Quatro níveis de avaliação de um programa de treinamento de enfermeiras sobre alimentação regional

RESUMO

Objetivos:

verificar a efetividade de programa de treinamento de enfermeiras sobre alimentação regional com base em quatro níveis de avaliação: reação, aprendizagem, comportamento e resultados.

Métodos:

estudo quase experimental, longitudinal, do tipo antes e depois, realizado em 2014 com oito enfermeiras e 62 mães atendidas nas Unidades de Atenção Primária à Saúde da zona rural do Ceará, Brasil, em um programa de treinamento com uso de tecnologia educativa sobre alimentação regional.

Resultados:

as avaliações evidenciaram reação positiva das enfermeiras; média de acertos muito boa no pós-teste de conhecimento (92,3%,); mudança de comportamento das enfermeiras, constatada pela realização de 30 atividades educativas após o treinamento; e resultados satisfatórios, verificados pela melhora do conhecimento, atitude e prática das mães sobre alimentos regionais e segurança alimentar após participação nas intervenções educativas realizadas pelas enfermeiras treinadas.

Conclusões:

o programa de treinamento foi considerado efetivo, evidenciando resultados positivos nos quatros níveis de avaliação.

Descritores:
Avaliação Educacional; Educação Alimentar e Nutricional; Capacitação; Promoção da Saúde; Enfermagem

ABSTRACT

Objectives:

to verify the effectiveness of a regional nutrition training program for nurses based on four levels of assessment: response, learning, behavior, and conclusions.

Methods:

this was a longitudinal, almost experimental before and after type of study, carried out in 2014 with eight nurses and 62 mothers attended in the Primary Health Care Units of the rural area of Ceará, Brazil, in a training program using educational technology on regional food.

Results:

the evaluations showed a positive reaction from the nurses; a very good post-test average (92.3%); a change in nurses’ behavior, verified by 30 educational activities after training; and satisfactory results, verified by improvement in knowledge, attitude and practice of the mothers about regional food and food safety after participating in the educational interventions carried out by the trained nurses.

Conclusions:

the training program was considered effective, showing positive results in the four levels of evaluation.

Descriptors:
Educational Assessment; Food and Nutritional Education; Training; Health Promotion; Nursing

RESUMEN

Objetivos:

verificar la efectividad del programa de entrenamiento de enfermeras sobre alimentación regional con base en cuatro niveles de evaluación: reacción, aprendizaje, conducta y resultados.

Métodos:

estudio casi experimental, longitudinal, del tipo antes y después, realizado en 2014 con ocho enfermeras y 62 madres atendidas en las Unidades de Atención Primaria a la Salud de la zona rural de Ceará, Brasil, en un programa de entrenamiento con uso de tecnología educativa sobre alimentación regional.

Resultados:

las evaluaciones evidenciaron reacción positiva de las enfermeras; media de aciertos muy buena en el post-test de conocimiento (92,3%,); cambio de conducta de las enfermeras, constatada por la realización de 30 actividades educativas después del entrenamiento; y resultados satisfactorios, verificados por la mejora del conocimiento, actitud y práctica de las madres sobre alimentos regionales y seguridad alimentar después de la participación en las intervenciones educativas realizadas por las enfermeras entrenadas.

Conclusiones:

el programa de entrenamiento ha sido considerado efectivo, evidenciando resultados positivos en los cuatros niveles de evaluación.

Descriptores:
Evaluación Educacional; Educación Alimentar y Nutricional; Capacitación; Promoción de la Salud; Enfermería

INTRODUÇÃO

A Estratégia Nacional para Promoção do Aleitamento Materno e Alimentação Complementar Saudável tem como objetivos a qualificação das ações de promoção do aleitamento materno e da alimentação complementar saudável bem como o aprimoramento das competências e habilidades dos profissionais de saúde como atividade de rotina das Unidades Básicas de Saúde (UBS)⁽¹⁾.

Estudos têm evidenciado a necessidade do aprimoramento dos profissionais de saúde, pois, em uma revisão sistemática referente ao aconselhamento sobre alimentação para crianças menores de 2 anos, verificou-se que, de 29 estudos realizados no Brasil entre os anos de 1998 e 2011, 18 tinham como foco capacitações, ressaltando a importância destas para a melhoria do desempenho dos profissionais⁽²⁾.

Os profissionais de saúde relatam dificuldades no desenvolvimento de ações educativas de alimentação e nutrição⁽³⁾. Assim, a realização de um programa de treinamento com enfermeiros da Atenção Primária à Saúde sobre alimentação regional pode ser uma alternativa eficaz no aperfeiçoamento dos profissionais, de modo a torná-los capacitados para promover uma alimentação saudável e segura nas famílias, garantindo um crescimento e desenvolvimento infantil adequado.

A alimentação regional é incentivada pelo Ministério da Saúde também na busca da alimentação saudável, por meio do Manual “Alimentos Regionais Brasileiros”, que dispõe sobre a variedade das frutas, hortaliças, leguminosas, tubérculos, cereais e ervas disponíveis em cada região, assim como sugere preparações culinárias para a população⁽⁴⁾.

Destarte, é oportuno não somente desenvolver programas de treinamento, mas também verificar sua efetividade. De acordo com o modelo de Kirkpatrick, a avaliação de programas de treinamento pode ser realizada em quatro níveis: reação (avalia a satisfação dos participantes com o treinamento), aprendizagem (avalia a mudança no conhecimento), comportamento (avalia o desempenho do profissional em seu ambiente de trabalho) e resultado (verifica quais foram os resultados tangíveis do programa)⁽⁵⁾.

Pesquisas nacionais e internacionais vêm implementando programas de treinamento com enfermeiros em diversas temáticas e realizando avaliações de reação⁽⁶⁾, aprendizagem^(7-8), comportamento⁽⁹⁾ e resultados⁽¹⁰⁾.

É oportuno destacar ainda que a utilização de mais de um nível de avaliação pode evidenciar resultados mais consistentes e abrangentes. Por exemplo, em um treinamento realizado em São Paulo com enfermeiros sobre a avaliação sistematizada da dor em pacientes com uso de morfina, utilizaram-se dois níveis de avaliação ao mesmo tempo, e foi constatado que, além da mudança no processo de decisão do enfermeiro para a administração de morfina (comportamento), houve impacto no alívio da dor dos pacientes (resultado)⁽¹¹⁾.

OBJETIVOS

Verificar a efetividade de programa de treinamento de enfermeiras sobre alimentação regional com base em quatro níveis de avaliação: reação, aprendizagem, comportamento e resultados.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O estudo foi precedido da aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará e da assinatura — por todas as enfermeiras e mães que participaram do estudo — do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Desenho, período e local do estudo

Estudo quase experimental, longitudinal, do tipo antes e depois, realizado nas Unidades de Atenção Primária à Saúde (UAPS) da zona rural de um município do Ceará, Brasil, de setembro de 2014 a março de 2015.

A escolha do local do estudo se deu levando em consideração que somente 12% desta população que reside em zona rural apresenta segurança alimentar⁽¹²⁾, conceito definido como: acesso constante a alimentos de qualidade e em quantidade suficientes por uma população.

População ou amostra: critérios de inclusão e exclusão

A população do estudo foi constituída por todas as 12 enfermeiras que atuavam nas UAPSs da zona rural dessa região e pelas mães de crianças atendidas nestas UAPSs que participaram da intervenção educativa.

Dentre as 12 enfermeiras, 9 foram selecionadas de acordo com o seguinte critério de inclusão: comparecer ao primeiro encontro do programa de treinamento. Adotou-se como critério de exclusão a participação dos profissionais em treinamento anterior sobre alimentação regional, sendo excluídas três enfermeiras. Ainda, uma enfermeira foi excluída por critério de descontinuidade, já que solicitou desligamento da UAPS em que atuava após início do programa. Desse modo, a amostra foi constituída por oito enfermeiras.

Com relação às mães, a amostra foi estimada por conveniência, sendo convidadas por cada enfermeira de seis a dez mães para seu grupo, de modo a não comprometer a eficácia da intervenção educativa. Sendo assim, obteve-se uma amostra de 62 mães, que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: residir no local de estudo; ter pelo menos um filho com idade entre 6 meses e 6 anos; e ser atendida na UAPS em que as enfermeiras atuavam. Foram excluídas aquelas que não possuíam contato telefônico, por inviabilizar a continuidade da avaliação após a intervenção educativa.

Protocolo do estudo

A coleta de dados compreendeu concomitantemente a realização do programa de treinamento com as enfermeiras (setembro a dezembro de 2014), composto pelas avaliações de reação, aprendizagem e comportamento; e a avaliação de resultados com as mães que participaram das intervenções educativas realizadas pelas enfermeiras treinadas (setembro de 2014 a março de 2015).

O programa de treinamento das enfermeiras seguiu a metodologia de exposição oral dialogada e desenvolveu-se em cinco encontros conforme a programação do Quadro abaixo.

Quadro 1
Cronograma do programa de treinamento de enfermeiras sobre alimentação regional, Maranguape, Ceará, Brasil, 2014

Encontros	Programação
1º encontro (1ª semana)	- Aplicação de pré-teste de conhecimento com as enfermeiras. - Oficina para uso de tecnologia educativa sobre alimentação regional.
2º encontro     (2ª a 5ª semana)	- Atividade em campo: Intervenção educativa realizada por cada enfermeira treinada na UAPS em que atuava com as mães selecionadas.
3º encontro (6ª semana)	- Roda de conversa sobre as intervenções educativas. - Entrega do diário de acompanhamento das enfermeiras para ser utilizado nos 30 dias subsequentes.
4º encontro 10ª semana)	- Roda de conversa baseada no diário de acompanhamento utilizado no mês anterior e discussão de artigos científicos selecionados acerca da temática.
5º encontro (13ª semana)	- Feedback inicial quanto ao conhecimento, atitude e prática das mães um mês após a intervenção educativa. - Aplicação do pós-teste de conhecimento e formulário de reação ao programa de treinamento com as enfermeiras.

A maioria dos encontros teve duração média de 50 minutos, com exceção da oficina para uso da tecnologia educativa, que teve duração de quatro horas, e das intervenções educativas, que tiveram duração média de 25 minutos. A tecnologia educativa utilizada no programa foi o álbum seriado validado “Alimentos regionais promovendo a segurança alimentar”, o qual é formado por sete ilustrações, que devem ser expostas ao público-alvo, e seis fichas-roteiro, que orientam o profissional e aborda as temáticas: segurança alimentar e nutricional; alimentos regionais; higienização dos alimentos; e receitas regionais de caju, banana, jerimum/abóbora e seriguela⁽¹³⁾.

Ressalta-se que as oficinas — de degustação das receitas regionais, demonstração da aplicação da tecnologia e atividade de simulação (primeiro encontro); e intervenções educativas realizadas pelas enfermeiras treinadas (segundo encontro) — foram desenvolvidas pela pesquisadora em estudo anterior⁽¹⁴⁾. Entretanto, foram utilizados somente dois níveis de avaliação do treinamento: a avaliação de reação e a avaliação de comportamento das enfermeiras, no que diz respeito ao seu desempenho e aptidão para aplicação da tecnologia educativa.

Por sua vez, no presente estudo, deu-se continuidade ao programa de treinamento a fim de permitir a utilização dos quatro níveis de avaliação. A avaliação de reação ocorreu novamente para verificar a satisfação das enfermeiras com relação ao programa como um todo (12 semanas), sendo realizada com base na aplicação de um formulário contendo sete questões abertas que abordavam: carga horária adotada, metodologia empregada em todos os encontros, satisfação com a tecnologia educativa utilizada e sugestões para a sua melhoria.

Na avaliação de aprendizagem das enfermeiras, foram utilizados o pré-teste e o pós-teste de conhecimento anteriormente validados com índice de validade de conteúdo de 0,95 e 0,94, respectivamente⁽¹⁵⁾, os quais são compostos por 13 questões que abordam as temáticas do álbum seriado. O pré-teste tem caráter objetivo, em que cada questão tem quatro opções de resposta, devendo apenas uma alternativa ser assinalada como correta. E o pós-teste apresenta afirmativas que deveriam ser classificadas pela enfermeira como “corretas” ou “incorretas”. No caso de questões consideradas incorretas, a enfermeira deveria corrigi-la nas linhas correspondentes.

Para a classificação do conhecimento teórico das enfermeiras, estabeleceram-se os seguintes parâmetros: menor que 50% das questões – não aceitável; entre 50% e 75% – aceitável; entre 76 e 90% – bom; e maior que 91% – muito bom⁽¹¹⁾.

A avaliação de comportamento se deu com base no diário de acompanhamento de enfermeiras, objetivando constatar a mudança de comportamento das profissionais em seu cotidiano em longo prazo. O diário de acompanhamento foi construído pela pesquisadora para ser utilizado pelas enfermeiras durante o período de um mês, e foi constituído por tópicos que direcionaram as profissionais a anotar informações relevantes acerca da utilização da tecnologia educativa em seu ambiente de trabalho, como a quantidade de participantes, vantagens e desvantagens apresentadas.

Por fim, as intervenções educativas fundamentaram a avaliação de resultados. Para tanto, dois colaboradores treinados aplicaram com as mães o formulário sociodemográfico e o Inquérito de Conhecimento, Atitude e Prática (CAP) antes da intervenção, imediatamente após a intervenção e um mês, três meses e seis meses após a intervenção, por meio de contato telefônico.

É oportuno destacar que, em caso de dificuldade em estabelecer contato telefônico, os colaboradores retornaram a ligação diariamente até 45 dias depois da intervenção, de modo que, após este período, as mães que não atenderam foram retiradas das etapas subsequentes de avaliação de resultado. Dessa forma, no primeiro momento, a amostra foi constituída por 62 mães, havendo uma diminuição progressiva desse quantitativo com um mês (n = 44), três meses (n = 28) e seis meses (n = 23) de acompanhamento.

O presente inquérito CAP sobre alimentos regionais foi elaborado e validado por dois experts na área e por teste-piloto com 15 familiares em pesquisa anterior, sendo composto por 10 questões divididas nos três eixos (conhecimento, atitude e prática), os quais podem ser classificados em adequado ou inadequado após resposta dos participantes⁽¹³⁾.

Para os eixos serem tomados como adequados, deve-se considerar cada um conforme o especificado no Quadro 2.

Quadro 2
Descrição das respostas consideradas como adequadas nos eixos de conhecimento, atitude e prática sobre alimentos regionais

Eixos	Adequado
Conhecimento	- Já ouviu falar nos alimentos regionais e sabe para que servem; - Cita pelo menos três tipos desses alimentos; - E refere, no mínimo, dois tipos de opções de preparo utilizando esses alimentos.
Atitude	- Conhece a importância de introduzir os alimentos regionais na rotina alimentar da criança; - Destaca os benefícios desta alimentação: prevenir desnutrição e obesidade; favorecer a segurança alimentar; e/ou ser uma nova alternativa alimentar.
Prática	- Mencionajáter ofertadoàcriançaalgum alimento regional; - Reconhece que esse alimento pode ser incluído sempre que achar necessário.

Fonte: Martins et al., 2015.

Análise dos resultados e estatística

Para análise das informações, foi utilizado o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS Inc., Chicago, Estados Unidos), versão 20.0. Os dados foram organizados em tabelas, e a análise exploratória ocorreu por meio de frequências absolutas e relativas. O teste de Wilcoxon foi utilizado para analisar a diferença de acertos entre pré-teste e pós-teste de conhecimento das enfermeiras. O teste estatístico Q de Cochrane foi realizado para verificar a associação e/ou correlação do conhecimento, atitude e prática das mães com os momentos de aplicação do inquérito CAP.

RESULTADOS

Todas as oito enfermeiras treinadas eram do sexo feminino. A média de idade foi de 32±10,4 anos. Com relação à titulação, predominou especialização lato sensu (6; 75%) e na área de Atenção Primária à Saúde (5; 62,5%). Embora não tenham realizado treinamento anterior na mesma temática, seis enfermeiras (75%) referiram ter algum conhecimento sobre alimentos regionais; e quatro (50%), sobre segurança alimentar e nutricional.

No que diz respeito à avaliação da reação das enfermeiras pautando-se em seus relatos, constatou-se reação positiva a todos os encontros do programa de treinamento. As enfermeiras consideraram apropriado o desenvolvimento do programa em cinco encontros, com abrangência de 13 semanas.

Com relação à técnica de discussão em grupo realizada entre as enfermeiras e a pesquisadora no terceiro e quarto encontros, todas as enfermeiras concordaram que essa estratégia de ensino possibilitou melhor aprendizagem quanto ao conteúdo proposto e oportunizou a troca de experiências pessoais.

As enfermeiras mostraram-se satisfeitas em aplicar o álbum seriado “Alimentos regionais promovendo a segurança alimentar” com as mães nas UAPSs, destacando em suas percepções que a tecnologia educativa promoveu maior integração, participação e aprendizado das mães durante a atividade. Apenas duas participantes do programa fizeram sugestões de melhoria, sendo estas: a inclusão de mais receitas e uma abordagem mais ampla acerca da higienização dos alimentos.

A avaliação de aprendizagem apontou mudanças importantes no conhecimento das enfermeiras após o treinamento, embora não estatisticamente significantes (Tabela 1).

Tabela 1
Número de acertos no pré-teste e pós-teste de conhecimento teórico das enfermeiras, Maranguape, Ceará, Brasil, 2014

Enfermeiras	Pré-teste N (%)	Pós-teste N (%)	p a
Enfermeira 1	13 (100,0)	12 (92,3)	0,999
Enfermeira 2	13 (100,0)	13 (100,0)	1,000
Enfermeira 3	12 (92,3)	11 (84,6)	0,999
Enfermeira 4	9 (69,2)	13 (100,0)	0,523
Enfermeira 5	9 (69,2)	11 (84,6)	0,824
Enfermeira 6	8 (61,5)	12 (92,3)	0,503
Enfermeira 7	11 (84,6)	11 (84,6)	1,000
Enfermeira 8	12 (92,3)	13 (100,0)	0,999
Média de acertos	10,8±1,9(83,6±15,8)	12±0,9 (92,3±7,1)

• Nota: N = número de questões;
• ^a
  Teste de Wilcoxon.

Percebe-se que as enfermeiras apresentaram uma média de acertos boa já no pré-teste (10,8±1,9 questões e 83,6%±15,8%), obtendo melhoria do conhecimento no pós-teste (12±0,9 questões e 92,3%±7,1%), alcançando uma média de acertos muito boa.

A avaliação de comportamento das enfermeiras foi verificada a partir do diário de acompanhamento. Atestou-se, assim, que as enfermeiras treinadas se apropriaram da tecnologia educativa, pois realizaram um total de 30 atividades com uso do álbum seriado, uma média de 3,7 atividades por enfermeira no período de um mês, variando entre 2 e 8 por cada uma delas. Predominou ainda a realização de atividades individuais (25; 83,3%) em comparação com as atividades em grupo (5; 16,7%).

As enfermeiras relataram no diário de acompanhamento e durante a roda de conversa que as intervenções realizadas individualmente proporcionaram maior proximidade e interação entre as enfermeiras e as mães. No entanto, algumas mães mostraram-se ansiosas e com maior urgência em concluir a atividade educativa.

Em se tratando das atividades grupais, foram ressaltadas como vantagens um melhor aproveitamento e discussão das temáticas, assim como maior adesão de algumas mães que se mostraram mais inibidas, as quais não participariam de forma ativa se estas fossem realizadas individualmente. Por outro lado, destacaram-se como barreiras o barulho e dispersão de alguns participantes, em razão do comparecimento das mães junto com as crianças.

Antes de apresentar a avaliação de resultados do programa, se faz premente destacar as características das mães que participaram das intervenções educativas. Notou-se que predominaram mães com idade entre 20 e 34 anos (77,4%), casadas (74,2%), com mais de dez anos de estudo (56,5%), apenas um filho na idade entre 6 meses e 6 anos (83,9%), com trabalhos extradomiciliares (66,1%) e com renda mensal maior que um salário mínimo (65%).

Para avaliar os resultados, o Inquérito CAP foi aplicado com as mães antes e após a intervenção educativa (Tabela 2).

Tabela 2
Distribuição dos eixos de conhecimento, atitude e prática sobre alimentos regionais conforme os momentos de aplicação do inquérito de Conhecimento, Atitude e Prática, Maranguape, Ceará, Brasil, 2014

	Antes N = 62	Depois N = 62	1 mês N = 44	3 meses N = 28	6 meses N = 23	p b
Conhecimento
Adequado	0 (0,0)	50 (80,6)	40 (90,9)	27 (96,4)	23 (100)	---
Inadequado	62 (100)	12 (19,4)	4 (9,1)	1 (3,6)
Atitude
Adequada	45 (72,6)	58 (93,5)	38 (86,3)	25 (89,3)	23 (100)	0,186
Inadequada	17 (27,4)	4 (6,5)	6 (9,7)	3 (10,7)
Prática
Adequada	14 (22,6)	21 (33,9)	24 (54,5)	14 (50)	15 (65,2)	0,022
Inadequada	48 (77,4)	41 (66,1)	20 (45,5)	14 (50)	8 (34,8)

• Nota:
• ^b
  Teste Q de Cochrane.

Na Tabela 2, percebe-se que a intervenção educativa proporcionou aumento nos eixos de conhecimento, atitude e prática adequados das mães sobre alimentação regional, com significância estatística no eixo de prática (p = 0,022).

No eixo de conhecimento, nenhuma mãe apresentou o conhecimento adequado antes da intervenção, mas depois dela esse número aumentou gradativamente até alcançar a totalidade das mães no sexto mês de avaliação, o que impossibilitou calcular o nível de significância entre as avaliações.

Com relação ao eixo de atitude, nota-se que não houve diferença estatisticamente significante entre as avaliações antes e depois da intervenção educativa (p = 0,186), entretanto verifica-se que, em todos os momentos depois da intervenção, esse número foi superior a 86,3%, mostrando melhora na atitude das mães.

Por fim, no eixo de prática, encontrou-se diferença estatisticamente significante entre as avaliações antes e depois da intervenção educativa (p = 0,022). Vale ressaltar que, antes da intervenção, apenas 22,6% das mães apresentaram a prática adequada, ao passo que esse número alcançou 65,2% seis meses após a intervenção.

DISCUSSÃO

Na presente pesquisa, a avaliação de reação mostrou a satisfação das enfermeiras com o programa de treinamento tendo por base a avaliação positiva quanto à proposta metodológica e à tecnologia educacional adotada.

Acerca da duração do treinamento, as enfermeiras consideraram suficiente a sua realização em 13 semanas. Percebe-se que há uma ampla variação de tempo nos treinamentos realizados, de horas⁽¹⁶⁾ a semanas de duração⁽⁶⁾. Contudo, em três treinamentos desenvolvidos em uma agência reguladora de saúde no Brasil, os profissionais consideraram a carga horária dos treinamentos (entre 8 horas e 20 horas) insuficiente para a complexidade e quantidade dos conteúdos⁽¹⁶⁾.

Assim, infere-se que, embora não haja uma recomendação precisa sobre a carga horária, é importante que se faça o planejamento dos cursos considerando a complexidade dos conteúdos, com uso de mais de um encontro sempre que necessário.

Assim como na presente pesquisa, as estratégias utilizadas no campo da educação permanente em alimentação e nutrição vêm incluindo ações educativas em grupos e o uso de metodologias ativas⁽¹⁷⁾. Os profissionais consideram a inclusão de exercícios nas oficinas, demonstrações de exemplos práticos e discussões em grupo como facilitador ao processo de ensino e aprendizagem^(6,16).

Com relação à tecnologia educativa utilizada neste estudo, as enfermeiras ressaltaram que o álbum seriado “Alimentos regionais promovendo a segurança alimentar” é um recurso inovador que favoreceu a maior participação e interação das usuárias participantes da atividade educativa. Isso se deve ao fato de que o material em questão foi construído à luz da pedagogia libertadora de Paulo Freire, a qual incentiva a utilização de técnicas de ensino problematizadoras e dialógicas entre educador e educando⁽¹³⁾.

Assim, reforça-se a importância de utilização de pedagogias problematizadoras na construção de tecnologias educativas, pois, conforme mostrado por uma análise de conceito feita com 13 artigos sobre tecnologias educacionais de enfermagem, o uso de pedagogias problematizadoras ainda é insuficiente já que apenas um estudo adotou essa perspectiva de ensino⁽¹⁸⁾.

É importante lembrar que, em nosso primeiro estudo, as enfermeiras foram avaliadas quanto ao seu desempenho e aptidão para a utilização do álbum seriado nas atividades educativas, sendo a maioria (87,5%) considerada apta a realizar intervenções eficazes⁽¹⁴⁾.

Ainda, ressalta-se que as enfermeiras sugeriram aprofundamento do conteúdo do álbum seriado utilizado no treinamento, no que se refere à abordagem de mais receitas e aspectos relacionados à higiene dos alimentos. No entanto, acredita-se que tal acréscimo pode se tornar desgastante na realização de atividades educativas, pois, neste treinamento, as enfermeiras desenvolveram as atividades em uma duração média que já alcançou 25 minutos.

Por outro lado, considera-se relevante a atualização do álbum seriado no que diz respeito à higienização dos alimentos, tendo em vista a pertinência da temática para a segurança alimentar das famílias. Além disso, em um estudo desenvolvido no Distrito Federal, observou-se o baixo conhecimento das mães sobre os produtos de limpeza indicados para a higienização dos alimentos, pois elas relataram que utilizavam mais frequentemente apenas água e sabão⁽¹⁹⁾.

Na avaliação de aprendizagem do presente estudo, as enfermeiras apresentaram resultados satisfatórios, tendo em vista que alcançaram uma média de acertos muito boa após o treinamento. Isso corrobora pesquisas recentes que desenvolveram programas de treinamento com enfermeiros e verificaram também resultados positivos na avaliação de aprendizagem⁽⁷⁾, embora nem sempre estatisticamente significantes⁽⁸⁾.

Em Minas Gerais, foram utilizados dois tipos de avaliações de aprendizagem antes e depois de curso teórico-prático em Suporte Básico de Vida, com 32 profissionais, dentre eles médicos e enfermeiros. Eles tiveram seu conhecimento teórico avaliado por um teste com 20 questões objetivas; e suas habilidades técnicas, avaliadas por um checklist em atendimento simulado, de modo que a média de acertos apresentou aumento significativo após a capacitação⁽⁷⁾.

Em pesquisa desenvolvida no Kentucky, realizada com dez estagiários de enfermagem, verificou-se que o índice médio de aprendizagem e confiança dos participantes também melhorou após um programa de treinamento sobre complicações pós-operatórias em uma unidade de terapia intensiva, mas não apresentou mudanças estatisticamente significantes⁽⁸⁾.

Além disso, vale ressaltar que, antes do treinamento das enfermeiras do presente estudo, já se obteve uma média de acertos boa. Infere-se que esse conhecimento prévio satisfatório em alimentação pode ser influenciado por fatores como o número de cursos realizados durante a formação, número de anos trabalhados como enfermeiro, curso de atualização sobre nutrição após a graduação e recebimento de treinamento⁽²⁰⁾.

Logo, mesmo na existência de conhecimento prévio sobre alimentos regionais e segurança alimentar e nutricional, foi verificado um aumento deste com a aplicação do pós-teste, o que demonstra a importância do programa de treinamento implementado. Ainda, após análise dos diários de acompanhamento das enfermeiras, constatou-se ter havido mudança de comportamento delas, uma vez que incorporaram as práticas educativas em seu trabalho nas UAPSs.

Em consonância com o presente estudo, uma pesquisa quase experimental desenvolvida em um hospital universitário na Turquia evidenciou o alcance da mudança de comportamento de enfermeiras após a sua participação em programa de treinamento sobre a necessidade da maior utilização da área ventroglútea na administração segura de medicamentos. Foi mostrado que, antes do treinamento, 76,5% das enfermeiras usavam a área dorsoglútea; e somente 7,4%, a região ventroglútea. Já quatro meses após o treinamento, a utilização da área dorsoglútea havia diminuído (48,1%); e da área ventroglútea, aumentado (34,6%)⁽⁹⁾.

Diante desses achados, é oportuno ressaltar o rompimento de algumas barreiras na incorporação de atividades de educação em saúde na temática de alimentação e nutrição na Atenção Primária, pois, segundo relato de profissionais que atuam nas UAPSs em outros estudos, as práticas educativas se relacionam geralmente às doenças crônicas e à saúde sexual e reprodutiva⁽²¹⁾; e dá prioridade às faixas etárias de maior risco, como idosos e gestantes⁽²²⁾.

No que diz respeito ao tipo de abordagem nas práticas educativas realizadas pelas enfermeiras, embora tenha prevalecido no presente estudo a abordagem individual, verificou-se em uma revisão integrativa sobre as práticas de enfermagem com educação em saúde que os enfermeiros realizam rotineiramente atividades de educação em saúde nas duas formas, tanto individuais como coletivas⁽²³⁾. Ao mesmo tempo, é oportuno esclarecer que a utilização de álbuns seriados em atividades educativas pode ser efetiva tanto em entrevistas individuais⁽²⁴⁾ quanto em sessões grupais⁽²⁵⁾.

Por fim, foram avaliados os resultados do programa de treinamento de enfermeiras com base no impacto sobre a população, pois se sabe que o sucesso dos treinamentos realizados com os profissionais deve possuir relação direta com melhorias em sua prática assistencial⁽²⁶⁾. Dessa forma, percebe-se o impacto positivo do programa de treinamento na prática assistencial das enfermeiras treinadas, pois foi verificado na avaliação de resultados melhorias no conhecimento, atitude e prática das mães sobre alimentação regional após a intervenção educativa implementada.

Estudo realizado na Etiópia corrobora esses achados, pois encontrou aumentos significativos nos escores de conhecimento, atitude e prática das mães após educação nutricional sobre alimentação complementar baseada na adição de cereais e de legumes cultivados localmente. Além disso, melhorias significativas no estado nutricional das crianças ocorreram no grupointervenção⁽¹⁰⁾.

É oportuno ressaltar que o conhecimento e o acesso adequado aos alimentos determinam um comportamento alimentar saudável⁽²⁷⁾, mas é necessário também considerar a atitude do indivíduo, que se refere à intenção de colocar o conhecimento em prática.

Após a intervenção educativa no presente estudo, à medida que se obteve um alto índice de conhecimento e atitude adequada das mães, alcançou-se um aumento estatisticamente significante na prática de utilização dos alimentos regionais. Tais resultados confirmam que um elevado conhecimento, sobretudo nutricional, melhora consideravelmente os critérios de seleção dos alimentos e constitui a base para uma atitude adequada no tocante à uma alimentação saudável e posterior prática segura⁽²⁸⁾.

Portanto, mostra-se relevante o programa de treinamento realizado já que ele oportunizou o desenvolvimento de intervenções educativas eficazes pelas enfermeiras treinadas, capazes de modificar o conhecimento das mães sobre a alimentação regional, melhorando sua compreensão acerca da importância de introduzir esses alimentos na rotina alimentar da criança e influenciando diretamente sua maior utilização na alimentação infantil.

Limitações do estudo

Entende-se como limitação metodológica a ausência de grupo-controle, por se tratar de um estudo quase experimental. No entanto, essa foi uma escolha tomada de forma consciente, considerando necessário capacitar todas as enfermeiras atuantes na zona rural do município escolhido.

Contribuições para a área da Enfermagem, Saúde ou Política Pública

Acredita-se que a proposta de treinamento realizada servirá como modelo para a elaboração de outros programas de treinamento em diversas temáticas que visem à educação permanente de profissionais.

CONCLUSÕES

Conclui-se que o programa de treinamento foi efetivo, pois as enfermeiras obtiveram reação positiva, melhor aprendizagem e mudança de comportamento, além de as mães terem apresentado resultados satisfatórios no programa com base em conhecimento, atitude e prática adequados após a intervenção com a tecnologia educativa realizada.

• FOMENTO
  Esta pesquisa foi apoiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

REFERENCES

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa

EDITOR ASSOCIADO: Alexandre Balsanelli

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  21 Dez 2020
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  13 Jan 2020
• Aceito
  04 Jul 2020