minha experiência profissional e experiência da minha vida, mesmo. […] então, assim, essa questão da religião no momento de doença, no momento de saúde tem que agradecer, tem que ter fé, tem que ter um foco sempre. (Enf3)

Ressalta-se, ainda, que os aspectos religiosos e espirituais são utilizados com frequência para proporcionar uma assistência integral às pessoas por meio de uma escuta qualificada e acolhimento na atenção psicossocial durante os atendimentos, principalmente em situações de crise, contribuindo para o processo de atenuação dos sintomas, somada a conduta pautada na utilização de medidas farmacológicas para o alívio da dor e do sofrimento psíquico.

DISCUSSÃO

“Religiosidade” e “espiritualidade” são termos bastantes específicos e de grande relevância para os cuidados de saúde mental, desde que integrem as dimensões biopsicoespirituais das pessoas, como foi observado nas entrevistas. As diversas formas de expressar a R/E se entrelaçam com a saúde, com vistas a ampliar o cuidado em enfermagem, valorizando outras formas de saberes e práticas na atenção psicossocial.

A integração da R/E nos cuidados de enfermagem em saúde mental tem mostrado grande êxito nas condutas terapêuticas durante a assistência. Nessa perspectiva, é necessário cuidar das pessoas de maneira holística, o que se traduz na necessidade de atender cada uma como um todo tanto no atendimento da patologia como nas necessidades religiosas e espirituais(15)15 Caldeira S, Carvalho EC, Vieira M. Between spiritual wellbeing and spiritual distress: possible related factors in elderly patients with cancer. Rev Latino-Am Enferm. 2014;22(1):28-34. https://doi.org/10.1590/0104-1169.3073.2382
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.

A inclusão da R/E na assistência de enfermagem tem se mostrado relevante para a qualidade dos cuidados e a promoção do conforto emocional do paciente, porém ainda com grande deficiência na formação dos profissionais, como foi constatado nas expressões das participantes. Assim, é importante ressaltar que as habilidades dos profissionais enfermeiros para identificar, avaliar e utilizar este cuidado precisam ser aprofundadas com uma maior apropriação dos conceitos por meio de formações que possam auxiliar na prática(16)16 Nascimento LC, Santos TFM, Oliveira FCS, Pan R, Flória-Santos M, Rocha SMM. Spirituality and religiosity in the perspectives of nurses. Texto Contexto Enferm. 2013;22(1):52-60. https://doi.org/10.1590/S0104-07072013000100007
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.

Existem muitas barreiras que impedem a utilização da R/E na assistência, sendo uma delas a falta de formação e treinamento, visto que ainda persistem obstáculos como o déficit nos componentes curriculares dos estudantes de enfermagem, em que a utilização dessa terapêutica ainda é pouco relatada, refletindo, consequentemente, na insegurança durante os cuidados de enfermagem(17)17 Cordero RD, Lucchetti G, Fernández-Vazquez A, Badanta-Romero B. Opinions, knowledge and attitudes concerning “spirituality, religiosity and health” among health graduates in a Spanish university. J Relig Health. 2019;58(5):1592-604. https://doi.org/10.1007/s10943-019-00780-3
https://doi.org/10.1007/s10943-019-00780...
. Ficam evidentes as lacunas existentes nas bases teórica e científica da formação em enfermagem, sendo necessárias mudanças na legislação e nas normas do ensino superior da área, incluindo-se disciplinas sobre R/E na grade curricular, nas salas de aula e nas práticas do cuidar, buscando romper com o modelo biomédico de cuidado em saúde.

A formação desses profissionais deve vislumbrar uma multiplicidade de olhares e saberes referentes às questões religiosas e espirituais(18)18 Hawthorne DM, Gordon SC. The invisibility of spiritual nursing care in clinical practice. J Holist Nurs. 2020;38(1):147-55. https://doi.org/10.1177/0898010119889704
https://doi.org/10.1177/0898010119889704...
. No entanto, durante a análise dos aspectos da utilização da R/E na assistência em saúde, verificou-se que as enfermeiras entrevistadas não se consideram devidamente preparadas e seguras para opinar e/ou exercer práticas que abordem a visão religiosa e espiritual das pessoas, em virtude de pouca ou nenhuma formação sobre a temática.

As narrativas das enfermeiras tiveram um posicionamento voltado para a tendência de restringir os seus saberes e as ações no que se refere à apropriação da religião e prática espiritual nas condutas terapêuticas, por não terem tido um aprofundamento da temática durante o período formativo. Embora esse tema esteja cada vez mais presente e seja cada vez mais reconhecido na assistência, a maioria dos profissionais da área da saúde não recebeu capacitação para direcionar as práticas de R/E durante as consultas. Assim, desenvolve-se uma lacuna entre o cuidado e a formação sobre a importância de se trabalhar R/E durante a assistência de enfermagem(3)3 Murakami R, Campos CJG. Religião e saúde mental: desafio de integrar a religiosidade ao cuidado com o paciente. Rev Bras Enferm. 2012;65(2):361-7. https://doi.org/10.1590/S0034-71672012000200024
https://doi.org/10.1590/S0034-7167201200...
.

Os resultados apontam que a espiritualidade é reconhecida pelas enfermeiras que trabalham com saúde mental como uma medida eficaz no processo de enfrentamento das doenças psíquicas. Dessa forma, a espiritualidade é encarada como uma conexão existente entre o sobrenatural e humano, por meio de crenças e valores, que modifica a percepção que a pessoa tem de si e do mundo, atribuindo sentido à vida humana(19)19 MahdiNejad J-E-D, Azemati H, Habibabad AS. Religion and spirituality: mental health arbitrage in the body of mosques architecture. J Relig Health. 2020;59(3):1635-51. https://doi.org/10.1007/s10943-019-00949-w
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.

No momento da consulta, é possível que os profissionais tendam a compartilhar suas próprias experiências espirituais, independentemente da religião que cada um afirme seguir, na expectativa de que a espiritualidade possa favorecer o processo terapêutico das pessoas. Contudo, os enfermeiros têm um forte poder de influência, e, ao expor seus conhecimentos e suas vivências espirituais, podem causar vieses nas respostas do paciente no momento da anamnese, levando à distorção dos resultados, pois a pessoa passa a demostrar apenas o que é aceitável para os profissionais(20)20 Maraldi EO. Response bias in research on religion, spirituality and mental health: a critical review of the literature and methodological recommendations. J Relig Health. 2020;59(2):772-83. https://doi.org/10.1007/s10943-018-0639-6
https://doi.org/10.1007/s10943-018-0639-...
.

A respeito de religiosidade, muitos profissionais não conseguem diferenciá-la da espiritualidade, compreendendo-as, em muitos momentos, como semelhantes ou iguais. Tratam-se de duas realidades diferentes, mas a complexidade desse assunto permite que os indivíduos se apresentem confusos e não tenham aptidão para explicá-lo. Com isso, diante da confusão determinada pela temática, julga-se necessário ter uma maior cautela ao inserir a espiritualidade e fé nos cuidados prestados em saúde mental, visto que se trata de um cenário instável(2121 Thiengo PCS, Gomes AMT, Mercês MC, Couto PLS, França LCM, Silva AB. Spirituality and religiosity in health care: an integrative review. Cogitare Enferm. 2019;24:e58692. https://doi.org/10.5380/ce.v24i0.58692
https://doi.org/10.5380/ce.v24i0.58692...
,2222 Lavorato-Neto G, Rodrigues L, Turato ER, Campos CJG. The free spirit: spiritualism meanings by a nursing team on psychiatry. Rev Bras Enferm. 2018;71(2):301-9. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0428
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0...
).

A espiritualidade tem contribuído bastante para o processo saúde-doença-cuidado, e, por isso, considera-se importante que cada pessoa tenha suas próprias crenças espirituais, a fim de que possa se sentir amparada nos momentos de dificuldades e incertezas causados pela doença. A religião permite que as pessoas e sua família compreendam melhor o sofrimento ocasionado pelas doenças, principalmente as de cunho psíquico, possibilitando um melhor manejo da situação, amenizando os sentimentos de angústia e impotência, que são muito presentes durante esse processo(23)23 Silva GCN, Reis DC, Miranda TPS, Melo RNR, Coutinho MAP, Paschoal GS, et al. Religious/spiritual coping and spiritual distress in people with cancer. Rev Bras Enferm. 2019;72(6):1534-40. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0585
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0...
.

A espiritualidade contribui diretamente para o fortalecimento das pessoas para lidar com o sofrimento psíquico, muito observado no cenário da saúde mental, pois os indivíduos encontram no sobrenatural uma fonte de apoio. Contudo, observa-se que religiosidade ainda não é uma temática muito discutida nos serviços de saúde mental, sendo introduzida timidamente por alguns profissionais de saúde que acreditam na fé como parte fundamental do processo de cura(24)24 Lavorato Neto G, Rodrigues L, Silva DAR, Turato ER, Campos CJG. Spirituality review on mental health and psychiatric nursing. Rev Bras Enferm. 2018;71(suppl 5):2323-33. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0429
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0...
. Necessário se faz fortalecer a inter-relação R/E e saúde mental, tendo em vista ser facilitadora do processo terapêutico das pessoas com transtornos mentais, conduzindo-os para o alívio de seu sofrimento.

Este estudo demonstra que as participantes consideram importante o lado espiritual das pessoas, embora as profissionais da saúde afirmem não ter muito domínio da temática “espiritualidade” associada à saúde mental, tendo em vista que, durante a formação, tiveram pouco ou nenhum contato com ela. Percebe-se a necessidade de modificar esse cenário, visto que o cuidado espiritual das pessoas é compreendido como integrante da prática clínica dos profissionais(1717 Cordero RD, Lucchetti G, Fernández-Vazquez A, Badanta-Romero B. Opinions, knowledge and attitudes concerning “spirituality, religiosity and health” among health graduates in a Spanish university. J Relig Health. 2019;58(5):1592-604. https://doi.org/10.1007/s10943-019-00780-3
https://doi.org/10.1007/s10943-019-00780...
,2525 Harmuch C, Cavalcante MDMA, Zanoti-Jeronymo DV. Religião e espiritualidade no ensino e assistência de enfermagem na visão dos estudantes: uma revisão. Rev Uningá [Internet]. 2019[cited 2020 Mar 15];56(S2):243-54. Available from: http://revista.uninga.br/index.php/uninga/article/view/938
http://revista.uninga.br/index.php/uning...
). A valorização dessa vivência pelas enfermeiras no cotidiano dos serviços de saúde mental representa um componente fundamental para trabalhar com a vida humana, influenciando significativamente a forma de pensar, agir e cuidar de si.

Compreende-se que as práticas de enfermagem devem ser realizadas de modo integral, rompendo com o modelo biomédico do passado e enfocando não apenas a doença, mas as experiências biopsicoespirituais da pessoa. Dessa forma, os profissionais de saúde fornecem uma assistência mais humanizada, holística, centrada na pessoa em suas dimensões de singularidade e pluralidade ao passo que compreendem, respeitam e até mesmo incentivam as crenças e os valores individuais de cada pessoa(2626 Lasair S. A narrative approach to spirituality and spiritual care in health care. J Relig Health. 2020;59(3):1524-40. https://doi.org/10.1007/s10943-019-00912-9
https://doi.org/10.1007/s10943-019-00912...
,2727 Chiang YC, Lee HC, Chu TL, Han CY, Hsiao YC. The impact of nurses’ spiritual health on their attitudes toward spiritual care, professional commitment, and caring. Nurs Outlook. 2016;64(3):215-24. https://doi.org/10.1016/j.outlook.2015.11.012
https://doi.org/10.1016/j.outlook.2015.1...
).

Acredita-se que a identidade é fortemente influenciada pela doutrina em que a pessoa crê. Desse modo, a espiritualidade é vista como parte integrante do ser humano, determinando seus comportamentos no meio em que é inserido. Além disso, as crenças espirituais têm um papel importante no desenvolvimento das relações terapêuticas com o profissional, visto que interferem na adesão aos tratamentos e na colaboração do paciente. Nesse sentido, as terapias complementares religiosas e espirituais, que incluem rituais e orações, são apresentadas como ferramentas eficientes tanto em distúrbios psiquiátricos como em condições físicas(28)28 Qureshi NA, Khalil AA, Alsanad SM. Spiritual and religious healing practices: some reflections from Saudi national center for complementary and alternative medicine, Riyadh. J Relig Health. 2020;59(2):845-69. https://doi.org/10.1007/s10943-018-0677-0
https://doi.org/10.1007/s10943-018-0677-...
.

Muitos profissionais de saúde afirmam ser religiosos, demonstrando acreditar na espiritualidade como um componente central do processo de cura. O cuidado espiritual auxilia a prática de enfermagem, ao passo que possibilita o desenvolvimento de uma conexão com a pessoa, promovendo seu bem-estar por meio da sensação de apoio que lhe é oferecida. Contudo, ainda se percebem barreiras para a inserção do cuidado de enfermagem espiritual na prática clínica, decorrentes da falta de conhecimento dos profissionais, bem como do despreparo para a realização dessa assistência(18)18 Hawthorne DM, Gordon SC. The invisibility of spiritual nursing care in clinical practice. J Holist Nurs. 2020;38(1):147-55. https://doi.org/10.1177/0898010119889704
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.

Diante do exposto, infere-se que a R/E pode afetar, positivamente, a saúde física e mental das pessoas. Por isso, é preciso abordar o assunto no cenário de formação dos profissionais de saúde para que esses possam atender às necessidades espirituais dos seus pacientes. Considera-se oportuno, então, capacitar enfermeiros para trabalhar a tríade religiosidade, espiritualidade e saúde no cuidado de pessoas com transtornos mentais, sendo relevante para o exercício adequado de suas funções assistenciais.

Limitações do estudo

Destaca-se como limitação a ausência de participantes do gênero masculino, por motivo de inexistência nos serviços no período da coleta, como também a falta de outras categoriais profissionais que atuam nos CAPS. Embora a amostra seja de uma região do Ceará, a compreensão do fenômeno pode ser aplicada à realidade de diversas regiões do país.

Contribuições para a área de enfermagem, saúde ou política pública

O estudo apresenta subsídios para a prática da enfermagem em saúde mental de forma holística, compreendendo as pessoas na integralidade do cuidado. Aponta também um déficit na formação acadêmica, o que faz repensar os modos de ensino, atuação e abordagem do enfermeiro em serviços especializados de saúde mental.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo, observa-se que as profissionais enfermeiras que trabalham nos serviços de saúde mental compreendem a importância da R/E no processo terapêutico, modificando a maneira como encaram a doença e atribuindo um novo sentido à vida. Além disso, a maioria das participantes afirma seguir uma religião, e isso contribui para sua percepção da relação entre R/E e saúde mental.

No entanto, apesar de se tratar de um tema bastante abordado no cotidiano das pessoas, observa-se um déficit na formação das enfermeiras, visto que, durante a graduação, quase não há aproximação dos alunos com a temática e, após a conclusão do curso, poucos têm o desejo e a curiosidade de conhecer mais sobre o assunto para implantá-lo em suas práticas profissionais. A inserção da R/E na formação dos profissionais de saúde, aproximando o místico do científico, reconhecendo suas diferenças e limitações, torna-os mais preparados para lidar com a pessoa com transtornos mentais.

Os achados demonstram que a utilização dessa temática nos serviços de saúde mental se expressa como mola propulsora da transformação do cuidado por meio da abordagem multiprofissional e do conhecimento altruísta. Portanto, é reconhecida a importância que as dimensões religiosa e espiritual exercem na vida das pessoas, mostrando-se relevante discutir o assunto no âmbito da saúde mental, considerando os aspectos benéficos que se tem observado, havendo ainda muito para ser estudado.

AGRADECIMENTO

Agradecemos as participantes da pesquisa.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Margarida Vieira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    13 Jul 2020
  • Aceito
    19 Jul 2021
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