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Análise espacial em tuberculose e a rede de atenção primária em saúde

RESUMO

Objetivo:

analisar a distribuição espacial dos casos novos de tuberculose relacionando-os com a localização das Unidades de Atenção Primária em Saúde que realizaram a notificação compulsória.

Método:

estudo ecológico realizado em Belém, Pará, com 5.294 casos novos de tuberculose notificados ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação no período de 2010 a 2014. Os casos foram georreferenciados por meio dos softwares ArcGis 10.2 e TerraView 4.2.2. Foram usadas a técnica de densidade Kernel e a técnica geoestatística Moran global.

Resultados:

a incidência de casos de tuberculose não variou de forma significativa entre os anos estudados, porém houve uma variação da incidência entre os bairros. As unidades de saúde que exibiram maior número de notificações podem sofrer grande influência da migração dos bairros vizinhos.

Conclusão:

a dinâmica espacial da tuberculose associada aos serviços de saúde permite conhecer as áreas com maior risco de tuberculose e a densidade de notificações das unidades de saúde.

Descritores:
Tuberculose; Análise Espacial; Atenção Primária em Saúde; Saúde Pública; Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

to analyze the spatial distribution of new cases of tuberculosis compared to the location of the Primary Healthcare Units that performed the compulsory notification.

Method:

ecological study conducted in Belém, Pará, with 5,294 new cases of tuberculosis notified to Sistema de Informação de Agravos de Notificação for the period from 2010 to 2014. The cases were georeferenced using the software applications ArcGis 10.2 and TerraView 4.2.2. The techniques of Kernel density and global Moran geostatistics were used.

Results:

the incidence of tuberculosis cases did not vary significantly between the years studied, however there was a variation in incidence between neighborhoods. Health units that exhibited higher number of notifications can suffer great influence of migration from nearby neighborhoods.

Conclusion:

the spatial dynamics of tuberculosis associated with health services allows to know the areas with increased risk of tuberculosis and the density of notifications of health units.

Descriptors:
Tuberculosis; Spatial Analysis; Primary Health Care; Public Health; Nursing

RESUMEN

Objetivo:

analizar la distribución espacial de los nuevos casos de tuberculosis, relacionándolos con la ubicación de las Unidades de Atención Primaria en Salud que realizaron la notificación obligatoria.

Método:

estudio ecológico realizado en Belém (Pará, Brasil) con 5.294 nuevos casos de tuberculosis notificados al Sistema de Información de Agravios de Notificación (Sinan) en el período del 2010 al 2014. Los casos fueron georreferenciados por medio de los programas informáticos ArcGis 10.2 y TerraView 4.2.2. Se emplearon la técnica de densidad Kernel y la técnica geoestadística Moran global.

Resultados:

la incidencia de casos de tuberculosis no presentó variación significativa entre los años estudiados, sin embargo hubo una variación de la incidencia entre los barrios. Las unidades de salud que presentaron un mayor número de notificaciones pueden sufrir gran influencia de la migración de los barrios vecinos.

Conclusión:

la dinámica espacial de la tuberculosis asociada a los servicios de salud permite conocer las áreas con mayor riesgo de tuberculosis y la densidad de notificaciones de las unidades de salud.

Descriptores:
Tuberculosis; Análisis Espacial; Atención Primaria en Salud; Salud Pública; Enfermería

INTRODUÇÃO

A distribuição espacial das doenças endêmicas constitui objeto de estudo da epidemiologia geográfica. Atualmente, pesquisas que relacionem essas doenças ao espaço geográfico têm se tornado de grande relevância para o meio científico, pois a dinâmica dos espaços influencia na ocorrência e na manutenção das doenças, assim como a existência e a eficácia das unidades de saúde. A utilização de tecnologias baseadas nos sistemas de informações geográficas (SIG) é uma alternativa de contribuição para o entendimento da dinâmica de distribuição dos casos de tuberculose (TB)(11 Barbosa IR, Pereira LMS, Medeiros PFM, Valentim RS, Brito JM, Costa ICC. Análise da distribuição espacial da tuberculose na região Nordeste do Brasil, 2005-2010. Epidemiol Serv Saúde[Internet]. 2013[cited 2016 Oct 1];22(4):687-95. Available from: http://scielo.iec.gov.br/pdf/ess/v22n4/v22n4a15.pdf
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). Apesar de serem da década passada, as SIG ainda são pouco usadas em saúde. Sua utilização é um começo para o desenvolvimento de modelos para traçar os locais de risco de doenças, principalmente da TB, sendo um importante instrumento para o gerenciamento e o planejamento de políticas de saúde(22 Santos NSGM, Santos MLSG, Vendramini SHF, Villa TCS, Ruffino-Netto A, Chiaravalloti Neto F, et al. Tuberculose e análise espacial: revisão da literatura. Cienc Enferm[Internet]. 2014[cited 2018 Sep 12];20(2):117-29. Available from: https://scielo.conicyt.cl/pdf/cienf/v20n2/art_12.pdf
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).

A TB configura ainda um grande problema de saúde pública no Brasil e chama atenção de autoridades em saúde em nível mundial. A doença está intimamente ligada às questões socioeconômicas da população(33 Coutinho LASA, Oliveira DS, Souza GF, Fernandes Filho GMC, Saraiva MG. Perfil epidemiológico da tuberculose no município de João Pessoa - PB, entre 2007-2010. Rev Bras Ciênc Saúde[Internet]. 2012[cited 2016 Oct 1];16(1):35-42. Available from: http://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/rbcs/article/view/10172/7085
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). O agravo atinge todas as faixas etárias, predominando nos indivíduos economicamente ativos (de 15 a 54 anos) e do sexo masculino(44 Ministério da Saúde (BR). Doenças infecciosas e parasitárias: guia de bolso. 8ª ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2010.).

O Brasil ocupa a 18ª posição em carga de tuberculose, representando 0,9% dos casos estimados no mundo e 33% dos estimados para as Américas. No estado do Pará, sete municípios são considerados prioritários para o Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT). Em 2015, o Pará apresentou uma taxa de incidência de 31 casos por 100 mil habitantes. O município de Belém, capital do estado, apresentou uma taxa de incidência de 45,8 por 100 mil habitantes, sendo responsável por metade dos novos casos no Pará(55 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Vigilância em Saúde. Perspectivas brasileiras para o fim da tuberculose como problema de saúde pública. Boletim Epidemiológico[Internet]. 2016[cited 2018 Sep 12];47(13):1-15. Available from: http://portalms.saude.gov.br/images/pdf/2016/marco/24/2016-009-Tuberculose-001.pdf
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-66 Ministério da Saúde (BR). Sistema nacional de vigilância em saúde: relatório de situação. 5ª ed. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2011.).

De acordo com o Atlas de desenvolvimento humano de 2013, o Brasil possui 74% dos seus municípios com alto e médio índice de desenvolvimento humano (IDH), sendo que 50% dos municípios da região Norte do Brasil têm médio IDH. O município de Belém, em 2010, apresentou alto IDH, de 0,746, sendo maior que a média nacional, de 0,727(77 Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal Brasileiro. Brasília, DF: PNUD; 2013. 96 p. (Série Atlas do desenvolvimento humano no Brasil 2013).).

O geoprocessamento é definido como um conjunto de tecnologias de coleta de dados que produz informação demográfica e contribui para o reconhecimento das condições de risco no território. Transformou-se em um instrumento válido para auxiliar na construção de mapas e ajudar no planejamento, no monitoramento e na avaliação das ações em saúde(88 Nardi SMT, Paschoal JAA, Pedro HSP, Paschoal VDA, Sichieri EP. Geoprocessamento em saúde pública: fundamentos e aplicações. Rev Inst Adolfo Lutz[Internet]. 2013[cited 2016 Nov 1];72(3):185-91. Available from: http://revistas.bvs-vet.org.br/rialutz/article/view/22284
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).

OBJETIVO

Analisar a distribuição geográfica espacial dos casos novos de tuberculose, relacionando-os com a localização das unidades de Atenção Primária em Saúde (APS) que realizaram a notificação compulsória.

MÉTODO

Aspectos éticos

O estudo seguiu as normas da Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde(99 Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Diário Oficial da União[Internet]. 2013 Jun 13[cited 2018 Sep 13];1:59. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html
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), sendo aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade do Estado do Pará, no dia 11 de novembro de 2015.

Desenho, local do estudo e período

Trata-se de um estudo ecológico, realizado no município de Belém, capital do estado do Pará, que se localiza na região Norte do Brasil. A capital paraense possui 71 bairros. O período do estudo foi de 2010 a 2014.

População, amostra e critério de inclusão e exclusão

A população do estudo foi constituída de 5.374 casos novos de TB notificados ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) pela Secretaria Municipal de Saúde de Belém (Sesma). De posse do banco de dados, realizou-se a filtragem, excluindo 80 casos que não apresentavam registro de endereço ou tinham preenchimento incompleto, resultando em uma amostra de 5.294 casos. Foram incluídos todos os casos novos de TB de residentes do município de Belém, com endereço registrado na ficha de notificação compulsória nas unidades de APS. Foram excluídos os casos de retratamento por recidiva e de readmissão após abandono, além daqueles oriundos de outros municípios e os notificados em hospitais.

Protocolo de estudo

O estudo foi desenvolvido a partir da obtenção dos dados, em fontes secundárias de domínio público e restrito, correspondentes aos dados cartográficos obtidos no Sistema de Referência Geocêntrico para as Américas (Sirgas) 2000, e aos dados populacionais obtidos no banco de dados do Censo 2010, ambos disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foram também obtidos os dados epidemiológicos referentes à notificação de casos de TB no Sinan, do Datasus, disponibilizados pela Sesma. Foram estudadas as seguintes variáveis: ano de notificação; unidade de APS notificante; bairro de residência do doente; bairro de localização das unidades de APS; endereço completo dos casos de TB e das unidades de APS.

Análise dos resultados e estatística

Incialmente os 5.294 casos que foram georreferenciados utilizando o sistema do Cadastro Nacional de Endereços para Fins Estatísticos (CNEFE – IBGE). Os mapas digitais utilizados foram obtidos através de dados da Companhia de Desenvolvimento e Administração da Área Metropolitana de Belém (Codem), do Google Maps e do IBGE.

Na segunda etapa foi realizada a depuração dos dados obtidos a partir do programa TabWin 36b, que culminou em um Banco de Dados Geográfico (BDGeo). Na terceira etapa foram utilizados os softwares ArcGis 10.2 e TerraView 4.2.2 para a construção do coeficiente de incidência em pacientes com TB na área de estudo, bem como da sua expressão visual em mapas digitais.

Para o cálculo de incidência utilizou-se o número de casos de TB e os dados populacionais do Censo 2010, multiplicando-se por 100 mil. Dessa forma, os mapas foram classificados em quatro categorias: baixo (menor ou igual a 3); médio (de 3 a 11); alto (de 11 a 71); e muito alto (maior que 71), seguindo o padrão cartográfico nacional.

Na quarta etapa, foi usado o interpolador de densidade Kernel com raio adaptativo com função de quártica, técnica da geoestatística utilizada para analisar o comportamento de padrões de pontos, fornecendo, por meio de interpolação, a intensidade pontual da incidência de TB em toda a área estudada.

Na sequência, foi aplicada a técnica geoestatística Moran global para identificar se houve correlação espacial entre as áreas segundo a presença ou não de casos de TB. Foi definido um valor de p < 0,05 para a análise de Moran global no sentido de comprovar a hipótese de significância geoestatística da possível correlação.

RESULTADOS

A Figura 1 mostra o padrão da TB nos anos de 2010-2014 em Belém-PA, permitindo visualizar que a incidência de TB não teve variação significativa de ano para ano no período estudado. O ano de 2011 foi o que apresentou o maior número de casos de TB, 1115.

Figura 1
Gráfico do número de casos de tuberculose no período de 2010-2014, Belém, Pará, Brasil

A Figura 2 mostra um padrão espacial agrupado, congregando todos os casos de todos os anos da pesquisa. Houve a presença de oito clusters, evidenciados pelo gradiente de cores. Os clusters observados são os bairros: Montese (18), Guamá (5), Jurunas (8), Telégrafo (21), Pedreira (20), Sacramenta (22), Marambaia (29) e Tapanã (39), com grande densidade de TB (> 200 casos). Porém observou-se uma interpolação de pontos entre os bairros de Sacramenta (22) e Barreiro (23), que pode estar relacionada a algum evento presente na área que justifique tal fato, a exemplo do aspecto socioeconômico.

Figura 2
Densidade de Kernel nos bairros de Belém, no período de 2010- 2014, Belém, Pará, Brasil

Áreas vizinhas dos clusters, compreendidas entre os bairros Batista Campos (9), Canudos (17), Fátima (15), Nazaré (13), Reduto (12), São Brás (16) e Umarizal (14), não apresentaram densidades tão significativas. Esses bairros ficam localizados na região histórica da cidade, onde a população apresenta nível socioeconômico mais elevado.

Outro local com presença de um corredor com baixa e muito baixa densidade de TB é a Ilha do Mosqueiro (53-71), nas proximidades da Baía de Marajó. Esse evento pode ser justificado por sua baixa densidade demográfica e pela migração dos casos de TB para a região central de Belém em busca de melhor atendimento de saúde.

A Figura 3 revela a localização das unidades de APS independentemente de terem notificado ou não casos de TB no período do estudo. Os clusters identificados apresentaram em média duas unidades de APS que notificaram os casos no raio de interpolação. Os bairros Tenoné (41) e Águas Negras (43), localizados no Distrito de Icoaraci, e o bairro Água Boa (52), no Distrito de Outeiro, apresentaram média e alta densidade de casos de TB, com unidades de APS não notificantes no raio de interpolação, o que mostra que os casos desses bairros estão sendo notificados em outros. Os casos de Tenoné (41) e Águas Negras (43) foram notificados em bairros vizinhos, como Coqueiro (38), Parque Guajará (40) e São João do Outeiro (50). Já os casos do bairro Água Boa (52) migraram para a unidade de saúde do Cruzeiro (48), que se localiza no mesmo distrito, apesar de não ser bairro vizinho.

Figura 3
Densidade de Kernel e localidade das unidades de Atenção Primária à Saúde de Belém, Pará, Brasil, 2010-2014

O corredor de baixa densidade, localizado na região histórica da cidade de Belém, não apresentou unidades de APS. O bairro do Marco (19) apresentou uma unidade de APS, porém fora do raio de interpolação do maior número de casos notificados, que se concentraram na fronteira com o bairro Montese (18), um território com grande vulnerabilidade social.

Ao se analisar a totalidade da capital paraense pelo o índice de Moran global, foi encontrado o valor de 0,042 (valor de p = 0,195), configurando autocorrelação espacial positiva. No entanto, a autocorrelação não apresentou significância estatística.

A Tabela 1 demonstra o quantitativo de casos de TB segundo os principais bairros de moradia. É possível identificar que os bairros Aeroporto, Cruzeiro, Fátima, Maracajá, Marco, Ponta Grossa, São João do Outeiro e Umarizal apresentaram quantitativo de notificação de casos oriundos de outros bairros muito superior ao de residentes.

Tabela 1
Número de casos de moradores e não moradores das unidades de Atenção Primária à Saúde notificantes, Belém, Pará, Brasil, 2010-2014

Os bairros Agulha, Barreiro, Mangueirão, Parque Verde, Ponta Grossa, Souza, Umarizal e Una não conseguiram notificar os casos residentes, visto que estes migraram para outros bairros. As unidades de APS dos bairros de Maracangalha e Vila não notificaram nenhum paciente do seu bairro. Os moradores da Vila foram notificados em Maracajá e Furo das Marinhas, e os de Maracangalha foram todos notificados nas unidades de APS do bairro da Marambaia.

Há que se ressaltar que os bairros Aeroporto, Benguí, Carananduba, Coqueiro, Curió-Utinga, Fátima, Maracajá, Marco, Parque Guajará, Ponta Grossa, Umarizal e Val-de-Cães notificaram expressiva quantidade de casos provenientes de outros bairros. Não obstante, os casos existentes na própria localidade migraram para bairros vizinhos.

DISCUSSÃO

A distribuição espacial dos casos de TB se mostrou homogênea durante o período estudado (2010-2014), não havendo mudanças significativas em número de casos: 2010 – 955 casos; 2011 – 1.115 casos; 2012 – 1.055 casos; 2013 – 1.084 casos; e 2014 – 1.085 casos. Dessa forma, pode-se supor que as ações de saúde das unidades ou as condições de vida e de ambiente dessas populações estejam influenciando na diminuição de casos de TB.

As ações que têm grande impacto no controle da TB foram estabelecidas pelo Programa Nacional de Controle da Tuberculose (PNCT) e visam a descentralização dessas ações para as diversas unidades de APS, a monitorização de indicadores, a educação em saúde nas unidades de APS e o diagnóstico precoce, evitando a disseminação da doença. Apesar de as unidades de APS serem as principais responsáveis pelo combate à TB, a presença de unidade no bairro não significa melhor acesso a esses serviços, o que pode ser comprovado pelo fato de que os bairros que apresentaram maior número de casos de TB são aqueles com maior quantidade de unidades de APS (Figura 3).

Neste estudo também pôde-se observar o predomínio da TB em áreas que agregam os bairros de mais baixas condições socioeconômicas, localizados nas regiões sul e sudoeste de Belém, ou seja, áreas com maior vulnerabilidade social. Já os bairros que apresentaram menor número de casos na série histórica são os bairros que, historicamente, apresentam melhor condição de vida, assim como em outros estudos brasileiros(1010 Araújo KMFA, Gomes LCF, Pinto ML, Silva TC, Bertolozzi MR. Evolução da distribuição espacial dos casos novos de tuberculose no município de Patos (PB), 2001-2010. Cad Saúde Colet[Internet]. 2013[cited 2016 Nov 1];21(3):296-302. Available from: http://www.scielo.br/pdf/cadsc/v21n3/v21n3a10.pdf
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11 Montechi LN, Coelho DMM, Oliveira CAR, Campelo V. Distribuição espacial da tuberculose em Teresina, Piauí, de 2005 a 2007. Epidemiol Serv Saúde[Internet]. 2013[cited 2016 Nov 1];22(3):475-82. Available from: http://scielo.iec.gov.br/pdf/ess/v22n3/v22n3a12.pdf
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12 Pinto ML. Padrões espaciais dos casos de tuberculose notificados no município de Cajazeiras/PB - 2001-2010[Dissertação]. Universidade Estadual da Paraíba; 2013. 23 p.
-1313 Hino P, Villa TCS, Cunha TN, Santos CB. Padrões espaciais da tuberculose e sua associação à condição de vida no município de Ribeirão Preto. Ciênc Saúde Colet[Internet]. 2011[cited 2016 Oct 1];16(12):4795-802. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v16n12/28.pdf
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).

Quando se discute a TB, a orientação é que se deve ter uma visão que vai além das características da clínica: devem ser envolvidas as condições de vida das pessoas, visto que não é recente a discussão de que a pobreza favorece a transmissão da TB e a relação dessas pessoas com as unidades de APS. Enquanto o controle da TB for considerado apenas com o olhar da intervenção biomédica, focada no alcance da cura, continuarão elevadas as taxa de prevalência e de incidência em nosso meio(1414 Braga JU, Herrero MB, Cuellar CM. Transmissão da tuberculose na tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina. Cad Saúde Pública[Internet]. 2011[cited 2016 Dec 1];27(7):1271-80. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csp/v27n7/03.pdf
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).

Outro fator que agrava a disseminação da TB é a migração entre os bairros, ocasionada pela busca de melhor atenção à saúde, acesso aos serviços e atenção gratuita(1515 Zhao F, Cheng S, He G, Huang F, Zhang H, Xu B, et al. Space-time clustering characteristics of tuberculosis in China, 2005-2011. PLoS ONE[Internet]. 2013[cited 2016 Dec 1];8(12):e83605. Available from: http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0083605
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). Esse fato é constatado com o fluxo de moradores de bairros que não apresentam unidade de APS notificante, ou cuja unidade não tem boa infraestrutura física, para os bairros vizinhos que possuem melhor atendimento de saúde. Isso ocasiona superlotação dessas unidades e, consequentemente, gera uma demanda reprimida de atendimento dos seus próprios moradores.

A unidade de saúde do bairro do Marco (19) está localizada em uma área que apresenta melhor saneamento básico, sem aglomeração de pessoas, maior circulação de ar – por ter ao seu lado uma região arborizada –, o que o diferencia da concentração de casos evidenciada no espaço geográfico próximo ao bairro Montese (18), que se caracteriza por apresentar aglomeração de pessoas e precárias condições de saneamento básico. O bairro do Marco (19) tem característica peculiar, com zonas socioeconomicamente desiguais. Por ser uma unidade de referência afastada do raio de interpolação da concentração de casos, recebe mais pacientes de outros bairros (176 casos) do que seus próprios moradores (135 casos).

Foi possível identificar que a taxa de incidência de TB de um bairro influencia na incidência do bairro vizinho, o que foi identificado pelo índice de Moran global de 0,042 (p = 0,195), que representou uma autocorrelação positiva entre os bairros; porém essa autocorrelação não apresenta significância estatística. Desse modo, os riscos de transmissão da TB em uma área podem ser influenciados pela epidemia de TB em áreas vizinhas(1616 Queiroga RPF, Sá LD, Nogueira JA, Lima ERV, Silva ACO, Pinheiro PGOD, et al. Spatial distribution of tuberculosis and relationship with living conditions in an urban area of Campina Grande - 2004 to 2007. Rev Bras Epidemiol[Internet]. 2012[cited 2016 Nov 1];15(1):222-32. Available from: http://www.scielo.br/pdf/rbepid/v15n1/en_20.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rbepid/v15n1/en...
). Um estudo realizado em Campo Grande mostrou valores que obtiveram autocorrelação espacial positiva entre os bairros, entretanto também não apresentou significância estatística para o período estudado (p = 0,18)(1717 Randremanana RV, Sabatier P, Rakotomanana F, Randriamanantena A, Richard V. Spatial clustering of pulmonary tuberculosis and impact of the care factors in Antananarivo City. Trop Med Int Health[Internet]. 2009[cited 2016 Oct 1];14(4):429-37. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/19228353
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/1922...
).

Vários estudos já investigaram fatores de risco para a TB, mas poucos têm examinado simultaneamente os impactos desses fatores sobre os serviços de saúde. Em Belém, observou-se que os clusters estão próximos a áreas que apresentaram unidades de saúde notificantes, ou seja, os casos de TB tendem a se concentrar nas proximidades do serviço de saúde, como evidenciado em Dabat, (Etiópia), em que as áreas identificadas com maior número de casos são áreas que oferecem o serviço de directly observed treatment short-course (DOTS)(1818 Tadesse T, Demissie M, Yemane B, Kebede Y, Abeb M. The clustering of smear-positive tuberculosis in Dabat, Ethiopia: a population based cross sectional study. PLoS ONE[Internet]. 2013[cited 2016 Dec 1];8(5):e65022. Available from: http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0065022
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). Isso pode ser explicado pelo fato de os serviços de saúde realizarem busca ativa dos sintomáticos, o que aumentaria o número de casos notificados, ou porque a unidade de saúde realiza palestras de educação em saúde, informando seus usuários sobre as manifestações clínicas da TB e sobre quando devem procurar o serviço de saúde.

É importante ressaltar que a proximidade geográfica do doente dos serviços de saúde não significa acesso garantido ao diagnóstico e ao tratamento eficaz. O acesso aos serviços de saúde, muitas vezes, torna-se difícil, seja por motivos do processo de trabalho dos profissionais, pelo estigma da doença, bem como pela resistência do usuário a procurar o serviço(88 Nardi SMT, Paschoal JAA, Pedro HSP, Paschoal VDA, Sichieri EP. Geoprocessamento em saúde pública: fundamentos e aplicações. Rev Inst Adolfo Lutz[Internet]. 2013[cited 2016 Nov 1];72(3):185-91. Available from: http://revistas.bvs-vet.org.br/rialutz/article/view/22284
http://revistas.bvs-vet.org.br/rialutz/a...
). Isso pode ser exemplificado quando se estuda os bairros em que os moradores se deslocam para outros locais para serem atendidos e, consequentemente, notificados.

Limitação do estudo

Uma limitação identificada neste estudo foi o fato de ter sido realizado com dados secundários, podendo haver subnotificação. Outra limitação diz respeito a ter sido restrito à cidade de Belém (PA), não permitindo generalização dos resultados, mas sendo capaz de oferecer subsídios para novas pesquisas.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

Os achados desta pesquisa poderão contribuir para o fortalecimento das ações de controle da TB na APS, tendo em vista que é nessas unidades que, prioritariamente, se realiza a busca de sintomáticos respiratórios, o diagnóstico e o tratamento dos casos. O enfermeiro integra a equipe multidisciplinar da APS e, historicamente, tem sido protagonista no combate da TB.

CONCLUSÃO

Embora os estudos de distribuição geográfica sejam recentes no Brasil, visualiza-se o geoprocessamento como uma das ferramentas mais utilizadas em análise espacial dos últimos anos, contribuindo para o planejamento, o monitoramento e a análise das políticas de saúde.

Na capital paraense, a incidência de casos manteve-se com pouca variação durante a progressão temporal estudada, visto que a incidência de casos pode ser influenciada por migração interna dos sintomáticos respiratórios buscando serviços distantes, geograficamente, de suas residências. Acredita-se que fatores como a baixa resolutividade dos serviços podem ser preponderantes nesse contexto.

Vale ressaltar a necessidade de que as unidades de APS sejam resolutivas em seus bairros, de modo que possam detectar precocemente todo os casos de TB, prevenindo a disseminação no meio social e diminuindo a incidência no município.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Set 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Oct 2019

Histórico

  • Recebido
    15 Fev 2018
  • Aceito
    26 Abr 2018
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