Acessibilidade / Reportar erro

Recursos, objetivos e diretrizes na estrutura de uma Rede de Atenção Psicossocial

RESUMO

Objetivo:

analisar a estrutura de uma Rede de Atenção Psicossocial, a partir do comprometimento de seus recursos e do cumprimento de objetivos e diretrizes preconizados na Portaria 3.088/2011.

Método:

estudo empírico, quantitativo, com 123 profissionais da atenção básica, atenção psicossocial e atenção de emergência, que atuam na Rede Oeste do município de São Paulo. Aplicados questionários e análise estatística por meio do teste de Fisher com significância de 5% considerando p= <0,05.

Resultados:

há comprometimento dos recursos físicos na falta leitos de saúde mental em hospital geral (p=0,047); tecnológicos, na escassez de fóruns de discussão (p=0,036); humanos, em número de equipes (p=0,258); e financeiros (p=0,159). A atenção psicossocial é a que mais os cumpre os objetivos e diretrizes.

Conclusão:

não há recursos físicos, tecnológicos, humanos e financeiros suficientes para o trabalho articulado nas três modalidades de atenção, e as mesmas são heterogêneas quanto ao cumprimento dos objetivos e diretrizes.

Descritores:
Assistência à Saúde Mental; Serviços de Saúde Mental; Assistência Integral à Saúde; Saúde Mental; Política de Saúde

ABSTRACT

Objective:

to analyze a Psychosocial Care Network structure, based on the compromise of its resources and meeting objectives and guidelines recommended in Ordinance 3,088/2011.

Method:

an empirical, quantitative study with 123 primary care professionals, psychosocial and emergency care, who work at Western Network of the city of São Paulo. Questionnaires and statistical analysis were applied through the Exact Fisher’s test with 5% significance considering p= <0.05.

Results:

there is compromise of physical resources in the absence of mental health beds in a general hospital (p=0.047); of technological resources in the lack of discussion forums (p=0.036); of human resources in number of teams (p=0.258); and of financial resources (p=0.159). Psychosocial care is the one that most meets the objectives and guidelines.

Conclusion:

there are insufficient physical, technological, human, and financial resources for the work articulated in the three care modalities that are heterogeneous in terms of meeting the objectives and guidelines.

Descriptors:
Mental Health Assistance; Health Services Accessibility; Comprehensive Health Care; Mental Health; Health Policy

RESUMEN

Objetivo:

analizar la estructura de una Red de Atención Psicosocial a partir del compromiso de sus recursos y del cumplimiento de objetivos y directrices preconizados en la Ordenanza 3.088/2011.

Método:

estudio empírico, cuantitativo, con 123 profesionales de la atención básica, atención psicosocial y atención de emergencia, que actúan en la red Oeste del municipio de São Paulo. Aplicado cuestionarios y análisis estadístico por medio de la prueba de Fisher con significancia del 5% considerando p=<0,05.

Resultados:

hay comprometimiento de los recursos físicos, en ausencia de lechos de salud mental en el hospital general (p=0,047); tecnológicos en la escasez de foros de discusión (p=0,036); humanos, en número de equipos (p=0,258); y financieros (p=0,159). La atención psicosocial es la que más los cumple los objetivos y directrices.

Conclusión:

no hay recursos físicos, tecnológicos, humanos y financieros suficientes para el trabajo articulado en las tres modalidades de atención, y las mismas son heterogéneas en cuanto al cumplimiento de los objetivos y directrices.

Descriptores:
Atención a la Salud Mental; Servicios de Salud Mental; Atención Integral de Salud; Salud Mental; Política de Salud

INTRODUÇÃO

Desde a promulgação da Lei 10.216/2001, que orienta um novo modelo de atenção às pessoas com transtornos mentais, a assistência à Saúde Mental (SM) no Brasil vem passando por importantes transformações. Atualmente, esse campo se debruça na qualificação, expansão e fortalecimento da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) instituída pela Portaria 3.088/2011(11 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº. 3088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2011 [cited 2016 Dec 12]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt3088_23_12_2011_rep.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
) como uma expressão do processo político de consolidação da Reforma Psiquiátrica e da Política Nacional de Saúde Mental (PNSM).

Nesse sentido, o cuidado em SM se orienta na perspectiva das Redes de Atenção à Saúde (RAS), que o direciona por meio de diretrizes clínicas e organizativas. A implantação das RAS tem sido estimulada desde 2011. Até o momento, há instituídas algumas RAS temáticas, como redes de saúde materno-infantil, doenças crônicas, urgência e emergência, e atenção psicossocial. As RAS são organizações de serviços vinculados por uma missão única, com fins e ações cooperativas e interdependentes, que visam ofertar cuidado integral, com diferentes graus de complexidade, para diferentes demandas, desde as mais simples até as mais complexas(22 Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Ciênc Saúde Colet. 2010;15(5):2297-305. doi: 10.1590/S1413-81232010000500005
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201000...
).

Para seu funcionamento ideal, necessitam de atributos, como recursos físicos, número de dispositivos adequados à demanda do território de abrangência que devem prover ações de promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento e articulação dos componentes para gestão de casos e reabilitação. Necessitam-se recursos tecnológicos, como o sistema de informação integrado que vincula todos os componentes da rede com ação intersetorial ampla e existência de mecanismos de coordenação, continuidade do cuidado e integração assistencial. Há também a necessidade de recursos financeiros alinhados com os propósitos da rede, além de recursos humanos suficientes, competentes e aplicados(22 Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Ciênc Saúde Colet. 2010;15(5):2297-305. doi: 10.1590/S1413-81232010000500005
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201000...
-33 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010. Estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2010 [cited 2016 Dec 10]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2010/prt4279_30_12_2010.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
).

A RAPS visa assegurar as pessoas com sofrimento ou transtorno mental e as necessidades decorrentes do uso do crack, álcool e outras drogas, além de um atendimento integral e humanizado. A RAPS possui gestão de caráter regional e vem com a perspectiva de consolidar um modelo de atenção aberto, de base comunitária, com a garantia da livre circulação das pessoas com problemas mentais pelos serviços, comunidade e cidade.É constituída por 07 componentes que compreendem um conjunto de ações/serviços ou pontos de atenção, dentre os quais: atenção básica à saúde, atenção psicossocial especializada, atenção de urgência/emergência, atenção residencial de caráter transitório, atenção hospitalar, estratégias de desinstitucionalização e Reabilitação Psicossocial(RP)(11 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº. 3088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2011 [cited 2016 Dec 12]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt3088_23_12_2011_rep.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
).

Dentre os objetivos gerais da RAPS, estão a ampliação do acesso da população à atenção psicossocial, a promoção do acesso aos pontos de atenção da população alvo e de sua família, e a garantia da articulação e integração destes, a fim de prover cuidado qualificado por meio do acolhimento, acompanhamento contínuo e atenção às urgências, junto à proposição de transformação do paradigma de exclusão/segregação de pessoas com transtornos mentais, para uma nova forma de olhar, escutar e cuidar da pessoa em sofrimento psíquico/transtorno mental, reinventando a prática do trabalho sustentado no modelo psicossocial(11 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº. 3088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2011 [cited 2016 Dec 12]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt3088_23_12_2011_rep.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
).

A fim de atender esses objetivos, as ações da RAPS se ancoram em doze diretrizes: respeito aos direitos humanos; garantia de autonomia e liberdade das pessoas; promoção da equidade; reconhecimento dos determinantes sociais de saúde; atuação no combate a estigmas e preconceito; acesso e qualidade aos serviços; oferta de cuidado integral, multiprofissional e interdisciplinar; Educação Permanente (EP) a todos os profissionais; atenção humanizada e centrada nas necessidades das pessoas; diversidade de estratégias de cuidado e de Redução de Danos (RD) que favoreçam a inclusão social e autonomia do usuário. Assim, é necessário que os serviços atuem tendo como eixo central a construção do Projeto Terapêutico Singular(PTS)(11 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº. 3088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2011 [cited 2016 Dec 12]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt3088_23_12_2011_rep.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
).

O trabalho na RAPS deve se delinear por meio de Linhas de Cuidado (LC), que se baseiam em diretrizes clínicas e delimitam quais são os modos de articulação dos serviços disponíveis em determinado território e das práticas em saúde. Desse modo, validam-se os princípios ético-técnico-políticos para a organização dos pontos de atenção, sendo possível subsidiar estratégias para o alcance da uma atenção qualificada, de acordo com complexidade e densidade tecnológica que o cuidado exige(44 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada e Temática. Linha de cuidado para a atenção às pessoas com transtornos do espectro do autismo e suas famílias na Rede de Atenção Psicossocial do Sistema Único de Saúde [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2015 [cited 2016 Dec 10]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/linha_cuidado_atencao_pessoas_transtorno.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
). Igualmente, para configurar as LC, é fundamental a movimentação dos trabalhadores entre si e com os demais dispositivos do processo de trabalho.

Tendo em vista as particularidades de uma RAS, recentes pesquisas qualitativas sobre o funcionamento da RAPS, na perspectiva de profissionais/usuários, evidenciaram déficits em relação à comunicação entre os pontos da rede, falta de Fluxos Reguladores (FR) para conduzir os encaminhamentos, recursos humanos/físicos/estruturais(55 Nóbrega MPSS, Domingos AM, Silveira ASA, Santos JC. Weaving the West Psychosocial Care Network of the municipality of São Paulo. Rev Bras Enferm [Internet]. 2017;70(5):965-72. [Thematic Edition "Good practices and fundamentals of Nursing work in the construction of a democratic society"] doi: 10.1590/0034-7167-2016-0566
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0...
-66 Nóbrega MPSS, Silva GBF, Sena ACR. Psychosocial rehabilitation in the west network of the municipality of São Paulo: potentialities and challenges. Rev Gaúcha Enferm. 2018;39:e2017-0231. doi: 10.1590/1983-1447.2018.2017-0231
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.2...
), paradigmas simplificadores na escuta do sofrimento psíquico, na implantação de ações de SM na atenção básica e em diferentes pontos da rede, além de acesso limitado pelos usuários a estes, falta de articulação e efetivação de cuidados integrados nos serviços, e centralização do cuidado nos serviços especializados(77 Moreira MIB, Onocko-Campos RT. Mental health care actions in the psychosocial care network viewed by users. Saúde Soc. 2017;26(2):462-74. doi: 10.1590/s0104-129020171711548
https://doi.org/10.1590/s0104-1290201717...
).

Considerando os desafios da constituição do trabalho em rede e o aprofundamento acerca dos possíveis determinantes de sua realidade, este artigo tem como tema central a estrutura dos componentes da atenção básica à saúde, da atenção psicossocial especializada e da atenção de urgência/emergência de uma específica RAPS. Este artigo tem como perguntas de pesquisa: qual a estrutura destes componentes para atender os objetivos/diretrizes estabelecidos pela Portaria nº 3.088/2011? E quais atributos estão impactando seu funcionamento? Ademais, considerando que a RAPS é uma política em expansão, ela carece de avaliações contínuas. Portanto, este estudo pretende fornecer perspectivas que fomentem o julgamento das necessidades que subsidiem a qualificação do cuidado em SM no modelo assistencial de rede de saúde.

OBJETIVO

Analisar a estrutura de uma RAPS, a partir do comprometimento de seus recursos e do cumprimento de objetivos e diretrizes preconizados na Portaria no 3.088/2011.

MÉTODO

Aspectos éticos

Projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem da USP e da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, de acordo com Resolução no 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Todos participantes assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Tipo de estudo

Trata-se de um estudo empírico e de natureza quantitativa.

Procedimentos metodológicos

Cenário do estudo

Dos 25 pontos de atenção que compõe a RAPS da Coordenadoria Oeste do Município de São Paulo, fizeram parte dos 23: 10 Unidades Básicas de Saúde (UBS), 04 com equipe de SM, composta por terapeuta ocupacional, psiquiatra e psicólogo. As demais têm apoio de 03 Núcleos de Atenção à Saúde da Família (NASF); 5 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) - 2 CAPS II adulto, 1 CAPS II álcool/drogas, 1 CAPS II infanto-juvenil, 1 CAPS III adulto; 1 PS - Setor de Emergência Psiquiátrica (PS) com 09 leitos (a rede não conta com leitos psiquiátricos em hospital geral); 1 Centro de Convivência e Cooperativa (CECCO); 2 Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), 1 misto/1 fem; 2 Eq. Consultório na Rua (CR) com ações compartilhadas/integradas aos pontos e 2 equipes de NASF. Os serviços que não participaram alegaram impedimento de agenda das equipes: 1 CAPS II álcool/drogas e 4 UBS (1 delas com equipe de SM e 03 tradicionais).

Fonte de dados

Os critérios de inclusão foram ser profissional de nível superior, da área da Saúde, atuar na clínica ou gestão e concordar com a publicação dos dados coletados. Os critérios de exclusão foram estar de férias/licença no período da coleta de dados. Não foi possível a participação de profissionais de nível médio, uma vez que a logística não permitia. No Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde,verificou-se um quantitativo de 263 profissionais atuantes na RAPS Oeste. A partir da margem de erro de 7%, a amostral final foi de 119, sendo que participaram123 profissionais.

Coleta e organização dos dados

A coleta aconteceu de janeiro a novembro de 2016, com questionário autoaplicável elaborado pelas autoras, e submetido a pré-teste com 05 profissionais, sendo posteriormente excluídos. Os dados sociodemográficos foram idade, sexo, estado civil, formação, tempo de trabalho com SM, atuação no serviço, carga horária, função no serviço. A aplicação das diretrizes/objetivos da RAPS (respostas “Sim”, “Não” e “Não sei informar”) foi: o serviço/núcleo tem ou se articula em projeto de promoção em saúde para grupos vulneráveis, orienta direitos, acessa a trabalho/renda/moradia solidária/cultura/arte, previne e/ou há RD, RP/inclusão social, PTS, ações intersetoriais. O serviço/núcleo monitora/avalia a qualidade dos serviços por meio de indicadores de efetividade/resolutividade, trabalha estigma/preconceito, disponibiliza espaço para comunidade esclarecer questões de SM e participação em EP.

O comprometimento dos recursos da rede, por escala de Likert, com variação dos valores de -1 a +1: “Concordo” (valor= -1), “Neutro” (valor= 0), “Discordo” (valor= +1), foi embasado na Portaria nº 3.088 da RAPS(11 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº. 3088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2011 [cited 2016 Dec 12]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt3088_23_12_2011_rep.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
), na Portaria nº 4.279 da RAS(33 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010. Estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2010 [cited 2016 Dec 10]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2010/prt4279_30_12_2010.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
) e noreferencial de Mendes(22 Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Ciênc Saúde Colet. 2010;15(5):2297-305. doi: 10.1590/S1413-81232010000500005
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201000...
). Aconstrução das RASdeve estar ancorada em fundamentos como: disponibilidade de recursos, qualidade e acesso; integração horizontal e vertical entre os pontos; territórios sanitários definidos; níveis de atenção à saúde; composição das equipes (número de profissionais de modo geral); formação e processos de EP; existência de LC e diretrizes sobre manejo da crise. Considerou-se como cumprimento das diretrizes/objetivos, a equanimidade dos resultados positivos sobre o funcionamento e a disponibilidade de recursos nas três modalidades, e como comprometimento, a avaliação feita pelos próprios profissionais dos serviços(22 Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Ciênc Saúde Colet. 2010;15(5):2297-305. doi: 10.1590/S1413-81232010000500005
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201000...
-33 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010. Estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2010 [cited 2016 Dec 10]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2010/prt4279_30_12_2010.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
).

Análise dos dados

Empregou-se o Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 22, para determinar a distribuição da frequência entre as variáveis identificadas, com nível de confiança de 95% e teste Exato de Fisher, o qual apresentou significância entre os resultados quando o valor de p é <0,05. Para ordenar a apresentação dos resultados, os componentes da RAPS foram organizados de acordo com suas modalidades de atenção: Atenção Básica (AB) - UBS, CECCO, NASF e CR-; Atenção Psicossocial (AP) CAPS e SRT; e Atenção em Emergência (AE), Serviço de Urgência/Emergência Psiquiátrica. Os recursos foram agrupados em físicos, tecnológicos, humanos e financeiros.

RESULTADOS

A amostra é composta majoritariamente por profissionais de UBS (55,5%) e CAPS (24,5%). Predominam psicólogos (24,4%), seguido de enfermeiros (22,9%), médicos (20,3%) e terapeutas ocupacionais (10,6%) (Tabela 1).

Tabela 1
Perfil sociodemográfico, de formação e de situação ocupacional dos entrevistados, São Paulo, São Paulo, Brasil, 2016 (N=123)

Na Tabela 2, observa-se que parte dos objetivos/diretrizes não é efetuada equitativamente entre as três modalidades evidenciando frágil cumprimento da normativa em questão.

Tabela 2
Cumprimento dos objetivos/diretrizes da Rede de Atenção Psicossocial por modalidade de atenção, São Paulo, São Paulo, Brasil, 2016

Quanto ao desenvolvimento de projetos de acesso ao trabalho, renda e moradia solidária/projetos de RP - inclusão social/construção do PTS há maior atuação da AP, seguidos pela AB. Em relação aos projetos de acesso à cultura/arte e programas para trabalhar estigma/preconceito, há significância entre as três modalidades, uma vez que há maior atuação da AP em detrimento da AB e AE. AE demonstrou menos ênfase em ambas as propostas, com destaque ao quesito cultura/arte em que não desenvolve qualquer projeto.

Há consenso quanto ao não cumprimento entre as modalidades no que se refere ao monitoramento dos serviços oferecidos por meio de indicadores de qualidade e a projetos de prevenção/RD quanto ao consumo de drogas, com a AE apresentando o menor envolvimento. Nas variáveis investigadas, exceto em atividade de EP sobre a RAPS, uma parcela significativa dos profissionais das três modalidades desconhece/não sabe informar sobre a aplicação dos objetivos/diretrizes descritos na Portaria nº 3.088/2011 (Tabela 2).

Na Tabela 3, evidencia-se que entre os recursos físicos das três modalidades, a estrutura de funcionamento do serviço - área física inadequada e salas para atendimento - e a falta de leitos de SM em hospital geral são considerados comprometidos em todas as modalidades. O último foi o mais comprometido, na perspectiva dos profissionais da AP e da AE. No que se refere à ausência/número insuficiente/distribuição dos serviços no território, avaliou-se como recurso comprometido em todas as modalidades.

Tabela 3
Comprometimento dos recursos na Rede de Atenção Psicossocial, São Paulo, São Paulo, Brasil, 2016

Os recursos tecnológicos utilizados foram a formação inadequada/ausência de processos de EP, visando à qualificação do cuidado e o suporte ao profissional/trabalhador; a comunicação efetiva entre os profissionais; a falta de integração entre os componentes da RAPS; a constituição da rede social para inclusão dos usuários na comunidade; a qualificação das práticas e dos serviços de SM encontram-se comprometidos em todas as modalidades. LC e protocolos são recursos comprometidos na AB e na AE, sendo nesta última onde mais se destaca. Quanto ao envolvimento em fóruns de discussão, a participação é baixa entre os profissionais da AB e AE. A viabilização/manejo satisfatório/terapêutico da crise nos moldes da AP, fora do circuito das internações psiquiátricas em hospitais, não está comprometida apenas na AP. Entre os recursos humanos, a composição das equipes - número de profissionais - é enfatizada como recurso comprometido em todas as modalidades. No tocante aos financeiros, a AP destaca-se mais do que as outras modalidades nesse quesito (Tabela 3).

DISCUSSÃO

Os achados demonstraram que os profissionais apresentam tempo de formação e uma trajetória de longa data no campo da SM, que lhes permite tecer uma avaliação criteriosa a respeito da realidade do cuidado em SM ofertado nessa RAPS. Embora mais da metade desses profissionais atue há menos de cinco anos nos pontos de atenção, traz consigo parâmetros de funcionamento de outras redes para contextualizar e contrapor diferentes arranjos organizativos de trabalho, bem como o seguimento de uma política ainda incipiente. Salienta-se que os profissionais apresentam contrato de trabalho misto, em Regime Jurídico Único de servidores públicos e/ou CLT, e atuam em serviços de gestão direta e indireta. No município de São Paulo, a pactuação da RAPS teve início em 2013 e diagnosticou a necessidade de rever e executar mudanças para alinhar-se com os eixos da nova política, destacando-se o processo assistencial; a EP; construções e reformas de serviços; equipamentos médico hospitalares/mobiliários; custeio; ações intersetoriais; promoção da saúde(88 São Paulo (Município). Prefeitura do Município de São Paulo. Rede de Atenção Psicossocial. Proposta de Adesão - RAAS 06 [Internet]. São Paulo; 2013 [cited 2018 Jul 24]. Available from: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/saude/RAPS04112013.pdf
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/s...
). Porém, a realidade atual, por meio do presente estudo, aponta que tais medidas não foram suficientemente alcançadas, uma vez que os profissionais não conseguiram percebê-las.

Considerando que o desempenho/gestão de recursos humanos impacta na qualidade da atenção e na satisfação do usuário, detectou-se que estes são os mais comprometidos, constituindo um nó crítico que exige intervenções imediatas para não romper o seguimento das diretrizes da RAPS. Dentre estas, a readequação das equipes e capacitação profissional, definição de protocolos, rotinas e FR que aperfeiçoem a assistência nos pontos da rede, avaliação dos desgastes e fortalecimento do trabalhador, ouvindo suas necessidades e reconhecendo suas potencialidades, revisão das condições para o pleno exercício da práxis, desde a logística, a estrutura física, os insumos, materiais e equipamentos. Em consonância com a atual realidade econômica brasileira e o subfinanciamento do SUS, há a escassez de recursos financeiros para a compra de materiais/insumos que implicam diretamente na assistência. Seguramente, estes recursos isoladamente não são suficientes para atender às demandas da população se não houver uma coerência administrativa dos mesmos.

Como o financiamento em SM é exíguo e o processo de governança dá autonomia aos municípios sobre a forma de aplicá-los, é necessário revisão e alteração dessa lógica(99 Santos AM, Giovanella L. Regional governance: strategies and disputes in health region management. Rev Saúde Pública. 2014;48(4):622-31. doi: 10.1590/S0034-8910.2014048005045
https://doi.org/10.1590/S0034-8910.20140...
), uma vez que prejudica os processos de trabalho e de corresponsabilização com a PNSM. Quando os recursos não são aplicados de maneira equilibrada, em função das especificidades de cada ponto de atenção, o bom desempenho e continuidade nos atendimentos ficam comprometidos. Da mesma forma, é necessário que gestores ampliem seu entendimento sobre como a assistência é prestada in loco e consigam aplicar os recursos financeiros de acordo com as reais necessidades da população.

Quanto aos recursos físicos da RAPS Oeste, a ausência, o número insuficiente e a má disposição dos serviços têm implicado na acessibilidade e incapacitado respostas adequadas às necessidades da população adscrita. A rede ainda enfrenta dificuldades quanto à inexistência de leitos de psiquiatria em hospital geral que, segundo a portaria da RAPS, têm a finalidade de contemplar internações psiquiátricas de curta duração, manejo de crise, com vistas a evitar sua recorrência e a longa permanência na AE.

Considerando que a crise é uma experiência singular e disruptiva do processo existencial e não apenas a presença de exacerbação de sintomas psicopatológicos, exige a condução de cuidado nos moldes da AP (10). Na RAPS Oeste, o manejo da crise nesse modelo é uma dificuldade para a AB e a AE, possivelmente pelo fato de a perspectiva psicossocial não ter sido inteiramente incorporada pelos profissionais, representando uma circunstância que envolve a complexidade das demandas de SM e, também, o enfoque que ainda é dado ao modelo biomédico. Transformar essa lógica de cuidado exige que estas modalidades se articulem com as proposições da RAPS e construam estratégias para lidar com as necessidades de pessoas em/com sofrimento psíquico/transtorno mental, amparando suas vivências por meio da compreensão de sua magnitude, não apenas na premissa de eliminação de sintomas.

Na mesma direção, detectou-se que em termos de recursos tecnológicos, a comunicação efetiva entre os profissionais e o compromisso contínuo em construir novas formas de lidar com o sofrimento psíquico/emocional são apresentados como aspectos frágeis na rede. Isso, de fato, compromete a atenção em SM centrada nas necessidades das pessoas e na diversificação das estratégias de cuidado. Fortalecer essa comunicação possibilitará à RAPS Oeste conduzir um cuidado longitudinal, integral e qualificado. Ao lidar com o sofrimento psíquico/transtorno mental nessa perspectiva, fomenta-se o modelo psicossocial em detrimento do modelo manicomial(1111 Quinderé PHD, Jorge MSB, Franco TB. Rede de Atenção Psicossocial: qual o lugar da saúde mental? Physis. 2014;24(1):253-71. doi: 10.1590/S0103-73312014000100014
https://doi.org/10.1590/S0103-7331201400...
).

Em consonância com essa realidade, os profissionais da AB e AE pouco participam em fóruns de discussão sobre a RAPS. Como orienta o artigo treze da Portaria, o estímulo à criação de fóruns pode ser um meio possível para a reversão desse quadro, uma vez que representam um espaço fértil de troca, de apropriação sobre os componentes da rede e estreitam laços entre os profissionais, de contar com a participação cidadã. Portanto, ao promover fóruns, agencia-se a EP que é necessária frente à complexidade e às mudanças constantes na prática social dos trabalhadores(1212 Martins JRT, Alexandre BGP, Oliveira VC, Viegas SMF. Permanent education in the vaccination room: what is the reality?. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018;71(Suppl 1):668-76. [Thematic Issue: Contributions and challenges of nursing practices in collective health] doi: 10.1590/0034-7167-2017-056013
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0...
).

Embora sejam evidenciadas dificuldades no que tange à articulação dos serviços da rede, verifica-se que a AB e a AP conseguem se articular e estabelecer ações de RP no território, cumprindo as diretrizes estabelecidas na portaria. Ao atuar de maneira mais próxima e longitudinal com o usuário, essas duas modalidades cumprem papel importante nessas ações, pois ofertam acesso a experiências, habilidades, ampliam a autonomia e oportunizam aos usuários fazerem escolhas(1313 Bezerra e Silva ML, Dimenstein MDB. Manejo da crise: encaminhamento e internação psiquiátrica em questão. Arq Bras Psicol. 2014 [cited 2016 Dec 18];66(3):31-46. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672014000300004
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
). Em contrapartida, a AE, por realizar atendimentos direcionados a situações de crise, pouco enfatiza ações de reabilitação, o que não descarta o compromisso em se articular com outros componentes para desenvolvê-las, para ampliar e qualificar o acesso, contemplando até mesmo ações de promoção e prevenção em saúde.

Como eixo da estratégia de RP, os projetos de acesso a trabalho e renda são desenvolvidos por meio da Economia Solidária, contribuindo com a reinserção e o reestabelecimento do poder de contratualidade do indivíduo. Há beneficiamento de sua inclusão, autonomia e cidadania, além de fortalecimento do vínculo usuário-usuário e profissional-usuário(1414 Pedroza AP, Oliveira FB, Fortunato ML, Soares PFC. Articulação saúde mental e economia solidária: relato de projeto de inclusão social. Rev Rene. 2012 [cited 2016 Dec 15];13(2):454-62. Available from: http://www.periodicos.ufc.br/rene/article/view/3955/pdf
http://www.periodicos.ufc.br/rene/articl...
). A operacionalização dessa estratégia coopera para a construção da subjetividade e possibilita abrir caminhos para retomada da cidadania(66 Nóbrega MPSS, Silva GBF, Sena ACR. Psychosocial rehabilitation in the west network of the municipality of São Paulo: potentialities and challenges. Rev Gaúcha Enferm. 2018;39:e2017-0231. doi: 10.1590/1983-1447.2018.2017-0231
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.2...
). Na RAPS Oeste, estes projetos, juntamente com os projetos de cultura/arte e programas que trabalham o estigma/preconceito estão frágeis na AB e completamente defasados na AE, e são majoritariamente cumpridos pela AP, que tem como dispositivo principal para suas ações os CAPS.

Os CAPS destacam-se como um ambiente seguro ao oferecer um espaço protegido de convívio social dos usuários, onde estes, familiarizados e acolhidos em suas necessidades, não lidam com situações adversas relacionadas ao convívio em sociedade, como a exclusão, o preconceito e a discriminação(1414 Pedroza AP, Oliveira FB, Fortunato ML, Soares PFC. Articulação saúde mental e economia solidária: relato de projeto de inclusão social. Rev Rene. 2012 [cited 2016 Dec 15];13(2):454-62. Available from: http://www.periodicos.ufc.br/rene/article/view/3955/pdf
http://www.periodicos.ufc.br/rene/articl...
). Em função da concentração de atividades cotidianas internas ao CAPS, merge a necessidade destes estimularem a apropriação do território pelos usuários, oportunizando a experimentação de novos cardápios no viver comunitário(66 Nóbrega MPSS, Silva GBF, Sena ACR. Psychosocial rehabilitation in the west network of the municipality of São Paulo: potentialities and challenges. Rev Gaúcha Enferm. 2018;39:e2017-0231. doi: 10.1590/1983-1447.2018.2017-0231
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.2...
). Há, todavia, necessidade de ações Intersetoriais na RAPS Oeste, que promovam o acesso à cultura/arte aos usuários, que não se restrinja ao espaço do CAPS, e possibilite acesso aos demais serviços disponíveis no município, como os CECCOs, favorecendo desse modo a circulação pela cidade e a própria autonomia(66 Nóbrega MPSS, Silva GBF, Sena ACR. Psychosocial rehabilitation in the west network of the municipality of São Paulo: potentialities and challenges. Rev Gaúcha Enferm. 2018;39:e2017-0231. doi: 10.1590/1983-1447.2018.2017-0231
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.2...
).

A RAPS Oeste ainda não se consolidou quanto ao desenvolvimento de projetos de prevenção/RD em relação às drogas, fato consonante à realidade nacional que também se apresenta incipiente. Tal prática garante o direito a escolhas e responsabilidade do sujeito sobre sua vida, e flexibiliza métodos para compreender a universalidade da população envolvida com drogas(1515 Inglez-Dias AI, Ribeiro JM, Bastos FI, Page K. Políticas de redução de danos no Brasil: contribuições de um programa norte-americano. Ciênc Saúde Colet. 2014;19(1):147-58. doi: 10.1590/1413-81232014191.1778
https://doi.org/10.1590/1413-81232014191...
). Potencializá-la é fundamental para atender a proposição da política nacional sobre drogas.

Em relação à exequibilidade dos PTS, dispositivo que permite a apropriação das condições de vida e necessidades dos usuários e viabiliza o cuidado integral(1616 Jorge MSB, Diniz AM, Lima LL, Penha JC. Matrix support, individual therapeutic project and prodution in mental health care. Texto Contexto Enferm. 2015;24(1):112-20. doi: 10.1590/0104-07072015002430013
https://doi.org/10.1590/0104-07072015002...
), é fundamental que a rede institua LC. Exceto na AP, tem-se como recurso tecnológico comprometido, indicando um hiato entre o que é planejado e executado em termos de cuidado. Ademais, o Sistema de Informação em Saúde é frágil, o que representa uma vulnerabilidade tecnológica importante, com informações conduzidas por meio de prontuários físicos, por vezes incompletos, e reuniões de equipe com vivências conflituosas. Como a comunicação efetiva entre os profissionais foi considerada um recurso comprometido, as tomadas de decisão e de melhores condutas podem comprometer o PTS.

A LC é fomentada por recursos/insumos, tecnologias que o usuário utilizará durante o processo de assistência. Ela deve funcionar de forma sistêmica, operando com vários serviços e iniciando com a entrada do usuário em qualquer ponto da rede(1717 Malta DC, Merhy EE. O percurso da linha do cuidado sob a perspectiva das doenças crônicas não transmissíveis. Interface (Botucatu). 2010;14(34):593-605. doi: 10.1590/S1414-32832010005000010
https://doi.org/10.1590/S1414-3283201000...
). Uma vez que, de acordo com o PTS, o usuário circula pelos pontos de cuidado do território, caso não haja LC que sistematizem seu itinerário, há o risco deste se perder em seu percurso terapêutico. Ademais, as intervenções tornam- se terapêuticas, de fato, quando todos os atores envolvidos se beneficiam(1818 Santos JC, Barros S, Huxley PJ. Social Inclusion of the people with mental health issues: compare international results. Int J Soc Psychiatr. 2018;64(4):1-7. doi: 10.1177/0020764018763941
https://doi.org/10.1177/0020764018763941...
). Na RAPS Oeste, não há uniformidade quanto à existência de FR descrito entre pontos da RAPS, que promova a construção de parceria e corresponsabilização pelas demandas assistenciais dos sujeitos enquanto existências-sofrimento e que potencializem o cuidado integral(1919 Silva MLB, Dimenstein MDB. Manejo da crise: encaminhamento e internação psiquiátrica em questão. Arq Bras Psicol [Internet]. 2014 [cited 2017 Nov 11];66(3):31-46. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672014000300004&lng=pt
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
-2020 Goldberg SE, Whittamore KH, Pollock K, Harwood RH, Gladman JRF. Caring for cognitively impaired older patients in the general hospital: a qualitative analysis of similarities and differences between a specialist Medical and Mental Health Unit and standard care wards. Int J Nurs Stud. 2014;51(10):1332-43. doi: 10.1016/j.ijnurstu.2014.02.002
https://doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2014....
).

Ainda na perspectiva de gestão, parcela significativa dos profissionais desconhece a existência de monitoramento por meio de indicadores de qualidade, evidenciando a necessidade de se apropriarem dos aspectos administrativos dos serviços. Com base nesses, é possível verificar se as ações desenvolvidas têm repercussão na assistência e se os resultados obtidos auxiliam na revisão de processos. Igualmente, é importante considerar que os indicadores consideram uma compreensão quanti/qualitativa, que fornece informações sobre a eficácia dos serviços ofertados, e que valorize a singularidade e a individualidade do usuário, colocando-o no centro de processos avaliativos(2121 Alves PF, Kantorski LP, Coimbra VCC, Oliveira MM, Silveira KL. Indicadores qualitativos de satisfação em saúde mental. Saúde Debate. 2017;41(spe):50-9. doi: 10.1590/0103-11042017s05
https://doi.org/10.1590/0103-11042017s05...
), o que pode representar desafio para os serviços desse campo de atuação.

A coordenação eficiente entre os componentes de uma rede de atenção à saúde conduz a obtenção de qualidade e continuidade de cuidados, bem como a eficiência na utilização de recursos(2222 Montenegro H, Holder R, Ramagem C, Urrutia S, Fabrega R, Cruz M, et al. Combating health care fragmentation through integrated health service delivery networks in the Americas: lessons learned. Int J Integr Care. 2011;11(Suppl):e100. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3184820/
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/article...
) e aorquestragem que se configura como principal ponto de (re)ordenamento e estruturação de uma RAS(2323 Protasio APL, Silva PB, Lima EC, Gomes LB, Machado LS, Valença AMG. Avaliação do sistema de referência e contrarreferência do estado da Paraíba segundo os profissionais da Atenção Básica no contexto do 1º ciclo de Avaliação Externa do PMAQ-AB. Saúde Debate. 2014;38(spe):209-20. doi: 10.5935/0103-1104.2014S016
https://doi.org/10.5935/0103-1104.2014S0...
). Diante do panorama apresentado, com recursos físicos/humanos/tecnológicos/financeiros comprometidos, as dificuldades para atender os objetivos/diretrizes da Portaria 3.088/2011 da RAPS se intensificam. Ademais, somente por meio da troca de recursos, cooperação, integração e interdependência entre os dispositivos de uma rede se promove o cerzimento da atenção à saúde e o continuum de cuidados(22 Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Ciênc Saúde Colet. 2010;15(5):2297-305. doi: 10.1590/S1413-81232010000500005
https://doi.org/10.1590/S1413-8123201000...
).

Limitação do estudo

A fotografia de um único cenário impossibilita uma análise comparativa com outras tramas de cuidado, e a avaliação da governança que o município faz de suas RAPS.

Contribuições para a área da Política Pública de Saúde Mental

Delinearam-se algumas recomendações para solidificar a RAPS Oeste, como investimento em fóruns de discussão para fortalecer o compromisso de cooperação entre profissionais/dispositivos; readequação das equipes, intensificação da EP. A alternância de profissionais é algo dinâmico e todos precisam falar a mesma linguagem/manter o afinamento de sua organização; instituir leitos de psiquiatria em hospital geral em serviços existentes/território ou ampliar as pactuações com outras redes; integralizar a AB com a AP; envolver os profissionais assistenciais nas atividades gerenciais para melhorar a cooperação dos processos e, por fim, ampliar a abordagem psicossocial na AE.

CONCLUSÃO

A estrutura da RAPS Oeste do Município de São Paulo não detém em sua totalidade os recursos físicos, tecnológicos, humanos e financeiros para sustentar o trabalho de forma articulada, não cumprindo satisfatoriamente os objetivos/diretrizes elencados na Portaria 3.088/2011. A AP cumpre os objetivos/diretrizes de forma mais positiva no âmbito do manejo da crise nos moldes da AP, em projetos de RP e condução do PTS, mesmo com a fragilidade de recursos.

A AB e a AE não cumprem satisfatoriamente os objetivos/diretrizes quanto à participação em fóruns de discussão, promoção de projetos de cultura/arte/redução de estigmas/preconceitos, do PTS e manejo da crise nos moldes da AP. Ressalta-se que a AB consegue realizar RP, conjuntamente com a AP. A fragilidade da rede em sustentar a provisão de cuidados em SM à população circunscrita é evidente, salientando a necessidade explícita de mais investimentos. Ainda assim, a RAPS Oeste avança paulatinamente, e tem grande potencial de se reconfigurar. Essa pesquisa contribui para fomentar discussões e impulsionar influências no contexto macro político sobre o funcionamento desta e de outras RAPS.

  • FOMENTO
    Apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).

REFERENCES

  • 1
    Ministério da Saúde (BR). Portaria nº. 3088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2011 [cited 2016 Dec 12]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt3088_23_12_2011_rep.html
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt3088_23_12_2011_rep.html
  • 2
    Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Ciênc Saúde Colet. 2010;15(5):2297-305. doi: 10.1590/S1413-81232010000500005
    » https://doi.org/10.1590/S1413-81232010000500005
  • 3
    Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 4.279, de 30 de dezembro de 2010. Estabelece diretrizes para a organização da Rede de Atenção à Saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2010 [cited 2016 Dec 10]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2010/prt4279_30_12_2010.html
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2010/prt4279_30_12_2010.html
  • 4
    Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada e Temática. Linha de cuidado para a atenção às pessoas com transtornos do espectro do autismo e suas famílias na Rede de Atenção Psicossocial do Sistema Único de Saúde [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2015 [cited 2016 Dec 10]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/linha_cuidado_atencao_pessoas_transtorno.pdf
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/linha_cuidado_atencao_pessoas_transtorno.pdf
  • 5
    Nóbrega MPSS, Domingos AM, Silveira ASA, Santos JC. Weaving the West Psychosocial Care Network of the municipality of São Paulo. Rev Bras Enferm [Internet]. 2017;70(5):965-72. [Thematic Edition "Good practices and fundamentals of Nursing work in the construction of a democratic society"] doi: 10.1590/0034-7167-2016-0566
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167-2016-0566
  • 6
    Nóbrega MPSS, Silva GBF, Sena ACR. Psychosocial rehabilitation in the west network of the municipality of São Paulo: potentialities and challenges. Rev Gaúcha Enferm. 2018;39:e2017-0231. doi: 10.1590/1983-1447.2018.2017-0231
    » https://doi.org/10.1590/1983-1447.2018.2017-0231
  • 7
    Moreira MIB, Onocko-Campos RT. Mental health care actions in the psychosocial care network viewed by users. Saúde Soc. 2017;26(2):462-74. doi: 10.1590/s0104-129020171711548
    » https://doi.org/10.1590/s0104-129020171711548
  • 8
    São Paulo (Município). Prefeitura do Município de São Paulo. Rede de Atenção Psicossocial. Proposta de Adesão - RAAS 06 [Internet]. São Paulo; 2013 [cited 2018 Jul 24]. Available from: http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/saude/RAPS04112013.pdf
    » http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/saude/RAPS04112013.pdf
  • 9
    Santos AM, Giovanella L. Regional governance: strategies and disputes in health region management. Rev Saúde Pública. 2014;48(4):622-31. doi: 10.1590/S0034-8910.2014048005045
    » https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2014048005045
  • 10
    Zeferino MT, Cartana MHF, Fialho MB, Huber MZ, Bertoncello KCG. Health workers' perception on crisis care in the Psychosocial Care Network. Esc Anna Nery 2016;20(3):e20160059. doi: 10.5935/1414-8145.2016005911
    » https://doi.org/10.5935/1414-8145.2016005911
  • 11
    Quinderé PHD, Jorge MSB, Franco TB. Rede de Atenção Psicossocial: qual o lugar da saúde mental? Physis. 2014;24(1):253-71. doi: 10.1590/S0103-73312014000100014
    » https://doi.org/10.1590/S0103-73312014000100014
  • 12
    Martins JRT, Alexandre BGP, Oliveira VC, Viegas SMF. Permanent education in the vaccination room: what is the reality?. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018;71(Suppl 1):668-76. [Thematic Issue: Contributions and challenges of nursing practices in collective health] doi: 10.1590/0034-7167-2017-056013
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-056013
  • 13
    Bezerra e Silva ML, Dimenstein MDB. Manejo da crise: encaminhamento e internação psiquiátrica em questão. Arq Bras Psicol. 2014 [cited 2016 Dec 18];66(3):31-46. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672014000300004
    » http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672014000300004
  • 14
    Pedroza AP, Oliveira FB, Fortunato ML, Soares PFC. Articulação saúde mental e economia solidária: relato de projeto de inclusão social. Rev Rene. 2012 [cited 2016 Dec 15];13(2):454-62. Available from: http://www.periodicos.ufc.br/rene/article/view/3955/pdf
    » http://www.periodicos.ufc.br/rene/article/view/3955/pdf
  • 15
    Inglez-Dias AI, Ribeiro JM, Bastos FI, Page K. Políticas de redução de danos no Brasil: contribuições de um programa norte-americano. Ciênc Saúde Colet. 2014;19(1):147-58. doi: 10.1590/1413-81232014191.1778
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232014191.1778
  • 16
    Jorge MSB, Diniz AM, Lima LL, Penha JC. Matrix support, individual therapeutic project and prodution in mental health care. Texto Contexto Enferm. 2015;24(1):112-20. doi: 10.1590/0104-07072015002430013
    » https://doi.org/10.1590/0104-07072015002430013
  • 17
    Malta DC, Merhy EE. O percurso da linha do cuidado sob a perspectiva das doenças crônicas não transmissíveis. Interface (Botucatu). 2010;14(34):593-605. doi: 10.1590/S1414-32832010005000010
    » https://doi.org/10.1590/S1414-32832010005000010
  • 18
    Santos JC, Barros S, Huxley PJ. Social Inclusion of the people with mental health issues: compare international results. Int J Soc Psychiatr. 2018;64(4):1-7. doi: 10.1177/0020764018763941
    » https://doi.org/10.1177/0020764018763941
  • 19
    Silva MLB, Dimenstein MDB. Manejo da crise: encaminhamento e internação psiquiátrica em questão. Arq Bras Psicol [Internet]. 2014 [cited 2017 Nov 11];66(3):31-46. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672014000300004&lng=pt
    » http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-52672014000300004&lng=pt
  • 20
    Goldberg SE, Whittamore KH, Pollock K, Harwood RH, Gladman JRF. Caring for cognitively impaired older patients in the general hospital: a qualitative analysis of similarities and differences between a specialist Medical and Mental Health Unit and standard care wards. Int J Nurs Stud. 2014;51(10):1332-43. doi: 10.1016/j.ijnurstu.2014.02.002
    » https://doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2014.02.002
  • 21
    Alves PF, Kantorski LP, Coimbra VCC, Oliveira MM, Silveira KL. Indicadores qualitativos de satisfação em saúde mental. Saúde Debate. 2017;41(spe):50-9. doi: 10.1590/0103-11042017s05
    » https://doi.org/10.1590/0103-11042017s05
  • 22
    Montenegro H, Holder R, Ramagem C, Urrutia S, Fabrega R, Cruz M, et al. Combating health care fragmentation through integrated health service delivery networks in the Americas: lessons learned. Int J Integr Care. 2011;11(Suppl):e100. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3184820/
    » https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3184820/
  • 23
    Protasio APL, Silva PB, Lima EC, Gomes LB, Machado LS, Valença AMG. Avaliação do sistema de referência e contrarreferência do estado da Paraíba segundo os profissionais da Atenção Básica no contexto do 1º ciclo de Avaliação Externa do PMAQ-AB. Saúde Debate. 2014;38(spe):209-20. doi: 10.5935/0103-1104.2014S016
    » https://doi.org/10.5935/0103-1104.2014S016

Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Marcos Brandão

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Fev 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    13 Jun 2018
  • Aceito
    09 Set 2018
Associação Brasileira de Enfermagem SGA Norte Quadra 603 Conj. "B" - Av. L2 Norte 70830-102 Brasília, DF, Brasil, Tel.: (55 61) 3226-0653, Fax: (55 61) 3225-4473 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: reben@abennacional.org.br