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Conhecendo os Meandros da Doação de Sangue: Implicações para a Atuação do Enfermeiro na Hemoterapia

Conociendo los meandros de la donación de sangre: Implicaciones para la actuación del enfermero en la hemoterapia

Resumos

Objetivo:

o estudo tem como objetivo discutir os significados apreendidos pelos não doadores de sangue, considerando o contexto e as consequências para a atuação do enfermeiro na hemoterapia.

Método:

optou-se pela abordagem qualitativa, com o referencial teórico do Interacionismo Simbólico e o método daGrounded Theory. A produção de dados foi realizada por entrevista intensiva com sujeitos de três grupos amostrais de um Hospital Universitário da Cidade do Rio de Janeiro.

Resultados:

o fenômeno gerou duas categorias de análise: "Percebendo a questão do sangue" e "Refletindo sobre as campanhas de doação de sangue". Observou-se que o ambiente do não doador é composto pelo contato com o outro e com as informações que este possa alcançar, inclusive a mídia.

Conclusão:

estas foram as principais bases para o conhecimento sobre a doação de sangue, que fazem nexo com as suas crenças, cultura e valores. Portanto, todos estes aspectos devem ser considerados pelo enfermeiro que atua na captação de doadores.

Serviço de Hemoterapia; Doadores de Sangue; Enfermagem


Objetivo:

Objetivo: el estudio tiene como objetivo discutir los significados aprehendidos por los no donadores de sangre, considerando el contexto y las consecuencias para la actuación del enfermero en la hemoterapia.

Método:

se optó por el abordaje cualitativo, con el referencial teórico del Interaccionismo Simbólico y el método de la Grounded Theory. La producción de datos fue realizada por entrevista intensiva con sujetos de tres grupos de muestreo de un Hospital Universitario de la Ciudad de Rio de Janeiro.

Resultado:

el fenómeno generó dos categorias de análisis: "Percibiendo la cuestión de la sangre" y "Reflejando sobre las campanas de donación de sangre". Se observó que el entorno Del no donante no está compuesto por el contacto entre si y la información que se puede lograr, incluyendo los medios de comunicación.

Conclusión:

estas fueron las principales bases para el conocimiento sobre la donación de sangre, que hacen nexo con sus creencias, cultura y valores. Por tanto, todos estos aspectos deben ser considerados por el enfermero que actúa en la captación de donadores.

Servicio de Hemoterapia; Donadores de Sangre; Enfermería


Objective:

the study aims at discussing the significations apprehended by the non-blood donators, considering the context and the consequences of the acting of the nurse in hemotherapy.

Method:

it is a qualitative approach, with theoretical frame of Symbolic Interactionism and Grounded Theory method. The data production was carried out by intensive interview with subjects of three sample groups of a University Hospital of Rio de Janeiro City.

Results:

the phenomenon originated two analysis categories: "Perceiving the blood matter" and "Reflecting about the blood donation campaigns". It was observed that the environment of the donor is not composed by contact with the other and the information that it can achieve, including the media.

Conclusion:

these were the main basis for the knowledge of blood donation according to their beliefs, culture and values. Therefore, all these aspects must be considered by the nurse acting on donors capture.

Hemotherapy Service; Blood Donors; Nursing


INTRODUÇÃO

Trata-se de um recorte da tese de doutorado em enfermagem intitulada: O significado da doação de sangue para o não doador: implicações para a atuação do enfermeiro na Hemoterapia(1Silva GEM. O significado da doação de sangue para o não doador: implicações para a atuação do enfermeiro na hemoterapia [tese]. Escola de Enfermagem Anna Nery, Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2013.), sendo este um fenômeno que apresenta como o indivíduo vivencia simbolicamente a doação de sangue, que é um dos alvos dos Serviços de Hemoterapia, sendo realizada no intuito de cuidar da saúde do cliente que apresenta distúrbios hematológicos. Desta forma, para que a doação se concretize, o enfermeiro que atua na captação de doadores implementa ações que visam acessar o indivíduo, tornando a sua participação efetiva e habitual.

Em que pese a importância da hemoterapia, entende-se como um relevante foco investigativo o caso do não doador de sangue, do sujeito que tem enfrentado experiências ao longo de sua vida e sofrido influências que interferem na sua percepção, enquanto agente ativo do ambiente social em que convive. Acessar este indivíduo pode possibilitar ao enfermeiro a interpretação dos significados do fenômeno existente e a reflexão sobre as estratégias de intervenção voltadas para minimizar ou solucionar esta questão.

Deve-se considerar que, no Rio de Janeiro, a captação de doadores não é atividade exclusiva do enfermeiro, isto porque conforme dados da Hemorrede do Estado, assistentes sociais, médicos, pedagogos, biólogos e outros profissionais, são cadastrados como responsáveis pelos programas de captação de doadores. Cabe destacar que compreender onde está situado o trabalho do enfermeiro é muito significante para dar sentido às suas ações neste processo, dentro do modo de ser do enfermeiro.

Neste sentido, quando o enfermeiro tem que enfrentar e confrontar a situação na qual tem que atuar, "ele ativamente constrói sua linha de ação, observando, mantendo e conferindo significados a partir da auto interação individual e coletiva"(2Alves AR, Lopes CHAF, Jorge MSB. Significado do processo de enfermagem para enfermeiros de uma unidade de terapia intensiva: uma abordagem interacionista. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2008 [acesso em 02 de agosto de 2012];42(4):649-55. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342008000400006
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
). Esta ação possibilita ao enfermeiro trilhar por caminhos baseados na realidade socioeconômica e cultural do cliente, pois o mesmo considera os sentimentos, opiniões e valores do indivíduo no modo de pensar e fazer a Enfermagem.

Cabe destacar que o quadro existente na cidade do Rio de Janeiro é de uma redução gradativa e contínua do número de doadores, o que causa déficit de bolsas de hemocomponentes nas instituições hospitalares e dificuldade para atender a demanda de transfusão sanguínea existente, este problema é detectado no trabalho do enfermeiro tanto na captação de doadores quanto nas unidades de internação, frente às necessidades dos clientes hospitalizados e muitas vezes a falta do componente para atender a esta necessidade.

Este estudo pretende contribuir para a prática da Enfermagem ao apontar novos conhecimentos a respeito do significado da doação de sangue para o não doador, servindo de base para a elaboração e aplicação de estratégias de captação de doadores, a fim de atender as demandas existentes nas instituições hospitalares. O objetivo é discutir os significados apreendidos pelos não doadores de sangue, considerando o contexto e as consequências para a atuação do enfermeiro na hemoterapia.

REFERENCIAL TEÓRICO E METODOLÓGICO

O referencial teórico do estudo é o Interacionismo Simbólico, que permite ao enfermeiro compreender as experiências vividas pelos indivíduos e a sua maneira de agir no mundo, que é influenciada pelas suas interações e pelo significado que os sujeitos atribuem as ações um dos outros(3Mead GH. Mind, self, and society. Chicago (US): University of Chicago Press; 1962.). Neste, a interação humana é mediada pelo uso de símbolos, e cada indivíduo pode dar um determinado significado ao objeto. Sendo a ação humana constituída com bases nos significados que os indivíduos lhe atribuem(3Mead GH. Mind, self, and society. Chicago (US): University of Chicago Press; 1962.).

Foi utilizada a abordagem qualitativa, e como método, a Grounded Theory, denominada no Brasil de Teoria Fundamentada nos Dados (TFD). Esta é uma metodologia de pesquisa que propõe a formulação de uma teoria substantiva ou formal, tendo como base os dados coletados junto aos atores sociais(4Strauss A, Corbin J. Basics of qualitative research: grounded theory procedures and techniques. California (US): Sage Production; 1990.). A análise, na TFD, propõe ao pesquisador uma imersão através da microanálise e da formação de subcategorias, assim como categorias que possam gerar uma Teoria capaz de elucidar o objeto investigado; ou seja, o objetivo da aplicação desse método é a identificação da ideia central, que é permeada pela interconexão das categorias encontradas(4Strauss A, Corbin J. Basics of qualitative research: grounded theory procedures and techniques. California (US): Sage Production; 1990.'5Strauss A, Corbin J. Pesquisa Qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento da Teoria Fundamentada. 2. ed. Porto Alegre: ARTMED; 2008.).

O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Pedro Ernesto, e aprovado sob n° 3.088/2011, conforme preconiza a Resolução n° 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, assim viabilizando o início da coleta de dados com a técnica de entrevista intensiva, sendo utilizado para tanto um roteiro semiestruturado. Os participantes do estudo receberam e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido previamente à realização das entrevistas.

As questões do roteiro de entrevista versavam sobre a apreensão do significado da doação de sangue, a percepção individual sobre o fenômeno doação de sangue, como ele percebia a ação do outro, as causas dele não ter doado sangue, a identificação dos fatores que influenciam no seu posicionamento, a existência ou não de abordagem direta para que ele doasse sangue e como ele percebia a sua própria ação.

O cenário do estudo foi um Hospital Universitário da Cidade do Rio de Janeiro, onde foram entrevistados 20 atores sociais. A amostragem inicial foi de visitantes dos pacientes abordados na recepção do hospital - dez (10) participantes. E, frente à necessidade de ampliação da visão sobre o fenômeno investigado, e com base na técnica flipflop, foram instituídos novos grupos amostrais(5Strauss A, Corbin J. Pesquisa Qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento da Teoria Fundamentada. 2. ed. Porto Alegre: ARTMED; 2008.). O segundo grupo foi formado por transeuntes no entorno do cenário, que estavam próximo ao hospital, como trabalhadores, estudantes e que eram convidados para participar do estudo, neste grupo foram entrevistados seis (6) participantes e o terceiro grupo amostral com quatro (4) participantes, foi constituído por profissionais que atuavam na própria Instituição em foco.

As entrevistas foram gravadas em mídia eletrônica, com a autorização dos participantes, e transcritas logo após sua conclusão. Para preservar o sigilo e o anonimato dos sujeitos, cada um recebeu um código alfanumérico, como por exemplo: E1V, E8E e E13P, significando, respectivamente: E - entrevista, n° da entrevista - grupo amostral correspondendo a V - Visitantes; E - Entorno; e P - Profissionais. Não houve preocupação de buscar a fala individual nos grupos, mas sim de descrever os códigos contidos nas respectivas falas, independente da categoria amostral.

As entrevistas foram submetidas à leitura rigorosa e os dados gerados, denominados dados brutos, foram analisados e revelaram os códigos preliminares que, após comparação e identificação e similaridades, formaram os códigos conceituais que, por sua vez, originaram as categorias.

Para a composição do presente fenômeno foi realizada a identificação de similaridades entre as categorias formadas e a proximidade com o tema, que emergiu do contexto do modelo paradigmático presente no estudo. O contexto é o que denominamos de circunstâncias ou problemas que envolvem um determinado fenômeno(5Strauss A, Corbin J. Pesquisa Qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento da Teoria Fundamentada. 2. ed. Porto Alegre: ARTMED; 2008.). As subcategorias, categorias e fenômenos foram nomeados de acordo com os grupos de conceitos descobertos nos dados(5Strauss A, Corbin J. Pesquisa Qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento da Teoria Fundamentada. 2. ed. Porto Alegre: ARTMED; 2008.), sendo destacado o conceito mais amplo presente no momento.

O desenvolvimento de categorias envolveu a delineamento de propriedades e dimensões onde uma foi diferenciada da outra categoria. As propriedades são "atributos, gerais ou específicos, de uma categoria", sendo as dimensões "a localização de uma propriedade ao longo de uma linha ou de uma faixa". A análise das propriedades e dimensões permitiram avaliar se uma categoria estava correta e completa(5Strauss A, Corbin J. Pesquisa Qualitativa: técnicas e procedimentos para o desenvolvimento da Teoria Fundamentada. 2. ed. Porto Alegre: ARTMED; 2008.).

RESULTADOS

O fenômeno aqui designado como os meandros da doação de sangue (quadro a seguir), reflete o contexto, isto é, o ambiente de interações onde se estabelece ou não a doação de sangue. Composto por duas categorias - percebendo a questão do sangue e refletindo sobre as campanhas de doação de sangue, cada uma com três subcategorias, que apresentam a realidade existente, conclamando a uma reflexão.

Quadro 01
Os meandros da doação de sangue

Nestes meandros, o não doador inicia suas reflexões acerca da doação percebendo a questão do sangue, ou seja, o sangue humano começa a ser notado por ele como algo mais do que o existente no próprio corpo, mas pertencente a uma esfera social que se lhe apresenta, onde este vivencia a necessidade de alguém próximo ou é envolvido nas demandas do ambiente de interação na teia social.

Para que o não doador comece a sua construção mental em torno do tema e tenha um posicionamento a respeito, ele necessita ter conhecimento da realidade à sua volta: O que é? Para que serve? Como se situa dentro deste contexto? Isto é, o desafio tem relação com o (re) conhecimento / identificação dele como um possível doador. As informações, simbolicamente captadas e as suas vivências (ou ausências delas), são as bases que possui. A propósito, vale observar figura a seguir.

Figura 01
Percebendo a questão do Sangue

A partir dos dados, pode-se compreender que o ambiente explorado pelo não doador é amplo, vai além do contato com o outro, pois este é alcançado pela mídia que exerce forte influência sobre ele; é nela que ele tenta acessar algum conhecimento sobre a doação que, por sua vez, faz nexo com as crenças, cultura e valores que lhe são inerentes. Neste sentido, subjacentes a esta categoria, observamos três subcategorias: reconhecendo a aplicação do sangue, dimensionando o problema da falta de sangue e vivendo o estado de perplexidade.

Na primeira, reconhecendo a aplicação do sangue, apresentam-se as possibilidades de emprego do produto advindo da doação de sangue. Neste universo, destacam-se os receptores, as principais indicações, a manutenção de um estoque de segurança e o objetivo a ser alcançado com a transfusão sanguínea:

Acredito que doar sangue [...] é para casos de acidentes ou necessidade de transfusão sanguínea, aí, você doa para quem está precisando, para armazenar ou para alguém próximo. (E13P)

É para uma pessoa que está precisando fazer uma cirurgia importante ou para alguém que chega numa emergência que precisa de sangue e, no hospital não tem sangue suficiente para aquela pessoa, então, precisa de doador, por isso eu acho que é muito importante a doação de sangue. (E5V)

À luz dos dados, constata-se que os entrevistados apresentam conhecimento sobre as diversas possibilidades de utilização do sangue humano. Neste sentido, existe associação com doenças, procedimentos cirúrgicos e situações críticas que levem à necessidade de transfusão.

Muitas pessoas precisam do sangue devido a várias doenças, elas necessitam daquilo, então, uma coisa boa é você estar podendo ajudar, a pessoa está lá e está mal e então você ajuda com o que é seu. (E15P)

Este ato ajuda salvar a vida de outras pessoas, num momento de necessidade, problemas de saúde ou acidentes graves, pessoas que estão correndo risco de morte. Acredito que isso ajuda bastante. (E10E)

Neste contexto, o indivíduo apreende a necessidade de transfusão sanguínea, não sendo esta uma situação oculta. Por outro lado, os dados apontam a presença de uma mola propulsora que leva à doação, qual seja o lado sensível. Foi observado que os agentes sociais foram sensíveis ao perceber que existe a indicação de algumas pessoas para realizar a terapêutica com componentes sanguíneos, mas apenas conhecer a necessidade do outro não significou ser movido para realizar uma doação sangue.

Acrescenta-se, ainda, a subcategoria dimensionando o problema da falta de sangue, da qual emerge a constatação de que o sangue é um recurso escasso que, apesar das necessidades apontadas, expõe uma resposta social ainda insuficiente:

É claro que me toca. Outro dia eu estava escutando uma reportagem de um hospital, [...] que o estoque dele devia de ser [...] de 500 mil litros de sangue e estavam com 38 mil litros ou era 48 mil, uma coisa assim. Eu falei assim: meu Deus, quanta diferença para o que eles precisam, quanta gente no mundo com o sangue bom, podendo doar, não vai fazer falta nenhuma. (E7V)

Eu acho que tem muitas pessoas precisando de sangue. Porque eu vejo aí, meu pai mesmo que precisa, usa. Tem dia, assim, que o exame está mais baixo, aí tem que tomar o sangue ... de repente, fica um tempinho esperando, porque não tem pessoas para doar. (E6V)

Doar sangue deve ajudar e muito, por que tem muita gente aí precisando nos hospitais, vivendo através de máquina ... e a família não pode doar por problemas e, o estoque dos bancos de sangue está cada vez mais diminuindo, diminuindo e ninguém ajudando a manter. (E11E)

Entretanto, apesar dos múltiplos relatos e dos conhecimentos referidos, os entrevistados permanecem na situação de não doador, ou seja, conhecer a necessidade do outro não é o único fator que influencia na atitude de doação de sangue, apesar de ser um grande fator motivacional. Os símbolos significantes que permeiam nas interações sociais que podem ou não favorecer ao processo devem ser fruto, também, de investigação por parte do enfermeiro da captação.

A vivência dos familiares com a realidade institucional de falta de hemocomponentes causa indignação, espanto e, sobretudo, perplexidade, porém esta ainda ocorre de forma insuficiente, sendo incapaz de provocar a mobilização, ou seja, que o familiar não doador tome o papel de protagonista e participe do processo de doação de sangue. Isto é, no momento em que não existem pessoas para doar, uma das respostas esperadas é a ação proativa do sujeito.

Igualmente, os dados descrevem o fato dos estoques de sangue estar cada vez mais reduzidos, o que corresponde exatamente ao contexto da Cidade do Rio de Janeiro, evidenciando que a não participação da população na doação não está atrelada à falta de percepção da realidade. Na verdade, não existe uma associação entre a realidade vivenciada e a ação individual no contexto, mas entre o que é permeado simbolicamente nas interações dos sujeitos.

Em que pese a necessidade emergente de transfusões de sangue nas instituições hospitalares, deve-se refletir sobre a postura social adotada pela população. A permissão social para a não doação é disseminada no momento em que o indivíduo, apesar de demonstrar ter conhecimento sobre o contexto em que vive, permanece sem realizar a doação de sangue, mesmo que esta postura acarrete risco para o outro.

Neste sentido, a subcategoria vivendo o estado de perplexidade apresenta em seus dados, a resposta individual frente ao número reduzido de doadores de sangue e, ao mesmo tempo em que contempla a realidade, refere o espanto diante do quadro:

Eu acho assim, sabe? Eu acho que quando fala em doação ah! porque o hospital tal está com baixa de estoque, eu fico pensando assim: meu Deus, tanta gente que pode, que tem o sangue que pode doar para salvar estas pessoas, não vão lá doar, eu acho que as pessoas são capazes até mesmo de morrer porque não tem o sangue [...]. (E7V)

Um dado observado é que a perplexidade ocorre quando a situação vivenciada é considerada extrema ou quando o indivíduo tem dificuldade de agir diante dos fatos. Nestes casos, a estranheza frente a uma dada realidade poderia levar o sujeito não apenas a questionar, mas a buscar soluções. Por outro lado, quando o sujeito se vê impotente frente à situação, a resposta pode ser a paralisia e a contemplação.

A categoria refletindo sobre as campanhas de doação de sangue foi composta pelas subcategorias percebendo as campanhas de doação de sangue, avaliando positivamente as campanhas de doação de sangue e avaliando negativamente as campanhas de doação de sangue.

No contexto do não doador de sangue, estão presentes as campanhas em prol da doação, ações realizadas pelos coordenadores de captação de doadores das instituições de saúde e pelo poder público para estimular a população a doar sangue. Os dados apontam que as campanhas são identificadas principalmente na televisão, mas, também, através de outros meios de comunicação, como o rádio e o outdoor. Entretanto, a percepção destas campanhas é bastante variável.

Eu penso que é uma coisa positiva. Eu acho que as campanhas são boas. Eu vejo em todo o meio de comunicação, na maioria das vezes é na televisão mesmo. (E13P)

Já, muito na televisão, só que eu acho que as pessoas não ligam muito para participar. As campanhas são boas, tentam atrair bastante, mas eu acho que ainda que quem tenha pouca informação não acessa. (E11E)

Observa-se uma hegemonia na identificação das campanhas através da televisão, sendo que o jornal, apesar de ser o meio de comunicação mais antigo, não foi citado nos dados, e da mesma forma a Internet, que apresenta baixo custo para divulgação. A percepção da televisão como o maior divulgador das campanhas de doação de sangue, obrigatoriamente sofre influência da cultura, tanto individual como coletiva. Neste sentido, as campanhas, necessitam ser ampliadas em ampliar outras formas de veiculação pela população em geral.

Eu acho que todo mundo deveria doar, eu acho importante o trabalho que vocês fazem. Já vi campanha de doação de sangue assim pela televisão, pedindo na época de Natal, de Carnaval, épocas assim que tem mais acidentes. Eu acho muito importante, as campanhas chegam a me chamar atenção. (E1V)

Os dados demonstram que existe uma sazonalidade nas campanhas de doação de sangue. Os períodos de feriados prolongados (quando o afastamento da população dos grandes centros é iminente, gerando a redução de doadores e o aumento de circulação de veículos nas estradas) representam um alerta tanto para a redução do número de doadores, quanto pelo risco de grandes acidentes que podem causar aumento de consumo de componentes de sangue.

Os períodos descritos para o incremento das campanhas de doação de sangue, neste contexto, foram Natal e Carnaval, épocas em que ocorre grande redução de doadores. Ademais, a existência das campanhas não é sinônimo de que a participação da população seja igualmente ampliada de imediato, visto que os dados explicitam que, apesar das campanhas, faltam doadores. A sazonalidade das campanhas também merece reflexão, pois, segundo os dados, a realização de campanhas somente em alguns períodos, como os descritos, gera desconfiança por parte dos agentes sociais sobre a seriedade das ações de captação de doadores. Esta desconfiança, por sua vez, pode acarretar dificuldade para que o sujeito interprete a realidade existente e tenha uma visão fidedigna do contexto em que está inserido.

Cabe destacar que no momento em que os não doadores percebem as campanhas de doação de sangue, estes iniciam automaticamente uma avaliação das mesmas. Na subcategoria avaliando positivamente as campanhas de sangue, a percepção do não doador, apontada nos dados, é a de que as campanhas são importantes, boas, chamam a atenção e tentam atrair a população.

O processo de interação do sujeito com o mundo à sua volta, possibilita interagir consigo mesmo, o que pode permitir uma transformação interior. Neste sentido, a própria percepção da campanha já se apresenta como uma resposta social, haja vista a interação simbólica advinda do envolvimento do indivíduo no ambiente em que está inserido, sendo capaz de ouvir e de realizar uma operação subjetiva de avaliação dentro do cenário.

Na subcategoria avaliando negativamente as campanhas de doação de sangue, os não doadores apresentam as suas percepções:

Eu acho que deveria ser mais ainda falada, incentivada, falar em tudo que é rede de canal de televisão, para que as pessoas se toquem mais nisso. Eu acho importantíssimo. Inclusive, eu acho que tinha que ter mais, assim, tinha que ter ênfase. (E7V)

Eu acho que poderiam ter mais campanhas, em escolas públicas, particulares, deveriam ter mais. Eu vejo muito pouco assim, até lá onde eu moro é muito raro eu ver, mais assim candidato quando quer se promover, ai bota aquele cartaz nos centros sociais, a "vamos doar sangue". (E15P)

No contexto da não doação de sangue, surgem as censuras sobre as campanhas de doação de sangue. Mas cabe destacar que o ambiente propício para a ação do indivíduo, deve ser o de apreensão do objeto (doação de sangue) pelo sujeito (não doador). Neste sentido, a dificuldade existente é obter um ambiente favorável a esta identificação. Na verdade, as campanhas devem vir ao encontro das necessidades dos indivíduos, eliminando os obstáculos, principalmente, no tocante ao desconhecimento.

As campanhas são falhas. Faltam campanhas para esclarecer direito à população acerca do procedimento. O que deve fazer, o que acontece antes, como a pessoa tem que ir, o que tem que saber. Falta informação realmente. Falta bastante informação. (E12P)

Mesmo com as campanhas faltam informações. Os hospitais poderiam explicar melhor o que é doação para que as pessoas não tenham medo de fazer doação ou de pegar infecção ou alguma coisa desse tipo. (E5V)

A ação do indivíduo pode ser bloqueada quando o desenvolvimento de justificativas internas para agir é reduzido. Não que seja necessário que todos alcancem o mesmo tipo de conhecimento sobre um determinado assunto, mas se as campanhas são falhas, conforme descrito nos dados, a autonomia do indivíduo e o seu poder de escolha ficam comprometidos.

Já vi pela televisão, acho que faltam mais campanhas, eu acho que tem muitas pessoas precisando de sangue. Eu não presto tanta atenção nas campanhas, às vezes, eu dou uma olhadinha assim, quando esta passando na televisão, mas eu nunca prestei muita atenção. (E6V)

Entretanto, a observação de fatos da vida cotidiana pode passar de forma imperceptível diante dos olhos dos observadores desatentos, o que já pode ser considerado uma postura no mundo, onde a construção de uma concepção de recolhimento serve de entrave para as propostas de mudança. Nesta situação, o indivíduo precisará sofrer experiências intensas que o coloquem numa situação de enfrentamento da realidade.

O diagrama (Figura 02) representa o contexto em que o não doador vivencia a doação de sangue. O contexto não é uniforme, nem isolado; apresenta uma superposição de fatores para que se combinem dimensionalmente em vários padrões. Alguns destes são identificados e relatados; outros permanecem fechados e ainda sem denominação, mas não podem ser excluídos do ambiente.

Figura 02
Representação Visual do Contexto

Torna-se premente, portanto, que os significados associados à necessidade da doação de sangue alcancem eco nas campanhas para que ao vê-las ou ouvi-las, o individuo consiga ter uma experiência de sensibilização e, por conseguinte, a chance de mudar a sua condição de não doador para doador, considerada básica para que exista a formação de uma identificação social com e a favor da doação de sangue.

DISCUSSÃO

Este tópico propõe um diálogo a partir do estudo do fenômeno - conhecendo os meandros da doação de sangue, a fim de confrontar as ideias apresentadas, as considerações teóricas de autores estudiosos do Interacionismo Simbólico, da doação de sangue e da ação humana. Esta abordagem permite ao enfermeiro compreender que as experiências vividas pelos indivíduos que permeiam a sua forma de agir no mundo são influenciadas pelas suas interações e pelo significado que os sujeitos atribuem às ações uns dos outros(3Mead GH. Mind, self, and society. Chicago (US): University of Chicago Press; 1962.).

Inicialmente, proponho apresentar a caracterização sobre o contexto ou condições contextuais, como denominação dos autores. Estas são “os conjuntos específicos de condições que se cruzam dimensionalmente neste momento e local para criar o conjunto de circunstâncias ou problemas”. Visto que existem muitas condições diferentes que entram em um contexto(4Strauss A, Corbin J. Basics of qualitative research: grounded theory procedures and techniques. California (US): Sage Production; 1990.).

No que tange à utilização de sangue o humano, a dimensão alcançada pela doação de sangue é a de que se trata de um gesto solidário de quem se propõe salvar a vidas de milhares de brasileiros anualmente. Isto não ocorre somente por meio da transfusão de sangue, mas pela utilização de medicamentos que são produzidos a partir de um dos componentes do sangue humano, o plasma, especialmente os que são enviados para a produção de hemoderivados(6Ministério da Saúde (BR). Ministério alerta para redução no estoque de sangue [Internet]. [S.l.]: Ministério da Saúde; [s.d.] [acesso em 02 de agosto de 2012]. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/principal/agencia-saude/noticias-anteriores-agencia-saude/1968-ministerio-alerta-para-reducao-no-estoque-de-sangue
http://portalsaude.saude.gov.br/index.ph...
).

Cabe enfatizar que a obtenção de sangue humano ainda é reduzida para suprir as demandas no Brasil, pois, apesar de todos esses benefícios, a doação voluntária ainda é considerada insuficiente, ou seja, menor que 2%, enquanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que, para manter os estoques, é preciso que de 3 a 5% da população de um país seja doadora regular(6Ministério da Saúde (BR). Ministério alerta para redução no estoque de sangue [Internet]. [S.l.]: Ministério da Saúde; [s.d.] [acesso em 02 de agosto de 2012]. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/principal/agencia-saude/noticias-anteriores-agencia-saude/1968-ministerio-alerta-para-reducao-no-estoque-de-sangue
http://portalsaude.saude.gov.br/index.ph...
). Acredita-se que a necessidade de organização dos estoques deverá ainda será acrescida, visto que a produção de hemoderivados, que utiliza como matéria prima o plasma humano, ficará sob a responsabilidade de uma indústria brasileira, reduzindo as importações do produto:

A unidade fabril da Hemobrás garantirá 100% de autossuficiência para o SUS em albumina e fator IX. Promoverá também a autossuficiência total em fator de von Willebrand e o complexo protrombínico. Já para a imunoglobulina, a expectativa é atender, em média, 50% das necessidades do País. Para o fator VIII, a previsão é suprir de 20% a 40% da demanda do SUS. Estes patamares serão atingidos com um processamento de 500 mil litros de plasma por ano(7Ministério da Saúde (BR). Doar sangue salva vidas além, da transfusão. Notícia publicada em 8 de setembro de 2011 [Internet] [S.l]: Ministério da Saúde; 2011 [acesso em 02 de agosto de 2012]. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/principal/agencia-saude/noticias-anteriores-agencia-saude/517-doar-sangue-salva-vidas-alem-da-transfusão
http://portalsaude.saude.gov.br/index.ph...
).

Ressalta-se que, no Brasil “são cerca de 3,6 milhões de doações por ano, resultando em 150 mil litros de plasma com qualidade industrial”(6Ministério da Saúde (BR). Ministério alerta para redução no estoque de sangue [Internet]. [S.l.]: Ministério da Saúde; [s.d.] [acesso em 02 de agosto de 2012]. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/principal/agencia-saude/noticias-anteriores-agencia-saude/1968-ministerio-alerta-para-reducao-no-estoque-de-sangue
http://portalsaude.saude.gov.br/index.ph...
). A meta inicial é atingir 500 mil litros de plasma/ano, perspectiva ampla que se constitui como um desafio colocado para a sociedade, visto que a matéria prima utilizada é o sangue humano, que ainda permanece como recurso escasso(6Ministério da Saúde (BR). Ministério alerta para redução no estoque de sangue [Internet]. [S.l.]: Ministério da Saúde; [s.d.] [acesso em 02 de agosto de 2012]. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/principal/agencia-saude/noticias-anteriores-agencia-saude/1968-ministerio-alerta-para-reducao-no-estoque-de-sangue
http://portalsaude.saude.gov.br/index.ph...
).

Outro informe técnico relevante está relacionado à sazonalidade das campanhas de doação de sangue. Os enfermeiros que atuam na captação de doadores e os outros profissionais tentam suprir uma demanda específica, pois, com o período de férias os estoques de hemocomponentes começam a reduzir, sendo que outros fatores como: a ocorrência de chuvas, frio e viagens de férias contribuem para o decrescimento. A redução do número de doações, nestes períodos, pode ser de 20 a 25% em todo o Brasil, sendo que nas cidades que possuem maior necessidade, como Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul, a queda do número de doadores pode chegar a 40%(6Ministério da Saúde (BR). Ministério alerta para redução no estoque de sangue [Internet]. [S.l.]: Ministério da Saúde; [s.d.] [acesso em 02 de agosto de 2012]. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/index.php/cidadao/principal/agencia-saude/noticias-anteriores-agencia-saude/1968-ministerio-alerta-para-reducao-no-estoque-de-sangue
http://portalsaude.saude.gov.br/index.ph...
).

Neste sentido, cabe identificar que a percepção do não doador sobre a intensificação de campanhas em períodos específicos, está dissociada da real justificativa, haja vista que dentro da sociedade o indivíduo utiliza para a comunicação ossímbolos, e elabora significados a partir destes. Ocorre, então, a necessidade de que os símbolos significantes tenham um sentido comum, tanto para o indivíduo como para os Serviços de Hemoterapia. Não havendo ocorrência de um entendimento correto deste contexto, o fato pode influenciar a elaboração interna do sujeito, e da mesma forma, o seu comportamento, pois a vida social é vista como um processo, uma atividade em andamento, composta por desdobramentos em que o indivíduo interpreta seu ambiente e atua com base nessa interpretação(8Ribeiro CA, Pettengill MAM. A abordagem internacionalista. In: Matheus MCC, et al. Pesquisa qualitativa em enfermagem. São Paulo: LMP; 2006.).

Acrescenta-se que "o ser humano age no mundo conforme ele define a situação"; logo, é imperativo que a mensagem seja captada de forma correta pelo indivíduo, pois, a partir da liberdade que lhe é atribuída, este poderá realizar escolhas conscientes, definindo sua própria vida e redirecionando seu modo de agir no mundo, sempre que novas possibilidades estejam presentes(8Ribeiro CA, Pettengill MAM. A abordagem internacionalista. In: Matheus MCC, et al. Pesquisa qualitativa em enfermagem. São Paulo: LMP; 2006.).

Cabe ressaltar que "a sociedade representa o contexto dentro do qual o self surge e se desenvolve"(9Carvalho VD, Borges LO, Rêgo DP. Interacionismo símbólico: origens, pressupostos e contribuições aos estudos em psicologia social. Psicol Ciênc Prof [Internet]. 2010 [acesso em 02 de agosto de 2012];30(1):146-61. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932010000100011
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). Ou seja, a interação com o mundo social faz parte deste movimento. Diante dos dados apresentados no estudo, as estratégias de captação de doadores vinculadas às campanhas são identificadas e avaliadas positiva e negativamente; e isto se dá através da interação simbólica. Os indivíduos visualizam as campanhas, identificam o tema, mas simbolicamente podem interpretar os seus conteúdos como positivos ou negativos, isto influenciado por múltiplas questões internas.

Neste sentido, o enfermeiro deve levar em consideração que o ambiente é importante, pois é preciso valorizar fatores como contexto socioeconômico e cultural, as possibilidades interativas, bem como "aqueles de natureza subjetiva relacionadas ao modo com cada indivíduo, em sua singularidade, processa os diferentes movimentos/eventos do dia a dia"(1010 Backes MTS, Backes DS, Erdmann AL, Büscher A. Significado de viver saudável em uma comunidade socialmente vulnerável no sul do Brasil. Acta Paul Enferm [Internet]. 2012 [acesso em 02 de agosto de 2012];25(2):190-6. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-21002012000200006&script=sci_arttext
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). O enfermeiro poderá alterar o ambiente, no momento em que estabelecer um canal de comunicação que possibilite a reflexão por parte do sujeito, um a um, podendo ser este um movimento em cadeia.

A identificação das campanhas de doação de sangue demonstra uma inter-relação dinâmica, em que o não doador busca um saber que poderá capacitá-lo para tomar decisões e, ao mesmo tempo, obter segurança para suas ações. Diante do exposto, o não doador, além de perceber as campanhas, precisa entender o seu conteúdo, pois, a percepção das intenções do outro torna-se importante para que o indivíduo, baseado nesta intenção, elabore a sua resposta a fim de direcionar o seu próprio comportamento e acomodar, desta forma, as suas ações(3Mead GH. Mind, self, and society. Chicago (US): University of Chicago Press; 1962.).

Outrossim, como a doação de sangue não faz parte da rotina de vida da maioria da população, é fundamental, para o enfermeiro da captação de doadores, o planejamento, o desenvolvimento, a avaliação de estratégias e da sua socialização, visto que a utilização desta estratégia deve ser consistente, a fim de tornar a doação de sangue parte dos hábitos e valores da população, pautada no altruísmo(1111 Rodrigues RSM, Reibnitz KS. Estratégias de captação de doadores de sangue: uma revisão integrativa da literatura. Texto & Contexto Enferm [Internet]. 2011 [acesso em 02 de agosto de 2012];20(2):385-91. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-07072011000200022&script=sci_arttext
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). Uma das ações possíveis são o encontro face a face com os indivíduos em pequenos grupos ou trabalhos com empresas, escolas ou outros cenários. Não somente informações, cartazes, mas a fala individual que pode permitir uma comunicação com significado para o indivíduo.

O altruísmo pressupõe a interação com o outro; permite a vida em sociedade, a existência de relacionamentos e, também, inquietação frente às necessidades do outro. Observam-se nos dados a preocupação do não doador com o outro. Acrescenta-se que o Interacionismo Simbólico

levanta a questão do indivíduo como um ser que age, coexistindo em grupos e desempenhando diversos papéis, ao realizar a interação o homem pode tomar decisões que resultam em ações individuais e conjuntas, é relevante falar que para o interacionismo simbólico o homem pode ser objeto de suas ações, onde ele tem a capacidade de se ver como os outros o vêm, agindo como se assim fosse, essa capacidade é chamada Role Tracking(1212 Araújo IMA, Oliveira MV, Fernandes AFC. Compreensão do modelo de King sobre o paradigma do Interacionismo Simbólico. Rev Bras Enferm. 2005;58(6):715-8.).

Deste modo, identificar o indivíduo como um ser que age e desempenha papéis na sociedade, implica na avaliação dos resultados da sua atitude de não doação. Em conformidade, acrescenta-se que realmente o espírito solidário, altruísta, que é obtido com a interação no ambiente social, "tem grande relevância na decisão das pessoas em serem possíveis doadoras, [...] o que gera nessas pessoas sentimentos nobres, bem-estar, autoestima elevada"(1313 Souza AB, Gomes EB, Leandro MLS. Fatores contribuintes para a adesão à doação de sangue e medula óssea. Cad Cult Ciênc [Internet]. 2008 [acesso em 02 de agosto de 2012];2(1):7-14. Disponível em: http://periodicos.urca.br/ojs/index.php/cadernos/article/view/11/11-45-1-PB
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). Portanto, a interação é permeada, também, pela vivência das campanhas de doação de sangue.

Desta feita, para o progresso social humano, os indivíduos deverão empregar o mecanismo de consciência em si, socialmente surgido, alcançando o próprio desenvolvimento enquanto pessoa, e possibilitando as transformações sociais(9Carvalho VD, Borges LO, Rêgo DP. Interacionismo símbólico: origens, pressupostos e contribuições aos estudos em psicologia social. Psicol Ciênc Prof [Internet]. 2010 [acesso em 02 de agosto de 2012];30(1):146-61. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932010000100011
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). Acrescenta-se que na sociedade atual,

Os sujeitos se dão cada vez mais conta da identidade dos problemas com os quais se defrontam. São capazes de começar a se interrogar. É necessário que haja pessoas que possam ajudá-los a analisar o que estão fazendo, a fim de que possam pensar novos projetos, construir novas instituições, transgredir as regras que não valem nada e guardar aquelas que valem algo, retomar o que haviam esquecido, fazer experimentação social e, talvez, um dia formar um novo paradigma social e humano(1414 Enriquez E. O homem do século XXI: sujeito autônomo ou indivíduo descartável. RAE eletrônica [Internet]. 2006 [acesso em 02 de agosto de 2012];5(1):1-14. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/raeel/v5n1/29568.pdf
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).

Cabe, então, refletir sobre a condição do não doador na teia social, pois no contexto em que este visualiza o agir do outro, identifica e decodifica informações sobre doação de sangue, reconhece o quadro de escassez de sangue em múltiplas situações e a necessidade premente de se alcançar uma melhor compreensão do mundo atual e das suas necessidades. Ademais, quando o mundo apresenta um problema real que é compartilhado socialmente, a primeira resposta social deve ser a de reorganização interna do sujeito, e depois, de integração social pela interação.

O start para a transformação deverá ocorrer no momento em que o indivíduo, através dos símbolos significantes que emergem no processo de comunicação, alcançar uma nova ordem interna, motivadora para um agir em prol do outro. O enfermeiro poderá atuar, principalmente, quando estiver em contato com o sujeito e permitindo nos múltiplos espaços de compartilhamento de saberes. A proposta requer consciência do movimento contínuo de construção e reconstrução da realidade, o que exige um enfermeiro com conhecimento, habilidades e atitude.

CONCLUSÃO

Os significados apreendidos considerando-se o contexto do não doador, que apresenta um ambiente complexo no qual o sujeito percebe a questão do sangue e consegue dimensionar o problema da falta de sangue, o que lhe permite evidenciar perplexidade diante do quadro identificado. Múltiplos fatores estão presentes, desde a própria postura do sujeito no mundo até a dificuldade de captar informações que lhe facilitem realizar um movimento em prol da doação de sangue.

Neste sentido, a partir dos dados apresentados, o trabalho realizado na teia social visando a participação da população na doação de sangue, tem demonstrado que as campanhas são vistas principalmente na televisão, e apesar de serem consideradas uma "coisa positiva", não tem sido capazes de transmitir informações claras, que gerem uma inquietação no sujeito a ponto de levá-lo a demonstrar uma significativa vontade de doar seu sangue.

As campanhas, declaradas por alguns entrevistados como "poucas, realizadas principalmente em alguns períodos", socialmente acabam sendo percebidas como atividade de pouca importância. O que pode gerar o desinteresse e a desvalorização do ato por parte do não doador. Ao contrário do que ocorre com outros, que as consideram "ótimas" por ser um trabalho importante e que chama a atenção.

Desta feita, para o desenvolvimento do trabalho na captação de doadores, o contexto dos não doadores deve merecer atenção especial por parte do enfermeiro, e a implementação de estratégias deve ter como foco permitir aos sujeitos o acesso a informações com conteúdos esclarecedores, e manter uma frequência de ações que reforce a seriedade do trabalho, visto que a realização da doação de sangue é uma necessidade contínua nos Serviços de Hemoterapia.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2015

Histórico

  • Recebido
    04 Nov 2014
  • Aceito
    26 Jan 2015
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